PERFIL
Ele escolheu o rio
para ser seu
melhor amigo
Com barco motorizado, pintor araçatubense percorre o Tietê
recolhendo o lixo que se espalha pelo local
LUCAS MATHEUS
A
luz do sol refletida nas águas
do rio Tietê, em Araçatuba,
ainda forma um cenário encantador para quem gosta de admirar
belas paisagens. Não é preciso andar
muito para encontrar pescadores que
passam a maior parte do dia acompanhados pelo som cristalino das torrentes e pelo canto atraente dos pássaros.
Muitos até vivem dos recursos que
o rio oferece. “Isso aqui para mim é
tudo, é minha riqueza”, diz um pescador, na simplicidade das palavras.
Mas uma ameaça vive por trás
desse cenário formoso e superficial.
A mesma que, hoje, assola o trecho
que corta a maior cidade do país. Pode
parecer paradoxo. Mas o rio que nasce limpo em Salesópolis, no Vale do
Paraíba, fica sujo e chega a morrer
ao passar por São Paulo. Pouca gente
percebe, talvez por não dar tanta importância, mas o Tietê que corre pela
região de Araçatuba, apesar de vivo,
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já não é mais o mesmo. “De uns dez
anos para cá, esse rio mudou bastante.
O ser humano está destruindo a natureza”, lamenta o pintor Marcos Canola, que há um ano, mantém um trabalho de consciência ambiental digno de
aplausos.
Com um barco motorizado, que
custou cerca de R$ 10 mil, sacos plásticos e demais equipamentos de coleta, ele percorre, a cada quinze dias –
e na maioria das vezes, sozinho – os
principais trechos do rio Tietê para
recolher o lixo acumulado no local.
“Já encontrei garrafas pets, pedaços
de redes, isopor, latinhas de cerveja,
pneus e até uma máquina de lavar
Quase sempre, ele
faz a limpeza do rio
sozinho; felizmente,
há outras pessoas
empenhadas
roupas”, conta. “Toda vez que venho
pescar, dedico pelo menos duas horas
para fazer esse trabalho”.
Em troca, Marcos espera ver todo
esse esforço valer à pena. Não por ele,
mas pelas próximas gerações, que correm o risco de conhecer o rio apenas
por fotos. “Tenho visto que o Tietê
está ficando pobre”, observa o pintor,
emocionado. Marcos já chegou a voltar para casa com o barco completamente lotado de lixo. “Uma vez, tirei
três sacos desses grandes cheios de
coisas. Quando vejo pontos de poluição, já saio recolhendo”, diz.
INICIATIVA
Marcos passou a notar os primeiros
sinais de poluição no rio quando saía
para pescar com os amigos. “Foi aí que
comecei a reparar e vendo toda aquela
sujeira fiquei inconformado”, desabafa. O pintor conta que foi inspirado
por um dos companheiros de pescaria,
que recolhia o lixo das margens do
Tietê. Ele gostou da iniciativa, achou
“Tenho visto que o Tietê está ficando pobre”, diz o pintor Marcos Canola
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Fotos: Lucas Matheus
interessante e decidiu colaborar.
Para ampliar o trabalho, que é voluntário, Marcos tirou dinheiro do
próprio bolso. “Gastei cerca de R$ 10
mil comprando um barco com motor
elétrico e bateria para poder percorrer
mais trechos”, diz o pintor, todo orgulhoso. Quase sempre, ele faz a limpeza
do rio sozinho, mas garante que pelo
menos dez pessoas estão empenhadas
nesse trabalho ambiental. “Criei uma
ONG chamada Amigos do Rio Tietê
e, aos poucos, as pessoas começaram
a se aproximar. Mandei fazer 40 camisetas com o nome da organização”,
conta. “A cada dia que passa, estou
mais forte nessa ação.”
Marcos faz jus ao nome da ONG
que criou. Nem mesmo a ação dos
bandidos o fez desanimar. Ele conta
que o motor do barco, avaliado em
R$ 4 mil, foi roubado durante uma
madrugada. “O equipamento estava
guardado na minha oficina. Eram três
da manhã quando o meu telefone tocou. Era a polícia avisando que o cadeado havia sido estourado”, relata.
“Minha primeira pergunta ao policial
foi: ‘meu barco está aí?’”
Mesmo sem o motor, Marcos continuou o trabalho contando com o
apoio de outras pessoas. A preocupação e o cuidado com as águas do Tietê
são maiores do que qualquer obstáculo. “Eu faço pensando no futuro, não
só no meu, mas no dos meus amigos
também”, relata. “Digo até emocionado, mas sinto que o rio pode morrer.
Antes, tinha tanto peixe aqui. Hoje,
só restaram os predadores”, lamenta.
“No futuro, penso até em abandonar
o meu trabalho na oficina para me dedicar exclusivamente ao rio. Só precisaria contar com o apoio de algum
patrocinador para manter o barco, o
motor e outros materiais.” P
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PERFIL
Projeto de estudante aponta indícios de contaminação no Rio Tietê; proliferação de algas prejudica oxigênio da água
Estudo pretende avaliar
qualidade da água do Rio
Tietê em Araçatuba
U
m projeto de iniciação científica desenvolvido por duas
araçatubenses pretende avaliar a qualidade da água do Rio Tietê que corta a região de Araçatuba. O
trabalho, que começou há cerca de um
ano, deve ajudar a traçar caminhos
para evitar a contaminação dos recursos hídricos. “O estudo vai contribuir
para a melhoria, controle e investigação do meio ambiente quanto à possível poluição dessa água, além de proporcionar informações para quem se
beneficia com o rio”, diz a professora
Clariana Zanutto Paulino da Cruz, co12 PRETEXTO
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ordenadora do projeto.
A iniciativa partiu da estudante de
Farmácia Aline Cristina da Silva Tanaka, de 21 anos, que concorre a uma
bolsa de iniciação científica. Para realizar o trabalho, já foram feitas três
coletas de água seguidas de análises
físico-químicas para comparação de
dados. “Existem indícios de contaminação nesse rio e, por isso, a gente
tem que tomar algumas providências
para não deixar isso acontecer”, diz a
universitária.
A coordenadora do projeto explica
que algumas alterações de parâmetros
físico-químicos já foram constatadas.
“Nós encontramos pequenas mudanças de fósforo total e nitrogênio amonical estipuladas pelo Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente)
para condições e padrões de qualidade
das águas doces”. As pesquisadoras
também notaram alta incidência de
algas no Rio Tietê. “As macrófitas
presentes no rio não são naturais deste ambiente, o que indica que há alta
concentração de matéria orgânica na
água. A proliferação delas é rápida e
consome o oxigênio da comunidade
aquática”, esclarece Clariana.
Em outubro, a pesquisa será apresentada em um congresso científico,
em São Paulo. “Estamos na fase de
validação dos dados e nossa ideia é
submeter o estudo para publicação em
revista científica”, diz.
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to - Lucas Carvalho