PERFIL Ele escolheu o rio para ser seu melhor amigo Com barco motorizado, pintor araçatubense percorre o Tietê recolhendo o lixo que se espalha pelo local LUCAS MATHEUS A luz do sol refletida nas águas do rio Tietê, em Araçatuba, ainda forma um cenário encantador para quem gosta de admirar belas paisagens. Não é preciso andar muito para encontrar pescadores que passam a maior parte do dia acompanhados pelo som cristalino das torrentes e pelo canto atraente dos pássaros. Muitos até vivem dos recursos que o rio oferece. “Isso aqui para mim é tudo, é minha riqueza”, diz um pescador, na simplicidade das palavras. Mas uma ameaça vive por trás desse cenário formoso e superficial. A mesma que, hoje, assola o trecho que corta a maior cidade do país. Pode parecer paradoxo. Mas o rio que nasce limpo em Salesópolis, no Vale do Paraíba, fica sujo e chega a morrer ao passar por São Paulo. Pouca gente percebe, talvez por não dar tanta importância, mas o Tietê que corre pela região de Araçatuba, apesar de vivo, 10 PRETEXTO JULHO 2013 já não é mais o mesmo. “De uns dez anos para cá, esse rio mudou bastante. O ser humano está destruindo a natureza”, lamenta o pintor Marcos Canola, que há um ano, mantém um trabalho de consciência ambiental digno de aplausos. Com um barco motorizado, que custou cerca de R$ 10 mil, sacos plásticos e demais equipamentos de coleta, ele percorre, a cada quinze dias – e na maioria das vezes, sozinho – os principais trechos do rio Tietê para recolher o lixo acumulado no local. “Já encontrei garrafas pets, pedaços de redes, isopor, latinhas de cerveja, pneus e até uma máquina de lavar Quase sempre, ele faz a limpeza do rio sozinho; felizmente, há outras pessoas empenhadas roupas”, conta. “Toda vez que venho pescar, dedico pelo menos duas horas para fazer esse trabalho”. Em troca, Marcos espera ver todo esse esforço valer à pena. Não por ele, mas pelas próximas gerações, que correm o risco de conhecer o rio apenas por fotos. “Tenho visto que o Tietê está ficando pobre”, observa o pintor, emocionado. Marcos já chegou a voltar para casa com o barco completamente lotado de lixo. “Uma vez, tirei três sacos desses grandes cheios de coisas. Quando vejo pontos de poluição, já saio recolhendo”, diz. INICIATIVA Marcos passou a notar os primeiros sinais de poluição no rio quando saía para pescar com os amigos. “Foi aí que comecei a reparar e vendo toda aquela sujeira fiquei inconformado”, desabafa. O pintor conta que foi inspirado por um dos companheiros de pescaria, que recolhia o lixo das margens do Tietê. Ele gostou da iniciativa, achou “Tenho visto que o Tietê está ficando pobre”, diz o pintor Marcos Canola JULHO 2013 Fotos: Lucas Matheus interessante e decidiu colaborar. Para ampliar o trabalho, que é voluntário, Marcos tirou dinheiro do próprio bolso. “Gastei cerca de R$ 10 mil comprando um barco com motor elétrico e bateria para poder percorrer mais trechos”, diz o pintor, todo orgulhoso. Quase sempre, ele faz a limpeza do rio sozinho, mas garante que pelo menos dez pessoas estão empenhadas nesse trabalho ambiental. “Criei uma ONG chamada Amigos do Rio Tietê e, aos poucos, as pessoas começaram a se aproximar. Mandei fazer 40 camisetas com o nome da organização”, conta. “A cada dia que passa, estou mais forte nessa ação.” Marcos faz jus ao nome da ONG que criou. Nem mesmo a ação dos bandidos o fez desanimar. Ele conta que o motor do barco, avaliado em R$ 4 mil, foi roubado durante uma madrugada. “O equipamento estava guardado na minha oficina. Eram três da manhã quando o meu telefone tocou. Era a polícia avisando que o cadeado havia sido estourado”, relata. “Minha primeira pergunta ao policial foi: ‘meu barco está aí?’” Mesmo sem o motor, Marcos continuou o trabalho contando com o apoio de outras pessoas. A preocupação e o cuidado com as águas do Tietê são maiores do que qualquer obstáculo. “Eu faço pensando no futuro, não só no meu, mas no dos meus amigos também”, relata. “Digo até emocionado, mas sinto que o rio pode morrer. Antes, tinha tanto peixe aqui. Hoje, só restaram os predadores”, lamenta. “No futuro, penso até em abandonar o meu trabalho na oficina para me dedicar exclusivamente ao rio. Só precisaria contar com o apoio de algum patrocinador para manter o barco, o motor e outros materiais.” P PRETEXTO 11 PERFIL Projeto de estudante aponta indícios de contaminação no Rio Tietê; proliferação de algas prejudica oxigênio da água Estudo pretende avaliar qualidade da água do Rio Tietê em Araçatuba U m projeto de iniciação científica desenvolvido por duas araçatubenses pretende avaliar a qualidade da água do Rio Tietê que corta a região de Araçatuba. O trabalho, que começou há cerca de um ano, deve ajudar a traçar caminhos para evitar a contaminação dos recursos hídricos. “O estudo vai contribuir para a melhoria, controle e investigação do meio ambiente quanto à possível poluição dessa água, além de proporcionar informações para quem se beneficia com o rio”, diz a professora Clariana Zanutto Paulino da Cruz, co12 PRETEXTO JULHO 2013 ordenadora do projeto. A iniciativa partiu da estudante de Farmácia Aline Cristina da Silva Tanaka, de 21 anos, que concorre a uma bolsa de iniciação científica. Para realizar o trabalho, já foram feitas três coletas de água seguidas de análises físico-químicas para comparação de dados. “Existem indícios de contaminação nesse rio e, por isso, a gente tem que tomar algumas providências para não deixar isso acontecer”, diz a universitária. A coordenadora do projeto explica que algumas alterações de parâmetros físico-químicos já foram constatadas. “Nós encontramos pequenas mudanças de fósforo total e nitrogênio amonical estipuladas pelo Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente) para condições e padrões de qualidade das águas doces”. As pesquisadoras também notaram alta incidência de algas no Rio Tietê. “As macrófitas presentes no rio não são naturais deste ambiente, o que indica que há alta concentração de matéria orgânica na água. A proliferação delas é rápida e consome o oxigênio da comunidade aquática”, esclarece Clariana. Em outubro, a pesquisa será apresentada em um congresso científico, em São Paulo. “Estamos na fase de validação dos dados e nossa ideia é submeter o estudo para publicação em revista científica”, diz.