Edição digital baseada no livro de João Dias de Araújo, Inquisição Sem Fogueiras,
2ª Edição, Instituto Superior de Estudos da Religião, Rio de Janeiro, 1982.
A presente versão não é final, pois podem haver possíveis erros de digitação no
texto. Por isso, solicitamos que sejam enviadas as observações, sugestões e outras
opiniões para endereço eletrônico: [email protected].
Capa: Júlio César de Oliveira.
ÍNDICE
O Autor
Siglas
Apresentação da 1ª Edição
Apresentação da 2ª Edição
Apresentação da Edição Digital
Introdução
Retrospecto Histórico
Inquisição Sem Fogueiras
Início da Radicalização Conservadora
A Extinção da Confederação Nacional da Mocidade Presbiteriana
Pressões sobre Pastores e Leigos Preocupados com Problemas Sociais
Impacto do Concílio Vaticano II
Ecumenismo
A Revolução de 1964
Expurgos nos Seminários
Crise em São Paulo
Templo com Correntes e Cadeados
Dissoluções e Despojamentos na Bahia
Dissolução do Sínodo Espírito-Santense
Voz Profética dos Presbitérios de Vitória e de Colatina
Expurgos e Isolacionismo
Considerações Sociológicas
Considerações Teológicas
Perspectivas Para o Futuro
Bibliografia
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O AUTOR
João Dias de Araújo nasceu num seminário da Igreja Presbiteriana do Brasil (IPB),
em Campinas, SP, onde seu pai estudava para o ministério da Palavra. Retornou
àquele seminário na década de quarenta para cumprir sua própria vocação. Após
sua ordenação, pastoreou por sete anos a Igreja Presbiteriana de Itacira, no
Presbitério de Campo Formoso, da IPB. Lá, no centro geográfico do Estado da
Bahia, desenvolveu ministério fecundo, aconselhou obreiros e pacientes do Grace
Memorial Hospital, professores e alunos na Escola de Auxiliares de Enfermagem e
no Instituto Ponte Nova, e ajudou a organizar o Instituto Bíblico Waddell. Escreve
para vários periódicos, e seu artigo sobre os Manuscritos do Mar Morto foi o primeiro
sobre este assunto a ser publicado em português. Foi chamado pelo Supremo
Concílio da IPB para ser professor de Teologia Sistemática e Ética Cristã no
Seminário Presbiteriano do Norte (SPN), em Recife, PE. Fez pós-graduação no
Seminário Teológico de Princeton, nos EE.UU. da A., e bacharelou-se em Direito,
em Recife. Como representante do Fundo de Educação Teológica, viajou ao Exterior
repetidas vezes, visitando seminários em países do Terceiro Mundo. Após doze
anos de cátedra no SPN, saiu de Recife para ser diretor do Colégio 2 de Julho, em
Salvador, BA, talvez o educandário evangélico mais conhecido no nordeste do País.
Muito conhecido como conferencista e professor de Bíblia, João Dias de Araújo é
ministro da Federação Nacional de Igrejas Presbiterianas (FENIP), atualmente
responsável por um novo projeto de educação teológica para leigos no Estado da
Bahia. Publicou quatro livros: Escondendo-se na Luz, São Paulo, 1952; Portas Cor
de Rosa, São Paulo, 1959; O Jovem Cristão e o Jovem Comunista, Recife, 1964;
Sê Cristão Hoje, Recife, 1970.
J. N. W.
19.11.82
SIGLAS
AIPRAL
AIRB
ASTE
BP
CD
CPJ
CEB
CES
CE/SC
CESE
CE/SSP
CGT
CI
CIIC
CIP
CMI
CMP
CNBB
COEMAR
FECICS
FENIP
ICCR
ICR
IPB
IPC
IPF
IPI
IPR
IPRJ
IPS
IPU
ISER
JMN
MPBC
PBH
POMN
PSP
PSVD
PVSF
SAF
SBH
SBS
SC
SES
SES-RJ
SFC
SPN
Associação de Igrejas Presbiterianas e Reformadas da América Latina
Aliança de Igrejas Reformadas do Brasil
Associação de Seminários Teológicos Evangélicos do Brasil
Brasil Presbiteriano
Código de Disciplina da Igreja Presbiteriana do Brasil
Colégio Dois de Julho
Confederação Evangélica do Brasil
Comissão Especial de Seminários
Comissão Executiva do Supremo Concílio
Coordenadoria Ecumênica de Serviço
Comissão Executiva do Sínodo de São Paulo
Comando Geral dos Trabalhadores
Constituição da Igreja Presbiteriana do Brasil
Conselho Internacional de Igrejas Cristãs
Conselho Inter-Presbiteriano
Conselho Mundial de Igrejas
Confederação Nacional da Mocidade Presbiteriana
Confederação Nacional dos Bispos do Brasil
Comissão de Missão e Relações Ecumênicas da Igreja Presbiteriana
Unida nos Estados Unidos da América
Fundação Educacional Cícero e Cecília Siqueira
Federação Nacional de Igrejas Presbiterianas
Igreja Cristã de Confissão Reformada
Igreja Cristã Reformada
Igreja Presbiteriana do Brasil
Igreja Presbiteriana Conservadora
Igreja Presbiteriana Fundamentalista
Igreja Presbiteriana Independente do Brasil
Igreja Presbiteriana Renovada
Igreja Presbiteriana na Cidade do Rio de Janeiro
Igreja Presbiteriana nos Estados Unidos
Igreja Presbiteriana Unida nos Estados Unidos da América
Instituto Superior de estudos da Religião
Junta de Missões Nacionais
Missão Presbiteriana do Brasil Central
Presbitério de Belo Horizonte
Presbitério Oeste de Minas
Presbitério de São Paulo
Presbitério de Salvador
Presbitério do Vale do São Francisco
Sociedade Auxiliadora Feminina
Sínodo Belo Horizonte
Sínodo Bahia-Sergipe
Supremo Concílio
Sínodo Espírito-Santense
Sínodo Espírito Santo - Rio de Janeiro
Seminário Presbiteriano do Centenário
Seminário Presbiteriano do Norte
SPS
UCEB
UPH
Seminário Presbiteriano de Campinas
União Cristã de Estudantes do Brasil
União Presbiteriana de Homens
APRESENTAÇÃO DA 1ª EDIÇÃO
Era necessária documentar os fatos que se desenrolaram dentro de uma instituição
religiosa brasileira, para servir de advertência e se constituir num brado de alerta à
comunidade ecumênica do século XX.
O que está acontecendo na Igreja Presbiteriana do Brasil (IPB) pode acontecer em
qualquer outro lugar deste planeta.
Os aspectos patológicos da vida religiosa que se manifestaram nestas últimas
décadas dentro de uma Igreja de pouco mais de um século de existência, atraíram a
atenção dos estudiosos do fenômeno religioso no Brasil e causaram espanto aos
observadores religiosos protestantes da Europa e dos Estados Unidos da América.
Entre os grupos que estudam a religião no Brasil está o Instituto Superior de Estudos
da Religião (ISER) que reúne professores, clérigos, ex-clérigos, leigos, sociólogos e
teólogos, formando uma equipe ecumênica voltada à pesquisa e ao estudo da
situação religiosa brasileira.
A crise na IPB, que sempre era mencionada nos seminários do ISER, merecia um
tratamento mais detalhado.
Estimulado e encorajado pelos companheiros do ISER, o autor desta pesquisa
resolveu fazer m estudo histórico descritivo e interpretativo, numa tentativa de
documentar e de compreender o que está acontecendo mim dos mais significativos
e expressivos grupos protestantes que floresceram no Brasil, na segunda metade do
século XIX - o presbiterianismo.
O ISER possibilitou a realização desta pesquisa, fornecendo os meios para que ela
fosse discutida e publicada. O autor apresenta aqui seu agradecimento aos colegas
que cooperaram, com esta pesquisa e que ainda poderão oferecer criticas para a
melhor compreensão dessa síndrome religiosa - o inquisitorialismo.
O trabalho é imperfeito e incompleto.
O autor diria, imitando a última frase de Euclides da Cunha em Os Sertões:
“É que ainda não existe um Alexandre Herculano para historiar a origem e o
estabelecimento da Inquisição Protestante.”
J. D. A.
Recife, dezembro de 1975.
APRESENTAÇÃO DA 2ª EDIÇÃO
Após sete anos tenho a oportunidade de ver esta pesquisa novamente publicada.
Neste ano também tive a alegria de ver este trabalho publicado em inglês, com a
título: Inquisition Without Burnings.
Agradeço as sugestões e críticas que recebi de vários leitores, amigos colegas, no
sentido de corrigir e melhorar a lª edição, que está agora corrigida e parcialmente
atualizada.
Infelizmente, a situação da IPB continua a mesma. Fatos semelhantes aos descritos
neste estudo continuam acontecendo. Alguns otimistas chegaram a profetizar que,
com a proposta de “abertura democrática” feita pelo governo militar brasileiro, a IPB
passaria para uma posição mais cordial e democrática. Puro engano. O regime
militar decretou a anistia, reintegrando punidos e banidos ao convívio da sociedade
brasileira. O regime eclesiástico, no entanto, nem cogita de compaixão e
magnanimidade para com seus perseguidos e cassados. A cúpula da IPB não só foi
a precursora de golpes neste País mas também a mantenedora de regimes
golpistas. Todas as propostas de abertura feitas por vários setores da IPB foram
solene e drasticamente rechaçadas por aqueles que ainda detêm o poder na Igreja.
E ainda oportuna a publicação desta 2ª edição porque a memória do nosso povo é
muito fraca, especialmente a do povo presbiteriano. Presbiterianos já estão
esquecendo os fatos destas duas décadas que marcaram profundamente a Igreja
que um dia foi implantada em nossa Pátria pelo ardente coração do jovem Ashbel
Green Simonton.
Volta e meia amigos e colegas de denominações presbiterianas irmãs indagam
sobre os acontecimentos inquisitoriais na IPB, preocupados em que tais
barbaridades não venham a se repetir em suas respectivas greis. Nutro a esperança
de que este estudo venha a contribuir positivamente para evitar repetições que tais.
Tenho agradecimentos especiais nesta 2ª edição. Ao tradutor para o inglês, Jaime
Wright, à sua esposa Alma pelo rastreamento das referências bibliográficas e siglas,
e à filha de ambos, Anita, pela sugestiva ilustração de capa. E ao Comitê de Defesa
de Direitos Humanos no Cone Sul (CLAMOR) por ter cedido sua máquina para este
serviço.
J. D. A.
Wagner (ex-Ponte Nova, ex-Itacira), BA, novembro de 1982.
APRESENTAÇÃO DA EDIÇÃO DIGITAL
Algumas palavras devem ser ditas, hoje, sobre o que significou a obra de João Dias
de Araújo para o protestantismo e presbiterianismo brasileiros. Quando Jaime Wright
verteu-o para o inglês, acrescentando uma preciosa bibliografia, subtitulou-a: Vinte
anos de história da Igreja Presbiteriana no Brasil: 1954-1974. O campeão dos
direitos humanos, conhecido como o mais importante entre os gigantes do
presbiterianismo brasileiro, rendeu-lhe um tributo merecido. O teólogo presbiterianounido, escorraçado pela IPB, registrou um momento dos mais importantes do
protestantismo e da opção calvinista e ecumênica, realçando o papel do grande
mestre da Reforma Protestante, matriz do ecumenismo que conhecemos e
aplaudimos, hoje (Zwínglio M. Dias).
Significativamente, é influenciado pelo movimento Igreja e Sociedade na América
Latina, impactado por uma teologia nova, social e politicamente realista, seu livro
rebela-se contra a religiosidade “eqüidistante,” sem engajamento e definitivamente
decidida a ficar em cima do muro vendo o trem da história passar, enquanto a
América Latina se transformava, e o Brasil com ela.
Um protestantismo presbiteriano infiel à Reforma se estabelecia como irremovível,
inclinado ao pietismo e ao fundamentalismo, sem comprometer-se com as lutas
contra a miséria, a fome, a doença, o trabalho negado; contra o distanciamento
referente à cobrança de dívidas sociais, políticas; contra a afirmação dos direitos
humanos e do exercício democrático de cidadania; contra as lutas do
reconhecimento do ecumenismo histórico, do impedimento à comunhão com as
tradições cristãs diversas, e até contra a discriminação de expressões do pluralismo
religioso, evangelical ou afro-brasileiro, a ponto de ser classificada, a ala libertária
dentro da IPB, de “modernista e comunista”. Pejorativamente, sem dúvida.
A ala da qual João Dias de Araújo fazia parte arriscou-se na experiência da
solidariedade diante da necessidade de fazer o presbiterianismo histórico original,
reformado, calvinista de fonte, essencialmente confessional, mais que um
presbiterianismo denominacional. Esforçou-se por fazer vigorar características latinoamericanas em suas lutas libertárias do colonialismo religioso, político, econômico e
cultural dentro do presbiterianismo e do protestantismo de fontes terciárias,
ideológico, culturalmente tendencioso e arrogante; defensor de uma falsa
originalidade reformada, como foi chamado no protestantismo das missões norteamericanas. Como comunidade de testemunho, propôs a resistência ao
autoritarismo religioso, enquanto se debatia contra o autoritarismo político da
ditadura militar. Sofreu, esse movimento presbiteriano libertário, a humilhação de ser
declarado pelos próprios presbiterianos de serem falsos teólogos, hereges, indignos
da Igreja Presbiteriana, sob as conseqüências da retirada de direitos pastorais de
muitos ministros; retirada de validade da ordenação de ministros, presbíteros,
diáconos, inclusive.
O presente relato não corresponde a interesses internos das igrejas presbiterianas
no Brasil, certamente refere-se à grande crise do protestantismo conservador, que
reage simultaneamente nas duas frentes: ecumenismo irrestrito e missão da Igreja
nas profundas transformações que ocorriam na América Latina. Responsabilidade
social é a chave de tudo. Mas não se exclui a luta pelo resgate do presbiterianismo
original, passando por João Calvino e João Knox, na Reforma Suíça e na Reforma
Escocesa, respectivamente.Numa conferência proferida recentemente, João Dias
dizia estas palavras: Havia já algum tempo que alguns teólogos presbiterianos
estavam fazendo observações sobre o tipo de calvinismo que era valorizado no
Brasil, especialmente pela IPB, mostrando que houve um afastamento histórico da
fonte eclesial de Genebra e da eclesiologia de Calvino. Emil G. Leonard em sua obra
clássica “O Protestantismo Brasileiro” preocupou-se com essa característica do
Presbiterianismo de segunda mão.
Escrevendo sobre o calvinismo dos primeiros missionários americanos que
plantaram o presbiterianismo no Brasil, diria: “Do ponto de vista doutrinal, o
calvinismo que (os missionários) acreditavam difundir já era uma diluição de
diluições anteriores; o presbiterianismo americano já era ele mesmo uma adaptação
do presbiterianismo britânico que por sua vez, através de um século de lutas contra
o catolicismo e o anglicanismo, se havia distanciado longamente do pensamento de
Calvino. E, quase sempre acontece com as Igrejas distantes de sua fonte de
inspiração – e, por isso mesmo mais ortodoxas em vontade que em espírito,o que
era importante para estes missionários era a adesão aos textos denominacionais
sob a forma da tardia e duvidosa Confissão de Fé de Westminster (1647).”
Este trabalho reflete alguma coisa a mais, no entanto. A teologia presbiteriana
brasileira teve sua origem na teologia presbiteriana do século XIX, nos Estados
Unidos. A teologia do presbiterianismo norte americano provinha, não só do
puritanismo inglês, mas também do calvinismo escocês, onde se define o
presbiterianismo sistemático, eclesiológico, organizacional, que ganhou o mundo.
Infelizmente, diz o próprio João Dias, os teólogos americanos que formaram os
missionários que atuariam no Brasil estavam mais preocupados com a polêmica
anti-liberal do que com o aprofundamento e a criatividade na teologia. Observemos
que Princeton, o grande reduto do presbiterianismo norte-americano, foi dominado
pelo fundamentalismo até os anos 40, no século passado. John Mackay
revolucionou esse grande centro teológico restaurando a tradição reformada
representada pela presença de Karl Barth, Emil Brunner, Joseph Horomadka, e
dando grande força à teologia norte-americana representada por Richard e
Reinhold Niebuhr, Paul Lehman e outros. Esta fase, porém, só vai refletir-se na
década de 60, especialmente com a presença no Brasil do teólogo precursor da
Teologia da Libertação Richard Shaull.
“A história da teologia presbiteriana nos Estados Unidos, no século passado, foi
marcada pelo conservantismo, pelo anti-liberalismo e pela volta ao Escolasticismo
Protestante do século XVII. Essas ênfases foram iniciadas pelo teólogo norte
americano Jonatham Dickinson, que na primeira metade do século XVIII, escreveu
um livro para defender o calvinismo radical. O historiador missionário Paul E. Pierson
enumera três características da teologia das Igrejas que enviaram missionários para
o Brasil: Denominacionalismo; falta de interesse por uma teologia científica;
preocupação com a disciplina e a retidão de caráter,” acrescenta o teólogo João
Dias na citada conferência.
O fundamentalismo formou correntes teológicas reacionárias à teologia libertária que
brotava, e João Dias, extremamente próximo de Richard Shaull, desde a famosa
Conferência do Nordeste, onde o protestantismo brasileiro foi sacudido pela atuação
da ISAL (Igreja e Sociedade na América Latina). Resultou num documento
importantíssimo também conhecido como Compromisso Social, “assumido” pela IPB
(1962). Contra a importância histórica do cristianismo primitivo acentuada na
libertação religiosa (História da Salvação); contra a pesquisa histórica da pessoa de
Jesus de Nazaré; contra o criticismo documental e hermenêutico das ênfases
neotestamentárias sobre a identidade real da comunidade primitiva,
fundamentalistas expressavam, como acontece ainda hoje, uma reação à
modernidade com extrema virulência. O debate público para a restauração do
passado ideal onde a autoridade religiosa não era questionada, uma espécie de
contra-reforma dentro do próprio protestantismo brasileiro, tomava corpo. Seus
conteúdos abrangiam as igrejas e as famílias, a autoridade do varão, do pai; a
autoridade de um governo central capaz de impor normas de conduta moral quanto
ao aborto, a homossexualidade, o feminismo, e em geral contra a secularização das
escolas públicas e dos cerimoniais nacionais que afirmavam o apoio e a presença
divina em todos os atos públicos do governo. No plano internacional, apóia o
intervencionismo estadunidense, como ainda se vê.
Afirmava-se, entre presbiterianos, os cinco pontos inegociáveis com a modernidade:
1. Da inerrância da Bíblia, inclusive a literalidade dos escritos bíblicos, donde
surgiram traduções comentadas sob inspiração fundamentalista e do biblicismo
literalista idolátrico das Escrituras (como o legalismo neotestamentário) ; 2. Do
nascimento virginal do Salvador; sua mãe terrena, em acordo com o integrismo
católico-romano, que concebeu e deu à luz como virgem, preservando a concepção
humana mas sem pecado, e a divindade de Cristo, enquanto homem de Nazaré,
concomitantemente; 3. Do sacrifício vicário substitutivo: na cruz, em nosso lugar,
confirmando o entendimento medieval da "satisfação" da justiça divina em um único
escolhido e determinado; Cristo sempre foi divino, no entanto invulnerável à
condição humana; 4. Da ressurreição física e concreta de Jesus, sem discutirem-se
as demais ressurreições citadas nos evangelhos e nos escritos apostólicos; 5. Da
volta iminente de Cristo para julgar os pecadores, quando os salvos seriam
arrebatados ainda em vida. Confirmavam-se teorias como a "dispensação da Lei" e
a "dispensação da Graça", separadamente, mas ainda em vigor. A Lei condiciona a
Graça, é o seu entendimento final. Fica patenteada a negação da teologia da
Reforma, portanto, e a restauração da escolástica medieval.
Talvez, à primeira vista, tal a familiaridade que temos com o fundamentalismo, nem
nos damos conta dos significados desse "pontos fundamentais," uma vez que eles
fazem parte indiscutível do que ensinaram os missionários fundadores do
protestantismo no Brasil e também da pregação fundamentalista na maioria absoluta
dos púlpitos presbiterianos e evangelicais; e da negação da necessária releitura da
Bíblia. Quantos professam essa mesma concepção e não o confessam?
De qualquer forma, não corre o risco, esta versão eletrônica, de fazer citações que
não possam ser sustentadas documentalmente. Enquanto não se publica este
trabalho, materiais novos, pesquisa mais recente, têm chegado ao nosso ambiente
de estudos. Cito três, entre os mais importantes: O Novo Rosto da Missão, de Luiz
Longuini Neto, Ultimato, 2002 – Uma abordagem de grande interesse teológico,
pesquisa científica de valor incalculável que relata grande parte dos acontecimentos
desde o período chamado Protestantismo de Missões, passando pelos albores do
movimento ecumênico, Igreja e Sociedade na América Latina – ISAL, e as reações
do movimento evangelical que o julgava demasiado interessado na revolução social.
Esse trabalho recente valoriza as propostas eclesiológicas e teologias que alcançam
a realidade latino-americana que encontram um campo fértil de experimentos
pastorais mais próximos da diaconia sugerida pela idéia da Missão Integral, ou
Missio Dei (Missão de Deus).
Os outros dois, referem-se ao trabalho do extraordinário teólogo Richard Shaull. Um
deles Surpreendido pela Graça, Record,2003, uma biografia assinada pelo referido
autor, traduzida por Waldo César. O último é de autoria do teólogo Eduardo
Galasso, Fé e Compromisso, ASTE, 2002. É um trabalho resumo da teologia e
trajetória de Richard Shaull no Brasil. Cito as três obras por sua relação direta com
a Teologia da Libertação, inequivocamente inaugurada pelo grande teólogo R.
Shaull, compartilhada por João Dias de Araújo e outros teólogos como Joaquim
Beato, Jovelino Ramos, Claude Emanuel Labrunie, Zwínglio Mota Dias, e outros
presbiterianos,
que gerou um movimento de busca da igreja confessional
reformada, mais que denominacional, com forte apoio no ecumenismo reformado,
historicamente sustentador e apoiador das mais importantes idéias libertárias dentro
da comunhão das igrejas provindas da revolucionária Reforma Protestante.
Não temos que afirmar o projeto eclesiástico presbiteriano triunfalmente, desde as
bases, para reformar uma Igreja que por natureza é reformata semper reformanda. É
preciso evitar o que está em andamento, no entanto. Hoje, seguramente, nem tudo
que se diz “evangélico” é, de fato, evangélico. O evangelicalismo pluralista,
dispersivo, faz absoluta questão de esquecer o caráter protestante do
presbiterianismo calvinista , receoso, talvez, do universalismo ecumênico que ele
representa. Concentração de poder pode ser solução para as igrejas autoritárias,
conservadoras, fundamentalistas. Não é solução para uma igreja que propôs
renovar o protestantismo brasileiro enquanto se renovava a si mesma, dirá João
Dias de Araújo nesta obra magistral. Esse princípio calvinista jamais permitirá que o
presbiterianismo brasileiro pudesse considerar-se um projeto fechado, acabado. Não
se pode abandoná-lo, em seus conceitos libertários. Precisamos anular a ideologia
evangelical em nosso meio, e apostar na Igreja Protestante e Reformada,
“reformada sempre se reformando” (Calvino).
Ela, a Igreja Presbiteriana, em alguns setores, já fez por merecer nossa confiança de
que vai dar certo para nossos filhos, assim como deu certo para nós que brotamos
de igrejas autoritárias e sempre prezamos a liberdade e o diálogo. Ela ama a
hospitalidade, malgrado a hostilidade de seu governo ao ecumenismo e as novas
teologias, ao mesmo tempo em que exercita sua criatividade diante dos desafios de
comunidades novas, ecumênicas, proféticas, diaconais. Na verdade, crises de
identidade não se resolvem com políticas concentradoras de poder, como na IPB
legalista e fundamentalista. A história comprova que o poder concentrado consomese por si mesmo. As novas comunidades, como a IPU, também não se livraram
desse interesse autoritário. De fato, é muito difícil viver sob governos conciliares,
consensuais, onde as bases eclesiásticas das igrejas locais, o laós (povo) da Igreja,
se pronunciem e façam parte das decisões da igreja toda bem como de auto
determinação sobre suas políticas eclesiásticas.
Derval Dasilio∗
∗
Professor da Faculdade de Teologia Richard Shaull / IPU. Filiado à ASETT (Associação Ecumênica
de Teólogos/as do Terceiro Mundo)
INTRODUÇÃO
No ano de 1954 inaugurava-se uma época de profunda crise política no Brasil, com
o suicídio inesperado do presidente Getúlio Vargas. Nesse mesmo ano, a Igreja
Presbiteriana do Brasil (IPB) resolve ser mais rígida e menos democrática.
Logo depois, um professor foi expulso do Seminário Presbiteriano do Norte (SPN)
em Recife, por questões doutrinárias. Era um missionário da “Junta de Nova York”.
O movimento “fundamentalista” penetra nos arraiais presbiterianos e cria, pela
primeira vez na história do cristianismo brasileiro, uma equipe de “caçadores de
heresias”.
O movimento da Mocidade Presbiteriana, que era a vanguarda do presbiterianismo
nacional, dissolvido com o ato da extinção da Confederação Nacional da Mocidade
Presbiteriana (CMP), promulgado pela Comissão Executiva do Supremo Concílio da
IPB (CE/SC). Os jovens mais dinâmicos e os futuros líderes são lançados no
ostracismo.
O jornal Mocidade, que durante 14 anos vinha debatendo os mais variados assuntos
que preocupavam os moços, está interditado, proibido de circulação, e sua diretoria
está dissolvida.
A direção da IPB exerce fortes pressões contra pastores e líderes que se preocupam
com problemas sociais do Brasil. Vários são perseguidos e repelidos porque
denunciaram males estruturais da realidade brasileira.
O diretor do jornal oficial da igreja, Brasil Presbiteriano, foi pressionado a deixar a
direção do jornal porque debate assuntos políticos, sociais e econômicos.
Editorial do Brasil Presbiteriano recomenda que um seminarista de Campinas deve
“usar batina”, porque chamou os católicos de “nossos irmãos”.
Vários pastores escrevem artigos nos quais opinam que os esforços do movimento
ecumênico não passam de “laços de Satanás”, manobras astutas de Roma...
Vários pastores são despojados (expulsos do ministério) porque participam de
cerimônias ecumênicas, ao lado de sacerdotes católicos.
Estão proibidas as seguintes práticas ecumênicas: casamentos ecumênicos e
participação de padres nos púlpitos presbiterianos, mesmo que fiquem em silêncio.
Fica decidido que concílios que não punem pastores e presbíteros que participam de
cerimônias ecumênicas proibidas, devem ser punidos.
O Supremo Concílio (órgão máximo da IPB) considera passíveis de disciplina
eclesiástica os membros de igrejas que aceitam ser testemunhas em casamentos
realizados pela Igreja Católica.
- 13 -
A IPB tem participação no golpe militar da direita, apoiando o novo regime e, através
de seus juristas elabora atos institucionais para a ditadura.
Vários pastores, presbíteros, professores de seminários e jovens estudantes são
perseguidos pelas lideranças da IPB e acusados de comunistas, subversivos e
modernistas. Foi proposto, no jornal Brasil Presbiteriano, um expurgo dentro da
Igreja.
Um jovem é elogiado pela Comissão Executiva do Suprem Concílio (CE/SC) porque
serviu como espião do presidente do SC e denunciou vários preletores e muitos
participantes do VI Congresso Nacional da Mocidade Presbiteriana.
Foi criada a Comissão Especial dos Seminários (CES) para expulsar professores e
alunos que eram favoráveis ao no movimento ecumênico e que se preocupam com
problemas sociais.
São expulsos cinco professores e trinta e nove alunos do Seminário Presbiteriano de
Campinas (SPS), porque não aceitaram a investigação da CES.
É fechado o Seminário Presbiteriano do Centenário (SPC), em Vitória, no estado do
Espírito Santo, e expulsos todos os professores e alunos porque não estão de
acordo com a teologia e a estratégia da direção da IPB.
Foram expulsos quatro professores e vários alunos do SPN, porque eram favoráveis
ao movimento ecumênico e a participação da Igreja na solução dos problemas
sociais e econômicos do nordeste.
Foram dissolvidos o Sínodo Bahia-Sergipe e o Presbitério de Salvador e pastores
foram despojados porque não apoiavam os desmandos da direção da Igreja. Outros
presbitérios foram dissolvidos pelo mesmo motivo, no sul do país, porque, como os
da Bahia, participavam do movimento ecumênico e da luta pela libertação do
homem.
Cerca de cinqüenta pastores são despojados, e outros renunciam o pastorado
durante esta crise.
O Sínodo Espiritossantense foi dissolvido e dois de seus presbitérios foram
transferidos ilegalmente para a jurisdição do Sínodo de São Paulo.
Uma igreja é fechada com pesadas correntes e cadeados, porque seus membros
elegeram um pastor que não é aceito pela direção da IPB. O templo só foi pelas
autoridades judiciais.
O SC dá ultimato à Igreja Presbiteriana Unida nos Estados Unidos da América (IPU),
exigindo a transferência incondicional das propriedades e instituições à IPB antes de
qualquer nova reunião entre as duas Igrejas.
Quatro missionários da IPU são considerados inimigos da IPB, e dois deles são
denunciados Perante os órgãos de segurança.
- 14 -
A CE/SC resolve fazer um dossiê das atividades e pronunciamentos dos
missionários da IPU.
A IPB rompe, unilateralmente, as relações com a IPU, a Igreja que mandou os
primeiros missionários presbiterianos para o Brasil.
Foram rompidas as relações da IPB com a Associação dos Seminários Teológicos
Evangélicos (ASTE), com a Sociedade Bíblica do Brasil (SBB), com a Associação de
Igrejas Presbiterianas e Reformadas da América Latina (AIPRAL), com a Aliança
Mundial de Igrejas Reformadas (AMIR), com o Dia Mundial de Oração e, com todas
as organizações que mantêm qualquer vínculo com o Conselho Mundial de Igrejas
(CMI).
É rejeitada uma grande oferta a crianças órfãs do Nordeste, enviada pela Igreja
Reformada da Holanda, pelo fato de ser enviada através de um órgão do CMI.
São retirados dos seminários teológicos quase todos os professores que têm cursos
de doutorado, mestrado, e pós-graduação, ficando em seus lugares pastores de
pouca preparação teológica.
Nenhum candidato ao ministério pode ser ordenado ao pastorado sem a aprovação
da CES, negando assim os poderes natos dos presbitérios.
Os pastores perseguidos e injustiçados pela IPB não podem pleitear suas causas na
justiça secular, sem primeiro ficarem afastados de suas atividades, através de um
pedido de “licença compulsória”.
As igrejas locais que não estão de acordo com a administração da IPB são
ameaçadas de perder seus templos e propriedades.
Os pastores que foram despojados e os professores que foram expulsos dos
seminários estão sem direito de defesa.
Agora é prática normal denúncias contra pastores, missionários, e concílios perante
os serviços de segurança.
As arbitrariedades, perseguições, ódios e vinganças do presidente do SC são
aprovados pelos seus auxiliares, que se desculpam dizendo que não podem
contrariar o “Chefão”.
Os concílios começam a agir e a funcionar mais como tribunais do que como
concílios. O Código de Disciplina da IPB (CD) transforma-se em Código Penal.
Dezenas de pastores despojados e professores de seminários expulsos ficaram em
deplorável situação financeira porque perderam casas e salários.
A ênfase na evangelização é substituída pelo zelo farisaico, pela pureza e pelas
tradições da Igreja com armas para preservação do poder político-eclesiástico.
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O medo domina muitas igrejas e pastores: as igrejas com medo de perder suas
propriedades; os pastores, com medo de perder seus salários, suas casas e suas
igrejas. O silêncio impera.
Nunca, em toda a sua história, a IPB precisa de tantos advogados para defesas e
acusações. Pela primeira vez ela é ré em dezenas de processos judiciais.
Instalou-se, na Igreja Presbiteriana do Brasil, a “inquisição sem fogueiras”.
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RETROSPECTO HISTÓRICO
Na madrugada do dia 12 de agosto de 1859, um navio norte-americano aportou na
Baía de Guanabara. Um dos passageiros era o jovem de 26 anos chamado Ashbel
Green Simonton. Foi enviado pela Junta Missionária da Igreja Presbiteriana Unida
dos Estados Unidos da América, Com sede em Nova York.
A data da chegada de Simonton no Rio de Janeiro marca o início da Igreja
Presbiteriana do Brasil. Não desconhecemos as outras duas tentativas feitas
anteriormente para o estabelecimento do cristianismo evangélico calvinista no Brasil.
A primeira foi realizada pela Igreja Reformada da França, no ano de 1555, quando
foi iniciada a criação da França Antártica. A segunda foi efetuada pela Igreja
Reformada da Holanda, no ano de 1624. Essas tentativas se frustraram e deixaram
apenas vestígios em monumentos e em alguns aspectos culturais em Pernambuco e
na Bahia.
A figura de Ashbel Green Simonton, que morreu de febre amarela aos 34 anos e que
teve um ministério de apenas 8 anos no Brasil, deixou indelével marca de
pioneirismo.
Seus trabalhos mais importantes merecem uma lembrança permanente nestas
terras sul-americanas. Ele criou o primeiro curso de alfabetização para adultos, com
o fim de popularizar a Bíblia (1860). Instalou, com o auxílio de outro missionário
(Blackford), os primórdios da “Livraria Evangélica”, pois ambos eram colportores.
Organizou a primeira Igreja Presbiteriana no Brasil (12.01.1862). Lançou o jornal
Imprensa Evangélica (05.11.1864), órgão pioneiro do jornalismo evangélico em
língua portuguesa em nossa pátria. Tomou parte na fundação da primeira “igreja
filha”, em São Paulo (1863). Instalou o primeiro concílio presbiteriano: Presbitério do
Rio de Janeiro (16.12.1865). Ordenou o primeiro pastor protestante brasileiro, o expadre José Manuel da Conceição (1865). Fez publicar o livro de hinos, Cânticos
Sagrados, de autoria do poeta Santos Neves (1867). Fundou simultaneamente a
primeira escola mista de ensino primário no Brasil (chamada mais tarde de “Escola
Americana”) e o primeiro seminário teológico da América Latina.
Este início se desdobra em vários períodos de expansão e de organização do
presbiterianismo no Brasil.
Para fazermos um retrospecto histórico, usaremos o esboço do historiador Júlio
Andrade Ferreira que divide a história da IPB em 5 períodos.
1º Período (1859-1869) - Primeiros Esforços
Este primeiro período marcou uma das tendências que irá percorrer toda a história
do presbiterianismo brasileiro. Essa tendência se refletiu pela influência dos
missionários da Junta de Nova York e pela atuação marcante do primeiro ministro
presbiteriano brasileiro o ex-Padre José Manuel da Conceição.
Foi uma fase pioneira, com já vimos pela lista dos principais trabalhos de Simonton.
Estabeleceu-se a infra-estrutura tradicional da Igreja: (a) a escola dominical; (b)
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RETROSPECTO HISTÓRICO
distribuição de Bíblias; (c) as pregações evangelísticas; (d) a literatura devocional e
de propaganda da fé; (e) o jornal da Igreja; (f) a educação teo1ógica; (g) a estrutura
conciliar; (h) a hinódia; (i) a educação.
Os primeiros convertidos que professaram a fé, filiando-se à IPB, foram dois
estrangeiros: o norte-americano Henry Milford e o português Camilo Cardoso de
Jesus. Simonton recebeu a cooperação de seu cunhado Alexander Latimer
Blackford, que veio para o Brasil por motivo de saúde, mas que aqui foi ordenado e
fez posteriormente um curso breve de teologia nos Estados Unidos. Outro
colaborador foi o missionário Rev. Francis Joseph Christopher Schneider, que tentou
trabalhar com os colonos alemães mas, diante do fracasso desse empreendimento,
passou a trabalhar com Simonton, especialmente no seminário.
Sobre a obra e a importância do grande José Manuel da Conceição falaremos mais
adiante, quando tratarmos das relações da IPB com a Igreja Católica.
2º Período (1869-1888) - Expansão Missionária até a organização do Sínodo
Brasileiro
No segundo período, o presbiterianismo brasileiro recebe outra influência com a
chegada de missionários da Igreja Presbiteriana do Sul dos Estados Unidos (IPS)
enviados pela Junta de Nashville. A chegada desses missionários está relacionada
com a emigração de norte-mericanos que vieram para o Brasil após a Guerra da
Secessão nos Estados Unidos. Estavam descontentes com a situação política e
econômica dos Estados Unidos e eram escravistas. Com os emigrantes vieram dois
pastores, Emerson e Baird, que trabalharam somente com os colonos. Os dois
missionários enviados pela Junta de Nashville, George Nash Morton e Edward E.
Lane, se fixaram em Campinas. Morton se destacou com educador, no Colégio
Internacional de Campinas. Lane se dedicou mais à evangelização nos arredores de
Campinas e ao largo da Estrada de Ferro Mogiana.
A IPS se interessou pelo Nordeste e enviou para Recife John Rockwell Smith,
grande pioneiro e líder. Além de seus trabalhos de pregação, preparou os primeiros
pastores da região: Belmiro de Araújo César, José Primênio, João Batista de Lima,
William Calver Porter, cunhado de Smith. Foram companheiros de Smith os
seguintes missionários que chegaram depois ao Nordeste: Delacey Wardlaw,
George William Butler e John Boyle. Este último estranhou o clima quente e úmido
do Recife e teve de ir para as paragens mais amenas do centro-sul, onde fez um
intenso trabalho de evangelização, na Estrada de Ferro Mogiana e no Triângulo
Mineiro.
Outro feito importante deste período foi a recuperação do primitivo seminário no Rio,
graças aos esforços de Blackford. Foram quatro os primeiros candidatos ao
ministério: Modesto Perestrelo Barros de Carvalhosa, Antônio Bandeira Trajano,
Miguel Gonçalves Torres e Antônio Pedro de Cerqueira Leite. Esses quatro são
considerados pelo historiador Ferreira com “esteios do ministério nacional”.
Em 1880, dois novos pastores foram ordenados, tendo obtido sua preparação na
companhia dos missionários e dos primeiros pastores nacionais, num tipo de
seminário ambulante: Zacarias de Miranda e Eduardo Carlos Pereira. Alguns anos
- 18 -
RETROSPECTO HISTÓRICO
mais tarde foram ordenados: João Pinheiro de Carvalho Braga, Caetano Nogueira e
Antônio Manuel de Menezes.
Na Bahia o presbiterianismo chegou primeira que em Pernambuco, pois Schneider
chegou a Salvador em 1871, onde demorou até 1877. Em Sergipe o pregador
presbiteriano que primeiro chegou foi John Benjamin Kolb.
George W. Chamberlain funda a Escola Americana em São Paulo. George A.
Landes e Robert Lenington evangelizam o Paraná. Emmanuel Vanorden funda o
trabalho no Rio Grande do Sul.
No ano de 1888 havia no Brasil 20 missionários estrangeiros e 12 pastores
nacionais. Havia 59 igrejas. Havia quatro presbitérios: do Rio de Janeiro, de
Pernambuco, de Minas Gerais e de São Paulo. As sessões do 1º Sínodo foram
realizadas na igreja do Rio de Janeiro, de 30 de agosto a 19 de setembro de 1888.
3º Período (1888-1903) - Lutas eclesiásticas e a cisão de 1903
Neste período, a Igreja recebeu a influência do grande líder Eduardo Carlos Pereira.
Sua personalidade marcante dividiu a Igreja.
Foi um período cheio de problemas. O primeiro foi o da febre amarela que dizimou
grande parte dos missionários pioneiros.
Além disso surgiram problemas internos na Igreja.
O Sínodo criou o seminário, mas os missionários divergiam quanto à sua
localização, por isso demoravam em organizá-lo. Apesar disso, novos candidatos
estavam sendo preparados e ordenados pelo sistema de aulas avulsas: Álvaro Reis,
Benedito Ferraz de Campos, Herculano Gouveia, João Vieira Bezarro, Bento Ferraz,
Flamínio Rodrigues e Lino da Costa.
O Colégio Internacional de Campinas foi transferido para Lavras. Novos missionários
americanos surgem para substituir os falecidos.
O seminário do Sínodo teve início em Nova Friburgo, no Estado do Rio de Janeiro.
Eduardo Carlos Pereira organizou o instituto teo1ógico em São Paulo. O Sínodo de
1894 resolveu reunir essas duas escolas de teologia em São Paulo.
Surge o problema do Mackenzie, dirigido por Horacio Lane. Eduardo Carlos Pereira
era contra a orientação dos missionários em relação ao Mackenzie. Pereira queria a
“educação dos filhos da Igreja pela própria Igreja”. Houve uma divisão de opiniões
sobre a política missionária em relação ao destino das verbas enviadas pelas Igrejas
norte-americanas.
Desapareceu o jornal Imprensa Evangélica, fundado por Simonton.
Em 1898 surge o problema da maçonaria. A pergunta era esta: “Pode o crente ser
maçom?” Uma discussão amarga em que brasileiros e norte-americanos se
desgastaram.
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RETROSPECTO HISTÓRICO
Quando o Sínodo se reuniu em 1903, três problemas agitavam a Igreja: a questão
missionária, a questão maçônica e a questão educativa. Nesse Sínodo se deu a
primeira cisão no protestantismo brasileiro. Sete ministros e catorze presbíteros se
retiram da IPB no dia 31 de julho e fundam a Igreja Presbiteriana Independente do
Brasil (IPI).
4º Período (1903-1917) - Desde a origem da IPI até a criação da
Comissão “Modus Operandi”
No quarto período a figura de destaque é Erasmo Braga que é considerado com a
maior expressão do protestantismo brasileiro.
Vários fatos importantes aconteceram neste período. Houve crescimento tanto na
IPB com na IPI.
O seminário foi transferido para Campinas, em 1907. Foi também criado o Seminário
do Norte, em Garanhuns, que foi transferido para o Recife em 1918.
A missão em Portugal é incentivada por Álvaro Reis e Erasmo Braga.
Foi um período de criação de grandes colégios. Em Natal, em Recife (Colégio Agnes
Erskine), e “15 de Novembro” em Garanhuns, o Instituto Ponte Nova, no interior da
Bahia.
George W. Butler, em Pernambuco, e William A. Waddell, na Bahia, tornaram-se
figuras legendárias, o primeiro na medicina e o segundo na educação.
O presbiterianismo é estabelecida em Goiás com Franklin F. Graham, e em Mato
Grosso com Philip S. Landes. O leste de Minas Gerais e o Espírito Santo tornam-se
celeiro do evangelismo presbiteriano. O interior e o litoral de São Paulo são
evangelizados.
O grande pregador Álvaro Reis brilha no púlpito do Rio e se destaca na direção do
jornal O Puritano que passou a ser órgão oficial da IPB. Surge outro jornal no norte:
Norte Evangélico.
Três sínodos formaram a Assembléia Geral (anos mais tarde, seria chamada,
Supremo Concílio) da IPB em 1910: o Sínodo do Norte, o Sínodo do Sul e o Sínodo
Central.
O congresso ecumênico do Panamá, em 1916, contou com a participação de
Erasmo Braga e Álvaro Reis.
A nova política de relação entre a Igreja brasileira e as missões norte-americanas
era aprovada pela Assembléia Geral em 1917, na qual se estabeleceu uma divisão
de campos entre missionários e pastores brasileiros. Aqueles ficavam nos novos
campos do interior e estes nos grandes centros e nas igrejas estabelecidas. Foi
criada a Comissão “Modus Operandi”, composta por 3 representantes de cada
entidade: da Junta de Nashville, da Junta de Nova York e da IPB.
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RETROSPECTO HISTÓRICO
5º Período (1917-1959) - Da Formação da Comissão “Modus Operandi” até a
Campanha do Centenário
Neste período há uma grande expansão dos campos missionários e uma
proliferação de novos presbitérios. Por outro lado, a Igreja começa a debater
seriamente a sua missão dentro da realidade brasileira, ao completar um século de
existência.
Criou-se a “Junta Mista de Missões Nacionais”, depois chamada Junta de Missões
Nacionais (JMN), para os pontos estratégicos.
A Missão em Portugal prospera.
Foi criado o Seminário Unido no Rio que trouxe uma fase de debates desde 1918
até 1932. Era uma tentativa interdenominacional que não se firmou. Houve
fortalecimento do Seminário de Campinas, do Seminário do Norte e começaram os
planos para a criação do Seminário do Centenário.
O Instituto José Manuel da Conceição foi criado por Wandell nos subúrbios de São
Paulo, em Jandira, para servir de preparação pré-teo1ógica.
As senhoras presbiterianas tiveram a 1ª reunião da sua federação em Lavras, em
1921. Os moços tiveram a 1ª reunião da sua federação, também em Lavras, em
1938.
Hospitais evangélicos são estabelecidos em Ponte Nova (Bahia), Rio Verde (Goiás),
Curitiba (Paraná), e em outras localidades. Novos colégios presbiterianos surgem:
Buriti, em Mato Grosso, 2 de Julho, na Bahia, Ginásio do Alto Jequitibá, em Minas
Gerais. Organizações novas aparecem, como Instituto de Cultura Religiosa, União
Cristã de Estudantes do Brasil (UCEB) e a Casa Editora Presbiteriana.
Finalmente, vem a Campanha do Centenário que inflamou a Igreja e que tinha com
lema: “10 anos de gratidão por 1 século de bênçãos”. Houve grande ênfase na
evangelização. Grande euforia e ufanismo. A Assembléia da Aliança Mundial de
Igrejas Reformadas foi realizada pela 1ª vez no Brasil, de 7 de julho a 6 de agosto de
1959, o ano do centenário. Foi planejada a formação do Museu Presbiteriano.1
Na parte final deste período e nos 15 anos após a celebração do centenário houve
grandes lutas na IPB. Os limites desta pesquisa estão entre os 20 últimos anos 1954 a 1974.
1
Este retrospecto histórico foi baseado no livro do historiador do presbiterianismo brasileiro, Júlio
Andrade Ferreira, Galeria Evangélica, Casa Editora Presbiteriana, São Paulo, 1952.
- 21 -
INQUISIÇÃO SEM FOGUEIRAS
“Os
fundamentalistas
não
enxergam, nem com telescópio,
as heresias de sua medieval e
presumida ortodoxia que não
queima fisicamente, mas levanta
horríveis fogueiras morais, nas
quais torturam muitos servos do
Senhor.”1
O objetivo desta pesquisa é documentar fatos que ocorreram durante vinte anos de
história da Igreja Presbiteriana do Brasil, e continuam a ocorrer, mostrando o
fortalecimento do espírito e das práticas inquisitoriais. No final tentaremos dar
algumas explicações socio1ógicas; e teológicas; a essa expressão do fenômeno
religioso.
Várias instituições ecumênicas; e Igrejas dentro e fora do país estão espantadas e
perplexas diante dos acontecimentos que estão se desenrolando dentro da IPB, que
já foi considerada com a igreja protestante de maior importância e de maior
influência na América Latina. A Igreja Presbiteriana do Brasil e a Igreja Presbiteriana
da Coréia foram consideradas, pelo seu crescimento e pelo seu prestígio, com as
mais importantes Igrejas do chamado “Terceiro Mundo”.
Foi essa a Igreja plantada por Simonton no Brasil e que produziu vultos de projeção
internacional como Eduardo Carlos; Pereira, Erasmo Braga, Álvaro Reis, Miguel
Rizzo, Jerônimo Gueiros, José Borges dos Santos, Jr., Benjamin Moraes, Rubem
Alves e tantos outros. Foi essa mesma Igreja que, desastrosamente nos últimos
vinte anos, tomou atitudes medievais, causando preocupações na comunidade
ecumênica atual.
O ano de 1954 serve apenas como ponto de referência e marco simbólico da história
que estamos escrevendo, porque foi nesse ano que o presidente Getúlio Vargas, no
auge de uma crise política deu um tiro no coração, morrendo instantaneamente.
Também foi nesse mesmo ano que a CE/SC publicou a seguinte resolução: “A
nossa democracia é demasiado liberal e o espírito do século, que infelizmente às
vezes nos contamina, adverte-nos que a nossa democracia deve ser mais
autoritária. O governo presbiterial deve ser investido de autoridade mais
rígida”.2 [grifos nossos]
O título “Inquisição Sem Fogueiras” pode escandalizar alguns leitores protestantes.
Muitos pensam que quando se fala em “inquisição” deve-se entender que foi uma
prática instituída pela Igreja Católica Apostólica Romana, na Idade Média, e que os
protestantes jamais foram inquisidores, pelo contrário, combateram essa
monstruosidade. É puro engano. A história da Igreja mostra que os protestantes,
1
2
Lima, Joel Oliveira, Brasil Presbiteriano, (BP), junho-julho de 1962, pg. 5.
Resumo de Atas, 1954. pgs. 123, 124.
- 22 -
INQUISIÇÃO SEM FOGUEIRAS
desde a Reforma do século XVI, tiveram a sua inquisição e acenderam fogueiras
para queimar hereges, e outras vezes praticaram métodos inquisitoriais, sem
fogueiras, como acontece até o dia de hoje.3
A palavra inquisição é derivada do verbo latino “inquirere”, que significa, em sentido
eclesiástico: investigar, inquirir a retidão da fé dos membros da Igreja.4 Desde os
primórdios da Igreja, membros cuja retidão da fé era posta em dúvida, eram
submetidos à investigação e punição, para reconduzi-los à obediência. A união de
Igreja e Estado trazia consigo a pergunta se este problema estava parcialmente na
mão do Estado, tanto no Império Bizantino, como no Reino dos Carolíngios,
Otomanos, etc., porque minar ou subverter a união da Igreja era também minar ou
subverter a união do Estado. Daí que o Estado perseguia os hereges, pregadores de
erros e suspeitos. A primeira condenação à morte por causa de uma heresia
aconteceu no ano de 386. O herege foi condenado pela autoridade civil e não pela
Igreja. Os padres apologetas defendiam a liberdade religiosa (livre da ingerência do
Estado), declarando explicitamente e com ênfase os direitos inalienáveis da pessoa
humana e impondo limites à competência do Estado. Santo Agostinho defendia
inicialmente a liberdade religiosa, mas posteriormente admitia o uso de força “para
remover a má vontade”. Foi nesta última posição de Santo Agostinho que está a
base da evolução da inquisição na Idade Média. Formas muito antipáticas desse
“obrigue a entrar” foram as Cruzadas internas da Europa, sobretudo contra os
Valdenses, Albigenses e Cátaros. A comunidade da Idade Média estava
fundamentada na unidade da religião e na íntima colaboração entre a autoridade
civil e a religiosa. Eram dois aspectos da mesma realidade. A Igreja não aprova o
uso da força contra os pagãos, mas a usa contra os hereges, dizendo que a heresia
é subversão da ordem social estabelecida e que deve ser punida tanto como erro
contra a religião como delito contra a sociedade civil.
São três as causas que explicam essa praxe e também a origem da Inquisição:
1.
A influência do direito Justiniano que revive nas universidades da época (em
529, Justiniano obrigava todos os súditos a “converter-se” ao cristianismo sob
pena de confisco de bens e cassação dos direitos civis). Desta forma ele
“converteu” 70.000 pagãos na Ásia. Bem diferente era a atitude do ostrogodo
Teodorico, que concedia liberdade religiosa aos judeus. Dizia ele: “Não
podemos impor a religião porque ninguém deve ser coagido a crer contra a
sua vontade”. O herege Teodorico julgava melhor do que o católico
Justiniano.
2.
O perigo da heresia dos Cátaros (séculos XI e XII) que condenavam o
casamento, a propriedade privada, o trabalho manual, a legitimidade da
autoridade civil, instaurando, de fato, perturbação e verdadeira anarquia na
sociedade.
3.
Necessidade de impedir os suplícios, desde então aplicados aos hereges,
com muito rigor.
3
Baiton, Roland H., The Travail of Religious Liberty. The Westminster Press, Philadelphia, 1951,
pg. 25.
4
Herculano, Alexandre, História da Origem e Estabelecimento da Inquisição em Portugal, vol. 1,
Livraria Bertrand, Lisboa, 1852, pg. 69.
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INQUISIÇÃO SEM FOGUEIRAS
Na evolução da Inquisição devemos distinguir 4 etapas:
1) Inquisição episcopal - A repressão da heresia foi confiada aos bispos nas
visitas pastorais inquisitoriais (1184).
2) Inquisição legatícia - Exercida por legados. Os bispos se tinham mostrado
um tanto “fracos e indulgentes” na repressão, e por isso ela é entregue a
legados escolhidos pelo papa. Esse método evoluiu sob Inocêncio III que
escolheu geralmente monges cistercienses da França.
3) Inquisição monástica - Exercida por frades dominicamos e franciscanos,
com missão permanente. Anteriormente a missão era confiada “ad tempus”
ou “ad causam”, a fim de que nunca faltasse controle. Nomeava-se superiores
provinciais para exercer esse controle. Esse método foi introduzido por
Gregório IX.
4) Inocêncio IV permite o uso de torturas que era praxe na época, no direito
penal em vigor, embora já tivesse sido condenada por Nicolau I, no século IX,
pois esse papa já previa os “incômodos” decorrentes dessa maneira de agir.
MÉTODOS USADOS NA INQUISIÇÃO: (1) O inquisidor, ao chegar num
determinado lugar, proclamava “um tempo de graça”: quem confessasse sua culpa
poderia ser absolvido logo, e recebia apenas um castigo leve. (2) Esgotado esse
tempo de graça, proclamava-se um novo “Edito de Fé”. Os súditos eram chamados
ao tribunal. Em caso de confissão, deveriam ser absolvidos com imposição de
punição razoável. Em caso de resistência e negação: era preciso ouvir testemunhas,
que ficavam anônimas, mas as respostas eram publicadas. Para “facilitar” as
confissões, usava-se a tortura: flagelação, fogo, cavalete, etc. (3) A sentença era
dada pelo juiz eclesiástico, após ter ouvido “boni viri” (homens bons). Havia diversos
tipos de sentenças: (a) absolvição; (b) punição: cárcere, peregrinação, certo sinal
externo visível, e obra de caridade; (c) pena de morte: o herege era entregue ao
braço secular, que então condenava à morte, em razão de delito contra a sociedade.
A heresia era punida tanto como delito contra a religião como delito contra a
sociedade, contra a ordem social e sujeito às leis da época. A Igreja não condenava
à morte diretamente, mas é claro que, na maneira de agir, estava cooperando de
perto para esse castigo supremo.
As duas primeiras fases da inquisição (a episcopal e a legatícia) foram consideradas
por alguns como indulgentes e por outros como envolvidas nas formas políticas e
estatais porque os juizes inquisitoriais aplicavam o direito civil e o processo civil. Por
esta razão o papa Gregório IX instituiu uma inquisição estritamente eclesiástica em
1234, mas assumiu todas as práticas já introduzidas; antes daquele ano, e adotou
as bases jurídicas do direito consuetudinário normando e franco. Por mandado
eclesiástico procurava-se defeitos na retidão da fé, tanto dentro da Igreja como em
relação a pessoas de outras convicções religiosas, mas morando em países
cató1icos ou sob autoridades católicas. Fazia-se isso usando todos os meios,
inclusive as torturas corporais mais duras, para conseguir a confissão do erro. Em
casos de resistência à confissão, não se hesitava a aprovar a morte na fogueira e
deixar a execução ao Estado. Mas a inquisição não julgava apenas delitos da fé,
- 24 -
INQUISIÇÃO SEM FOGUEIRAS
mas também delitos morais e sociais e chegou a se revestir de formas inimagináveis
em relação aos supersticiosos e às bruxas. A inquisição católica falhou durante a
época da Reforma, no século XVI, e se extinguiu na Alemanha e na Holanda. Mas
na Espanha, em Portugal e na Itália conseguiu sobreviver até o início do século XIX.
A forma antiga foi abandonada e a tarefa de proteger a retidão da fé foi entregue à
Congregação da Inquisição, do Santo ofício, cujo nome foi mudado em 1967 e hoje
tem a seguinte designação: Santa Congregação para a Doutrina da Fé.
Como sabemos, através da informação de Alexandre Herculano, “O ano de 1229 é a
verdadeira data do estabelecimento da Inquisição”,5 embora o mesmo autor
reconheça que a Constituição promulgada por Lúcio III, em 1184, tem sido
considerado por alguns escritores como a origem e o germe da Inquisição. “Aquele
ato do poder papal, expedido de acordo com os príncipes seculares, ordenava aos
bispos que por si, pelos arcediagos, ou por comissão de sua nomeação visitem uma
ou duas vezes por ano as respectivas dioceses a fim de descobrir os delitos de
heresias, ou por fama pública ou por denúncias particulares”.6
Vamos notar que nos últimos 20 anos da história da IPB houve casos semelhantes
inspirados pelos “papas” protestantes.
Mas convém que recordemos algumas técnicas usadas pela inquisição, tanto
cató1ica como protestante, para que, ao longo da pesquisa, possamos identificar o
que está ocorrendo nos arraias presbiterianos.
G. G. Coulton, em seu livro Inquisition and Liberty, apresenta as seguintes
características e práticas inquisitoriais:
1.
Absolvição de um condenado era quase desconhecida nos processos da
inquisição.
2.
Os juízes da inquisição eram puramente eclesiásticos, isto é, membros dos
partidos religiosos interessados. As autoridades civis tentaram sustentar seu
direito de, pelo menos, consultar os documentos, mas foi em vão. Houve
casos em que as autoridades civis eram ex-comungadas quando rejeitavam
cumprir as leis contra os hereges.
3.
Os procedimentos eram secretos e os inquisidores zelosamente guardavam
seus documentos para não serem vistos pelos de fora.
4.
Os nomes das testemunhas contra os hereges eram guardados em segredo
sob a alegação de que havia necessidade de proteger essas testemunhas.
5.
Os hereges não tinham o direito de constituírem advogados para defendê-los.
Essa medida foi decretada por Inocêncio III.
6.
Uma pequena discordância podia ser exagerada ao ponto de tornar-se um
crime punível por morte. Às vezes somente ter em casa uma Bíblia na língua
5
6
Ibidem, pg. 69.
Ibidem, pg. 83.
- 25 -
INQUISIÇÃO SEM FOGUEIRAS
vernácula ou usar roupas proibidas pelas autoridades, eram motivos para ser
levado à fogueira.
7.
Não havia lugar para a “heresia construtiva”. Qualquer aparente falta de
respeito para com a Igreja podia formar uma base “prima facie” para suspeita.
8.
Apesar do fato do perseguidor Trajano ter proibido Plínio de procurar os
cristãos ocultos, a inquisição compeliu cada cristão a ser espião dos segredos
de seu irmão. Um herege que abjurava, e assim trocava a fogueira pela prisão
perpétua, era obrigado a prometer primeiro que iria perseguir os hereges,
dando informações contra eles e revelando o lugar onde eles se
encontravam.7
Sobre essa prática de denúncia, Alexandre Herculano informava que “a terça parte
dos bens dos que eram condenados como hereges ficava pertencendo aos seus
acusadores... desse modo os inquisidores vendiam aos desgraçados os bens e a
vida a troco de traírem seus irmãos”.8 Foi um verdadeiro clima de terror implantado
na Igreja e, “para que o terror não diminuísse, onde não podia achar culpados,
queimavam os inocentes”.9
A página da inquisição é tão negra que não tem sido totalmente estudada. Embora a
inquisição protestante aparecida na época da Reforma fosse de proporção bem
menor do que a Católica, os protestantes não estão isentos de culpa.
Os pré-requisitos para a perseguição a hereges eram três: (1) o perseguidor deve
crer que ele está certo; (2) que o ponto em questão é importante; (3) que a coerção
será efetiva. Sobre esses três pontos, católicos e protestantes estão de acordo
quando perseguem hereges.10
Tanto os católicos como os protestantes perseguiam os hereges porque viam neles
uma ameaça para a estrutura da Igreja e da sociedade. Argumentavam que os
hereges danificavam e envenenavam as almas dos seus irmãos. Tanto os católicos
com os protestantes concordavam que erradicar o erro através da morte ou da
prisão do herege era uma obra benéfica à Igreja, e devia ser feita para a glória de
Deus.
Lutero, a princípio, procurou limitar a perseguição apenas aos blasfemos. Os
hereges eram Poupados, mas depois houve a identificação da blasfêmia com a
heresia. Calvino não fazia essa distinção sutil e consentiu que Miguel Serveto fosse
queimado, acusando-o abertamente com herege.
Dois argumentos a favor da perseguição foram usados por Calvino e fortaleceram a
inquisição: (1) A gravidade de uma ofensa dependia do grau de importância da
pessoa ofendida, logo uma ofensa contra a majestade de Deus era um crime de
infinita depravação. (2) Já que pela doutrina da dupla predestinação as almas já
estavam salvas ou perdidas, o propósito da perseguição aos hereges devia ser a
7
Coulton, G. G., Inquisition and Liberty. Beacon Hill, Boston. 1959, pgs. 119-130.
Herculano, op. cit., pg. 50.
9
Bainton. op. cit., pg. 17.
10
Ibidem, pg. 18.
8
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INQUISIÇÃO SEM FOGUEIRAS
glória de Deus. “O propósito da perseguição não era alterar o decreto de Deus, mas
vindicar sua honra”.11
Sobre esses dois fundamentos Calvino tentou argumentar, justificando a
perseguição. “Aquele que despreza e rebaixa a majestade de Deus é pior do que um
bandido que corta a garganta de um viajante... E o Deus que nem mesmo poupou as
crianças dos amalequitas requer que nós sejamos inexoráveis. Se essa exigência
parece cruel para nós devemos ter certeza que Deus somente sofreria pelas
crianças dos amalequitas se elas já não tivessem sido por Ele condenadas e
destinadas para a morte eterna”.12
Assim a doutrina da predestinação foi invocada para endurecer os homens contra
qualquer brandura de sentimento. Por que deveria ser o homem mais compassivo
do que Deus?13
Veremos que o argumento da morte dos amalequitas continua vivo na ala
inquisidora do presbiterianismo brasileiro: foi o texto usado para o sermão de
abertura da reunião do Supremo Concílio em 1974, para justificar dissoluções de
sínodos e despojamentos de pastores e outras perseguições.
A inquisição protestante teve a sua casuística no Consistório de Genebra no tempo
de Calvino. Sobre o despojamento de pastores havia a seguinte orientação:
“Um ministro devia ser deposto por heresia, jogo de azar e baile,
mas se ele fosse culpado de grosserias, obscenidade e avareza,
bastaria uma admoestação fraternal”.14
Sebastião Castéllio, contemporâneo e ex-cooperador de Calvino contestou essa
casuística. “Por que”, perguntava Castéllio, “Calvino não efetua a morte dos
hipócritas e dos avarentos? Ou será que ele pensa que os hipócritas são melhores
do que os hereges? Ele afirma que os hereges destroem as almas. Mas a mesma
coisa fazem os invejosos, os avarentos, e os orgulhosos. Mas se Calvino desejasse
que todos os orgulhosos fossem punidos pelos magistrados, ninguém seria deixado
para punir os magistrados”.15
Todos nós sabemos que o clímax da inquisição protestante foi a condenação de
Miguel, grande gênio do século XVI que foi queimado vivo, juntamente com seus
livros, na cidade de Genebra. Seu acusador foi João Calvino. Serveto foi condenado
porque disse a verdade que ele sinceramente julgava ser a verdade. Ele podia ter se
retratado e falado contra a sua consciência. Ele podia ter fugido. Ele foi executado
porque não quis mentir. Ele foi morto porque disse o que pensava.16
Na sentença proferida pelo Conselho de Genebra podemos ver o verdadeiro objetivo
da condenação: “Tu, Miguel Serveto, não te envergonhas nem horrorizas-te de te
11
Ibidem, pg. 22.
Ibidem, pg. 70.
13
Ibidem, pg. 71.
14
Ibidem, pg. 119.
15
Ibidem, pg. 115.
16
Ibidem, pg. 119.
12
- 27 -
INQUISIÇÃO SEM FOGUEIRAS
colocares contra a majestade de Deus e contra a Santa Trindade, e assim tu tens
obstinadamente tentado infeccionar com o teu veneno fétido e herético... Por essas
e outras razões, desejamos purificar a Igreja de Deus de tal infecção e amputar o
órgão podre. Falando em nome do Pai, Filho e Espírito Santo, nós escrevemos a
sentença final e te condenamos, Miguel Serveto, a seres conduzido a Champel e lá
seres amarrado num poste e seres queimado até às cinzas, com teus livros”.17
Todos os protestantes mais tarde lamentaram esse ato assassino e se
penitenciaram erguendo um monumento em homenagem a Serveto, mas os
mecanismos que levaram o herege à fogueira não desapareceram. Um desses
mecanismos já era usado na inquisição católica, quando os inquisidores não podiam
queimar corporalmente o herege queimavam-no em efígie, isto é, faziam uma
estátua representando o herege e a queimavam.18
A inquisição protestante continuou. Os puritanos que vieram para a América em
1620, no “Mayflower”, fugindo da inquisição anglicana, fundaram a colônia de
Massachusets para gozarem de liberdade religiosa, que não tinham na Inglaterra.
Mas, logo depois, instauraram uma verdadeira inquisição na nova colônia e
expulsaram os que eram considerados hereges. Os deportados então fundaram a
nova colônia de Rhode Island. Mas não parou aí, porque os puritanos continuaram a
instaurar perseguições em outros lugares.19
Esse espírito inquisitorial, sempre latente tanto no catolicismo como no
protestantismo, ressurge em certas épocas. No caso que estamos considerando no
Brasil, o espírito inquisitorial foi despertado e reativado pelo movimento
“fundamentalista” que tem levado muitos irmãos às barras dos tribunais religiosos e
seculares, usando as armas da difamação, da mentira, da calúnia e acendendo as
fogueiras morais e espirituais contra seus irmãos que pensam diferente.
Como resultado dessa perseguição, surgiu no meio presbiteriano um fenômeno
interessante constatado em outras épocas. A tese de Castéllio era que a
perseguição pode facilmente transformar um herege em um hipócrita. Isso
aconteceu com David Joris, da Holanda (1501). Entre nós, na história da IPB,
podemos distinguir os líderes que eram conservadores, mas não eram fariseus, de
outros líderes que, além de conservadores, eram fariseus perseguidores e fanáticos.
E muitos, para não perderem posições de privilégio, tornaram-se hipócritas.
A inquisição sem fogueiras está em pleno funcionamento na IPB.
Pastores e leigos são despojados e disciplinados sem oportunidade de defesa.
Professores são expulsos dos seminários sem terem oportunidade de defesa das
acusações que foram alegadas para sua expulsão. Alguns desses professores, pais
de família numerosa, foram jogados na rua da amargura sem salário e
desmoralizados perante a Igreja e a sociedade.
17
Ibidem, pg. 119.
Herculano, op. cit., pg. 89.
19
Hicks, J. D., A Short History of American Democracy. Houghton Mifflin Co., Boston, 1943, pg. 16.
18
- 28 -
INQUISIÇÃO SEM FOGUEIRAS
Se tais professores recorrem à justiça secular são disciplinados pela “licença
compulsória” (nova arma da inquisição) e são ameaçados de despojamento. Se a
causa na justiça não termina dentro de dois anos, são despojados. Os inquisidores
fazem tudo para que a causa demore, usando a baixeza das chicanas jurídicas.
Um desses professores que recorreram à justiça secular estava sendo ajudado
financeiramente pela igreja da qual era pastor, em “licença compulsória”. O sínodo
da região mandou a igreja suspender a ajuda financeira sob ameaça de intervenção
e dissolução do presbitério. Os inquisidores; queriam que o pastor passasse por
privações econômicas e fosse reduzido à miséria.
Outro professor, no ano em que ficou viúvo, foi jogado fora do seminário com seus
filhos. Poucos meses depois era Natal. Ele não pode comprar, à prestação,
presentes para os filhinhos órfãos da mãe porque a junta comercial da cidade foi
avisada, pelo cartório, que o professor tinha sido demitido do seminário, portanto
não tinha crédito. E quem avisou o cartório foi a direção do seminário.
Dezenas de pastores que discordam da direção da Igreja passaram por dificuldades
financeiras tremendas e humilhantes porque foram postos fora das igrejas e tiveram
que procurar sustento em outro lugar.
A 2ª Igreja Presbiteriana de Belo Horizonte passou por uma situação dramática. As
autoridades da IPB mandaram trancar o templo com correntes pesadas de ferro e
cadeados enormes para que os crentes não entrassem para dar culto a Deus.
Somente com o recurso da Justiça Civil os membros da igreja puderam reaver o
direito ao templo.
Presbitérios e sínodos foram dissolvidos de maneira mais absurda e contra todos os
princípios democráticos.
O jornal da Igreja, Brasil Presbiteriano, que era um órgão para informações e
debates de opinião, foi reduzido a um tipo de Diário Oficial que publica as decisões
dos concílios. Ninguém pode escrever artigo que contenha opinião diferente da do
diretor do jornal que é, ao mesmo tempo, o presidente da Igreja. Na 1ª página saem
as notícias de despojamentos de pastores, dissoluções de presbitérios e sínodos.
E os pobres seminaristas e candidatos ao ministério? Se forem favoráveis aos
desmandos; da direção da Igreja são elogiados e protegidos, mas se tomam
posições contrárias são tratados desumanamente, expulsos, às dezenas, dos
seminários. Há um verdadeiro clima de terror dentro dos seminários. Esse terror se
espalha por toda a Igreja.
Pastores e leigos são “denunciados” falsamente perante os órgãos de segurança.
Missionários são expulsos e “acusados” de subversivos.
Comissões especiais são constituídas com poderes superiores a todos os concílios
e não dão satisfação aos concílios sobre as arbitrariedades, com foi o caso do
fechamento do Seminário Presbiteriano do Centenário, em Vitória.
- 29 -
INQUISIÇÃO SEM FOGUEIRAS
Além de todos esses fatos, não devemos nos esquecer da inquisição interna, dentro
das comunidades locais através da fiscalização rigorosa na vida dos crentes, através
da censura dos atos dos membros das igrejas. Aquilo que Weber descrevia no
calvinismo nascente, como “a mais insuportável forma de controle eclesiástico que
pode existir”.
Elter Maciel descreve esse controle nas igrejas brasileiras: “Isto significa que o
legalismo e a fiscalização do comportamento individual chegam ao extremo da
sugestão de exclusão (de jovens) por causa do pecado que consiste em ir ao
cinema. ... Inúmeros exemplos como este vão mostrando e confirmando a
fiscalização ‘insuportável’ e o controle eclesiástico a que chegam as congregações
protestantes”.20
Vários aspectos dessa situação serão examinados nos capítulos que se seguem.
20
Maciel, Elter, Pietismo no Brasil. Tese de Mestrado, Universidade de Goiás, pg. 152.
- 30 -
INÍCIO DA RADICALIZAÇÃO CONSERVADORA
A cristandade do século XX foi infelicitada pelo surgimento dos fariseus peripatéticos
[aristotélicos] e turistas que atravessam os “sete mares”, espalhando por toda parte
da terra as sementes da divisão, da cizânia [desarmonia, rixa, discórdia] e do ódio
no meio das comunidades protestantes. Esses novos fariseus são chamados
“fundamentalistas”.
O “fundamentalismo”, como movimento, surgiu com a publicação de um série de
livros na cidade de Chicago (1910) com o título: “The Fundamentals: A Testimony to
the Truth”.1 Era um esforço sincero para combater o liberalismo do século XIX. O
objetivo era defender as doutrinas preservadas pelos grupos conservadores, por
isso os escritores da referida série de livros defendiam doutrinas básicas como: a
divindade de Cristo, o nascimento virginal de Cristo, a inspiração da Bíblia, a
ressurreição corporal de Cristo, e outras.
Esse movimento começou a se degenerar depois da 1ª Guerra Mundial (1914-1918)
e chegou ao auge da degeneração depois da 2ª Guerra Mundial (1939-1945),
quando foi fundado o Conselho Internacional de Igrejas Cristãs (1948) para fazer
oposição ao movimento ecumênico.
Sob o pretexto de defender a ortodoxia, esses fariseus peripatéticos se ligaram
indiretamente a todos os movimentos radicais da extrema direita política-social e a
todos os fascismos nos Estados Unidos da América. Houve ligações obscuras com a
“John Birch Society” e com os movimentos contrários à integração racial. A imprensa
norte-americana denunciou que os fundamentalistas apóiam a “Ku Klux Klan”.
Combateram ostensivamente o pastor Martin Luther King. Foram fervorosos
defensores da Guerra do Vietnã, e até foram considerados suspeitos no complô para
assassinar o presidente John F. Kennedy. Na América Latina, os fundamentalistas
se apresentaram gratuitamente a governos militares da direita para serem espiões
de seus irmãos e se prontificaram a denunciar todos os inimigos do capitalismo.
Pelo que estamos vendo, o movimento fundamentalista procurou despertar dentro
da IPB dois pontos: a) o fortalecimento do radicalismo conservador, combatendo as
“novidades” daqueles que eles rotulam de “modernistas” e “ecumênicos”; b)
defender ardorosamente o sistema capitalista e acusar de “comunista” todos aqueles
que não se simpatizavam com o “fundamentalismo”.
Depois do “1º Congresso Evangélico Pan-americano”, de 1961, a ofensiva
fundamentalista foi intensa nos arraiais presbiterianos.
Um velho missionário, Alexander Reese, que trabalhou várias décadas no Brasil, viu
com tristeza, no final de sua carreira, os estragos do movimento fundamentalista. Ele
escreveu: “Em apenas um ano, os métodos e atitudes dos fundamentalistas ... têm
1
Neve, History of Christian Thought, vol. II, pg. 290.
- 31 -
INÍCIO DA RADICALIZAÇÃO CONSERVADORA
sido responsáveis por mais mentiras, injustiças e difamações do que eu tenho visto
em uma geração inteira no Brasil.”2
Nelson Bell, conhecido líder conservador norte-americano, visitou o Brasil para
verificar se havia razões nas acusações dos fundamentalistas de que as igrejas
evangélicas do Brasil estavam eivadas de modernismo. Após sua visita declarou que
era “o mais flagrante caso de acusações mentirosas e injustas contra irmãos cristãos
e instituições cristãs” que ele jamais tinha visto.3
O velho pastor da IPB, Haroldo Cook, sempre conservador em suas doutrinas,
escreveu um artigo no Brasil Presbiteriano intitulado “Advertência Necessária”,
combatendo os métodos do fundamentalismo e afirmando: “Os métodos dos
McIntiristas, para invadirem as outras denominações evangélicas a fim de desviarem
os crentes incautos, são tão repreensíveis como os chamados ‘Testemunhas de
Jeová’. Há falta de ética cristã nesses métodos que usam. ... Bem diz o Norte
Evangélico: ‘É uma inovação separatista provocada pela semeadura da intriga, da
discórdia, da difamação, e de suspeitas ruins, a serviço do movimento de McIntire e
financiado por ele’.”4
Missionários fundamentalistas vindos dos Estados Unidos para combater o
modernismo, passaram vários meses no Nordeste visitando igrejas presbiterianas e
ouvindo sermões, analisando a literatura das escolas dominicais e o ensino nos
seminários e chegaram à conclusão de que o apelo de líderes fundamentalistas
brasileiros para enviar missionários e verbas sob pretexto de modernismo, era um
exagero ou havia outras intenções. Como explicou o pastor José Matos: “Eu creio
firmemente que o verdadeiro problema não é ortodoxia, nem fundamentalismo, mas
é o de liderança e prestígio”.5
O que estava acontecendo nos anos da década de 50 é que os presbiterianos
brasileiros discordavam apenas dos métodos fundamentalistas, mas louvavam o seu
combate ao ecumenismo e sua defesa da ortodoxia.
Um parágrafo do presbítero Davi Mendonça é significativo: “E é necessário que
digamos, de passagem, que nesta oposição sistemática (ao movimento ecumênico)
nada temos a ver com o Conselho Internacional de Igrejas Cristãs (CIIC), do Sr. Carl
McIntire, que também se opõe tenazmente ao tal movimento. ... Se o CIIC desfralda
a bandeira de combate a esse ecumenismo indiscriminado e reivindica para a Bíblia
seu caráter de autoridade única e infalível em Matéria de religião, parabéns a ele e
que Deus o abençoe neste nobre tentâmen! [tentativa] [grifos nossos] Apenas
lamentamos que os métodos por ele usados nesse combate nem sempre sejam
louváveis, sendo às vezes até reprováveis. Nisto não o felicitamos. Está esclarecida,
pois, nossa posição, que nada tem de compromisso com o CIIC, embora coincida
em parte com o seu programa”.6
2
Pierson, Paul E., A Younger Church in Search of Maturity. Trinity University Press, San Antonio,
1974, pg. 209.
3
Ibidem, pg. 211.
4
Brasil Presbiteriano (BP), outubro de 1958, pg. 2.
5
Norte Evangélico, outubro de 1956.
6
BP, maio de 1962, pg. 2; e abril de 1967. pg. 2.
- 32 -
INÍCIO DA RADICALIZAÇÃO CONSERVADORA
Por enquanto a IPB não concordava com os métodos, mas depois acabou
concordando. O que estou mostrando neste documentário é que o movimento
fundamentalista veio despertar a tendência inquisitorial do protestantismo
conservador. A inquisição sem fogueiras apareceu justamente na época em que o
fundamentalismo triunfou na esfera mais alta da administração da IPB.
Nesse ponto o sistema de governo presbiteriano adaptado pela IPB favorece esse
tipo de inquisição. As igrejas locais estão sujeitas aos presbitérios, estes aos
sínodos regionais e ao Supremo Concílio nacional. O governo presbiteriano tem
suas bases populares, mas no ápice está à toda-poderosa Comissão Executiva do
Supremo Concílio e a não menos poderosa Mesa do Supremo Concílio. Ora, a
CE/SC é constituída dos 4 membros da Mesa e dos presidentes dos sínodos
regionais. Durante os quatro anos de interregno das reuniões do Supremo Concílio,
a CE/SC tem acesso a toda a vida da Igreja. Além dos documentos dos presbitérios
e dos sínodos, sobem para esse órgão todos os assuntos dos seminários, das
secretarias dos trabalhos da mocidade, dos homens e das senhoras, os assuntos
patrimoniais e financeiros, as relações inter-eclesiásticas, e os demais problemas. É
uma centralização administrativa que funciona razoavelmente numa época de
calma. Quando surgem as crises, porém, a CE/SC tem se tornado ora deficiente, ora
prepotente. A Mesa se reuniu em ocasiões de emergência para tomar decisões “ad
referendum” à reunião da CE/SC. Quando esta tem a sua maioria a favor do
presidente, esta facilmente faz prevalecer ditatorialmente a sua opinião que se
reflete em toda a vida da Igreja.
Há também os tribunais: os 4 concílios da IPB podem funcionar com tribunais, ou
tem os seus tribunais. O conselho da igreja local pode funcionar com tribunal para
julgar membros e oficiais daquela igreja. Os presbitérios podem funcionar com
tribunais para julgar ministros, conselhos das igrejas locais e julgar, em grau de
recurso, decisões de conselhos. Os sínodos e o Supremo Concílio também
funcionam com tribunais de recursos. O mais alto tribunal da IPB é o Tribunal de
Recursos do Supremo Concílio, que recebe recursos provindos de outros concílios.
Acontece que, numa época de crise, esses tribunais funcionam de tal maneira
partidária que, dificilmente, um acusado da ala da “oposição” ganharia uma causa.
Ora, o espírito fundamentalista, entrando nessa máquina burocrática, faz muita coisa
desagradável, como já estamos vendo ao longo deste trabalho, porque o
fundamentalismo faz acionar os mecanismos inquisitoriais.
Waldyr Carvalho Luz, num interessante artigo no Brasil Presbiteriano, mostra a
diferença entre o fundamentalismo com “sistema doutrinário” e como “atitude
inquisitorial”. Escrevendo sobre o segundo tipo, afirma: “O fundamentalismo seria
não o sistema teo1ógico mas a atitude inquisitorial, apanágio (atributo) de certo tipo
de expressão religiosa ... é esse espírito intransigente, inquisitorial que acabamos de
retratar: a virulência, o estreitismo, o bitolamento, o inquisitorialismo”.7
Foi essa “atitude inquisitorial” que começou a funcionar de maneira mais agressiva
nas últimas décadas, embora já tenha funcionado no passado.
7
Ibidem, 15 de outubro de 1967, pg. 2.
- 33 -
INÍCIO DA RADICALIZAÇÃO CONSERVADORA
O primeiro alvo da intransigência conservadora foi o trabalho da Mocidade
Presbiteriana.
- 34 -
A EXTINÇÃO DA CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA MOCIDADE PRESBITERIANA
“É preciso reconhecer que se as
modificações desejadas pelos
jovens fossem realizadas, aquilo
que o protestante entende como
Igreja desapareceria.”1
A Igreja Presbiteriana do Brasil foi fundada por um jovem solteiro de 26 anos. A
presença dos jovens foi sempre sentida pela direção da IPB, mas somente na
década de 1930 o poder jovem começou a ser estruturado.
Atendendo aos reclamos da juventude da Igreja, o Supremo Concílio, em sua
reunião de 1936, resolveu que:
“Os presbitérios deverão adotar, no que julgarem oportuno, o seguinte:
A.
Criação nas igrejas locais, pelos respectivos conselhos, de Uniões de
Mocidade, de caráter misto, com as finalidades expostas no trabalho: A
Adolescência na Igreja.
B.
Constituição de Federações Presbiteriais por intermédio e com a
aquiescência [consentimento] dos respectivos conselhos, e a aprovação dos
presbitérios.
C.
Constituição de uma Confederação Geral que congregue federações
presbiteriais para fins estatísticos, elaboração de programas uniformes e a
realização de congressos gerais.”2
Assim estava lançada a base estrutural do trabalho da mocidade presbiteriana. Em
1938 foi nomeado o primeiro Secretário do Trabalho da Mocidade, Benjamin
Moraes, que devia, entre outras atividades, “organizar e orientar o movimento da
mocidade e dispor a sua representação no 1º Congresso Nacional da Mocidade
Presbiteriana.”3
Um evento de grande importância foi o aparecimento do jornal Mocidade no dia 1º
de maio de 1944, com o título de “Federação da Mocidade do Presbitério do Rio de
Janeiro”. Sua primeira diretoria era assim composta - supervisão: Joel de Oliveira
Lima; orientação: Paulo Lenz César; diretor responsável: Boanerges Cunha;
redação: Dário Sarmento de Barros e Waldo César; secretária: Lucy J. Silva e Carlos
Dias; tesouraria: Gershan Wills.
O jornal Mocidade exerceu grande influência nos jovens presbiterianos de todo o
Brasil e propagou os temas do 1º Congresso Nacional da Mocidade Presbiteriana,
realizado em Jacarepaguá, no Rio de Janeiro, de 17 a 24 de janeiro de 1946. A
partir desse congresso, o jornal Mocidade passou a ser órgão oficial da
Confederação da Mocidade Presbiteriana (CMP).
1
Maciel, Elter, op. cit., pg. 122.
Digesto Presbiteriano, pg. 24.
3
Ibidem, pgs. 24, 25.
2
- 35 -
A EXTINÇÃO DA CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA MOCIDADE PRESBITERIANA
Os principais assuntos tratados pelo jornal dos anos presbiterianos, de 1944 a 1951,
foram os seguintes:
1.
Evangelização - Em cada número saía um artigo ou uma entrevista sobre
esse tema.
2.
Estrutura do trabalho da mocidade - Era uma discussão sobre a
importância da estrutura. Eram dados esclarecimentos sobre pontos que
estavam em debate.
3.
Problemas sociais - Três eram os problemas debatidos amplamente:
a. Analfabetismo - A mocidade se entusiasmou com a “Cruzada
Nacional de Educação”, fundada pelo ilustre presbiteriano Gustavo
Armbrust, em 1932. Waldo César chamou Armbrust de: “o Caxias da
alfabetização”. O jornal fez uma campanha conclamando os jovens
para livrar a pátria desse inimigo - o analfabetismo.4
b. A guerra - Artigos, poemas e entrevistas tratavam da guerra mundial,
chegando a condenar os reais ganhadores dessa guerra, isto é, os
monopólios internacionais sediados nos Estados Unidos.5
c. Ação social - o jornal incentivou as Uniões de Mocidade das igrejas
locais a uma efetiva ação social. No Congresso da Mocidade
Presbiteriana do Rio, em 1945, foi declarado: “Cristo exige de nós boas
obras e ação social”.6
4.
Ecumenismo - como veremos em outro capítulo, os jovens se
entusiasmaram pelo movimento ecumênico. Muitos artigos, notícias e
entrevistas foram publicados no jornal.7
5.
Política - O jornal dava grande importância ao dever de votar nas eleições e
combatia fortemente a ditadura que foi implantada por Getúlio Vargas.8
6.
Recreações - Vários artigos tratavam do problema das diversões dos jovens
crentes.
7.
Problemas da Igreja - Em geral os problemas da Igreja eram tratados no
jornal. Alguns continham críticas ao funcionamento do governo presbiteriano.
Esses sete assuntos, ventilados nos primeiros anos, marcaram a tônica do jornal
nos anos futuros. Os jovens não tinham medo de criticar aquilo que achavam errado
na Igreja e na sociedade. Criticaram a Constituição da IPB (CI) que, diziam eles,
“ainda não foi reformada de modo a incluir no seu texto legal certas realidades do
desenvolvimento geral da causa”.9 Faziam críticas e davam sugestões em referência
ao trabalho da imprensa presbiteriana, especialmente ao órgão oficial, O Puritano.10
Lysâneas Maciel critica a composição da Comissão do Centenário e pergunta:
“Como explicar a ausência de um elemento jovem na referida comissão?”11 Num
editorial o jornal condena “o silêncio da Igreja” e a falta de testemunho dos púlpitos
presbiterianos face aos graves problemas do Brasil e do mundo. Critica também da
IPB ao movimento ecumênico.12
4
Mocidade, Ano I, nº 4, setembro 1944.
Ibidem, maio de 1951, pg. 5.
6
Ibidem, setembro de 1945, pg. 2.
7
Ibidem, fevereiro de 1951, pg. 8; e abril de 1951, pg. 3.
8
Ibidem, setembro de 1948, pg. 2.
9
Ibidem, pg. 2.
10
Ibidem, julho de 1950, pg. 1.
11
Ibidem, fevereiro de 1951. pg. 3.
12
Ibidem, março de 1951, pg. 2.
5
- 36 -
A EXTINÇÃO DA CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA MOCIDADE PRESBITERIANA
Os congressos nacionais dos jovens continuaram como pontos marcantes:
Jacarepaguá (1946), Recife (1950), Lavras (1952), Salvador (1956), Presidente
Soares (1959), Campinas (1964).
Um dos líderes que exerceu poderosa influência na cúpula da CMP foi Richard
Shaull. Ex-missionário presbiteriano na Colômbia, Shaull foi enviado pela Junta de
Nova York para o Brasil, em 1952. Foi eleito professor do Seminário Presbiteriano
de Campinas (SPS), onde exerceu grande influência sobre os seminaristas, por
causa de sua grande cultura teológica e sua competência como mestre. Introduziu
no seminário o pensamento da escola teológica “neo-ortodoxa” de Barth, Brunner,
Reinhold Niebuhr e outros. Foi também secretário geral da atuando entre
universitários evangélicos. Sua preocupação central era a missão da Igreja na
América Latina, especialmente no Brasil.
No contato que teve com os líderes da CMP, Shaull foi convidado para participar
como escritor e como conferencista. Citaremos vários aspectos de sua influência
sobre a mocidade presbiteriana:
a.
Valorizou a preocupação política por parte da Igreja, mostrando a
necessidade de preparação de jovens crentes para atuação nas áreas do
poder político.13
b.
Despertou a mocidade para o sentido da “revolução social” que devia ser feita
no Brasil, baseada na Revelação de Deus.14
c.
Mostrou aos jovens que os cristãos são enviados ao mundo para um
testemunho efetivo. Esse foi o tema do Congresso Nacional da Mocidade, em
Salvador (1956). Para esse congresso Shaull escreveu, a pedido da CMP:
Oito Estudos de Preparação para o Testemunho.15
d.
No congresso de Salvador, Shaull foi honrado com o apelido de “jovem
mestre” enquanto José Borges dos Santos, Jr. já, desde os congressos
anteriores, era chamado de “velho mestre”.16
e.
Na série de artigos que Shaull publicou no jornal Mocidade, a partir de maio
de 1953, em forma de diálogo, mostrou a necessidade dos jovens se
preocuparem com os problemas sociais e políticos.
Além de Shaull, não poderíamos deixar de lado outros líderes que tiveram grande
influência na mocidade presbiteriana: Benjamin Moraes, Gutemberg de Campos,
Jorge César Mota, Adauto Araújo Dourado, Teófilo Carnier, José Borges dos Santos,
Jr. e muitos outros pastores que fizeram preleções nos congressos, e eram
considerados amigos da mocidade.
O nome de Billy Gammon não pode ser esquecido como uma das grandes líderes
de nossa mocidade. Filha de missionários, sempre atuou na Igreja com jovem e
amiga dos jovens. Durante muitos anos ocupou o cargo de secretária geral do
trabalho da mocidade, tendo sido cedida pela Junta de Nashville para esse trabalho.
Ela foi uma das fundadoras e organizadoras da estrutura da mocidade presbiteriana.
Viajou intensamente pelo Brasil, visitando igrejas e federações sempre preocupada
com a situação dos jovens. Recebeu fortes pressões da direção da Igreja nas
13
Ibidem, agosto de 1953, pg. 6.
Ibidem, setembro de 1953, pg. 6.
15
Ibidem, jornais de junho e dezembro de 1956.
16
Ibidem, fevereiro de 1956.
14
- 37 -
A EXTINÇÃO DA CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA MOCIDADE PRESBITERIANA
épocas das crises maiores da década de 50. Seu desaparecimento trágico, num
acidente em Brasília, deixou muitos de seus colegas, companheiros e alunos
pesarosos, pela grande perda para o evangelismo pátrio.
Ao lado de Billy Gammon trabalharam Waldo César, Waldemar Xavier, José Leão de
Carvalho, Irecê Wanderley, Cirene Louro, Paulina Steffen, Paulo César, Homero da
Silva, Esdras Borges Costa, Oswaldo Caetano, Lysâneas Maciel, Elter Maciel, Joel
de Oliveira Lima e muitos outros nomes que não estamos citando, sabendo que não
estamos fazendo justiça a tão dedicados colaboradores nesta fase que estamos
estudando.
Diante da poderosa ação da mocidade, as reações começaram a surgir de maneira
aberta em duas áreas: dentro da própria mocidade e na liderança administrativa da
IPB.
Um grupo de jovens presbiterianos do Recife, membros da Igreja Presbiteriana de
Boa Vista, baluarte do conservantismo no Nordeste, escreveu um documento
criticando fortemente o jornal Mocidade porque: “difunde ou patrocina idéias e
atitudes absolutamente antagônicas às idéias e atitudes da IPB.”17
Guilherme Kerr, professor do SPS, no discurso de formatura da turma de 1952,
criticou o entusiasmo dos jovens pelos teólogos neo-ortodoxos e ecumenistas: “A
mocidade, sem o mínimo conhecimento de causa, mas com grande presunção de
saber, redige os seus jornais e, no uso e abuso dos direitos que a Igreja lhe cede,
enxovalha ministros e até igrejas; exalta esses falsos mestres revelando uma
ignorância revoltante dos fatos que se põe a comentar e das doutrinas em que devia
crer e recomenda ao leitor a sabedoria e a infalibilidade de tais mestres.”18
Havia uma suspeita de que a CMP estava se transformando em um Igreja dentro da
IPB. No início da década de 1950 foi estabelecido pela CE/SC que:
“A experiência já agora aconselha que se estabeleça claramente esta orientação:
a.
A Confederação da Mocidade Presbiteriana do Brasil, filha predileta, não tem
atribuições além das que lhe outorgar os concílios de sua Igreja.
b.
Não é órgão de relações intereclesiásticas nem dentro, nem fora do país.
c.
A Secretaria Geral da Mocidade é o seu órgão de relações com a Igreja.
d.
O Conselho Consultivo é auxiliar da Secretaria nas suas relações com os
concílios. O progresso anda sempre condicionado à ordem e à disciplina. A
máquina só funciona bem quando suas diferentes peças se conservam e
ajustam no lugar próprio. A máquina da Igreja não faz exceção.”19
No mês de julho de 1950, Benjamim César publicou um artigo no jornal Mocidade
apontando quatro graves perigos entre os jovens presbiterianos e o trabalho da
mocidade:
1)
“Excesso de organização sem a necessária espiritualidade.
2)
O fato de a mocidade não se preocupar com a salvação dos sócios da UMP
(União da Mocidade Presbiteriana).
3)
Entusiasmo pelo falso ecumenismo.
17
Ibidem, julho de 1951. pg. 2.
Ibidem, fevereiro e março de 1953. pg. 2.
19
Atas e Apêndices da IPB, 1954, pg. 121.
18
- 38 -
A EXTINÇÃO DA CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA MOCIDADE PRESBITERIANA
4)
Influência do mundanismo solerte.”
Esse artigo foi comentado durante mais de um ano nas páginas do jornal.
Os atritos entre a CMP e a direção da Igreja tomaram-se agudos no fim da década
de 1950. Esses atritos causaram um mal-estar na cúpula da Igreja.
Em fevereiro de 1960, através de um “coup d’Église”, a CE/SC, reunida em
Umurama, resolveu extinguir a CMP:
“Quanto ao relatório do Secretário Geral da Mocidade, encaminhando plano de
reestruturação da Mocidade, bem como parecer sobre o Departamento Estudantil, a
Comissão Executiva resolve: (1) Aprovar o relatório, expressando ao Secretário a
apreciação desta Comissão Executiva pelo trabalho assíduo, consciencioso e
competente com que orientou a Confederação da Mocidade Presbiteriana. (2)
Convocar uma reunião de presidentes de Sínodos e Secretários Sinodais da
Mocidade para elaborarem um anteprojeto de reestruturação da Mocidade
Presbiteriana do Brasil.” (CE-60-01)
A reestruturação pretendida nada mais foi senão a extinção da CMP. Pois, em maio
desse mesmo ano, reuniu-se em São Paulo a CE/SC com os convidados especiais
citados na resolução de fevereiro. A atitude nazista dessa reunião foi clara. Após o
golpe, os chefes disseram que foram os jovens que pediram a extinção da CMP. Os
líderes da IPB usaram a mesma tática dos ditadores militares da América do Sul,
quando derrubam os governos e depois proclamam que fizeram a vontade do povo.
Nessa reunião de São Paulo foi assumida uma atitude paternalista. Perguntava-se:
“A quem incumbe orientar a Mocidade Presbiteriana? Aos próprios moços ou aos
Concílios? É evidente que aos Concílios, por pessoas que estes mesmos
escolherem, mediante programas que os Concílios aprovem.”20 A cúpula da Igreja
reconhece que existe uma atuação forte de sua mocidade, que estava muito além de
suas bitolas eclesiásticas tradicionais, mas resolve emascular essa mocidade e tirarlhe todo o seu dinamismo e sua criatividade. Tratá-la com uma simples “liga juvenil”
e não com uma juventude alerta e consciente, apesar de todos os seus arrojos e
falhas. A Velha Igreja sentiu-se ameaçada pela Nova Igreja que surgia no final de
um século de história. Mas essa Nova Igreja que emergia, a Igreja dos Jovens, na
opinião dos velhos, somente poderia sobreviver se fosse vigiada e controlada pelos
“Concílios Superiores”, o que significaria a sua morte.
A última diretoria da CMP e que, simbolicamente, representa o fim de uma época, foi
eleita em Presidente Soares, MG, no Congresso Nacional das Mocidades
Presbiterianas, que contou com a presença de jovens da Igreja Presbiteriana
Independente do Brasil (IPI), entre os dias 27 de janeiro e 3 de fevereiro de 1959.
Era assim constituída: presidente - Josué da Silva Melo, representante da
Federação de Salvador; vice-presidente - Maria Júlia Lopes da Costa, representante
da Federação Guanabara; 1º secretário - Gerson Moura , representante da
Federação Sul de Minas; 2º secretário - Eny Morais Diniz, representante da
Federação Sorocaba; 1º tesoureiro - Caio Castro Gomes, representante da
20
Mocidade, junho de 1960.
- 39 -
A EXTINÇÃO DA CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA MOCIDADE PRESBITERIANA
Federação Campinas; 2º tesoureiro - Nelson Scott, representante da Federação São
Paulo. Essa diretoria, tendo à frente o dinâmico sergipano Josué da Silva Melo,
permaneceu por um ano e meio com atividades brilhantes e corajosas. Foi nessa
época que a mocidade presbiteriana mostrou as lideranças mais velhas o que ela
era capaz de pensar e fazer.
O jornal Mocidade teve redobrada atuação. Sua última diretoria teve com
componentes: diretor - Adacir Seidel; gerente - Josué da Silva Melo; tesoureiro Caio Castro Campos; circulação - Eunice Rubertti; redatores - Teófilo Carnier e
Maria Júlia Lopes da Costa; colaboradores - Valdir Calemi, Paulo Wright, Carlos
Belém, Joãozinho Tomás de Almeida e Gérson Moura.
Nos últimos meses o jornal dos jovens de tal maneira inquietou as lideranças
tradicionais da Igreja, especialmente depois da reunião da Aliança Mundial de
Igrejas Reformadas, em 1959, no Brasil, que houve um momento crítico, em junho
de 1960. O número 189, referente ao mês citado, foi tão vibrante e explosivo que o
jornal foi interditado, censurado e proibido de circular pela direção da Igreja. Os
artigos principais tratavam da situação da Igreja e de sua missão, o papel da
mocidade e dos leigos. Os artigos que causaram mais impacto foram: “Editoriais”,
“Cláudius Revoluciona Catete”, “Relatório sobre o Papel da UMP na Igreja”, “Cartas
de Homero”, “O Senhor do Mundo”, de Paulo Wright. As notícias também
incomodaram. Houve um artigo que foi republicado porque passou pela censura. Era
de autoria de Joaquim Beato e tratava do papel do leigo na Igreja. Pois houve uma
republicação do número 189 do Mocidade na qual foram desprezados todos os
artigos julgados inconvenientes e contrários à orientação da Igreja. A diretoria do
jornal foi deposta. O jornal passou a ser publicado na Casa Editora Presbiteriana,
cujo diretor era Boanerges Ribeiro.
Esse golpe contra a jovem imprensa presbiteriana foi uma reação às declarações
oousadas e verdadeiras que culminaram com o número de junho de 1960. Para dar
apenas um exemplo desse número: o jovem Paulo Wright escreveu o artigo “O
Senhor do Mundo”, no qual tratou da ação de Cristo na Igreja e no mundo e a
consequente liberdade para o cristão testemunhar. No final do artigo declarou: “O
problema não é mais se dançar ou não dançar, se fumar ou não fumar é pecado,
pois sendo Jesus nosso Senhor, estas coisas não têm mais poder sobre nós.”21
Essa e outras declarações abalaram os alicerces da velha ênfase da pregação
moralista da Igreja. Não podiam ser lidas pelos crentes de uma grei de um século de
vida eclesiástica.
No ano seguinte, em a vacância do cargo de secretário geral do trabalho da
mocidade, a referida secretaria foi anexada à Junta de Educação Religiosa. O
Secretário Geral Teófilo renunciou. Tinha sido eleito para esse cargo na reunião do
Supremo Concílio de Lavras, em 1958. Ele não conseguiu superar a crise entre a
CMP e a cúpula da IPB. Terminou pedindo afastamento do cargo.
Houve protestos e aplausos em todo o território nacional presbiteriano. Muitos
presbiterianos se manifestaram contra a extinção da CMP, poucos a favor.
21
Ibidem.
- 40 -
A EXTINÇÃO DA CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA MOCIDADE PRESBITERIANA
Os seminaristas de Campinas enviaram uma carta ao vice-presidente do Supremo
Concílio, Natanael Cortês, protestando contra o golpe eclesiástico que dissolveu a
CMP. O velho líder do Nordeste responde, explicando as razões, e entre elas a
principal:
“Não via eu então (em 1950), e ainda não vejo, com enquadrar no sistema
presbiteriano de governo um órgão a mais (Confederação da Mocidade
Presbiteriana do Brasil), com governo próprio e com direito de censurar ministros,
igrejas e concílios, preconizando novos métodos de vida eclesiástica. Isso já me
parecia, em 1950, uma quinta roda no carro.”22
Quando o Suprem Concílio se reuniu em 1962, no Rio de Janeiro, o debate em torno
do assunto foi grande mas, como a ala renovadora contrária à extinção era uma
minoria, foi proposta uma estrutura provisória. Os argumentos para não voltar à
estrutura anterior eram os de Natanael Cortês:
“Reconhecer que, efetivamente, havia necessidade de reestruturação e
reconstituição da estrutura das sociedades internas que caminhavam à deriva do
governo e da orientação presbiteriana, causando uma hipertrofia de entidades que
deveriam existir apenas como departamentos diversos orientados pelos concílios e
visando a aproximação dos diversos grupos das comunidades evangélicas.” (SC-6269)
O que os moços não entendem até hoje é porque a estrutura dos trabalhos
masculino e feminino não foi alterada até agora, visto que é a mesma estrutura que
a mocidade tinha antes de 1960.
Paul E. Pierson explica as três razões que levaram a direção da IPB a extinguir a
CMP:
1)
“As posições que a mocidade defendia sobre o ecumenismo eram diferentes
das posições da IPB.
2)
A suspeita de que a organização da mocidade estava despertando a
preocupação para com os problemas sociais do Brasil, levando muitos jovens
a tomar uma posição ideológica diferente da tradição presbiteriana e
induzindo jovens a criticarem o governo da nação pela sua inércia na solução
dos problemas sociais e econômicos.
3)
Porque a mocidade estava saindo da linha doutrinária conservadora e
admirando líderes teológicos da ‘neo-ortodoxia’”23
Depois da dissolução da CMP, o descontentamento dos jovens foi imenso e sua
decepção ainda maior. Fizeram, em vão, muitos apelos para voltar a antiga
estrutura.
Em janeiro de 1964 houve em Campinas o explosivo VI Congresso Nacional da
Mocidade Presbiteriana. o tema foi: “O Jovem Cristão e a Realidade Brasileira”.
Foram preletores: João Dias de Araújo, Paulo Freire de Araújo, José Geraldo e Carl
Joseph Hahn, Sr.
22
23
Brasil Presbiteriano (BP), janeiro de 1961, pg. 7.
Pierson, op. cit., pg. 218.
- 41 -
A EXTINÇÃO DA CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA MOCIDADE PRESBITERIANA
Esse congresso se realizou no auge da crise política e econômica que agitou o
Brasil no governo de João Goulart. Era um ambiente de profunda agitação e
confusão. Os debates dos problemas nacionais eram ostensivamente liderados
pelas “esquerdas”. O jargão da época era “a realidade brasileira”. Os marxistas e
comunistas fizeram um grande ofensiva de ação e propaganda em todos os setores
da vida nacional. O Nordeste era a região do Brasil mais discutida por causa de sua
situação explosiva.
Essa situação que envolveu todo o país culminou com o golpe militar da “direita”, em
19 de abril de 1964. Dois meses antes estava reunido o congresso dos jovens
presbiterianos em Campinas.
O preletor principal, em cinco palestras, procurou convencer os jovens que a
bandeira da verdadeira revolução devia ser desfraldada pelos cristãos e não pelos
comunistas. Mostrou que os problemas graves do Brasil deviam ser um desafio ao
testemunho do jovem para a salvação não só do indivíduo mas também da
sociedade.24
As conclusões do VI Congresso foram engavetadas e jamais consideradas pela
cúpula da IPB.
Em 1967 os jovens ainda fizeram o último e melancó1ico apelo através de um artigo
de Enos Moura no Brasil Presbiteriano:
“Daqui lançamos o nosso apelo a cada um daqueles pastores e presbíteros: que
eles procurem escutar os anseios da Mocidade Presbiteriana do Brasil; que eles
voltem a confiar nos jovens dando-nos mais uma oportunidade ... de adotar
para a Mocidade a mesma estrutura da SAF e da UPH, para nós, a melhor
solução.”25
24
25
Araújo, João Dias de, O Jovem Cristão e o Jovem Comunista, Recife, 1964.
BP, janeiro de 1967, pg. 6.
- 42 -
PRESSÕES SOBRE PASTORES E LEIGOS PREOCUPADOS COM PROBLEMAS SOCIAIS
“A confiança de que a nova Fé
traria progresso foi afirmada em
algumas situações, mas por
causa de sua tese de que a
moralidade
pessoal
e
a
educação
resolveriam
os
problemas
sociais,
o
presbiterianismo não descobriu a
raiz mais profunda das injustiças
na nação e não empreendeu
nenhuma missão especial na
esfera política a não ser o
chamamento à honestidade a
vida pública.”1
Como sabemos pela história do presbiterianismo brasileiro, as ênfases principais
eram duas: (a) a conversão individual que resultaria numa pureza moral nos moldes
da ética Puritana; (b) a educação com conseqüência da nova experiência religiosa.
Foi desenvolvida uma ética “anti-social” no sentido de condenar quase tudo na
sociedade brasileira de então.
Há três tônicas nas resoluções dos concílios da IPB a respeito da preocupação
social de 1888 a 1974: (a) o moralismo individualista; (b) o assistencialismo; e (c) a
necessidade de educação. Houve exceções, como veremos, mas justamente nas
exceções é que vamos ver a inquisição funcionar.
A preocupação social se enveredava pelo caminho da pureza moral individual. Duas
expressões muito usadas de 1888 a 1974: “vícios sociais” e “males sociais”. Quais
são esses “vícios” e esses “males” que preocupavam e ainda preocupam? São os
seguintes: “o baile moderno, o carnaval, excesso da moda e a transgressão do
domingo”.2
“O Supremo Concílio recomenda que os púlpitos instruam os fiéis sobre os males
sociais e abordem princípios que fortaleçam a Igreja para resistir as influências do
ambiente mundano.”3 Na reunião do Supremo Concílio, em 1974, ficou
explicitamente declarado: “(1) A Igreja Presbiteriana do Brasil defende e prega a
aplicação integral dos princípios que a Bíblia contém, visando à edificação dos
crentes; (2) os vícios sociais, tais com o fumo, o álcool, o jogo, inclusive a
loteria esportiva, e, também, a freqüência a bailes, reconhecidamente,
contribuem para a deteriorização da pessoa humana, cristã ou não; (3) é dever das
igrejas lutar por todos os meios e modos, continuamente, contra vícios. O SC
1
Pierson, op. cit., pg. 95.
Digesto Presbiteriano. pgs. 22, 23.
3
Ibidem, pg. 208.
2
- 43 -
PRESSÕES SOBRE PASTORES E LEIGOS PREOCUPADOS COM PROBLEMAS SOCIAIS
resolve recomendar vigilância redobrada, em todos os seus concílios, instituições e
igrejas, contra os males acima referidos.”4 [grifos nossos]
O capítulo sobre o fumo é um dos mais longos na história da IPB. Houve sempre
condenações severas não somente aos fumantes em geral mas também aos
plantadores e comerciantes do fumo.
A decisão mais forte está contida na 9ª sessão do SC de Jandira (1951). Foi tão
forte que José Borges dos Santos, Jr. escreveu um protesto: “Com essa resolução o
Supremo Concílio se afasta do princípio da liberdade cristã e começa a entrar no
terreno perigoso da catalogação de minúcias que deveriam ficar a cargo da
consciência cristã devidamente esclarecida pelo Espírito Santo. ... Nos termos em
que se resolveu a matéria há flagrante injustiça que é pior do que o fumo.”5
Diga-se de passagem que nenhuma decisão oficial da IPB condenou os monopólios
econômicos das bebidas alcoólicas e do fumo, responsáveis pela intensa
propaganda e difusão desses vícios. Esses monopólios econômicos que tinha
nomes brasileiros, mas que na maioria são estrangeiros, sempre ficaram fora do alvo
das baterias protestantes que se limitavam a condenar as vítimas e não os culpados
principais.
Por outro lado, na história da IPB há grande ênfase ao assistencialismo.
Multiplicaram-se os orfanatos, os asilos, os abrigos de velhos, os hospitais.
Planejaram pecúlios, pensões, aposentadorias. Criaram sanatórios, associações
beneficentes e outros congêneres. Prestaram e ainda prestam grandes serviços à
população, mas temos que reconhecer que esses paliativos eram muitas vezes uma
fuga dos problemas estruturais que o próprio sistema político perpetuava.
A atenção que o presbiterianismo deu à educação da infância e da juventude é outra
página digna de muitos méritos. Todavia, com demonstra Jether Pereira Ramalho na
sua tese: Colégios Protestantes no Brasil,6 a ideologia que predominou na
educação protestante foi o liberalismo norte-americano no sentido de desenvolver
no educando “o individualismo, o sentido de responsabilidade, de disciplina, de
sucesso que se constituem, segundo esta perspectiva, nos fundamentos da
democracia e do progresso.”7 A educação protestante foi uma forma de preocupação
social em termos individualistas.
A IPB, desde o seu início, não gostou muito de combater as raízes dos males sociais
e das injustiças. Mas há exemplos dignos de menção:
1.
O pioneiro presbiteriano, o pastor nacionalista Eduardo Carlos Pereira, foi a
primeira vítima do espírito inquisitorial. O jovem pastor, em 1886, escreveu
um opúsculo intitulado: A Religião Cristã e suas Relações com a
Escravidão, no qual condenava o regime escravocrata que existia no Brasil.
O historiador Vicente Themudo Lessa faz o seguinte comentário: “Era de
4
Brasil Presbiteriano (BP), outubro de 1974. pg. 8.
Resumo de Atas do SC, pg. 101.
6
Ramalho, Jether Pereira, Colégios Protestantes no Brasil - Uma interpretação sociológica da
prática educativa de colégios protestantes no Brasil, de 1870 a 1940, Tese de Mestrado,
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 1975.
7
Alves, Rubem. Cadernos do ISER, nº 4, 1975, pg. 47.
5
- 44 -
PRESSÕES SOBRE PASTORES E LEIGOS PREOCUPADOS COM PROBLEMAS SOCIAIS
2.
3.
4.
caráter abolicionista e causou algum rumor entre os defensores do
escravagismo.” Houve até um ilustre missionário da Igreja Presbiteriana do
Sul dos Estados Unidos, informa o historiador, que resolveu escrever um
tratado refutando a tese do pastor, que teria sido lamentável, mas felizmente
não escreveu.8 Este fato é significativo porque, na história do Protestantismo
na América do Sul, quando um pastor se levanta para condenar o regime ,
“causa rumor” e sempre aparecem opositores.
Em 1913, Erasmo Braga, preocupado com a deplorável situação do índio
brasileiro, escreve um artigo conclamando o governo brasileiro para tomar
providências no sentido de proteger os índios.9
Em 1922, Jerônimo Queiros foi recebido como membro do Instituto de
Ciências e Letras de Pernambuco. No seu discurso, no Recife, a pastor
condenou a exploração injusta e desumanizadora dos trabalhadores por parte
dos patrões e usou as palavras fortes da carta de Tiago 5:1-6.10
Em 1932, um grupo de líderes presbiterianos (entre eles: Matatias Gomes dos
Santos, Erasmo Braga e Galdino Moreira) exortava a todos os protestantes
que votassem nas eleições e apresentaram um programa social que incluía
os seguintes pontos: (a) preservação do Estado leigo e as liberdades civis; (b)
criação de cooperativas, nas quais os trabalhadores participassem dos lucros;
(c) casamento civil livre e divórcio nos casos de adultério e abandono
obstinado; (d) auxílio ao menor abandonado, aos velhos e às prostitutas; (e)
educação popular compulsória aliada ao ensino profissionalizante mais
acessível aos pobres, (f) pacifismo nas relações internacionais, propondo a
redução ao mínimo dos gastos com as forças armadas.”11
Esses exemplos não são os únicos, mas estão incluídos nas exceções. Somente na
década de 1950 é que houve preocupação maior com os problemas sociais de base
devido à criação do Departamento de Igreja e Sociedade da Confederação
Evangélica do Brasil, um ano depois da II Assembléia do Conselho Mundial de
Igrejas em Evanston (1954). Estavam à frente do grupo que formou o departamento,
dois presbiterianos: Benjamin Moraes e Waldo César. O presidente do Supremo
Concílio, José Borges dos Santos, Jr., estava a favor da criação do departamento,
mas a CE/SC não gostou porque a IPB não recebeu convite especial para nomear
seus representantes.
A primeira conferência organizada pelo Departamento de Igreja e Sociedade foi
realizada em 1955 como reunião de estudos sobre a responsabilidade social da
Igreja. A 2ª reunião de estudos foi realizada em 1957, em Campinas, e teve com
tema: “Igreja e as rápidas transformações sociais do Brasil.” Sob a direção de Waldo
César, a 3ª reunião foi realizada em São Paulo, em 1960, e teve o seguinte tema:
“Presença da Igreja na Evolução da Nacionalidade.” A 4ª reunião foi realizada na
capital da região mais crítica do continente, Recife, de 22 a 29 de julho de 1962. O
tema foi: “Cristo e o Processo Revolucionário Brasileiro.” Devido a situação de
grande agitação política e social, essa “Conferência do Nordeste” marcou época. O
presbítero Mauricio Wanderley escreve no Brasil Presbiteriano: “Foi a primeira vez,
8
Lessa, Vicente Themudo, Anais da Primeira Igreja Presbiteriana Independente de São Paulo,
1938, pg. 32.
9
Norte Evangélico, outubro de 1913.
10
Ibidem, junho de 1922.
11
O Puritano, 3 de maio de 1932.
- 45 -
PRESSÕES SOBRE PASTORES E LEIGOS PREOCUPADOS COM PROBLEMAS SOCIAIS
desde que este país existe, que, no Nordeste, um grupo de servos de Deus, de
várias denominações, se congregaram para estudar, in loco, os problemas desta
região e a revolução brasileira, à luz do ensino da palavra de Deus.”12
A “Conferência do Nordeste” teve imensa repercussão dentro e fora das igrejas
evangélicas. Foi precedida e sucedida por debates violentos em algumas áreas.
Dentro da IPB o debate foi grande. Nas páginas do Brasil Presbiteriano os
assuntos foram amplamente debatidos. O deputado estadual de Pernambuco, Inaldo
Lima, presbítero da Igreja Presbiteriana da Encruzilhada, no Recife, publica uma
série de artigos chamando a atenção da Igreja para os problemas sociais e
estruturais do Brasil.13 João Dias de Araújo, professor do SPN, escreve um artigo
conclamando a Igreja para a formulação de um Credo Social para nortear a ação da
Igreja diante dos problemas sociais.14 Alcides Nogueira escreve que: “A Reforma
deu grande ênfase aos princípios espirituais e morais da religião, sem sentir de perto
as necessidades sociais dos trabalhadores.”15 São publicadas críticas à situação dos
operários e condenação ao capitalismo.16 Um missionário dá sugestões à Igreja
sobre ação social.17
Somente nesta fase a IPB começa a discutir amplamente os assuntos que os jovens
queriam discutir dez anos antes.
O debate ferveu na reunião do Supremo Concílio, em julho de 1962, no Rio de
Janeiro. A solicitação de um dos concílios do interior da Bahia (Presbitério de
Campo Formoso) foi atendido e foi aprovado o “Pronunciamento Social da IPB”.
Nessa reunião um grupo de pastores mais jovens teve muita influência na
formulação e na aprovação do pronunciamento que dizia:
“No propósito de avivar a consciência de todos os fiéis para os perigos, deveres e da
hora presente, apresenta o seguinte pronunciamento sobre os problemas políticos e
sociais: ...
As igrejas presbiterianas do Brasil compete, portanto:
1.
“Dar, pelo púlpito e por todos os meios de doutrinação, expressão do
Evangelho total de redenção do indivíduo e da ordem social.
2.
Incentivar seus membros a assumirem uma cidadania responsável, como
testemunhas de Cristo, nos sindicatos, nos partidos políticos, nos diretórios
acadêmicos, nas fábricas, nos escritórios, nas cátedras, nas eleições e nos
corpos administrativos, legislativos e judiciários do País.
3.
Clamar contra a injustiça, a opressão e a corrupção, a tomar a iniciativa de
esforços aliviar os sofrimentos dos infelicitados por uma ordem social iníqua;
colaborando, para também, com aqueles que, movidos por espírito de temor a
Deus e respeito à dignidade do homem, busquem esses mesmos fins, assim
como aceitando sua colaboração.
4.
Opor, por uma pregação viva e poderosa, relevante e atual, uma barreira
inespugnável contra as forças dissolventes do materialismo e do secularismo.
12
Brasil Presbiteriano, outubro de 1963, pg. 1.
Ibidem, fevereiro de 1961, pg. 7.
14
Brasil Presbiteriano, março de 1962. pg. 5.
15
Ibidem, novembro de 1961, pg. 10.
16
Ibidem, dezembro de 1961, pg. 6.
17
Ibidem, fevereiro de 1962, pg. 12.
13
- 46 -
PRESSÕES SOBRE PASTORES E LEIGOS PREOCUPADOS COM PROBLEMAS SOCIAIS
5.
6.
7.
8.
9.
10.
Lutar pela preservação e integridade da família e pela integração de grupos
marginalizados pela ignorância e analfabetismo, pelos vícios, pelas doenças e
pela opressão na plena comunhão do corpo social.
Dar à infância e à juventude uma formação cristã que as capacite a
enfrentarem vitoriosamente o impacto dos paganismos contemporâneos, com
a força da interpretação cristã da vida total do homem total à luz de Deus.
Defender, pelo exemplo de seus membros, a dignidade do trabalho, quer
manual quer intelectual.
Fazer a proclamação profética incessante dos princípios éticos e sociais do
Evangelho de modo que sejam denunciados todos os erros dos poderes
públicos, sejam de omissão ou comissão, que resultam em ameaças ou
obstáculos à paz social ou tendam à destruição da nossa estrutura
democrática.
Defender a necessidade de mais eqüitativa distribuição das riquezas,
inclusive da propriedade da terra e advertir, em nome da justiça de Deus e da
fraternidade cristã, aqueles cujo enriquecimento seja fruto da exploração do
próximo.
Tornar o Estado consciente de todos os seus deveres, transmitindo-lhe
corajosamente a palavra profética, especialmente nas horas de crise,
prestigiando sua ação no estabelecimento da justiça social e oferecendo-lhe
colaboração para solução cristã de todos os problemas da comunidade.”
O debate continuou após a reunião do Supremo Concílio, principalmente nas
páginas do Brasil Presbiteriano. Após a reunião de 1962, o jornal oficial voltou a
ser publicado no Rio de Janeiro e foi nomeado com redator-chefe Domício Pereira
de Mattos que deu ampla liberdade para o debate que se travava sobre a
responsabilidade social da igreja. Num editorial sobre a posição do jornal, o redatorchefe pedia: “Não tirem do jornalista a liberdade democrática de deixar a cada qual
dizer o que bem entende, desde que faça em termos”. E termina dizendo: “A hora é
revolucionária. Precisamos ajudar a revolução com o Evangelho e dentro da
democracia, antes que a revolução seja feita sem o Evangelho e sem democracia.”18
No seu famoso editorial “Duas Tendências”, Domício de Mattos escreveu: “Basta
uma corrida de olhos por alguns artigos publicados no BP para se sentir que eles
espelham duas tendências de pensamento abrangendo os campos da cultura
ideológica e de política social. ... Mas há o fato inegável dessa galvanização de
pensamentos em torno das duas tendências: de um lado, os conservadores
extremados, defensores das velhas tradições, inimigos de qualquer renovação,
alérgicos às exigências da atualização; de outro lado, os liberais, às vezes também
extremados que ameaçam derrubar tudo, anular o passado e começar de novo. ...
Muitos já rotularam os representantes desses grupos: são os esquerdistas e os
direitistas. E, em torno de DIREITA e de ESQUERDA fazem a 'guerra fria',
transbordam em adjetivações e começam a perturbar a paz da Igreja.”19
Até abril de 1964 o jornal publicou artigos memoráveis, entre eles um intitulado:
“Jeca Tatu”, de Rubem Azevedo Alves, chamando a atenção para os pobres e
desfavorecidos.
18
19
Ibidem, 16-31 de agosto de 1963.
Ibidem, março de 1962.
- 47 -
PRESSÕES SOBRE PASTORES E LEIGOS PREOCUPADOS COM PROBLEMAS SOCIAIS
Mas, com a mudança do regime político, vamos ver que quase todos aqueles que
defenderam a responsabilidade social da Igreja foram perseguidos, caluniados,
acusados de comunistas, denunciados perante as autoridades como subversivos e
filo-comunistas.
- 48 -
O IMPACTO DO CONCÍLIO VATICANO II
Nas relações da Igreja Presbiteriana do Brasil com a Igreja Católica Apostólica
Romana há dois pontos a sublinhar:
1.
2.
Nunca houve por parte da Igreja Católica uma resolução oficial que aprovasse
uma estratégia de perseguição ao protestantismo. O missionário Kidder
chegou a afirmar: “Estamos firmemente convictos de que nenhum outro país
católico existe onde seja maior a tolerância ou a liberdade de sentimentos
para com os protestantes.”1
Por outro lado, no vasto território brasileiro houve muitos casos de
perseguições promovidas ora por padres intolerantes, ora por católicos
fanáticos, sem autorização dos sacerdotes. As perseguições iam desde aos
apelidos dados aos protestantes como os “bíblias”, “os bodes”, os “nova
seita”, até aos atentados de morte, queima de Bíblias, apedrejamentos,
destruição de templos, proibições para casamentos e sepultamentos em
cemitérios católicos e a atitude de desprezo aos crentes. Alguns desses fatos
aconteceram até depois da convocação do Concílio Vaticano II.
Por parte dos presbiterianos houve quatro atitudes em relação à Igreja Católica
através da história:
1.
2.
3.
4.
Hostilizar por meio de pregações e de polêmicas.
Evitar uma atitude áspera para com a Igreja Católica, procurando atrair os
católicos para o protestantismo.
Aceitar o catolicismo como se apresentava no Brasil e procurar reforma-lo.
Aceitar o diálogo com a Igreja Católica e cooperar com grupos católicos na
apresentação de Cristo ao povo brasileiro. Isto, depois do Concílio Vaticano II.
O problema da hostilidade da IPB ao catolicismo teve a sua raiz na Assembléia
Geral da Igreja Presbiteriana nos Estados Unidos que, em 1845, tomou uma posição
fortemente anti-católica. Paul E. Pierson declara: “Os missionários norte-americanos;
eram certamente um fator na formação de tal atitude (anti-católica) já que eles
trouxeram a atitude típica do anti-catolicismo das igrejas donde vieram. ... Mas, por
razões inerentes à própria situação brasileira, a atitude de seus colegas brasileiros
era quase sempre mais anti-católica do que a dos missionários”.2 Essa atitude dos
pastores brasileiros em parte se deve ao fato de haver no Brasil daquela época uma
verdadeira “onda” de anticlericalismo por parte dos intelectuais, dos políticos liberais
e dos maçons.
Um dos pontos principais da demonstração do anti-catolicismo foi no problema da
validade do batismo católico. A pergunta era esta: “O convertido, vindo da Igreja
Católica, deve ser rebatizado?”
1
Leonard, Émile, O Protestantismo Brasileiro, Revista de História, Ano II, Nº 5, janeiro-março 1951,
pg. 126.
2
Pierson, op. cit., pg. 60.
- 49 -
O IMPACTO DO CONCÍLIO VATICANO II
A Igreja Presbiteriana nos Estados Unidos tinha votado, quase por unanimidade,
contra a posição dos Reformadores, e rejeitaram a validade do batismo católico, em
1845. O grande teólogo Charles Hodge era da minoria que foi vencida na
assembléia.3 O teólogo de Princeton argumentava: “A doutrina protestante ensina
que o batismo não inicia o recipiente em qualquer Igreja particular, mas na Igreja
Universal. ... Ninguém, portanto, se tornou ‘papista’ pelo fato de haver sido batizado
por um ‘papista’. Segue-se daí que a validade do batismo não depende do caráter
particular da denominação a que pertence o ministrante, porque ele não age em
nome dessa denominação, mas com um membro da Igreja Universal. Nós
mantemos, portanto, que o batismo romano é válido; válido para tornar o recipiente,
membro da Igreja Universal, por um lavar com água em nome da Trindade, com o
fim de significar, selar e aplicar os benefícios do pacto de graça.”4
O pioneiro presbiteriano, Ashbel Green Simonton, que era discípulo de Charles
Hodge, em Princeton, e que ouviu um sermão decisivo do grande teólogo, quando
chegou ao Brasil não rebatizava a todos os convertidos provenientes do catolicismo
e explica que “no caso de eles não desejarem ser rebatizados, para evitar distúrbio
em suas consciências”, eram aceitos para profissão de fé sem novo batismo.5
Mas o fato era que a maioria dos pastores brasileiros e missionários das primeiras
décadas era a favor do rebatismo. O assunto foi debatido no Sínodo de 1891 e
aprovado. Houve, porém, um significativo protesto assinado por John M. Kyle e
Emanuel Vanorden:
“Nós abaixo assinados protestamos contra a decisão do Sínodo, declarando inválido
o batismo romano, visto o acharmos inconveniente:
1.
Porque grande parte dos teólogos da Igreja Protestante, incluindo Lutero,
Calvino, os Hodges, pai e filho, Patton, Schaff, Briggs e outros homens
ilustres o tem por válido.
2.
Porque é fato histórico que só um ramo da Igreja Presbiteriana do Sul dos
Estados Unidos da América se declara contra a validade desse batismo e o
Sínodo por este ato se opõe à posição histórica das Igrejas chamadas
reformadas.
3.
Porque as Igrejas Metodista e Episcopal reconhecem ambas esse batismo, e
deve haver toda harmonia possível em questão dessa ordem.
4.
Porque nesta questão deve haver a maior caridade possível.”6
Apesar do Sínodo aprovar essa matéria sobre o rebatismo, encontramos em
Conceição, o primeiro pastor presbiteriano brasileiro, uma atitude diferente. Se a IPB
tivesse seguido seu exemplo, não teria chegado a uma posição tão negativista
diante do Catolicismo:
“Conceição foi capaz de evitar uma atitude áspera para com a Igreja Católica donde
ele saiu e onde, como padre, já lutava para retirar do catolicismo aquilo que ele
3
Ibidem, pg. 64.
Leonard, Revista de História, Ano II, Nº 5, pg. 363.
5
Pierson, op. cit., pg. 65.
6
Digesto Presbiteriano, pg. 157.
4
- 50 -
O IMPACTO DO CONCÍLIO VATICANO II
achava ser anti-bíblico. Sua piedade Cristocêntrica era parecida com a de alguns
místicos do século XV.”7
Erasmo Braga reconheceu mais tarde que: “a controvérsia com o romanismo tem
preocupado o protestantismo, mais do que seria desejável.”8
Eurípides Cardoso de Menezes, que deixou a IPB, escreveu: “Todavia, com a
instrução religiosa (na Escola Dominical) também se transmite uma profunda
prevenção, às vezes ódio mesmo, a Igreja Católica, tida por todo protestante
daquele tempo e ainda hoje, pelos mais iconoclastas, como uma Igreja desviada da
pureza primitiva, cheia de inovações doutrinárias, idólatra e paganizada.”9
Sobre esse aspecto Paul E. Pierson afirma: “Ninguém pode escapar da impressão
de que para muitos protestantes havia duas básicas diferenças entre sua religião e o
catolicismo: uma moral e outra doutrinária. O protestantismo tinha um elevado
código moral, o outro não tinha; eles criam que um proclamava as doutrinas bíblicas,
enquanto as doutrinas do outro eram falsas.”10
Temos que admitir que, apesar de a Igreja Católica no Brasil não ter oficialmente
aprovado a perseguição aos protestantes, o clima era ainda o da “Contra Reforma” e
havia, por parte de alguns membros, posição marcadamente tridentina. A era da
“Contra Reforma” só veio teoricamente terminar no Concílio Vaticano II.
Por outro lado, o protestantismo aqui implantado não era o protestantismo do século
XVI, mas o do século XVII, na fase defensiva do Escolatismo Protestante, opondo-se
às investidas da Contra Reforma. Por isso não concordamos totalmente com a tese
de Émile Leonard quando afirma: “Nesse sentido o protestantismo brasileiro, em
seus campos missionários mais recentes, está na Idade da Reforma, em outros
campos ele se encontra nos primeiros tempos após a Reforma, e em alguns outros
pontos em que já envelhecem, ele se aproxima ao estado atual das Igrejas
européias.”11
É certo que Leonard mostra, no seu magistral livro sobre o Protestantismo
Brasileiro, que, no caso da IPB, dominou o século XVII e não o século XVI.
“Ademais, tem-se a impressão de que, após os primeiros grandes missionários
americanos, houve uma certa queda em valor, não religioso é certo, mas intelectual
e teológico. Do ponto de vista doutrinal, o calvinismo que acreditavam difundir já era
uma diluição de diluições anteriores; o presbiterianismo americano já era, ele
mesmo, uma adaptação do presbiterianismo britânico que, por sua vez, através de
um século de lutas contra o catolicismo e o anglicanismo, se havia distanciado
longamente do pensamento de Calvino. E como quase sempre acontece com as
Igrejas distantes de sua fonte de inspiração -- e, por isso mesmo, mais ortodoxas em
vontade que em espírito -- o que era importante para estes missionários era a
adesão aos textos denominacionais sob a forma da tardia e duvidosa Confissão de
7
Pierson, op. cit., pg. 22.
Maciel, op. cit., pg. 65.
9
Menezes, Eurípedes Cardoso de, De Claridade em Claridade, pg. 47.
10
Pierson, op. cit., pg. 97.
11
Leonard, Revista de História, Ano II, Nº 5, janeiro-março 1951, pg. 106.
8
- 51 -
O IMPACTO DO CONCÍLIO VATICANO II
Fé de Westminster (1647), profundamente marcada pelas lutas às quais nos
referimos acima, em seus catecismos Maior e Breve.”12
Dois acontecimentos prejudicaram a notícia da realização do Concílio Vaticano II. A
série de violentas perseguições na Colômbia, movidas por católicos contra
protestantes. Essas perseguições trouxeram um impacto negativo em todas as
igrejas protestantes da América Latina. Outro foi a perseguição no Nordeste. O
Deputado Federal (presbiteriano) Paulo Freire de Araújo protestou, em novembro de
1960, contra essas perseguições, da tribuna da Câmara dos Deputados, e termina
seu discurso afirmando: “As autoridades eclesiásticas da Igreja Católica Romana
condenam atos de selvageria quando os agentes são comunistas e as vítimas são
católicos romanas; omitem-se, silenciam quando o agente é um padre e a vítima um
protestante. E ainda se fala em união de igrejas cristãs!”13
O que podemos perceber, pelas reações que houve no Brasil, é que nem a maioria
do clero católico e do povo, nem a maioria dos protestantes estavam preparados
para enfrentar a nova realidade implantada pelo papa João XXIII, isto é, o fim da
Contra Reforma.
A IPB, como as demais igrejas protestantes históricas, procurava se distanciar da
Igreja Católica. Havia reações contra o uso da cruz, uso de velas e tudo que
lembrasse qualquer semelhança com o catolicismo. No ano de 1942 o Supremo
Concílio declarou “não ser aconselhável que se inclua na liturgia um rito de cultos ‘in
memoriam’ por se aproximar de algum modo da doutrina romanista da missa.”14 Um
pastor foi criticado porque escreveu um artigo estimulando crentes a oração e
recomendou a “hora da prece”, tomando como exemplo o hábito católico do
“angelus”.15 Houve campanha dos políticos presbiterianos contra a introdução dos
crucifixos assembléias legislativas, contra verbas do governo para construção da
catedral católica de São Paulo, e contra a construção da estátua do Cristo do
Corcovado.16
Diante da notícia da convocação do Concílio Ecumênico Vaticano II, um pastor do
Nordeste escreveu um artigo dizendo que isso não passava da “velha tática do
camaleão”.17 O que dentro da IPB era expresso nas seguintes frases: “No Brasil
evangelizar ainda é desromanizar”.18 “Como é possível ser cristão evangélico e
não ser ao mesmo tempo anti-católico?”.19
Em 1958, o seminarista Jovelino Ramos foi muito criticado porque, num artigo,
chamou a Igreja Católica de “igreja irmã” e falou sobre “nossos irmãos católicos”. O
editorial do Brasil Presbiteriano dizia que esse seminarista deveria usar batina.20
12
Leonard, Revista de História, Ano II, Nº 7, julho-setembro 1951, pg. 180.
Brasil Presbiteriano (BP), fevereiro de 1961, pg. 12.
14
Digesto Presbiteriano, pg. 170.
15
BP, maio de 1961, pg. 11.
16
Digesto Presbiteriano, pg. 170.
17
BP, março de 1959, pg. 9.
18
BP, fevereiro de 1968, pg. 5.
19
BP, julho de 1960, pg. 5.
20
BP, outubro de 1958, pg. 5; e janeiro de 1959, pg. 8.
13
- 52 -
O IMPACTO DO CONCÍLIO VATICANO II
O ponto máximo da atitude anti-católica talvez seja a resolução do Supremo Concílio
em 1947: “Respondendo à Consulta do Presbitério de Campinas sobre a
participação de crentes em casamentos realizados pela Igreja Católica Apostólica
Romana, o Supremo, Concílio resolve: Considerar passíveis de disciplina os
membros da Igreja Presbiteriana do Brasil que participarem como testemunhas em
casamentos realizados pela Igreja Católica Apostólica Romana e de confissões não
evangélicas.”21 Esses casamentos são aceitos pela lei brasileira, no entanto, quando
são “casamentos com efeito civil” em que o padre ou o pastor substitui o juiz.
Apesar da grande reação anti-católica, nesses últimos anos dezenas de pastores e
leigos tem participado de encontros, cerimônias litúrgicas, ações comunitárias,
debates e estudos, e outras formas de diálogo e de confraternização com padres,
instituições e movimentos da Igreja Católica.
É verdade que esses pastores e leigos estão sendo perseguidos e alguns já foram
disciplinados. Trataremos desse aspecto no capítulo: “Ecumenismo”.
Mas a realização do Concílio Vaticano II foi considerado pela maioria presbiteriana
como “um laço de Satanás” para desviar a igreja evangélica do seu objetivo. A
atitude do papa foi interpretada de várias maneiras: (a) era uma hipocrisia; (b) era
“uma tática da velha raposa”; (c) “Roma é sempre a mesma, portanto não há
mudanças na Igreja Católica”, (d) “o Concílio Vaticano II teve uma atitude de medo
diante das ameaças do materialismo”; (e) “o ecumenismo Católico é uma arma para
neutralizar o avanço do protestantismo”; (f) “eles querem mostrar que são nossos
irmãos para provar que não precisamos mais evangelizar”; (g) “os padres
ecumênicos são falsos”.
Por trás de todas essas reações estão um ponto básico. É que para a maioria
presbiteriana, “evangelizar é desromanizar”, portanto o ecumenismo tiraria a
motivação principal da evangelização. Se ser protestante é ser anti-católico, como
aceitar o ecumenismo? Se o objetivo principal da igreja protestante é tirar os
católicos do catolicismo, como ter diálogo com a Igreja Católica?
Os pastores e leigos que aceitam diálogo ecumênico com a Igreja Católica são
considerados, como traidores, com os “Judas” do protestantismo.
21
BP, outubro de 1974, pg. 7.
- 53 -
ECUMENISMO
“O Supremo Concílio é solidário
com
o
movimento
de
cooperação e mesmo de união
das igrejas evangélicas e sempre
orará
pela
conversão
dos
católicos romanos, gregos e
pagãos.”1
Houve sempre, na Igreja Presbiteriana do Brasil, duas tendências: uma
denominacionalista-sectária e outra ecumênica. Através de sua história essa Igreja
tem afirmado essas duas tendências de modo claro. De um lado podemos dizer que
a tendência denominacionalista-sectária foi a mais forte e a que tem triunfado na
maioria das decisões, determinando uma atitude vez mais isolacionista da IPB. Por
outro lado, a tendência ecumênica tem tido suas pequenas mas significativas
vitórias. Podemos mesmo afirmar que todos os movimentos de cooperação entre as
igrejas evangélicas do Brasil e mesmo os diálogos com a Igreja Católica contaram
com o pioneirismo e o trabalho decidido de pastores e leigos presbiterianos. A 1ª
tendência denominacionalista-sectária-fundamentalista tem hoje um nome simbólico:
Boanerges Ribeiro. A 2ª tendência teve o seu auge na atuação de outro
presbiteriano de espírito fortemente ecumênico: Erasmo Braga. Aliás esses dois
nomes representam o clímax de cada uma tendências. Infelizmente, nesta fase que
estamos estudando, a IPB se fortaleceu como seita - tendo à frente Boanerges
Ribeiro.
O anti-ecumenismo hoje triunfante nos arraiais presbiterianos se deve aos seguintes
fatores:
1.
2.
3.
4.
1
2
Medo de inovação - Sendo a IPB uma Igreja conservadora, reage contra
tudo que seja novo qualquer mudança e inovação.
Anti-catolicismo - Visto que o CMI tem contactos com a Igreja Católica, a
IPB rejeita o movimento ecumênico liderado pelo CMI como demonstração de
sua antipatia para com o catolicismo.
Medo de “modernismo” - Visto que, no movimento ecumênico mundial a
cooperação entre as Igrejas não é considerada em termos de diferenças
doutrinárias, porque nesse movimento há igrejas ultra-conservadoras ao lado
de Igrejas mais liberais, a IPB tem medo do contacto com essas igrejas
liberais por causa da influência que elas poderiam trazer para o Brasil.
Denominacionalismo - Todas as vezes que a IPB se mostrou favorável ao
ecumenismo ao mesmo tempo reafirmou o seu denominacionalismo. Citamos
dois exemplos significativos: (a) Em 1932 houve a seguinte decisão: “O
Supremo Concílio aplaude todo o trabalho de cooperação com as Igrejas
irmãs, uma vez que sejam ressalvados os princípios presbiterianos”.2 (b)
Em 1936 o Supremo Concílio “Registra em ata haver o Presbitério de Minas
Digesto Presbiteriano, pg. 139.
Ibidem, pg. 139.
- 54 -
ECUMENISMO
5.
6.
julgado inoportuna a união orgânica da Igreja Presbiteriana com qualquer
outra denominação não sendo ele contrário, entretanto, à obra da
cooperação, quando feita nos termos convenientes.”3
Medo de divisão interna - Muitas das decisões tomadas para impedir a
participação oficial da IPB no movimento ecumênico mundial foi motivado pelo
medo de a IPB se dividir. De fato isso aconteceria porque tanto Erasmo Braga
como José Borges dos Santos, Jr. sentiram esse perigo várias vezes, quando
estavam na liderança da Igreja.
Medo do comunismo - Diante da mentirosa propaganda do
“fundamentalismo”, de que o CMI estaria comprometido com o comunismo
internacional, a IPB preferiu ser anti-ecumenista, porque assim seria
considerada também como anti-comunista e não teria problemas com os
serviços de segurança tanto interno como externo.
Além de todos esses fatores podemos notar que o povo presbiteriano, no nível da
maioria do clero e das igrejas locais, é um povo mal doutrinado e mal informado. O
provincialismo, a estreiteza de visão e o farisaismo estão crescendo na IPB.
Podemos dividir as atitudes presbiterianas face ao ecumenismo em duas épocas. A
1ª vai desde o início da IPB até o fim da 2ª Guerra Mundial. A 2ª, dos preparativos
para a organização do CMI até 1974.
Na primeira época, o ano de 1884 é importante porque nesse ano Eduardo Carlos
Pereira organizou a “Sociedade Brasileira de Tratados Evangélicos”. Um dos
objetivos, segundo o próprio fundador, era: “Auxiliar os nobres esforços dos
metodistas, dos batistas, dos luteranos, dos episcopais, dos congregacionalistas e
dos presbiterianos, a todos dando a sua bênção fraternal, na sublime liberdade do
Evangelho.”4
Em 1888 o Sínodo Presbiteriano era favorável à “realização de um congresso de
oficiais de todas as denominações evangélicas existentes no Brasil, e sugerir ao
mesmo tempo as bases de uma Aliança Evangélica”.5
Em 1900 a IPB estabeleceu um “modus vivendi” com a Igreja Metodista em que:
“Nenhuma cidade com menos de 25.000 habitantes será ocupada por mais de uma
denominação.”6 Poucos anos mais tarde (1906) foi nomeada uma comissão para
estudar a união da IPB com a Igreja Metodista.7
Em 1912 o Presbitério de Pernambuco foi solidário com o movimento de
confraternização das duas alas presbiterianas (IPB e IPI).
Já nos referimos à participação de Erasmo Braga no Congresso do Panamá em
1916 e dos esforços feitos no Brasil, para a mais efetiva cooperação entre as
Igrejas, que culminou com a formação da Confederação Evangélica do Brasil (CEB).
3
Ibidem, pg. 147.
Leonard, Revista de História, Ano II, Nº 7, julho-setembro 1951, pg. 185.
5
Digesto Presbiteriano, pg. 135.
6
Ibidem, pgs. 141, 142.
7
Ibidem, pg. 148.
4
- 55 -
ECUMENISMO
Leonard escreve: “Pequeno detalhe, porém muito significativo. A Igreja Presbiteriana
havia tomado, em 1937, a designação de ‘Cristã’, para afirmar sua fraternidade com
outras denominações cristãs”.8
Podemos afirmar que nessa primeira época houve altos e baixos em relação ao
espírito ecumênico.
Na 2ª época as posições se radicalizaram, como já descrevemos em outro capítulo.
Com a presença atuante do CMI e do CIIC, a IPB afirmou, em 1950, sua tese
isolacionista de “eqüidistância” que foi muito debatida pelos presbiterianos. Nessa
mesma reunião o Supremo Concílio resolveu retirar a palavra “Cristã” do nome
oficial da Igreja e firmou a sua eqüidistância: “Resolve: (1) Não ratificar a filiação da
Igreja Presbiteriana do Brasil ao Conselho Mundial de Igrejas. (2) Não se filiar ao
Conselho Internacional de Igrejas Cristãs. (3) Declarar que não convém à Igreja
Presbiteriana do Brasil comprometer-se com polêmicas porventura em curso dentro
de outras entidades eclesiásticas no Brasil e no exterior, porque está empenhada
numa obra da qual não pode desviar sua atenção, e porque a introdução
extemporânea dessas, na Igreja, perturbaria desnecessariamente a paz de nossas
comunidades. (4) Que sejam responsabilizados perante os respectivos presbitérios
os ministros que se refiram de maneira imprópria à Igreja e a seus colegas, a fim de
que sejam aplicadas as sanções que o caso comporte. Outrossim, devem ser
advertidos os ministros que procuraram se afastar das doutrinas professadas pela
Igreja Presbiteriana do Brasil. (5) Declarar que a verdadeira unidade da IPB consiste
na submissão de seus membros e ministros a Cristo, na aceitação das Escrituras
Sagradas como a palavra de Deus, única regra de Fé e Prática, por seus membros,
e dos símbolos de Fé, por parte de seus ministros e oficiais. (6) Exortar os
presbitérios a que velem para que seus ministros coloquem a unidade, a integridade,
a doutrinária e a santificação da Igreja acima de todas as questões que, embora
importantes são de plano secundário. Quanto ao documento 113, do Conselho
Internacional de Igrejas para que a Igreja Presbiteriana do Brasil se faça representar
no II Congresso do Internacional de Igrejas Cristãs que se vai reunir em Genebra,
em agosto deste ano, apresenta o seguinte parecer: (1) Que se responda
agradecendo e informando que a Igreja Presbiteriana do Brasil, em virtude da
resolução que acaba de tomar, a saber, de se manter eqüidistante tanto do
Conselho Mundial de Igrejas com do Conselho Internacional de Cristãs, não se fará
representar.9
Após a reunião de 1954, quando o SC, reunido no Recife, reafirmou sua posição de
eqüidistante surgiu uma crise no Nordeste porque Israel Gueiros não conseguia seu
objetivo. Ele queria que o SC se pronunciasse a favor da filiação da IPB no CIIC
mas, como isso não aconteceu, passou a liderar uma campanha para dividir a Igreja,
insistindo que a Igreja do Norte e Nordeste se separasse da IPB e se filiasse ao
movimento de Carl McIntire, fundador e presidente do CIIC.
Nessa campanha inglória, Israel Gueiros, do púlpito da histórica Igreja Presbiteriana
do Recife da qual era pastor, começou a acusar a IPB de “adúltera” e “modernista”.
Acusou todos os colegas que não concordavam com o movimento fundamentalista.
Seu alvo principal era o corpo docente do SPN, aonde ele tinha sido professor e de
8
9
Leonard, op. cit., pg. 186.
Resumo de Atas do SC, de 1950, pg. 32.
- 56 -
ECUMENISMO
onde tinha saído por causa de atritos com professores e com a administração.
Apoiado pelo jornal fundamentalista norte-americano “Christian Beacon”, e pelos
líderes do movimento nos Estados Unidos, sua campanha se dirigiu para o alvo de
conseguir verbas com o objetivo de organizar um seminário no Recife a fim de evitar
que os futuros pastores fossem preparados no seminário “modernista” da IPB.
Em 1956 essa campanha de difamação e de divisionismo não podia mais ser
tolerada pelo Presbitério de Pernambuco. Onze pastores e cinco presbíteros
pediram uma reunião especial do qual Gueiros era presidente, na qual foi pedido
moderação. Tudo foi em vão. Ele não queria parar sua tentativa de dividir a IPB, já
que tinha apoio no exterior. O presbitério, então, reunido em tribunal sob a
presidência de Victor Pester e, depois, de Abelardo Reinaux Paes Barreto, resolveu
suspender Israel Gueiros de suas funções de pastor e, duas semanas depois,
decidiu despoja-lo.
Ele conseguiu levar metade dos membros da sua igreja com ele e as propriedades.
Fundou a Igreja Presbiteriana Fundamentalista (IPF) e, depois, o seminário. O
movimento que ele pretendeu fazer falhou por causa de sua falta de liderança e
inabilidade política.
Em 1958 a reunião do Supremo Concílio, em Lavras, contou com a presença de
John A. Mackay que foi o preletor oficial contribuindo para melhor esclarecimento
das posições ecumênicas.
O problema do ecumenismo continua sendo polarizado pela discussão a respeito
dos contacto com a Igreja Católica. O SC de 1958 deu a seguinte orientação: “Sobre
a aproximação com a Igreja Romana através de consultas pessoais, a convite de
clérigos romanos, o SC resolve:
1.
Nada há na constituição da Igreja que impeça um ministro presbiteriano de
comparecer a uma reunião cordial entre pastores e padres romanos, sendo,
pois, matéria de foro íntimo o decidir sobre tal comparecimento.
2.
Entretanto impõe-se algumas considerações a título de orientação para o
caso da consulta e qualquer outras semelhantes, relativamente à
aproximação com a Igreja Romana:
a.
A filosofia da Igreja Romana é de índole totalitária, crendo-se
depositária da verdade, estando todas as demais igrejas e religiões em
erro.
b.
Outro ponto fundamental da filosofia católica-romana é que só deve
haver liberdade para a verdade, para o erro só deve haver tolerância, e
isto mesmo enquanto não houver possibilidade de sua extinção total.
c.
Nessas condições não há possibilidade de qualquer esperança de
ajuste ou compreensão entre pastores e clérigos romanos em assuntos
divergentes.
d.
Por outro lado, a negativa de comparecimento deve ser clara e em
termos precisos para não dar a impressão de que haja fraqueza de nossa
parte, ou medo de tais encontros.
e.
Atendendo a este fato, revela que a Igreja Romana mudou claramente
sua política, passando à ofensiva, é de bom aviso que os pastores
estudem a possibilidade de responder aos convites recebidos, fazendo
- 57 -
ECUMENISMO
3.
outros convites para fins de discussão cordial sobre pontos específicos de
controvérsia.
f.
A ofensiva dos pastores deve abranger outros pontos, como instrução
do povo das igrejas presbiterianas e ao povo brasileiro em geral sobre os
erros do romanismo, e especialmente sobre a política totalitária, tomando
mesmo com exemplos os fatos
dolorosos da perseguição não só em
nossa Pátria, como na Colômbia, na Espanha e em outros países.
Resolve-se nomear uma Comissão que estude com cuidado e rapidez a
estratégia da Contra Reforma Católico-Romana no Brasil; essa comissão
deverá orientar a IPB sobre a técnica e objetivos da atual ofensiva
romanizante no país, bem como os meios de prosseguirmos a reforma
espiritual do país.”10
O presidente do SC, José Borges dos Santos, Jr., esteve presente na 3ª Assembléia
do CMI em Nova Delhi e voltou entusiasmado com a possibilidade da IPB se filiar ao
CMI.11
Entre 1958 e 1962 houve intenso debate sobre esse assunto. O presbítero Joel de
Oliveira sugere a filiação da IPB ao CMI afirmando: “A nosso ver já se tornou
anacrônica a resolução de 1954; já não é mais sustentável, à vista do que nestes
últimos anos todos temos podido ver da conduta de um e de outro conselho. Já
passou a hora da eqüidistância.”12
O Sínodo Setentrional se reúne, em 1962, para combater a filiação da IPB ao CMI.13
No Concílio desse mesmo ano é tomada a seguinte decisão: “A IPB reafirma a sua
posição teológica e doutrinária formulada em termos não de eqüidistância de
qualquer Conselho Ecumênico, e sim em termos de fidelidade às Escrituras do
Velho e do Novo Testamento; a IPB reafirma a posição de não envolvimento formal
nem em relação ao CIIC, nem ao CMI e outros, fugindo, porém, a contactos com
esses agrupamentos ecumênicos...”14
Entre 1962 e 1966 há muitos encontros e diálogos ecumênicos com participação de
pastores presbiterianos e padres católicos em vários Estados do Brasil. A imprensa
secular faz grande divulgação desses encontros. O jornal oficial da IPB toma a
bandeira “anti-ecumenismo” para propaganda eleitoral do próprio redator-chefe,
Boanerges Ribeiro, para a presidência do SC.
O Sínodo de Pernambuco, reunido em 1965, condena as práticas ecumênicas como
“atentórias às posições tradicionais da Igreja Presbiteriana” e recomenda que os
presbitérios estejam vigilantes no Seminário Presbiteriano do Norte “contra
quaisquer atividades contrárias às posições oficiais da Igreja, tanto no campo
doutrinário, como no setor das relações ecumênicas” com a Igreja Católica.15
10
Resumo de Atas do SC, de 1958, pg. 19.
Brasil Presbiteriano (BP), janeiro de 1963, pg. 7.
12
BP, junho-julho de 1962, pg. 1.
13
BP, agosto de 1962, pgs. 6-8.
14
Resumo de Atas do SC, de 1962, pg. 35.
15
BP, dezembro de 1965, pg. 2.
11
- 58 -
ECUMENISMO
No SC de 1966, em Fortaleza, são tomadas várias resoluções sobre o ecumenismo
em relação ao com a Igreja Católica:
1.
2.
3.
4.
5.
“Deixar a cargo dos concílios regionais e locais os casos de contactos e
encontros com a Igreja Católica.
Declarar ser benéfico, salutar e cristão todo e qualquer contacto, estudo ou
aproximação da Igreja com quaisquer grupos ou entidades, desde que se
processem de acordo com a resolução SC-62-152 e sem a quebra dos
princípios estabelecidos em nossos símbolos de fé e governo e no espírito
missionário que define toda a dinâmica da Igreja Presbiteriana, fiel à sua
vocação.
Declarar que a IPB é pela unidade do Cristianismo. A aproximação com a
Igreja Católica Apostólica Romana para fins de estudos das Sagradas
Escrituras e de prestar serviço que amor ao próximo, parece-nos benéfica.
Entretanto, a união com a Igreja Católica com a conhecemos, não somente
está fora de cogitação, como é impossível.
Sobre casamento misto, conjuntamente por pastores e sacerdotes romanos, o
SC resolve recomendar que tal prática seja evitada por ser de todo
inconveniente.
Determina pois que os púlpitos presbiterianos não sejam cedidos a
sacerdotes católico-romanos.”16
Essas resoluções de 1966 não foram observadas totalmente no quadriênio 19661970 por causa do clima de entendimentos e aproximações entre presbiterianos e
católicos. Assim, houve cerimônias ecumênicas de formatura, casamento, cultos, e
outras celebrações. Por causa desses fatos o Supremo Concílio, reunido em
Garanhuns, PE, em 1970, tomou decisões drásticas. Entre elas as seguintes:
1.
2.
3.
4.
5.
16
“Proibir a celebração de casamentos em cerimônias conjuntas de pastores e
sacerdotes católico-romanos, ou a participação destes nos púlpitos da IPB.
Proibir pastores e oficiais das igrejas jurisdicionadas à Igreja Presbiteriana do
Brasil de participarem da direção de cerimônias do culto na companhia de
sacerdotes católico-romanos.
Caberá aos Conselhos, no caso de presbíteros; e diáconos, aos presbitérios,
no caso de pastores (ou, no caso de pastores cujo presbitério haja sido
dissolvida, à respectiva Comissão Executiva Sinodal) instaurar o processo
eclesiástico, afastando preventivamente do exercício ministerial quem
desacate a resolução supra.
Na ausência de providências disciplinares pelo órgão competente (CI, art. 70)
deverá o Concílio imediatamente superior tomar as medidas necessárias,
inclusive à dissolução do Concílio inoperante (ou demissão da Comissão
Executiva, nos casos do Art. 11 do Código de Disciplina da Igreja
Presbiteriana do Brasil).
Na eventualidade de se encontrar um sínodo inoperante no cumprimento da
presente resolução, deverá a CE/SC declará-lo dissolvido e colocar os
presbitérios que o integram na jurisdição de outros sínodos, com
recomendação que dêem cumprimento, no caso do presbitério (ou
BP, 15 de julho, 1º de agosto e 15 de agosto de 1966, pg. 15.
- 59 -
ECUMENISMO
6.
presbitérios) inoperantes, à presente resolução, relatando à CE/SC, em prazo
fixado pela CE/SC, a execução da presente resolução.
Ao dissolver um concílio, deve o Concílio Superior tomar as providências
necessárias para que, quando for o caso, a dissolução produza efeitos junto à
autoridade civil competente.”17
Com essas resoluções, em 1970, a IPB armou o esquema inquisitorial que atingiu
pastores, oficiais, presbitérios e sínodos; nos anos subseqüentes.
Não contente em as medidas tomadas contra pastores, presbíteros, diáconos e
concílios, o SC de 1974 se volta também contra os membros das igrejas locais:
“Considerar passíveis de disciplina os membros da Igreja Presbiteriana do Brasil que
participarem como testemunhas em casamentos realizados pela Igreja Católica
Apostólica Romana.”18
Por causa do seu preconceito contra a Igreja Católica, houve, na IPB, um
arrefecimento rio espírito ecumênico que já existia em pequena proporção entre os
presbiterianos, refletindo sobre os contatos fraternais com outras Igrejas
Evangélicas. Identificando o movimento ecumênico unilateralmente como uma
tentativa de união orgânica com a Igreja Católica, os presbiterianos, que lideraram a
cooperação entre as Igrejas Evangélicas, tornaram-se pouco operantes. A
Confederação Evangélica do Brasil se enfraqueceu muito. Os movimentos de
aproximação entre as igrejas protestantes diminuíram sensivelmente. Muitos
pastores e igrejas foram constrangidos a deixar a IPB, formando novas
denominações presbiterianas, com aconteceu com o Presbitério de São Paulo
(PSP), com a Aliança de Igrejas Reformadas do Brasil (AIRB) e com a presbiteriana
Renovada (IPR). Tudo isso por causa do clima inquisitorial e ditatorial e a perda do
amor e da compreensão por parte da direção da IPB.
Quando a primeira edição deste livro foi publicada, em 1976, havia oito
denominações presbiterianas no Brasil. Em meados de 1982 duas haviam
desaparecido (PSP e AIRB), se reestruturando em dois novos grupos: a Federação
Nacional de Igrejas Presbiterianas (FENIP), criada em 1978, e a Igreja Cristã de
Confissão Reformada (ICCR), criada em 1980. Uma nova denominação
presbiteriana (IPRJ) surgiu em junho de 1982, quando um dos presbitérios do Rio de
Janeiro, retirou-se daquela denominação, tomando-se independente. Além da IPB
(1859), IPI (1903), IPF (1956), IPR (1975), FENIP (1978), ICCR (1980), e IPRJ
(1982), existem mais igrejas Reformadas no Brasil: a Igreja Presbiteriana
Conservadora (IPC), criada em 1940 numa controvérsia com a IPI; e a Igreja Cristã
Reformada do Brasil (ICR), criada em 1932 por imigrantes húngaros. Os reformados
holandeses mantêm tanto uma denominação quanto uma missão no Brasil,
existindo, ademais, pequenos grupos reformados originários de outros países, tais
como a Igreja Reformada Suíça, em São Paulo.
17
18
BP, Setembro de 1970, pgs. 3 e 5.
BP, Outubro de 1974, pg. 8.
- 60 -
A REVOLUÇÃO DE 1964
“Os crentes de fato acreditam
que o problema fundamental do
Brasil é o de ordem moral. Esta é
a opinião geral defendida tanto
pelos incultos como por pessoas
de
educação
média
e
universitária. E esta generalização
fundamenta as opções políticas
da
maioria
dos
líderes
protestantes.
Uma
pregação
direitista
de
combate
aos
corruptos e subversivos tem que
despertar admiração e apoio
substancial
desse
tipo
de
1
mentalidade.”
O período que estamos estudando na história da Igreja Presbiteriana do Brasil foi
desenrolado dentro da mais profunda crise política, econômica e social.
A crise política teve um desfecho trágico em agosto de 1954 com o suicídio do
presidente Getúlio Vargas. Passou então a governar, o vice-presidente João Café
Filho.
A situação política não melhorou e, a 11 de novembro de 19S5, o Ministro da
Guerra, general Teixeira Lott, com o apoio de outros oficiais superiores, depôs
Carlos Luz, presidente da Câmara dos Deputados que ocupava interinamente a
presidência da República, por achar-se, enfermo Café Filho. Foi então chamado ao
poder o senador Nereu Ramos que, em janeiro de 1956, deu posse ao presidente
eleito Juscelino Kubitshek.
Apesar da má situação financeira, empenhou-se o governo do presidente Juscelino
Kubitshek em atrair capitais estrangeiros e em desenvolver as indústrias,
particularmente a automobilística. De suas obras mais importantes, assinala-se a
construção de Brasília, capital do Brasil a partir de 21 de abril de 1960.
Em janeiro de 1961, Jânio Quadros assumiu o governo, eleito no ano anterior. O
novo presidente traçou um programa de rigorosa economia, ordenou numerosos
inquéritos para apurar irregularidades em vários ministérios. Achou necessários
novos mercados para a compra da produção, agrícola e industrial do país e, por
isso, iniciou negociações com os estados socialistas e com as novas nações do
continente africano. Nessa guinada para o socialismo, o líder revolucionário cubano
Che Guevara foi condecorado pelo presidente. Seu governo, porém, durou apenas
1
Ramos, Jovelino, Protestantismo Brasileiro, Visão Panorâmica, Revista Paz e Terra, Ano II, Nº 6,
abril de 1968, pg. 77.
- 61 -
A REVOLUÇÃO DE 1964
sete meses, pois a 25 de agosto de 1961, sem que ninguém esperasse, ele
comunicou ao Congresso que renunciava ao cargo de Presidente da República.
Nessa ocasião o vice-presidente João Goulart, que o deveria substituir, viajava pelos
países da Ásia, e o poder foi exercido pelo presidente da Câmara dos Deputados,
Ranieri Mazzilli, durante uma semana de grave crise nacional quando foi
estabelecido o parlamentarismo no Brasil. O problema surgiu porque os ministros
militares declaram-se contrários à posse de João Goulart. Contra essa declaração
houve protesto, e Leonel Brizola, governador do Ria Grande do Sul, assumiu
posição francamente revolucionária com o apoio das tropas do exército sediadas
nesse Estado sob o comando do general Machado Lopes. Entretanto, o Congresso,
afirmando haver perigo de guerra civil, resolveu adotar posição conciliadora,
promulgando o Ato Adicional que estabeleceu o parlamentarismo.
Com o regime parlamentarista, cujo primeiro ministro foi Tancredo Neves, foram
concluídas as negociações e estabelecidas as relações diplomatas e comerciais
com a União Soviética.
Para substituir Tancredo Neves, que deixara o cargo em junho de 1962, o presidente
João Goulart indicou o professor Santiago Dantas. A Câmara dos Deputados,
porém, não aprovou seu nome. O presidente, então, de acordo com a lei, levou à
consideração da Câmara o nome do senador Auro de Moura Andrade. Pouco
depois, contudo, irrompia violenta crise política, pois o presidente recusou
energicamente nomear novos ministros indicados por esse senador. Alegava não
serem homens capazes de realizar um programa para salvar o país da crise
econômica, financeira e social. Esse programa consistia na realização das
chamadas “reformas de base”, como a reforma agrária, e a manutenção da política
externa inaugurada pelo presidente Jânio Quadros (comércio e relações políticas
com os países socialistas).
O último primeiro ministro, Hermes Lima, ainda ocupava o poder quando o plebiscito
de 6 de janeiro de 1963 restabeleceu o presidencialismo.
Mas a inflação, com suas conseqüências; imediatas - desvalorização da moeda e
aumento do custo de vida - foi uma das causas importantes das crises que agitaram
o país durante todo de 1963 e princípio de 1964. Sucederam-se as greves, com
freqüência cada vez maior, principalmente nos Estados de São Paulo, Guanabara
[atual cidade do Rio de Janeiro] e Pernambuco; muitas delas tiveram caráter político
e eram sempre promovidas pelo CGT (Comando Geral dos Trabalhadores),
organização que contava, entre seus membros, com líderes extremistas.
Também no interior verificaram-se graves agitações, quando trabalhadores rurais
arregimentados em “ligas camponesas”, lideradas por Francisco Julião, de
Pernambuco, invadiram propriedades, ocorrendo graves conflitos com fazendeiros
de Minas Gerais e Goiás, e com usineiros do Nordeste.
Em março de 1964, a situação política tornou-se mais grave: o governador de
Pernambuco, Miguel Arrais, de orientação socialista, entrava em choque com as
lideranças econômicas; por lado, num comício realizado na Guanabara no dia 13,
com a presença do presidente da República, foram feitas violentas críticas ao
Congresso, chegando-se a propor uma Constituinte para a realização imediata das
- 62 -
A REVOLUÇÃO DE 1964
reformas de base. Ocorreram, dias depois, atos de insubordinação de elementos da
Marinha e do corpo de Fuzileiros Navais, sendo que os marinheiros pertenciam a
uma associação considerada subversiva pelos oficiais da Armada e pelo próprio
Ministro.
Finalmente, a 31 de março, em apoio a um manifesto ao governador de Minas
Gerais, insurgiram-se tropas do exército sediadas; nesse Estado e resolveram
marchar para o Rio de Janeiro. O governo federal que se havia deslocado para essa
cidade, compreendeu a inutilidade de qualquer resistência quando foi informado de
que o 2º Exército, de São Paulo, apoiava o movimento, marchava também para o
Rio de Janeiro e aproximava-se de Resende onde obtivera a adesão da Academia
Militar de Agulhas Negras em 19 de abril. Retirou-se então o presidente da
República para Brasília, em seguida para Porto Alegre e, antes de buscar refúgio no
Uruguai, faz uma declaração em que dispensava qualquer ajuda para a sua causa.
Nessa ocasião, na capital do país, já havia assumido o governo o presidente da
Câmara dos Deputados, Ranieri Mazzilli. Seguiu-se a publicação do institucional que
modificou a constituição: suprimiram-se as garantias individuais para permitir a
cassação de mandatos dos eleitos, ou a supressão dos direitos políticos por 10
anos, além do confisco de bens daqueles que fossem acusados de atividades
subversivas ou práticas de corrupção. Houve inúmeras prisões em todo o território
nacional. Também o mesmo ato estabeleceu eleição imediata, pelo Congresso, do
presidente, vice-presidente da república, sendo eleitos, respectivamente, o marechal
Humberto de Alencar Castelo Branco e o deputado José Maria Alkmin. Para conter a
inflação, o Governo tomou severas medidas financeiras; que culminou com a adoção
do Cruzeiro Novo, em 1967.
Em outubro de 1965, depois da eleição para governador de alguns Estados, foi
publicado novo Ato Institucional, que suprimiu os partidos existentes, reduzindo-os a
dois e estabeleceu a eleição indireta, pelo Congresso, dos governadores e do
presidente da República. Para suceder ao presidente Castelo Branco foi eleito, em
outubro de 1966, o marechal Artur da Costa e Silva e, em janeiro de 1967, foi
promulgada a nova constituição.
Em dezembro de 1968 foi promulgado o Ato Institucional nº 5 que determinou o
fechamento do Congresso. Sem a colaboração do poder Legislativo, portanto,
continuou o governo a tomar severas medidas para resolver a situação financeira do
país.
Em 1969 o marechal Costa e silva foi acometido de grave enfermidade. O poder
passou a exercido por uma junta militar que declarou vagos os cargos de presidente
e vice-presidente, que era Pedro Aleixo. Foi indicado para a presidência o general
Emílio Garastazu Médici, que determinou nova constituição, em 17 de outubro de
1969.2
Podemos citar as seguintes características do movimento político-militar de
01.04.64:
2
Borges Hermida, Antonio José, Compêndio de História do Brasil, Companhia Editora Nacional,
São Paulo, 57ª Edição, 1972, pgs. 289-300.
- 63 -
A REVOLUÇÃO DE 1964
1. Foi um movimento conservador: achava que as reformas tinham que seguir as
linhas tradicionais.
2. Foi um movimento moralizador combate à corrupção.
3. Foi um movimento ideológico combate ao comunismo e o fortalecimento da
democracia liberal liderada pelos Estados Unidos.
Entre as igrejas evangélicas do Brasil, a Presbiteriana foi a mais envolvida e a mais
comprometida com a revolução de 1964 por causa das ligações dessa Igreja com a
classe média e por causa do prestígio que ela gozava nos meios políticos e
militares. “Três presbiterianos da ilustre família Gueiros vem tendo participação ativa
no delineamento dos destinos do país desde a deposição do Presidente Goulart.
Eraldo Gueiros Leite, no momento em que escrevemos, é Procurador Geral da
Justiça Militar da Presidência da República, Evandro é Procurador da Justiça Cível,
e Nehemias Gueiros entrou para a História como redator do Ato Institucional nº 2.
Vale mencionar o nome de Jeremias Fontes, outro filho do protestantismo
(presbiteriano) designado por Castelo Branco e eleito em pleito indireto para
governador do Estado do Rio.3
No governo Médici, o ministro Eraldo Gueiros ocupou o cargo de Governador de
Pernambuco.
Talvez por isso, a revista “Newsweek”, no ano de 1966, comentava que havia no
Brasil uma “proliferação de legislação calvinista”.
Um representante do Sínodo Oeste de São Paulo publicou, em maio de 1964:
“Na certeza irrebatível de que a justiça exalta as nações e de que o pecado é
o opróbrio dos povos, hipotecam, senhor Presidente, respeitosa e
patrioticamente, enorme soma de confiança em seu governo.”4
Esse é um trecho da representação que o referido sínodo enviou ao presidente
Castelo Branco. Nesse mesmo mês de maio um pastor escreveu: “Todos os
verdadeiros cristãos estão se regozijando com os resultados da gloriosa revolução
de março-abril: o expurgo de comunistas simpatizantes da administração do nosso
querido Brasil. (...) Deus agiu na hora certa, usando a coragem e o patriotismo das
Forças Armadas e civis. A raiz da erva daninha, porém, será difícil de ser
extirpada.”5 No editorial do Brasil Presbiteriano foi escrito: “Merece o seu governo
(Castelo Branco) o apoio dos cristãos que devem constantemente orar a Deus por
ele, e positivamente participar da vida nacional.”6 Outro pastor também que:
“Ninguém que verdadeiramente ame este país e aprecia o regime de liberdade, terá
de aplaudir com entusiasmo a reviravolta que, de um momento para outro, nos livrou
e impediu que o Brasil caísse nas mãos dos comunistas, já eufóricos no antegozo da
posse do poder.”7 Esse pastor, todavia, pede moderação aos revolucionários e
advoga as reformas para o povo.
3
Ramos, op. cit., pg. 75.
Brasil Presbiteriano (BP), maio de 1964, pg. 1.
5
Ibidem, pg. 7
6
BP, junho de 1964, pg. 3.
7
Ibidem, pg. 4.
4
- 64 -
A REVOLUÇÃO DE 1964
Houve um entrosamento de vários setores da IPB com a revolução de 1964. Isso foi
demonstrado pela notícia do Brasil Presbiteriano: “Pastores e Presbíteros da Igreja
Presbiteriana do Brasil têm sido convidados a freqüentar cursos e ciclos de estudos
promovidos pelas delegacias regionais da Associação dos Diplomados; da Escola
Superior de Guerra. Versam os sobre temas de Segurança Nacional e
Desenvolvimento.”8
Mais tarde a própria CE/SC encaminha sugestão para o aproveitamento de ministros
no curso intensivo da Escola Superior de Guerra e que indicaria os nomes desses
ministros.9
A influência maior da revolução de 1964 na IPB foi no sentido de imitar os métodos
político-militares na vida interna da Igreja.
Em maio de 1964 um pastor escrevia: “Em todos os setores [a erva daninha do
comunismo] está infiltrada, inclusive nas Igrejas, tanto na católica, como infelizmente
nas evangélicas. Daí o título do nosso arrazoado - ‘o outro expurgo’ ... É preciso o
expurgo.”10
De fato já começava a haver expurgos nas igrejas evangélicas. O diretor dos Diários
Associados, Assis Chateaubriand, chegou a elogiar a presteza com que os
protestantes agiram no expurgo de pastores “suspeitos”, enquanto lamentava a
complacência da Igreja Católica para com os padres igualmente “suspeitos”.
Um presbítero de Recife protestou:
“A Revolução de 31 de março último afugentou 1 Coríntios 13 do pensamento e da
ação de nossa Igreja. ... Casos houve aqui no Nordeste em que o ‘regozijo’ pelo
sofrimento dos irmãos foi corroborado por citações do Velho Testamento, pois Deus
não ordenara a destruição dos amalequitas? Um pastor acaba de sugerir um
‘expurgo’ na nossa Igreja. Já antevemos comissões de inquéritos funcionando ao
lado de concílios e a agitação política tomando conta da vida da Igreja.”11
Logo depois do golpe militar, a CE/SC começou a agir. Reuniu-se em Campinas nos
dias 29 e 30 de abril de 1964 e tomou algumas decisões:
1. Em relação ao VI Congresso Nacional da Mocidade Presbiteriana, a CE/SC tinha
elogiado, no dia 28 de março, o referido congresso com as seguintes palavras:
“Congratular-se com a Mocidade Presbiteriana Brasileira pela realização do seu VI
Congresso e pelo elevado desejo que demonstrou em achar respostas cristãs para
as necessidades da hora presente da vida brasileira como se vê consubstanciado na
proclamação do VI Congresso.”12 Mas, agora, na reunião de 29 de abril, a mesma
CE/SC resolve: “Fazer sustar a publicação e divulgação por quaisquer outros meios,
das conclusões do VI Congresso da Mocidade, por não ter a CE/SC, reunida em
8
BP, outubro de 1974, pg. 2
BP. fevereiro de 1975, pg. 3.
10
BP, maio de 1964, pg. 7.
11
BP, julho de 1964, pg. 4.
12
Resumo de Atas, 1964, pg. 5.
9
- 65 -
A REVOLUÇÃO DE 1964
Campinas, em março de 1964, aprovado as referidas conclusões.”13 Nessa mesma
reunião de abril foi aprovado um vento de agradecimento a um jovem que serviu de
“espião” do presidente do SC no VI Congresso da Mocidade, em janeiro de 1964.
2. Outra providência foi a retirada do redator-chefe do Brasil Presbiteriano, Rev.
Domício Pereira de Mattos, alegando, entre outras; coisas, que: “a orientação do
Rev. Domício, à frente do BP, não representa o pensamento da Igreja.”14 O Rev.
Domício, debaixo de pressões, resolveu pedir demissão e em seu lugar foi escolhido
o Rev. Boanerges Ribeiro que está à frente do jornal desde 1964.
3. A terceira providência foi a CE/SC aceitar 2 documentos irregulares porque não
procediam de concílios: um era o abaixo-assinado de membros da Igreja de Niterói,
e outro era uma carta de um jovem criticando o VI Congresso Nacional da Mocidade
Presbiteriana. O único assunto de “urgência”, assim considerado, assim considerado
pelo presidente e seus companheiros, eram “acusações contra ministros
presbiterianos: um o presidente do Sínodo da Guanabara que cumpria função na
imprensa presbiteriana, acusado de ofender e insultar o presidente do SC; e outros
seis ministros presbiterianos acusados de heterodoxia, de adotarem ideologia
contrária à fé e a ética cristã. A acusação contra os seis ministros presbiterianos
(Reverendos: Jovelino Ramos, Nilo Rédua, Cyro Cormack, João Dias de Araújo,
Lemuel Nascimento e Rubem Alves), assinada por membros de igrejas locais, foi
levada à CE/SC pelo próprio presidente, sem passar pelos respectivos conselhos de
igrejas e sem transitar por qualquer concílio presbiteriano. A CE/SC não só recebeu
a queixa como nomeou comissão para investigar a vida desses ministros, em
flagrante desrespeito à Constituição da IPB, e adotando o desumano processo de
delação sem prova e sem oportunidade de defesa aos acusados.15
Em junho de 1964, o próprio presidente do Supremo Concílio, Amantino Adorno
Vassão, esteve no Recife e convocou uma reunião extraordinária da diretoria do
SPN com o objetivo de afastar do cargo de professor o Rev. João Dias de Araújo. O
documento que o presidente tinha contra esse professor era uma carta de difamação
e de injúria escrita por um jovem inexperiente que esteve no VI Congresso da
Mocidade Presbiteriana. Essa carta foi distribuída, com a aprovação e incentivo do
presidente, por quase todas as igrejas presbiterianas do Brasil. A diretoria se reuniu
e examinou o documento e, depois de interrogar o professor durante 3 horas, não
encontrou nenhum motivo para afastá-lo. O presidente, num verdadeiro acesso de
cólera, abandonou a reunião.
Foi esse mesmo professor do SPN que quase foi preso porque, no dia 1º de abril de
1964, membros da Igreja Presbiteriana Fundamentalista distribuíram, no centro da
cidade do Recife, um panfleto de Israel Queiros que acusava o SPN de ser um foco
subversivo de alunos e professores esquerdistas e apontava João Dias de Araújo
com “professor de teologia marxista”. Foi necessário que a mesa da diretoria do
SPN, ajudada por dois presbiterianos de influência na cidade (Dr. Mardônio Coelho e
o presbítero Torquato Marques dos Santos), se dirigisse às autoridades civis e
militares desmentindo as acusações.
13
Ibidem, pg. 26.
Ibidem, pg. 25.
15
BP, abril de 1964, pg. 3.
14
- 66 -
A REVOLUÇÃO DE 1964
O Brasil Presbiteriano, visivelmente satisfeito, publica a notícia da prisão do pastor
Gerd Jurgen Menzel, acusado de subversão. Mas não publica que ele foi, depois de
interrogado, considerado inocente pelas autoridades militares.16
Na campanha para eleição de Boanerges Ribeiro como presidente do Supremo
Concílio em Fortaleza (julho de 1966), a propaganda era feita no sentido de salvar a
Igreja da infiltração do “evangelho social”. Em outras palavras, adaptar à nova
situação implantada pela revolução de 1964. Para ajudar a propaganda eleitoral de
Boanerges Ribeiro, o jornal Brasil Presbiteriano publicou, na sua edição de maio,
dois meses antes da reunião, uma ficha para dos delegados. Acima da ficha está a
propaganda em letras garrafais de um livro de autoria do Rev. Alcides Nogueira, O
Evangelho Social e a Igreja de Cristo, com a seguinte nota, “Está em circulação o
livro O Evangelho Social e a Igreja de Cristo que o Rev. Alcides acaba de publicar
e no qual faz uma análise documentada sobre novas tendências ideológicas dentro
do protestantismo brasileiro. Graves e surpreendentes revelações vêm a lume
naquelas páginas, que precisam ser conhecidas e meditadas, a fim de que se tenha
ciência da atuação socialista que consciente ou não da extensão do mal, vem
anunciando um ‘evangelho social’, um ‘outro evangelho’ (Gl. 1:6) que abre ala para a
infiltração sócio-comunista nos meios evangélicos do Brasil.”17 O livro nada mais é
do que uma série de “acusações” infundada , calúnias, meias-verdades, e
distorções de pensamento. Muitos pastores são “acusados”: Richard Shaull, Rubem
Alves, Jovelino Ramos, Cyro Cormack, João Dias, Nilo Rédua, Domício de Mattos e
a própria CE/SC é considerada culpada porque retirou as acusações contra esses
ministros.
Durante a reunião do Supremo Concílio em Fortaleza (1966), falou-se em “regime de
exceção” da Igreja. Um presbítero, general do exército, propôs que nenhum pastor
podia pertencer a um partido político de orientação socialista. Essa proposta não foi
aceita. Outro presbítero, também oficial do exército, dizia aos delegados, nos
corredores, que “era soldado de Cristo e soldado da pátria e como soldado da pátria
tinha o dever de denunciar às autoridades qualquer irmão suspeito de subversão”.
Devido à crise no SPS, foi criada a Comissão Especial dos Seminários (CES), sobre
a qual falaremos no próximo capítulo. Essa comissão tem várias características de
um tribunal da inquisição medieval.
Iríamos longe relatando as repercussões que a situação político-militar trouxe para
dentro da IPB. Quantas injustiças! Quantas denúncias falsas! Quantas mentiras!
Quanto farisaísmo! Foi Jovelino Ramos quem resumiu tudo isso no seguinte
parágrafo:
“[A Igreja] identificou-se com o conservantismo político; condenou os renovadores
como modernistas, mundanos e comunistas, postulou que a Igreja nada tem a ver
com a situação social; acabou com a organização dos jovens, participou da marcha
da família, fechou o Setor de Responsabilidade Social da Igreja; denunciou ao
DOPS e ao SNI muitos pastores e leigos com subversivos e corruptos; expulsou dos
seminários professores considerados ‘avançados’ e baixou o nível da educação
16
17
BP, 1 a 15 de maio de 1969, pg. 7.
BP, maio de 1966.
- 67 -
A REVOLUÇÃO DE 1964
teológica; e, através de um astuta manobra política, tirou os elementos ‘suspeitos’
dos postos importantes da hierarquia eclesiástica.”18
18
Ramos, op. cit., pg. 93.
- 68 -
EXPURGOS NOS SEMINÁRIOS
“A diversidade de idéias nas
presentes conjunturas do século
e da Pátria, só podem ser
enfrentadas por idéias e não por
ações inquisitórias.”1
Nesta fase da história da Igreja Presbiteriana do Brasil constatamos a existência de
três seminários: o Seminário Teológico Presbiteriano de Campinas (SPS), o
Seminário Presbiteriano do Norte (SPN), no Recife, e o Seminário Presbiteriano do
Centenário (SPC), em Vitória.
Estes seminários, considerados como ‘meninas dos olhos’ da Igreja, lacrimejaram
com as fumaças da inquisição. Sempre houve crises nos seminários, mas neste
período a crise destruiu praticamente a educação teológica da Igreja.
Seminário de Campinas
Começaremos considerando a crise no Seminário de Campinas que chegou a ser o
melhor e mais afamado seminário da América Latina, reputado em todo o
continente. Foi justamente na de 50, quando o seminário tinha mais de 100
estudantes, que a crise se aprofundou. Destacaremos os pontos mais salientes:
1. Crise teológica – Com a presença de Richard Shaull, os estudantes e
professores tiveram contato mais direto com a renovação teológica na Europa e nos
Estados Unidos. As teologias de Karl Barth, Emil Brunner, Reinhold Niebuhr, Richard
Niebuhr, Otto Piper, Paul Tillich e outras foram amplamente apresentadas e
discutidas. Além do professor Shaull, outros professores contribuíram. Júlio Andrade
Ferreira, depois de um ano em Strasburgo, trouxe novas contribuições às suas
aulas. Outros professores missionários também, como: Floyd Sovereign, Earle
Roberts, Robert Evans. Novos professores brasileiros: Osmundo Miranda, Francisco
da Penha Alves, Adauto Araújo Dourado, Samuel Martins Barbosa, Américo Ribeiro
deram contribuições preciosas para o seminário. A crise teológica se instalou por
causa do conflito entre conservantismo da Igreja e do seminário e a discussão dos
novos teólogos, especialmente da teologia “neo-ortodoxa”. A. A. Strong, velho
teólogo calvinista cujo compêndio tinha sido por várias décadas no Seminário, agora
era alvo de criticas e de reservas. Por desses fatos o SPS foi acusado de ter entre
seus alunos e professores alguns “modernistas”. A pessoa mais criticada foi a do
professor Shaull cuja influência sobre os estudantes foi enorme.
2. Conflito administrativo - Houve conflitos e desentendimentos entre dois órgãos
da administração do seminário: a Diretoria e a Congregação dos Professores. Na
“Representação de Professores do Seminário Teológico Presbiteriano de Campinas”
temos um parágrafo que explica o assunto: “O bom andamento dos trabalhos do
1
Representação dos Professores do Seminário Teológico Presbiteriano de Campinas, edição
mimeografada, pg. 2.
- 69 -
EXPURGOS NOS SEMINÁRIOS
Seminário depende largamente das boas relações entre a Congregação e a
Diretoria. É necessário uma harmonia entre os dois órgãos. A presente estrutura da
Diretoria (representantes dos presbitérios da região) tem resultado em mal
entendidos e conflitos que trazem sérios prejuízos para a obra do Seminário. (...)
Sendo a Congregação um órgão hierarquicamente subordinado à Diretoria, estando
ela, contudo, de posse de todas as informações e dados referentes à vida interna do
Seminário, é necessário um bom entrosamento entre os dois órgãos. (...) O que se
tem observado é uma situação de tensão e atrito entre a Diretoria e a Congregação,
que resulta em prejuízos para a vida interna do Seminário e em descrédito da obra
do Seminário, externamente”.2
Essa crise administrativa explodiu nas vésperas da reunião do Supremo Concílio de
1966.
3. Conflitos entre alunos e autoridades da Igreja - Os conflitos entre o seminário e
a direção da IPB se intensificaram depois da revolução de 1964, quando a Mesa do
Supremo Concílio se transformou em comissão de inquérito para apurar possíveis
irregularidades no seminário. No Instituto de Pastores, em julho de 1964, um
pequeno incidente desencadeou uma onda furiosa contra os estudantes. No
programa do Instituto de pastores, afixado no “placard” de anúncios do seminário,
estava um papel contendo os temas das palestras e os respectivos nomes dos
preletores. Entre as palestras, uma seria feita pelo então presidente do SC,
Amantino Adorno Vassão. Um estudante escreveu à tinta, na frente do nome, do
presidente, a palavra “fraco”, externando uma crítica, ou um desabafo de estudante.
Bastou essa brincadeira para que a Mesa da CE/SC oficiasse à Congregação do
Seminário afirmando que “houve referência a uma nota desairosa ao Presidente do
Supremo Concílio, no programa do Instituto de Pastores aposto no ‘placard’ de
anúncios do SPS. Resolveu a Comissão solicitar desta nobre Congregação
informações sobre as providências tomadas com respeito à nota referida”. Com esse
incidente e suas repercussões estava a crise aprofundada.3
4. Conflito entre estudantes e alguns professores do seminário - O jornal do
Centro Acadêmico Oito de Setembro (CAOS), órgão dos estudantes, publicou um
artigo a respeito da crítica a um sermão de prova, pregado por estudante. A crítica
ofendeu alguns professores. O número do jornal foi suspenso, mas o conflito
continuou, porque os cultos com críticas de sermão foram suspensos. Outro
incidente foi à reação dos estudantes do 4º e 5º anos, que se recusaram ter aulas de
Exegese da Carta aos Romanos com o professor Waldyr C. Luz, que tinha sido
indicado para ministrar essa matéria pela Congregação e pela Mesa da Diretoria.
5. Conflito entre estudantes - Naturalmente, num seminário com mais de 100
alunos, há diferenças de mentalidades. No primeiro semestre de 1966 surgiu o
famoso “Manifesto dos 15”, que foi explorado politicamente na campanha de
propaganda eleitoral para presidente do SC. O manifesto foi escrito por 15 alunos,
na maioria dos primeiros anos do curso do seminário, fazendo “acusações” que
foram classificadas na seguinte ordem:
2
3
Ibidem, pg. 12.
Ibidem, pgs. 2, 3.
- 70 -
EXPURGOS NOS SEMINÁRIOS
a. As de ordem piedosa - Há quem zombe da Bíblia, da oração e da vida espiritual;
a vida devocional é baixa; os cultos mal assistidos ou desprezados; o círculo de
oração combatido.
b. As de ordem doutrinária - Desprezo ao calvinismo, apego ao modernismo,
negação da Inspiração. etc.
c. As de ordem ética - Há libertinagem, imoralidade, fumo, bebida, amor livre,
palavrões, piadas atentando à pureza feminina, etc.
d. As de ordem administrativa - Há os que desmoralizam a liderança da Igreja,
hostilizam professores. “Uma cúpula ativista, politiqueira, de simpatias
pronunciadamente esquerdistas, exerce inexorável pressão sobre colegas”; “tramam
de maneira traiçoeira contra os lideres da igreja que não obedecem à sua linha de
pensamento”; “elementos de fora, até ministros, vem aqui, tramam, etc.”.
O pior de tudo é que esse manifesto foi distribuído fartamente fora do seminário, nas
igrejas, antes de ser conhecido pela Congregação do Seminário.
Duas igrejas, uma de Belo Horizonte e outra do Presbitério de Rio Claro, se
incumbiram distribuir esse manifesto para mostrar que o Supremo Concílio tinha que
eleger um presidente para “salvar o Seminário”.4 De fato, o assunto podia ser tratado
e resolvido pela Diretoria e pela Congregação, mas os abutres do escândalo
queriam explorar politicamente os exageros dos 15 alunos, e os problemas no
seminário.
6. Problemas financeiros - Não podemos deixar de mencionar a crise financeira.
Numa época em que o seminário mais precisava da presença e da assistência dos
professores, estes eram obrigados a ficar muito tempo fora, dando aulas ou
trabalhando em outras cidades porque, além de seus salários serem baixos, eram
pagos com atraso de até 3 meses. Houve professores que bateram às portas de
estudantes para tomar dinheiro emprestado para fazer feira. Não era possível exigir
desses homens e de suas famílias mais do que eles estavam dando para o
seminário.
Infelizmente, essa grave crise foi mal encaminhada para a reunião do SC em
Fortaleza e lá explorada e transferida para os outros dois seminários que tinham
crises diferentes, fazendo surgir na vida presbiteriana a esdrúxula “Comissão
Especial dos Seminários”. Vejamos da resolução:
“1. Reconhecer que um situação de fato existe que compromete o futuro da Igreja.
2. Declarar que embora respeitando o foro íntimo de cada indivíduo a IPB não
entende que a liberdade de exame implique na abertura de suas portas a toda sorte
de dúvidas e heresias.
3. Determinar que os professores dos seminários da IPB se dediquem ao preparo
intelectual e espiritual de seus alunos e se abstenham de propagandas e práticas
ecumenistas e ideológico-políticas.
4
Ibidem, pg. 14.
- 71 -
EXPURGOS NOS SEMINÁRIOS
4. Determinar às Congregações que cancelem as matriculas de todos os alunos
cujas idéias ou cuja conduta sejam havidas pelas Congregações de professores ou
pelas entidades superiores da administração incompatíveis com padrões éticos e
doutrinários da IPB.
5. Nomear uma Comissão Especial com plenos poderes para dar execução às
providências desta resolução, podendo inclusive:
a. Dispensar professores, devolvendo-os aos seus Concílios de origem;
b. Nomear professores e levantar recursos em entendimento com a tesouraria
do SC;
c. Reestruturar ou organizar Diretorias dos Seminários, de modo que as
medidas tomadas se tornem efetivas.
6. Assegurar direitos amplos da defesa aos incriminados, segundo os termos da CI e
do CD.
7. Determinar que a Comissão supra se instaure e inicie seus trabalhos no prazo
máximo de trinta dias, a contar da data da aprovação.”5
Essa decisão foi tomada depois de 2 dias de debates amargos nos quais houve
tristíssimos incidentes de injustiças e impiedades.
Os protestos contra a criação dessa comissão ecoaram pela Igreja. O Sínodo
Espírito-Santense, o Presbitério de Salvador, o Presbitério de Campinas, as
Congregações dos Seminários de Campinas e do Centenário, abaixo assinados, e
decisões conciliares - todos enviaram sua palavra de repulsa à Comissão Especial
dos Seminários. O Sínodo Espírito-Santense, em ponderado e bem estudado
documento, um mês depois da reunião do SC, mostrou que a CES era: 1.
inconstitucional; 2. incompetente; e 3. impraticável dentro da IPB.
No dia 2 de agosto, Júlio Andrade Ferreira renuncia a reitoria do Seminário de
Campinas. No dia 21 de agosto a Congregação dos Professares do mesmo
seminário escreve uma “Representação” mostrando as razões pelas quais não
podem aceitar nem receber a CES. No dia seguinte, 39 alunos se solidarizam com
os mestres signatários da “Representação”. A CES reestrutura a diretoria do
seminário e faz, em seguida, os expurgos. Os seguintes professores foram expulsos,
porque assinaram o documento: 1. Júlio Andrade Ferreira; 2. Antonio Marques da
Fonseca Junior; 3. Samuel Martins Barbosa; 4. Eliseu Narciso; 5. Francisco Penha
Alves.
Os únicos professores que não assinaram, Américo Ribeiro e Waldyr Carvalho Luz,
foram expulsos em 1974.
O mesmo ato expulsou os seguintes alunos: 1. Eleny Alves Pereira; 2. Edval de
Queiroz Matos: 3. Dorival Xavier de Oliveira; 4. Goldofredo Attílio D'Auria; 5. Antônio
Simões Ferreira Filho; 6. José Alt dos Reis; 7. Paulo S. Gomes; 8. Ilfeu Veriano
Ferreira; 9. João Batista Pereira; 10. Walter Caraelo Locoli; 11. Vander Boaventura;
12. Ubirajara de Campos; 13. Reinhold Felippe Ortliele; 14. Elias Moacir da Costa;
15. Natanael Maria dos Santos; 16. Carlos Ferreira Jr.; 17. Dário Pereira Ramos; 18.
Celso Martins de Souza; 19. Daniel Martins de Souza; 20. Otávio Stradioto; 21.
Henrique de Almeida Lara; 22. Clodomir Monteiro da Silva; 23. Eurico Airton
5
BP, 15 de julho a 19 de agosto, e 15 de agosto de 1966, pg. 14.
- 72 -
EXPURGOS NOS SEMINÁRIOS
Monteiro; 24. Ricardo Swain Alíssio; 25. José Salomão Pereira; 26. Obed Júlio
Carvalho; 27. Josemir Comes da Silva; 28. Ephraim Santos de oliveira; 29. Edson
Lacerda; 30. Daniel Nogueira; 31. Rubem Alexandre da Silva; 32. Wilson Arroyo; 33.
Paulo Sérgio Emeriques; 34. Ciro Rodrigues de Figueredo; 35. Oscar Pugsley; 36.
Eduardo Oscar Chaves; 37. Hermes Gonçalves Arana; 38. Javan Dicas Laurindo;
39. Jaime Cleto da Silva.
A situação educacional do seminário estava precária. Já tinham saído de lá
anteriormente: Richard Shaull, Osmundo Miranda, Robert McIntire, Adauto Araújo
Dourado, Floyd Sovereign. Mais tarde haveriam de sair: Earle Roberts, Robert
Evans, Klaus van der Grijp, Américo Ribeiro, Waldyr Luz, e outros que passaram
pouco tempo. Falecidos já estavam: Guilherme Kerr, Herculano Gouveia Junior e
Jorge Goulart.
A saída dos 39 alunos comprometeu a futura liderança da Igreja. Comentando com
um pastor da Igreja Evangélica da Espanha sobre a expulsão de 39 candidatos ao
ministério, ele, espantado, comentou: “A nossa Igreja na Espanha nunca teve 39
candidatos ao ministério e vocês expulsam essa quantidade de futuros pastores?!”
O seminário se tornou uma escola vigiada por dentro e por fora. Um clima de terror
foi implantado. A liberdade acadêmica foi extinta.
Seminário do Recife
Nas décadas de 50 e 60 o Seminário do Norte teve o seu auge. Até 1924 o SPN era
uma “Escola Teológica do Presbitério de Pernambuco”. Em 1924 o Supremo
Concílio reconheceu-o como instituição da IPB e deu-lhe o título de Seminário
Evangélico do Norte e “aberto para franca cooperação com as igrejas irmãs”.6 Em
1936 o Supremo Concílio aprova o plano do Sínodo Setentrional para a fusão do
Seminário Evangélico do Norte com o Instituto Bíblico do Norte, da Igreja
Congregacional. Em 1946 o Supremo Concílio toma novas medidas em relação ao
Seminário Evangélico do Norte que volta à administração direta do Supremo
Concílio. Há divisão de responsabilidades para o fortalecimento e a estabilidade do
SPN, entre o Supremo Concílio, Missão Presbiteriana do Norte do Brasil e a Missão
Presbiteriana do Brasil Central. Nos primeiros anos de 1950, iniciou-se a campanha
para a construção dos novos edifícios, liderada por Oton Guanaes Dourado e
Samuel Falcão. Na década de 60, o seminário agora Seminário Presbiteriano do
Norte, conta com a presença de novos professores: Victor Thomas Foley, João Dias
de Araújo, Paul E. Pierson e Áureo Bispo dos Santos.
O SPN serve as regiões Norte e Nordeste, da Bahia ao Amazonas. O espírito
inquisitorial funcionando nesta área da IPB. Em 1956, o professor Hershey Julien foi
retirado do seminário acusado de heresia. O “fundamentalismo” triunfava no
Nordeste e, principalmente, no seminário pela atuação de Israel Gueiros que, diante
de uma reunião de pastores e líderes da em 1950, declarou: “Eu sou 100%
intolerante”. Essa intolerância contaminou muita gente e eclodiu nos anos de 60.
Nesses anos houve no seminário uma crise administrativa e teológica. A crise
administrativa surgiu com a substituição do reitor Oton Guanaes Dourado por Paul
6
Digesto Presbiteriano, pg. 53.
- 73 -
EXPURGOS NOS SEMINÁRIOS
E. Pierson em 1962. Apesar da crise, Pierson deu um grande impulso ao programa
de construção, as bases patrimoniais para o futuro do seminário. Sendo um homem
de grande visão e poderoso dinamismo, Pierson marcou época na administração do
seminário. Despertou, por isso, invejas e ciúmes. Tendo sido ele missionário em
Mato Grosso, quando veio para ser professor do seminário, já possuía grande
experiência sobre a expansão da Igreja.
A crise teológica teve início com a expansão da biblioteca do seminário que se
modernizou, aos esforços dos bibliotecários Hershey Julien, Catarina Varhaug e
Ithamar Bueno Dias de Araújo. Com verbas da Igreja e do Fundo de Educação
Teológica, a Biblioteca “Alexander Reese” se enriqueceu com as obras mais atuais
dos teólogos e exegetas contemporâneos. Os estudantes entraram em contacto com
a renovação teológica que abalava a Europa e os Estados Unidos.
Mas a crise teológica se aguçou porque o professor de Teologia Sistemática e Ética
Cristã, João Dias de Araújo, não quis fugir dos graves problemas que agitavam a
opinião do Brasil a da situação de injustiças e de desigualdades no Nordeste. Trazia
sempre para a sala de aula não sé uma ênfase sobre a correlação de teologia com o
contexto cultural da região mas pregava contra as injustiças da ordem sócioeconômica. Por causa dessas ênfases, o referido Professor foi taxado de
“esquerdista” e “pró-comunista”. O próprio presidente do SC veio ao Recife e
convocou a diretoria para expulsar o professor. Mas a diretoria reagiu e declarou:
“1. Esclarecer que a terminologia empregada pelo Rev. João Dias de Araújo é um
esforço para comunicar as verdades evangélicas ao homem contemporâneo, em
termos que o alcancem nas suas preocupações e ansiedades.
2. Destacar a atuação e o cuidado do Rev. Orlando de Morais, presidente desta
Diretoria, em preservar a dignidade e o bom nome do SPN, procurando esclarecer
os rumores e as dúvidas a respeito das opiniões teológico-político-sociais esposadas
e ensinadas pelo Rev. João Dias de Araújo, professor deste Seminário.
3. Destacar que o Rev. João Dias de Araújo não evita tratar de problemas de caráter
político-social que agitam os nossos dias, antes tem procurado combater a infiltração
comunista, tanto por palestras, como por trabalhos escritos, de maneira leal e
franca, contrastando com as afirmações comunistas, a excelência do Evangelho.
4. Declarar que a preocupação do Rev. João Dias de Araújo em orientar a Igreja e a
sua Mocidade nas questões político-sociais está coerente com o pronunciamento
social da IPB, na reunião ordinária do Supremo Concílio em 1962.”7
A crise administrativa e teológica não foi superada e, depois de 1966, como
resultado de atuação da CES, 4 professores do SPN foram atingidos: Paul E.
Pierson e Thomas Foley, que foram retirados pelas Missões antes que fossem
expulsos pela CES; o Rev. João Dias de Araújo foi afastado após o ano letivo de
1970 e o Rev. Áureo Bispo dos Santos foi suspenso das aulas em março de 1975.
Mais de uma dezena de estudantes ficou sob a pressão da CES e da administração
do SPN. Alguns foram para o Seminário do Centenário, outros para o seminário da
Igreja Episcopal em São Paulo, e outros abandonaram a candidatura ao ministério.
7
Livro de Atas da Diretoria do SPN, folha 175, pgs. A e B, de 05 de julho de 1964. [PULOU A
REFERENCIA ANTERIOR DE Nº 7]
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EXPURGOS NOS SEMINÁRIOS
O Seminário de Vitória
O Seminário do Centenário (SPC), o mais novo seminário da IPB, criado por
resolução do Supremo Concílio em Lavras (1958), um ano antes da celebração do
centenário da obra presbiteriana no Brasil, tinha por finalidades:
“a) ... preparar ministros habilitados especificamente a servir em regiões rurais e
semi-rurais.
b) ... oferecer cursos que dêem aos ministros educação teológica tão boa como a
que dão o outros dois Seminários da Igreja.” (Resolução: SC-58-20)
Iniciado provisoriamente em Presidente Soares, o SPC foi localizado, em 1962, por
decisão do Supremo Concílio na cidade de Vitória. Começou a funcionar a partir de
agosto de 1963.
Desde a sua fase embrionária, o SPC se preocupou em dar aos estudantes um
acendrado interesse pela teologia bíblica e o seu relacionamento com a realidade
brasileira. A figura de maior destaque na formulação dos objetivos de educação
teológica nesse seminário foi, sem dúvida, Joaquim Beato, uma das inteligências
mais lúcidas do presbiterianismo. Ao lado dele outros de grande valor deram a sua
contribuição formando una equipe de alto nível da qual tomavam parte: Richard
Shaull, José Borges dos Santos, Jr., Esdras Borges Costa, Celso Loula Dourado,
Carlos Vagner, Wilson de Souza Lopes, Claude Labrunie, J. Marhall Guthrie, Alfred
Durand Sunderwirth, Eduardo Ramos Coelho e outros.
Mesmo antes de 1966, havia na IPB um grupo contrário à orientação do SPC, mas
os líderes seminário tinham superado as crises através de informações e
principalmente através das primeiras turmas de concluintes.
A resolução do Supremo Concílio em sua reunião de Fortaleza, em julho de 1966,
que estabeleceu uma Comissão Especial de Seminários, constituiu para a diretoria
do SPC a mais amarga e desalentadora surpresa de sua História. Criada pelo
plenário do Supremo Concílio em Lavras, apresentou o seu primeiro relatório em
1962 que foi aprovado pelo SC nos seguintes termos: “1. Aprovar o relatório da
Diretoria do SPC. 2. Reconhecer o grande esforço da Diretoria e agradecer o
interesse pela manutenção e orientação dessa casa de ensino teológica”. (SC-62197) Seu relatório apresentado ao plenário em Fortaleza, foi, também, aprovado.
Além disso, nos interregnos todos os seus orçamentos tinham sido aprovados pela
CE/SC e cumpridos pelo tesoureiro do SC.
Nunca foi apresentada à diretoria do referido seminário qualquer situação
comprometedora vida interna do seminário. Não obstante tudo isso, o SPC e sua
diretoria foram colocados sob o poder discricionário de uma Comissão Especial de
Seminários, nomeada com fundamento em suspeitas e denúncias que nada tinham
a ver com aquele seminário.
Em 1966, após a reunião do SC, a diretoria do seminário envia uma representação à
CE/SC tecendo considerações sobre a inconstitucionalidade da CES, sua
incompetência e pede que seja suspensa a sua atividade. A representação é
assinada por Jader Gomes Coelho, Presidente.
- 75 -
EXPURGOS NOS SEMINÁRIOS
A CE/SC, reunida em fevereiro de 1967, não respondeu a representação da diretoria
e mandou que ela cumprisse o que o SC tinha resolvido.
O SPC começa a sofrer pressões de todos os lados, a começar da pressão
econômica. Os professores; e suas famílias entram em um estado desesperador
diante da falta de pontualidade da tesouraria do SC. Vamos transcrever alguns
parágrafos de uma carta dramática escrita por uma esposa de professor daquele
seminário endereçada ao tesoureiro da IPB.
“Vitória, 10 de outubro de 1967.
Prezado Sr. Heitor:
Há alguns dias passei-lhe um telegrama, que espero tenha recebido. Repito os
dizeres: ‘Ordenados professores Seminário Centenário novamente atrasados três
meses pt. Solicito prezado irmão tesoureiro IPB seja efetuado pagamento urgente
pois professores precisam manter sociedade bom nome cristão cumpridores suas
palavras. Atenciosamente em Cristo. Clicia Siqueira Labrunie.’ Quero explicar
porque passei-lhe esse telegrama: A situação em que a Igreja Presbiteriana tem
colocado os professores de seus seminários é tristemente penosa. O Rev. Joaquim
Beato viajou há poucos dias para a Inglaterra. Foi com toda a família graças a uma
bolsa de estudos que lhe foi dada por organizações estrangeiras que apreciaram o
seu valor e compreenderam a necessidade de lhe dar maiores oportunidades para
se preparar para melhor servir ao seu mestre e Senhor. A sua esposa viajou muito
doente. Teve várias crises nervosas. O seu estado psíquico agravou-se em
virtude da situação econômica a que ele e sua família tem sido submetidas desde
que seu esposo passou a ser, em Vitória, professor do Seminário da Igreja
Presbiteriana. Houve questões em que, disse-me ela, só por milagre tiveram o que
comer. A esposa do Rev. Wilson Sousa também tem necessitado constantemente
de cuidados médicos, pelo mesmo motivo. E agora aproxima-se a minha vez, pois,
se o atraso do pagamento dos ordenados do meu marido continuar, é provável que
eu também tenha de recorrer a médico psiquiatra. O senhor já imaginou o que é ter
que viver recorrendo a amigos pedindo duzentos cruzeiros a um, cem a outro e
assim por diante para ter o suficiente para atender às necessidades básicas da
família, alimento, roupa, remédios? Ficar devendo a um e a outro e explicar que
pagará assim que a Igreja me pagar? Ou então recorrer a bancos reformando as
letras, pagando os juros sem a possibilidade de saldar o compromisso? ... É cristão
esse tipo de tratamento que a Igreja Presbiteriana está dando a homens que
dedicam todo o seu tempo à preparação de seus futuros ministros? Francamente,
como pessoa que se criou dentro da Igreja Presbiteriana, filha do Rev. Cícero
Siqueira que me orgulho de ser, não posso entender esse modo de agir de minha
muito amada Igreja. ... Desculpe-me, Sr. Heitor, ... mas é que não desejo ficar
doente dos nervos, como as minhas irmãs, esposas dos outros professores do
Seminário e assim lanço esse grito, faço este apelo antes que isso aconteça.”
Em 1967 a CES começou a agir no SPC. Proibiu que o seminário funcionasse no
prédio da Igreja Luterana, onde as aulas eram dadas. Um dos motivos banais para
essa decisão foi porque membros da CES viram tocos de cigarros num dos
corredores do prédio. Ora, ali funcionava uma escola secundária na qual muitos
- 76 -
EXPURGOS NOS SEMINÁRIOS
alunos não crentes freqüentavam. O seminário ocupava apenas algumas salas de
aula. Mas a medida foi para prejudicar e não para resolver problemas.
No Brasil Presbiteriano de 19 a 15 de novembro de 1968 saiu a seguinte
informação da Comissão Especial dos Seminários:
“A CES ... considera que:
a. O SPC, por sua Diretoria e Congregação, não deu cumprimento às determinações
constantes dos itens 3 e 4 da resolução Nº 6, de julho de 1966, do SC;
b. Não dispensou o devido acatamento à CES, pedindo até a sua extinção e
obstando-lhe, outrossim, o cumprimento dos termos da citada resolução;
c. Persiste no SPC a situação de fato denunciada na mesma resolução, agravada
por fatos recentes em que se ensejou a ministração do curso por ex-professor que
aciona o SPS da IPB perante a Justiça do Trabalho, além da prova documental em
que professor ressalta a linha eminentemente ecumênica do ensino do SPC em
desacordo com resolução do SC-IPB;
Resolve a CES, dentro de sua estrita competência e após dois anos de infrutíferas
tentativas de cumprimento da resolução Nº 6, de julho de 1966 do SC, pelo SPC:
a. Reestruturar a presente diretoria do SPC, substituindo os seus atuais diretores a
partir de 19 de janeiro de 1969 por uma Mesa Diretiva Provisória a ser nomeada
oportunamente e que se encarregará de reformulação dos seus atuais estatutos;
b. Considerar dispensados os atuais professores e respectiva Congregação do SPC,
a partir de 1º de janeiro de 1969;
c. Dar ciência desta resolução à CE/SC e à Diretoria do SPC;
d. Pedir a publicação da mesma no órgão oficial da IPB, para conhecimento de
todos os interessados.”
Essa decisão foi tomada no dia 19 de setembro de 1968. A última reunião da
diretoria do SPC foi realizada nos dias 9 e 10 de dezembro do mesmo ano, com a
presença de Boanerges Ribeiro. Diante da palavra dos representantes da diretoria e
dos professores, o presidente do SC respondeu que se eles achassem errada a
decisão da CES, que apelassem para a CE/SC. Era a única saída do presidente do
SC diante do grave erro de dispensar professores sem terem oportunidade de serem
ouvidos, desobedecendo a própria resolução que criou a CES.
Todos os professores dispensados sofreram as conseqüências morais, espirituais e
financeiras dessa resolução.
Os alunos também foram prejudicados. Alguns foram transferidos para o Seminário
de Campinas e os seguintes não puderam continuar a estudar: 1. Aldemir O.
Balmart; 2. Alonso P. dos Santos; 3. Andrés Oramas Burgos; 4. Átila José dos
Santos; 5. César Lima e Barros; 6. Clério Andrade; 7. Ivair Florenço Barroso; 8.
Manoel de Sousa Miranda; 9. Pedro José Bussinger; 10. Sebastião Milton de
Camargo; 11. Clover Aloysio Cesar; 12. Derval Dasilio; 13. Enoelmo Albuquerque.
Não é necessário comentar o prejuízo tremendo para a IPB e para o evangelismo
nacional esses atos de vandalismo eclesiástico praticado contra a educação
teológica.
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EXPURGOS NOS SEMINÁRIOS
E assim que se mata um sonho, e uma Igreja.
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CRISE EM SÃO PAULO
“Pateticamente, nalgum tempo
futuro, os filhos espirituais de
Calvino virão a condenar o erro
de seus pais, a menos que a
presente geração o faça. (...)
Uma voz que se levantou com
fome e sede de justiça foi
sufocada
para
ecoar
ulteriormente na história da
Igreja.”1
O clima insuportável que foi instalado na Igreja Presbiteriana do Brasil, a partir da
reunião do Supremo Concílio, em Fortaleza, em julho de 1966, foi o responsável
pela destruição de campos presbiterianos em franco e extraordinário progresso. Foi
o que aconteceu no Estado de São Paulo, especialmente na capital, onde a IPB
vinha marcando vitórias expressivas na expansão evangelística, nessa cidade mais
populosa do Brasil e uma das maiores do mundo.
Desde 1963, o Presbitério de São Paulo (PSP) estava preocupado com o
desdobramento dos dois presbitérios daquela área a fim de propiciar maiores
ensanchas para o desenvolvimento evangelístico e eclesiástico.
Depois de 1966, a divisão e o desdobramento dos presbitérios de São Paulo e
Paulistano deixaram de ter como objetivos a evangelização e o progresso
eclesiástico para se tornar um assunto político, eivado de paixões pessoais e que
visava o fortalecimento da posição do presidente do SC. O problema do Mackenzie
estava por trás de muitos outros problemas.
O PSP, na sua maioria, em 1967, tinha criticado veementemente atos da direção da
Igreja, especialmente em relação ao SPC.
Essa atitude de oposição à direção da Igreja resultou em muitas amarguras para as
igrejas e pastores do presbitério que acabou tendo que se desvincular
administrativamente da IPB.
Desde 1966 a direção da IPB resolveu abusar de dois recursos do sistema
presbiteriano: (a) as Comissões Executivas dos Concílios; e (b) as Comissões
Especiais. A hipertrofia desses dois órgãos tem causado muitas arbitrariedades e
ilegalidades nestes últimos anos.
No Brasil Presbiteriano de 1º a 15 de maio de 1968 apareceu uma convocação de
pastores e igrejas feita pela Comissão Executiva do Sínodo de São Paulo (CE/SSP).
1
Manifesto do Presbitério de Campinas, 1968.
- 79 -
CRISE EM SÃO PAULO
Entre outros, estavam sendo convocados pastores e representantes das igrejas do
PSP para a instalação de dois novos presbitérios.2
Apanhado completamente de surpresa por essa convocação, o PSP ficou sabendo
que, das vinte e seis igrejas que o constituíam, ele ficava, de um momento para
outro, e pelo arbítrio exclusivo da CE/SSP, reduzido a apenas oito igrejas. A
convocação não era para discutir o assunto, mas para o desdobramento imediato.3
Em outros termos, o arbítrio da CE/SSP cortava do PSP, sem qualquer aviso, uma
gulosa fatia de dois terços.
Do planejamento dessa divisão, da verificação das condições mínimas para efetuala, a CE/SSP nunca se dignou dar conhecimento ao PSP, cujo território estava
sendo reduzido assim a um terço. Além disso, a CE/SSP, passando por cima do
PSP, convocou diretamente as igrejas e pastores sobre os quais, e de acordo com a
estrutura, princípios e hierarquia de governo da IPB, não tem jurisdição imediata e
individual.
Uma organização democrática de governo, estruturada, embora, em escalões
hierárquicos, não é igual a uma organização militar em que as unidades inferiores
têm de obedecer às ordens dos superiores, sem dialogar, deliberar e consentir.
A CE/SSP nem sequer cumpriu a dever mínimo de cortesia conciliar, de enviar ao
PSP, em tempo útil, a cópia da convocação que estava mandando aos pastores. O
presbitério não é uma entidade passiva que possa ser manipulada como coisa.
Na ordem jurídica da estrutura presbiteriana, os membros de igreja são pessoas
físicas, as igrejas e presbitérios, pessoas jurídicas e não podem ser tratados como
coisa, isto é, sem participar das deliberações e sem dar o seu consentimento. Assim
dispõe o Artigo 3º e seus parágrafos da Constituição da IPB (CI) que estabelece os
princípios básicos de governo.
No exercício, pois e defesa intransigente, não só das prerrogativas que lhe são
atribuídas pela CI, mas também dos princípios de legítimo governo presbiteriano, o
PSP se reuniu extraordinariamente a 1º de junho de 1968 e tomou a seguinte
resolução:
“Quanto à convocação da Comissão Executiva do Sínodo de São Paulo, publicada
no Brasil Presbiteriano de 1º - 15 de maio de 1698, convocando representantes de
igrejas e respectivos pastores para a instalação de mais dois presbitérios:
1º) Considerando que é ilegal a medida tomada pela CE/SSP, porque contraria a Art.
3º e § 2º da CI da IPB;
2º) Considerando que é ilegal a convocação mandada pela CE/SSP diretamente às
igrejas e pastores do PSP, em face do que dispõe a CI da IPB, no Art. 61, no Art. 62
e letra b, que atribui ao Presbitério a jurisdição sobre Ministros e Conselhos de
2
3
BP, 1º a 15 de maio, 1968, pg. 8.
Publicação do Presbitério de São Paulo, 31 de julho de 1968.
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CRISE EM SÃO PAULO
determinada região, combinados com os Artigos que estabelecem a competência
privativa dos Presbitérios;
3º) Considerando que é função privativa do Presbitério fazer transferência de
Ministros, Art. 88, letra c, da CI da IPB;
4º) Considerando que o Presbitério de São Paulo, concílio com jurisdição sobre
ministros e igrejas, é personalidade jurídica e que, por isso, de acordo com as leis do
País, nenhuma das igrejas sob sua jurisdição pode ser dele desmembrada sem o
consentimento da Assembléia do Presbitério e mútuo consentimento;
5º) Considerando que realmente não existem condições satisfatórias para o
desdobramento de um presbitério quando este, pela maioria de seus membros, acha
que não deve ser desdobrado:
6º) Considerando que qualquer estudo para desdobramento de um presbitério, seja
por Comissão nomeada pelo Sínodo, seja pelo próprio Sínodo, para atender à
ordem e manter o vínculo espiritual, e de acordo com a jurisprudência da IPB, requer
participação do Presbitério em causa e nunca deverá ser feita sem o seu
consentimento;
7º) Considerando que o Presbitério de São Paulo, revelando boa vontade e desejo
de colaborar, chegou a constituir uma Comissão para estudar o desdobramento,
juntamente com a Comissão do Sínodo;
8º) Considerando que a competência atribuída aos Sínodos no Art. 94 da CI da IPB
tem de ser exercida de acordo com o Art. 3º e § 2º da CI da IPB e de outros
dispositivos Constitucionais que regulam e limitam a ação de cada Concílio na sua
ordem, e de acordo com a jurisprudência da IPB;
9º) Considerando que o ‘modus faciendi’ empregado pela CE/SSP, embora pareça
amparado na letra de um Artigo da Constituição da Igreja e na letra da decisão do
plenário do SSP, entretanto contraria, de fato, a própria CI, como demonstramos
acima, exorbita da decisão do Sínodo cometendo-lhe o encargo de desdobrar
presbitérios, se verificasse serem satisfatórias as condições, não a autorizou a fazelo sem ouvir os presbitérios em causa contra a praxe salutar de entendimento prévio
entre as partes interessadas e criando um clima de atrito nocivo à edificação da
Igreja;
O Presbitério de São Paulo resolve:
1º) Pedir à CE/SSP que reconsidere o assunto e o PSPL aguarda a volta ao
assunto, nos termos da sua proposta original feita ao SSP;
2º) Na defesa da CI da IPB, da praxe conciliar e da jurisprudência da IPB, determinar
que os Conselhos e Ministros sob sua jurisdição não atendam à convocação da
CE/SSP para instalação dos novos presbitérios.”
Dos 29 ministros do PSP, apenas três deixaram de acatar a determinação do
presbitério e atenderam à convocação da CE/SSP: Aureliano Lino Pires, Wilson
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CRISE EM SÃO PAULO
Nóbrega Lício e Rubens Pires do Amaral Osório. Dias depois, Josué Duarte Jr.
atendeu à convocação para a primeira reunião de um dos presbitérios instalados
pela CE/SSP, e fez-se arrolar como membro desse presbitério. Foram
acompanhados pelas igrejas que o presbitério lhes tinha confiado para dirigir. Esses
pastores faziam parte do grupo que tinha apoiado, em 1965, a proposta de divisão
que foi rejeitada pela quase totalidade dos membros do presbitério na votação do
plenário.
A quase totalidade das igrejas do PSP, além da votação dada em plenário, contrária
à decisão da CE/SSP, oficiou ao presbitério, manifestando-lhe sua solidariedade e,
algumas estranhando a medida tomadas pela CE/SSP e, outros, protestando e
desaprovando. Entre essas igrejas que oficiaram ao presbitério, solidárias com ele,
estava a Igreja de Taubaté. Na carta que essa igreja enviou ao concílio está a
declaração do pastor da Igreja, Aureliano Lino Pires, afirmando sua solidariedade
com a atitude tomada pelo conselho da igreja de Taubaté. Entretanto, segundo se
veio saber depois, esse ministro compareceu à reunião de instalação convocada
pela CE/SSP, fez-se arrolar como membro de um dos presbitérios dito instalados e
foi eleito secretário.
Ao pedida do PSP de reconsideração do assunto, a CE/SSP deu a seguinte
resposta:
“Com relação à Representação do Presbitério de São Paulo sobre divisão do
Presbitério de São Paulo e do Presbitério Paulistano, a Comissão Executiva do
Sínodo de São Paulo resolve:
1. Que o seu procedimento foi legal sobre todos os aspectos ou ângulos em que
possa ser examinada a matéria, não cabendo nenhum reexame ou reconsideração
da medida tomada;
2. Indeferir a Representação do Presbitério de São Paulo sobre a divisão de
presbitérios;
3. Prosseguir na instalação dos novos presbitérios, independente de quaisquer
recursos que, legalmente, subam à instancia superior.”4
Em face dessa resolução, o PSP, em sua reunião de 8 de julho de 1968, tomou, por
unanimidade, as seguintes medidas:
“1º) Considerando que a PSPL, quando se dirigiu à CE/SSP, fundamentou a sua
decisão com arrazoados sobre dispositivos da CI/IPB, e que a CE/SSP, na sua
resposta, não entrou no mérito do arrazoado, limitando-se a declarar que a sua
decisão é legal, como se bastasse tal declaração para estabelecer legalidade;
2º) Considerando que essa forma de resposta aberra completamente das normas
indispensáveis ao bom relacionamento entre Concílios ou Tribunais, é preciso
amparar a declaração com a menção da lei,
4
Desdobramento dos Presbitérios de São Paulo e Paulistano, publicação da Comissão Executiva do
SSP, 1968.
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CRISE EM SÃO PAULO
3º) Considerando que é dever do PSPL se opor a que se instale na Igreja essa
forma ditatorial de despachar documentos;
4º) Considerando que nenhum concilio, cônscio da sua dignidade e
responsabilidade, deve aceitar passivamente aquilo que considera esbulho de um
direito seu, sob alegação de que se trata de ação exercida por entidade de
hierarquia eclesiástica;
5º) Considerando que, se é lícito e imperativo recorrer ao Tribunal civil para exigir
justiça da parte de entidades e indivíduos que não pertencem à Igreja, maior razão
há para exigir justiça das entidades e indivíduos da Igreja, porque ‘a quem muito se
dá, muito se pedirá’;
6º) Considerando que o Magistrado Civil, segundo o ensino bíblico, é ministro de
Deus para o bem, e executor da justiça;
7º) Considerando o que dispõe a Confissão de Fé, no capítulo 23 e especialmente
no item III;
8º) Considerando que a CI já previ a necessidade e indica o dever de ação civil
quando determina que as Igrejas se constituam em pessoa jurídica;
9º) Considerando que na sua resposta a CE/SSP declara que independente de
qualquer recurso a Concílios Superiores interposto pelo PSPL, executará como de
fato executou, a divisão do Presbitério inutilizando assim, praticamente, a possível
ação legal do PSPL dentro da hierarquia da Igreja para salvar a sua integridade
conciliar;
10º) Considerando que, em face dessa situação, o único meio efetivo que a CE/SSP
deixou ao PSPL é recorrer ao amparo da Justiça Civil, o PSPL resolve: oficiar a
CE/SSP nos seguintes termos:
1º) O PSPL não reconhece autoridade da CE/SSP para efetivar a divisão de
presbitérios;
2º) Resolve comunicar ao plenário do SSP a decisão da Comissão Executiva do
SSP, uma vez que a Comissão Especial desatendeu determinação do plenário do
Sínodo, visto que aquele Concílio determinou a divisão dos presbitérios somente se
houvesse condições, e está provado que inexistiam as referidas condições;
3º) Que entende que as condições exigidas não se limitam ao aspecto geográfico,
econômico-financeiro, mas, antes de tudo, ao elemento humano do qual decorrem
outros fatores, considerando-se, ainda, que nem mesmo aquelas condições foram
atendidas;
4º) Comunicar à Comissão Executiva do SSP que se a mesma insistir na atitude de
violência impedindo o encaminhamento da matéria ao plenário do Sínodo, a quem
compete privativamente tal assunto, este Concílio apelará para a Justiça Civil a fim
de que o seu direito violado pela Comissão Especial lhe seja assegurado;
- 83 -
CRISE EM SÃO PAULO
5º) O PSPL, entidade jurídica, que tem os seus direitos assegurados pela ordem
jurídica do país, que se atendam os dispositivos da CI ou até que o Poder Judiciário
declare de que lado está o direito;
6º) Resolve-se dar ingresso de imediato com ação declaratória, na qual a Justiça
Civil se pronunciará normativamente sobre o assunto.”
Após essa decisão, o PSP ingressou na Justiça e após uma grande luta conseguiu a
vitória. O presbitério passou a funcionar fora da IPB. Uma série de acontecimentos
dramáticos se sucederam, tais como: invasões de igrejas, despojamentos de
pastores, reuniões de conselhos de igrejas protegidas pela polícia, presbíteros
eminentes ultrajados pelas autoridades do sínodo, lutas internas, ódios, denúncias
mentirosas, cassações de candidatos ao ministério e outros episódios indignos de
irmãos na Fé.5
Outros exemplos aconteceram no interior do Estado. Os presbitérios de Campinas e
Ribeirão Preto entram numa luta renhida contra os desmandos da cúpula da IPB.
Um festival de abusos se instaurou em todo a território paulista.6
Em outras partes do Brasil, igrejas, pastores e presbíteros tiveram que levar suas
causas à Justiça Civil e à Justiça do Trabalho para não serem massacrados pelos
desmandos desumanos de líderes da IPB. Era a única saída, era o único meio de
protesto, já que a Confissão de Fé declara que “É dever dos Magistrados civis
protegerem a pessoa e bom nome de cada um dos seus filhos jurisdicionados, de
modo que a ninguém seja permitido, sob pretexto de religião ou de incredulidade,
ofender, perseguir, maltratar ou injuriar qualquer outra pessoa”. (Capítulo XXIII, item
3)7
5
Resumo de Atas do Sínodo de São Paulo, 1967.
Manifesto do Presbitério de Ribeirão Preto, 1968.
7
O Livro de Confissões, Missão Presbiteriana do Brasil Central, São Paulo, 1969, parágrafo 6.121.
6
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TEMPLO COM CORRENTES E CADEADOS
“Grande virtude é a tolerância;
detestável vício o inquisitorialismo
fanático,
o
farisaísmo
1
desumano.”
O Brasil Presbiteriano, em sua edição de 19 a 15 de outubro de 1968, publicou
notícias e resoluções da Comissão Executiva do Supremo Concílio reunida em
setembro do mesmo ano, envolvendo o que se convencionou chamar de “Caso da
2ª Igreja”. A versão do jornal oficial da IPB reflete a opinião da direção da Igreja que,
para não se colocar em posição difícil diante dos leitores em geral, conta os fatos de
maneira unilateral, que não corresponde à verdade. A narrativa que passaremos a
fazer é baseada nos testemunhos daqueles que viveram a situação e que sofreram
um das maiores injustiças praticadas contra uma igreja local, seu pastor e seu povo.
Invoco aqui os testemunhos de Antônio Quinan, Paulo Bueno da Fonseca, Bernd
Walter Bartels, Dalmir Fonseca de Oliveira, Alfredo Castanheira de Lima, Eurico
Teixeira, Erb Carneiro, Euclides Gonçalves Martins e outras liderem e membros
daquela igreja em Belo Horízonte.
O caso narrado neste capítulo é um dos mais vergonhosos incidentes na história da
IPB e da Igreja terrena de Jesus Cristo neste continente.
Em novembro de 1967 venceria o mandato de Lemuel Cunha do Nascimento no
pastorado da 2ª Igreja Presbiteriana de Belo Horizonte. Por unanimidade o conselho
daquela igreja resolveu indicá-lo para reeleição e dar oportunidade à igreja para
indicar outros nomes que pudessem ser consultados e com ele concorrerem na
eleição. Decorrido o prazo estabelecido de quatro semanas, nenhum nome, foi
indicado pelos membros da igreja, permanecendo como candidato único o Rev.
Lemuel.
Cumprindo norma interna do Presbitério de Belo Horizonte (PBH) quanto à eleição
ou reeleição de pastores no seu campo, o conselho da 2ª Igreja oficiou à Comissão
Executiva do referido presbitério, em março de 1967, pedindo autorização para
indicar o nome do Rev. Lemuel às eleições. Em princípio de abril, a Comissão
Executiva do presbitério se reuniu e autorizou a indicação.
Foi convocada a assembléia geral da igreja para o dia 22 de outubro, quando se deu
a eleição. Tudo correu de acordo com a constituição da IPB e com os estatutos da
igreja local. Compareceram à assembléia 229 membros comungantes (adultos): 174
votaram a favor da reeleição do pastor; 38 votaram contra. Os votos restantes foram
nulos ou em branco.
Na reunião ordinária do PBH, em janeiro de 1968, foram tomadas várias decisões
contra a eleição do pastor da 2ª Igreja, as quais podem ser assim resumidas:
1. Declarar nula a eleição.
1
Waldyr Carvalho Luz.
- 85 -
TEMPLO COM CORRENTES E CADEADOS
2. Considerar “não conveniente” a reeleição do Rev. Lemuel.
3. Aplicar a pena de admoestação ao conselho e ao pastor da 2ª Igreja por causa do
ecumenismo.
Diante de tamanhas arbitrariedades, o conselho e o pastor não se conformaram e
recorreram ao Sínodo Belo Horizonte (SBH), dentro das normas e dos prazos legais
da IPB. O SBH se reuniu extraordinariamente na 1ª Igreja Presbiteriana de Lavras,
deu provimento aos recursos e decidiu:
1. Reconhecer a legalidade da eleição do Rev. Lemuel e a inconsistência da
alegação do presbitério ao considerá-la nula e “não conveniente”.
2. Declarar nulas de pleno direito às penas aplicadas pelo presbitério ao conselho e
ao pastor, porque foram cominadas sem processo.
3. Determinar ao Presbitério de Belo Horizonte a efetivação da posse do pastor.
Em vez do presidente do PBH acatar a decisão e recorrer ao Supremo Concílio,
aguardando o resultado do recurso, começou a cometer irregularidades.
Descumprindo as normas presbiterianas para tramitação de documentos e de
recursos, passou por cima da autoridade do SBH e recorreu diretamente à CE/SC.
Mas o fato mais grave é que o presidente do SC e o secretário executivo do mesmo
não somente deram sozinhos “provimento ao recurso” mas sozinhos também
“determinaram” ao PBH o não cumprimento das deliberações do SBH.
“Determinação” francamente inconstitucional, uma vez que se baseava em
dispositivo do Regimento Interno da CE/SC que não é parte integrante da CI e, por
isso, não pode ser usado contra essa CI. Nada mais, nada menos, o que houve foi à
subversão da ordem e da lei presbiteriana. Mais que isso; a institucionalização do
poder discricionário na IPB.
Daí por diante, o PBH passou a ignorar o SBH e suas decisões. Passou a
desrespeitar o SBH e a tratar seu presidente e demais membros de maneira
descortês e anti-cristã. O presidente do SBH, respeitável ministro da IPB, o mais
velho entre seus companheiros, foi tratado com desrespeito no plenário. O PBH
designou pastor para a 2ª Igreja à revelia da assembléia, contrariando a lei e a praxe
presbiterianas, e do próprio presbitério, que sempre consultou a vontade das Partes:
igreja e pastor. Numa reunião extraordinária, convocada no prazo de 48 horas, o
PBH resolveu dissolver a 2ª Igreja, sem processo regular. Arbitrária e ilegalmente o
PBH arriscou-se em dono das propriedades da igreja “dissolvida”. Convém frisar que
a tônica das decisões do PBH, bem como da direção geral da IPB, tem sido a
preocupação com os bens e propriedades das igrejas e nunca com o povo dessas
igrejas.
Na reunião extraordinária que dissolveu a 2ª Igreja, o PBH tomou as seguintes
medidas:
a. Intimou a todos quantos exercem cargos na igreja a entregar os bens e
documentos sob sua guarda.
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TEMPLO COM CORRENTES E CADEADOS
b. Determinou ao pastor por ele indicado que assumisse a posse dos bens da igreja,
inclusive a tesouraria. [Verdadeiro assalto!]
c. Colocou cadeados à entrada do templo.
d. Deu ampla divulgação dessas decisões pela imprensa falada, escrita e
televisionada do Estado de Minas Gerais e fora dele, pois até jornais de São Paulo
publicaram essas notícias causando grande escândalo na opinião pública e
repercutindo negativamente a causa do Evangelho.
O Conselho da 2ª Igreja apelou outra vez para o SBH. Este, reunido
extraordinariamente em Caxambu, revogou as decisões do PBH. Antes, tentou uma
solução conciliatória que se tornou impossível em virtude da intransigência do
presbitério que recebia ordens do “coronel” da IPB.
Novamente o presbitério passou por cima do sínodo, não aceitou suas decisões e
recorreu diretamente à CE/SC. E, mais uma vez, os dois “Cosme e Damião”, com se
diz no Nordeste, o presidente e o secretário executivo do SC, deliberaram sozinhos
no sentido de anular as resoluções do SBH. Veicularam notícia falsa na imprensa de
Belo Horizonte, fazendo publicar tal “deliberação” como sendo do “Supremo
Concílio, órgão máximo da Igreja Presbiteriana do Brasil”, e com se este, de fato,
tivesse acabado “de decidir definitivamente a questão ligada à dissolução da 2ª
Igreja”.2
O presbitério continuou ignorando o sínodo. As comunicações continuavam
diretamente entre o PBH e os dois membros da CE/SC. Só muito tempo depois é
que oficiaram ao SBH.
Não obstante aquela revogação do SBH, o PBH continuou a tratar a 2ª Igreja com
“dissolvida” e como se ela não existisse. Mais uma vez colocou cadeados e
correntes ultra-reforçados na sede e nas duas congregações da 2ª Igreja. Mais uma
vez os membros da igreja retiraram as correntes e reabriram o templo para prestar
culto a Deus. Por causa desse ato as autoridades da IPB apelidaram aqueles
crentes de “arrombadores de templo”.
Enquanto isso ocorria, o PBH instaurou processo contra o Rev. Lemuel Cunha do
Nascimento que culminou com sua deposição do pastorado. Nesse episódio
também o presbitério foi pródigo em arbitrariedades e ilegalidades. Desrespeitou, de
começo ao fim, o Código de Disciplina e a Constituição da IPB. Dentre muitas outras
irregularidades cometeram as seguintes: (a) a comissão executiva do presbitério
funcionou como tribunal, antes de o próprio plenário do concílio se reunir com tal; (b)
seguiu o rito do Processo Sumário, embora o CD determine que seja o Processo
Ordinário, quando se trata de julgamento de ministro.
Foi enviado recurso ao tribunal do SBH procurando anular o processo movido pelo
PBH.
2
Estado de Minas, 16 de julho de 1968, pg. 5.
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TEMPLO COM CORRENTES E CADEADOS
Diante desses acontecimentos, o conselho e a assembléia da 2ª Igreja resolveram,
por unanimidade, não acatar, nem cumprir as decisões inconstitucionais, arbitrárias
e prepotentes não só do PBH mas também dos senhores presidente e secretário
executivo do SC, as quais se evidenciaram com evidente abuso do poder.
Resolveram ainda que: (1) até a decisão da última instancia, ou seja, o plenário do
Supremo Concílio, só serão consideradas competentes, com base na CI, as
resoluções do SBH; (2) reafirmar sua fidelidade às leis presbiterianas e, em razão
desta fidelidade, reafirmar também o propósito de continuar lutando contra o
desrespeito a essas mesmas leis por parte do presbitério e de autoridades da IPB.
Em setembro de 1968, reunida a CE/SC em Belo Horizonte, resolveu, por oito votos
contra quatro, “referendar” aqueles atos inconstitucionais dos senhores presidente e
secretário executivo do SC. Ao fazê-lo, referendou o legalmente inexistente, caindo
no vazio.
Afirma a notícia no Brasil Presbiteriano: “O sínodo, sem analisar as razões pelas
quais o presbitério considerava inconveniente aquele pastor para aquela igreja,
açodadamente deu provimento ao recurso, e ordenou ao presbitério que, 'dentro de
8 dias', empossasse o pastor”.3 Mas de quem foi o açodamento? Do SBH ou dos
dois membros da CE/SC? Vejamos: O sínodo, convocado com antecedência,
reuniu-se extraordinariamente para apreciar a matéria. Ouviu todas as partes
envolvidas, inclusive o PBH, cuja delegação compareceu em peso à reunião.
Discutiu amplamente os diversos ângulos da questão. Enfim, examina e sobre ela
deliberou como podia e devia. Agora, os senhores presidente e secretário executivo
do SC tomaram conhecimento da matéria apenas por parte do presbitério. Ouviram
apenas o presbitério. Houve encontros com o presidente em São Paulo e com o
secretário executivo em Uberlândia, sem que nenhum deles conhecesse as peças e
documentos do processo. Não sabiam e nem se interessaram em saber as razões
alegadas pela igreja local ou pelo sínodo. E foi assim que resolveram: “determinar
que não fosse empossado o pastor”. O que vale dizer: presidente e secretário
executivo do SC, discricionariamente, partidariamente, pisaram na Constituição da
IPB e rasgaram-na. Ditatorialmente passaram por cima de um concílio maior da
Igreja, o sínodo, e determinaram a outro concílio menor, e presbitério, a não cumprir
as decisões daquele. Quebraram a princípio da hierarquia conciliar e oficializaram a
desordem.
Continua o Brasil Presbiteriano: “Recorreu o Presbitério, e o Sínodo, em vez de
encaminhar esse recurso... reteve o recurso, obrigando o presbitério a dirigir-se
diretamente ao Sr. Secretário Executivo da Igreja”.4 Mas é preciso corrigir essa
informação. O sínodo, em momento algum, negou-se a receber o recurso. Mas, ao
contrário, acolheu-o para encaminhamento. Só que, em se tratando de processo
administrativo, o prazo para esse encaminhamento é de 90 dias.
Mas o presbitério não queria isso. Queria que o prazo fosse o da vontade dele, o
presbitério, e não o da CI.
A CE/SC ouviu parcialmente os fatos. Atentou-se apenas para o que o sínodo fez ou
deixou de fazer. Em momento algum se falou nas arbitrariedades e violências do
3
4
BP, 19 a 15 de outubro de 1968.
Ibidem.
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TEMPLO COM CORRENTES E CADEADOS
presbitério contra a igreja e o pastor: (a) cadeados por duas vezes na igreja; (b)
dissolução da igreja sem processo; (c) processo sumário contra o pastor; d) medidas
inconstitucionais dos dois membros da direção da IPB.
O único ponto em que o sínodo tomou uma atitude “extra-legal” foi quando deu
assistência pastoral a uma igreja vítima. Mas o sínodo foi obrigado, pela consciência
cristã a agir dessa maneira já que o presbitério não teve nenhuma preocupação
pastoral, mas sim, inquisitorial, não teve nenhuma preocupação de conciliar, mas de
usar violências.
Ainda o Brasil Presbiteriano informa: “Arrombam o templo e dele se apossam exmembros”.5 É preciso esclarecer que foi o PBH que invadiu e esbulhou as
propriedades da igreja. Os representantes do presbitério tiveram que pular uma
grade que protege o templo contra ladrões e invasores, e afixaram papéis e editais
na porta principal. Colocaram cadeados enormes e correntes pesadas, daquelas de
arrastar toras, no portão de entrada da igreja dos “arrombadores de templo”. Mas
antes dos crentes retirarem as correntes, os invasores e esbulhadores tinham
chegado para impedir que uma comunidade prestasse culto a Deus no seu templo.
É patente o clima ditatorial que se inaugurou na Igreja Presbiteriana do Brasil.
Constituição, Código de Disciplina, nada disso vigora mais. O que impera é a
vontade daqueles que têm maior parcela de poder nas mãos. Lei presbiteriana? Há
“um jeitinho” e uma forma de torce-la, ao sabor das opiniões pessoais. Há como que
uma nova “santa inquisição” (nós diríamos “diabólica inquisição”) instalada na IPB.
Afirmou certa autoridade do PBH (com funções na cúpula da IPB e pessoa “de
confiança” do presidente do SC), que o despojamento do Rev. Lemuel era inevitável,
porque “obedecia a um esquema nacional”.
Quem acompanhou este triste episódio até o fim sabe que Lemuel da Cunha
Nascimento teve de conseguir uma bolsa de estudos nos Estados Unidos. Foi
obrigado a fazer isso, apavorado pela inquisição.
Houve também uma luta judiciária nos tribunais do Estado de Minas Gerais em torno
das propriedades da 2ª Igreja. Finalmente, a justiça secular deu ganho de causa aos
membros da 2ª Igreja, declarando-os com legítimos proprietários do templo que eles
construíram com sacrifício.
A 2ª Igreja elegeu o seu pastor, Márcio Moreira, e continua funcionando
normalmente corno igreja presbiteriana, ligada à FENIP.
Esse fato doloroso, inédito nos arraiais protestantes do mundo inteiro, tem que ser
registrado com uma advertência às comunidades cristãs, para não caírem em
semelhantes pecados.
Não poderíamos terminar este capítulo sem transcrever, na íntegra, a “Proclamação”
feita pelos heróicos presbíteros da 2ª Igreja de Belo Horizonte, em plena fase de
luta.
5
Ibidem.
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TEMPLO COM CORRENTES E CADEADOS
Proclamação
“Ao contrário do que possa parecer – e até se tem propalado -, não estamos lutando
contra pessoas, nem por causa ou a favor de pessoas. Lutamos contra as
injustiças e arbitrariedades. Evidentemente cometidas por pessoas. É o que
fazemos, não tanto da defesa de nossos próprios direitos mas, principalmente, no
exercício de um dever cristão, herdado de Cristo e da Reforma: o de combater a
violentação de consciências e cerceamento da liberdade de pensar (e até da
liberdade de prestar culto a Deus no templo para isto destinado, quando nossas
portas foram fechadas e cadeados e correntes); o dever sagrado de testemunhar
contra a clericalização dentro da Igreja; contra as arbitrariedades e mentalidade
inquisitorial que assolam a IPB; contra o abuso de poder, que pretende esmagar
consciência e aniquilar personalidades. Nesse sentido, aceitamos, prazerosamente,
os epítetos com que nos tem agraciado: ‘inconformados’, ‘rebeldes’, dentre outras.
De fato, não nos conformamos com o erro e as injustiças, venham de onde vierem.
E nos rebelamos contra elas, por em dever de consciência.
Na luta que ora enfrentamos não nos preocupa a ‘vitória’ ou a ‘derrota’. Move-nos,
tão somente, o sentido e o dever cristão na luta em si, como expressão do
testemunho a que sentimos obrigados, nesta hora de tristeza da história da Igreja
Presbiteriana do Brasil, no limiar de seu segundo centenário. Anima-nos: o ensino
do Evangelho, o espírito da Reforma e dos reformadores (fonte dos princípios
democráticos e da liberdade de pensamento) e o exemplo do próprio Cristo que
lutaram contra as estruturas eclesiásticas apodrecidas e esclerosadas, prepotentes
e carcomidas pela ‘politicagem’ de bastidores; que só sabem condenar e crucificar
(sem cogitar se com ou sem razão). Em resumo: divorciados do amor cristão.
Portanto, não nos preocupa o desejo de ‘ganhar’ ou o receio de ‘perder’. É um
problema que não nos colocamos, e um tipo de cogitação que deixamos a outrem,
que assim o desejar. Preocupa-nos, apenas, com o dever cristão de lutar, qualquer
que seja o resultado dessa luta, no espaço e no tempo. Nossa missão é a luta contra
as injustiças. O resultado dela não nos pertence.
A última palavra. Não salientamos ódios, nem rancores contra quem quer que seja.
Nem mesmo contra aqueles que mais nos tem feito sofrer. Embora estejamos, ainda
que transitoriamente, a nosso dever, em posições diferentes, todos continuam a ser
alvo de nossa consideração, nosso respeito e nosso amor cristão. O que não implica
em aceitar seus erros. Aceitamos as pessoas, não seus erros. Todos têm sido
objetos constantes de nossas orações e sempre suplicamos o perdão de Deus para
as nossas próprias faltas, pedimos ao criador que perdoe, também, os erros deles. E
Deus é testemunha de nossa sinceridade.”
[Seguem as assinaturas]
- 90 -
DISSOLUÇÕES E DESPOJAMENTOS NA BAHIA
“O
Supremo
Concílio
iniciou
verdadeira inquisição, que deveria ser
a nota dominante no segundo
semestre de 1966. (...) É a injustificável
volta aos métodos da Idade Média.
(...) Não é possível que, em nome do
Deus-Homem
se
crie
uma
administração tão desumanizante e
desumanizadora que, farisaicamente,
proscreve homens, inverte valores,
prejudica reputações, causa perdas
irreparáveis. Não é possível copiar dos
governos ditatoriais a administração
de nossa igreja. Não é possível que
ódios individuais e paixões pessoais
determinem arbitrariamente fatos de
tão grande prejuízo a toda a
comunidade.”1
No Estado da Bahia a inquisição dissolveu o sínodo, dois presbitérios e despojou
dois brilhantes pastores.
O Presbitério Vale do São Francisco (PVSF), formado por igrejas do campo da
Missão Presbiteriana do Brasil Central (MPBC), foi dissolvido por pretextos claros. O
motivo principal de sua dissolução foi diminuir quatro votos ao candidato apoiado
pelo grupo contrário à reeleição para presidente do SC, Boanerges Ribeiro. Os
quatro representantes do referido presbitério chegaram a Garanhuns para a reunião
do SC, em 1970, e suas credenciais não foram aceitas pela Mesa presidida pelo
próprio candidato à reeleição. Foi alegado, na ocasião, que havia irregularidades no
ato da organização do presbitério. Os representantes não tomaram assento e não
votaram porque Boanerges Ribeiro tinha medo de não ser reeleito. E, de fato, a sua
vitória periclitava, pois a diferença foi apenas de seis votos entre ele e Benjamin
Moraes.
Quanto ao Presbitério de Salvador (PSVD), sua dissolução foi ocasionada por três
fatos principais:
O primeiro fato está relacionado com o Colégio 2 de Julho, fundado em 1927, em
Salvador, pelo casal Baker, da MPBC. Em 1967 o Conselho Deliberativo desse
colégio modificou seus estatutos de tal maneira que retirou toda a possibilidade de
transferência de suas propriedades para o patrimônio da IPB.
1
Manifesto do Presbitério de Ribeirão Preto, op. cit.
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DISSOLUÇÕES E DESPOJAMENTOS NA BAHIA
A trama, urdida com avidez pelo presidente do SC, foi descoberta em tempo. Ele só
queria uma coisa dos baianos: a transferência das propriedades do colégio. Visto
que não conseguiu o que desejava passou a perseguir o PSVD, usando como
instrumento Edésio de Oliveira Chéquer, jovem pastor da Igreja Presbiteriana da
Bahia, que passou a ser não só agente e “espião” do presidente do SC, mas
também delator de colegas. Por detrás de toda a crise presbiteriana na Bahia está o
espírito vingativo e intransigente de um presidente do SC que não conseguiu o que
almejava.
O segundo fato motivador dos golpes da inquisição aconteceu no dia 21de maio de
1969, quando Josué da Silva Mello celebrou um casamento ecumênico na Igreja
Presbiteriana de Feira de Santana em companhia do Frei Félix, de Pacatuba.
Participaram também da liturgia o líder batista, Josué Pinheiro Requião, e sua
esposa, dona Maura, que se encarregaram da parte musical. A liturgia foi preparada
pelo Rev. Josué Mello, baseada num modelo da Igreja Reformada da França. O Frei
Félix participou apenas de três itens da liturgia. Depois de terminada a cerimônia, o
frei pediu permissão ao pastor para entregar o elemento eucarístico ao nubente, que
é congregado Mariano. Foi-lhe dada a permissão.
Nessa época não havia proibição expressa da IPB contra a realização de
casamentos ecumênicos.
As fotografias desse casamento chegaram às mãos de Edésio Chéquer que delas
fez uso para uma intensa propaganda contra a eleição de Josué Mello para
presidente do Sínodo Bahia-Sergipe (SBS) que teria sua reunião em julho do mesmo
ano. Por causa dessa propaganda negativa, o povo reagiu e o Rev. Josué foi eleito,
quase por unanimidade, na reunião do sínodo, em Campo Formoso.
Temos que observar que o PSVD, desde 1966, se colocou em franca oposição à
direção da IPB, combatendo abertamente todos os desmandos e arbitrariedades, e
criticando o esvaziamento do ensino teológico no SPN.
O terceiro fato se deu no dia 31 de julho de 1972, quando se realizou na Biblioteca
Central da Bahia, o culto de abertura do “Encontro-Consulta” com a participação de
representantes do Conselho Mundial de Igrejas, da Conferência Nacional dos Bispos
do Brasil (CNBB), de várias igrejas evangélicas e de órgãos do governo. Essa
consulta resultou na criação da CESE (Coordenadoria Ecumênica de Serviço),
instalada em Salvador.
Na cerimônia de abertura estavam presentes vários pastores e, entre eles, os
seguintes participaram da liturgia: Enoch Senna Souza, Celso Loula Dourado e
Josué da Silva Mello.
Por causa dessa participação, Edésio Chéquer encaminhou ao PSVD, em janeiro de
1973, um ofício pedindo “a fineza de informar se houve qualquer medida disciplinar
com relação aos seus membros, participantes do referido encontro”, achando que
essa participação foi um “desacato à determinação do Supremo Concílio da IPB”. A
resposta do PSVD foi lapidar:
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DISSOLUÇÕES E DESPOJAMENTOS NA BAHIA
“1) Considerar improcedente a solicitação em apreço, em virtude de nenhum de
seus membros ter cometido falta passível de disciplina;
“2) Informar ao solicitante que na referida Consulta não houve envolvimento formal
de nenhum concílio presbiteriano regional, muito menos da Igreja Presbiteriana do
Brasil, havendo apenas a participação pessoal de alguns de seus membros;
“3) Esclarecer que a participação mais efetiva de alguns dos membros deste
Concílio se prendeu ao fato de estarem envolvidos em projetos de ação cristã e
promoção do homem no Nordeste do Brasil;
“4) Repudiar a atitude de insinuação do Rev. Edésio de Oliveira Chéquer que
objetiva intimidar ilustres colegas de ministério, deixando também transparecer a
idéia de que os mesmos teriam cometido falta grave;
“5) Congratular-se com os colegas que participaram da referida Consulta, sem
envolverem os concílios a que estão vinculados, mas assinalaram uma presença de
testemunho e ação cristã diante dos problemas que atingem o homem brasileiro,
nordestino, especialmente.”
Diante da resolução do PSVD, Edésio Chéquer, em julho de 1973, encaminhou um
documento ao plenário do Sínodo Bahia-Sergipe, enviando cópia ao presidente do
Supremo Concílio. A resposta do SBS foi a seguinte:
“1) Ratificar a decisão do Presbitério de Salvador, por entender que não houve
envolvimento da Igreja Presbiteriana do Brasil, nem de qualquer dos seus concílios,
na Reunião-Consulta promovida pelo Conselho Mundial de Igrejas, em Salvador, em
julho de 1972, mas sim a participação pessoal de alguns pastores e líderes
evangélicos de várias denominações;
“2) Declarar ainda que entende que as informações publicadas na imprensa secular
de referência à Igreja Presbiteriana do Brasil ou a algum de seus líderes são de
autoria de jornalistas pertencentes ao quadro desses órgãos de divulgação, não
podendo, portanto, serem atribuídas aos pastores presbiterianos que participaram
do encontro.”
No dia 29 de fevereiro de 1974 a CE/SC se reuniu, ordinariamente. O presidente do
SC trouxe para essa reunião um papel escrito à mão, pedindo a dissolução do
PSVD. Ele tinha recebido toda a documentação que Edésio Chéquer lhe havia
mandado, bem com tinha mantido entendimentos pessoais prévios. O papel do
presidente baixou para uma comissão de expediente composta pelos Revs. Osvaldo
Hack, Volmer Portugal, Edésio Chéquer e o presbítero José Costa. Por questão de
prudência e lisura, Edésio Chéquer não devia estar presente nessa comissão, mas
influenciou tanto a comissão, como o plenário.
A comissão apresentou ao plenário uma proposta que seguia de perto o manuscrito
preparado por Boanerges Ribeiro. Ei-la:
“Considerando: 1º) que membros do Presbitério de Salvador participaram
comprovadamente da Consulta promovida pelo Conselho Mundial de Igrejas e
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DISSOLUÇÕES E DESPOJAMENTOS NA BAHIA
instalada com culto ecumênico na Biblioteca Central do Estado da Bahia, com a
participação de sacerdotes católico-romanos;
2º) que essa participação deu ensejo ao envolvimento e a críticas injustas e
desabonadoras contra a IPB e sua CE;
3º) que essas críticas não foram desmentidas pelos referidos participantes;
4º) que o Presbitério de Salvador, respondendo à consulta feita sobre o assunto,
congratulou-se com os seus membros participantes da referida Consulta;
5º) que o Sínodo Bahia-Sergipe, ao tomar conhecimento do assunto, retificou a
posição do Presbitério de Salvador, deixando assim de tomar as providências
determinadas pelo Supremo Concílio em sua última reunião em julho de 1970,
6º) que o atual presidente do Sínodo Bahia-Sergipe, ouvido por esta CE, reconheceu
que é procedente e de fato a matéria foi encaminhada ao Sínodo Bahia-Sergipe,
7º) a solicitação do presidente do Sínodo Bahia-Sergipe de uma oportunidade para
que aquele Sínodo volte a tratar do assunto;
8º) a suspeição do Sínodo Bahia-Sergipe no tratamento deste assunto, visto ter em
sua Comissão Executiva elemento implicado nos acontecimentos em pauta, o que
dificultaria a reconsideração da matéria;
9º) os bons antecedentes dos outros presbitérios membros do Sínodo BahiaSergipe;
A Comissão Executiva do Supremo Concílio resolve:
A) Transferir o Presbitério de Salvador à jurisdição do Sínodo de Pernambuco;
B) Determinar, de acordo com resolução do Supremo Concílio em sua última reunião
de julho de 1970, à Comissão Executiva do Sínodo de Pernambuco que declare
dissolvido o Presbitério de Salvador e tome as providências para apurar a extensão
e a natureza da participação de pastores jurisdicionados ao Presbitério de Salvador
em celebrações ecumênicas, tomando as providências necessárias;
C) Permitir o funcionamento do Sínodo Bahia-Sergipe, com os três presbitérios
restantes, devendo ser supridos os cargos vagos em sua mesa, se necessário, em
virtude da transferência do Presbitério de Salvador ao Sínodo de Pernambuco.”
Essa resolução foi tomada no fim de fevereiro de 1974. No dia 20 de março do
mesmo ano a Comissão Executiva do Sínodo de Pernambuco se reúne e convoca
os membros do PSVD para uma reunião urgente no dia 6 de abril, no templo da
Igreja Presbiteriana da Boa Vista, no Recife. Nesse dia a Comissão Executiva se
reuniu e declarou dissolvido o PSVD, cujos representantes não compareceram.
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DISSOLUÇÕES E DESPOJAMENTOS NA BAHIA
O presidente do Sínodo de Pernambuco, presbítero Misael Vasconcelos, foi a
Salvador e teve uma reunião áspera com o PSVD resultando em maior acirramento
dos ânimos.
No dia 11 de abril o secretário executivo do Sínodo de Pernambuco comunicou às
igrejas do presbitério “dissolvido” de que, a partir do dia 06 de abril, todas aquelas
igrejas passariam a jurisdição do referido sínodo. E, logo depois, no dia 27 do
mesmo mês, resolve a executiva do sínodo “afastar preventivamente os ministros
Josué Mello e Celso Dourado, considerando serem graves e notórios os fatos
articulados contra os mesmos”. Eles foram disciplinados sem serem ouvidos. Depois
de afastados são ainda convocados a comparecerem perante o tribunal do sínodo
no dia 25 de maio.
Nesse ínterim, o Presbitério de Salvador passa procuração ao Dr. Josaphat Marinho,
em Brasília “para defender os direitos e interesses” do PSVD. Foi interposta, no dia
15 de maio, uma Ação Declarativa de Nulidade contra a IPB que dissolveu o PSVD,
por iniciativa de sua Comissão Executiva.
Os pastores Celso Loula Dourado e Josué da Silva Mello não compareceram ao
Tribunal Especial do Sínodo de Pernambuco e explicaram porque:
“Não comparecemos, nem tomamos conhecimento até aqui das decisões dessa
Comissão Executiva do Sínodo de Pernambuco, que agora se denomina de
“tribunal”, por ser ilegal e inconstitucional. Basta ver Art. 88, alínea “C” da CI. Não há
um só parágrafo que faculte ao sínodo a competência para reunir-se em tribunal
para julgar pastor. Isso é competência exclusiva do presbitério. O tribunal do sínodo
é de recurso (Art. 21 do Código de Disciplina). Não é o caso. Estabeleça-se um
tribunal legal, constitucional e estamos dispostos a obedecer às suas decisões, ao
seu julgamento. Fora disso é violência e protestamos.”
Em outubro a Comissão Executiva do Sínodo de Pernambuco não só nomeia
pastores para as igrejas cujos pastores estavam afastados, mas também nomeia
tesoureiros auxiliares com autorização de ter vista aos livros. As igrejas oficiam à
comissão executiva do sínodo não acatando essas decisões e mostrando que
estava em curso, em Brasília, uma ação civil contra a IPB, movida pelo presbitério.
Finalmente, no dia 6 de junho de 1975, Josué da Silva Mello e Celso Loula Dourado
são despojadas do ministério porque participaram de cerimônias ecumênicas.
Mais duas vítimas da Inquisição Sem Fogueiras que se implantou dentro da IPB.
Esses dois jovens pastores de grande valor espiritual e intelectual, dinâmicos e
operosos, que ocupam cargos de alta responsabilidade no Estado da Bahia, são
humilhados e despojados por inquisidores que perderam a virtude principal do
cristão, o amor, e, por isso, vão carregar pela vida em fora o peso na consciência
por terem despojado colegas, sem chegarem a conhecer quais eram os seus
motivos e as suas idéias.
O Presbitério de Salvador se reúne e resolveu declarar:
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DISSOLUÇÕES E DESPOJAMENTOS NA BAHIA
“1) que não reconhece e não aceita o despojamento dos seus pastores Celso Loula
Dourado e Josué da Silva Mello, executado pela Comissão Executiva do Sínodo de
Pernambuco, continuando os mesmos a desempenhar os encargos pastorais
designados por este concílio.”
Para que o PSVD pudesse participar da reunião ordinária do SC em julho de 1974,
em Belo Horizonte, teve que requerer Medida Cautelar na Justiça Civil de Brasília.
Foi antes dessa reunião do SC, para ser mais exato, 12 horas antes da abertura
dos trabalhos, que aconteceu uma das maiores arbitrariedades já cometidas pela
cúpula da IPB. A CE/SC dissolveu sumariamente, o Sínodo Bahia-Sergipe, sob a
alegação de ter cometido irregularidades que não foram comprovadas e
examinadas.
O ex-presidente do SBS, Josué da Silva Mello, contesta a alegação do presidente do
Supremo Concílio com as seguintes explicações:
"Declarou o presidente [do Supremo Concílio] que o Sínodo Bahia-Sergipe fora
dissolvido ‘porque vinha incidindo em faltas pelas quais teria sido anteriormente
advertido’, deixando meridianamente claro que o referido concílio incorrera em faltas
que achavam documentadas.
É espantoso, é mesmo de estarrecer, que o presidente do SC, que se diz defensor
da ordem, da pureza e da ortodoxia da Igreja, recorra a explicações falsas, a
declarações destituídas de fundamento, a afirmações mentirosas para, mais uma
vez, de público, ludibriar o povo e tentar justificar mais um de seus atos de
desordem, de atrocidade, de violência e de politiquice.
“Pesquisei os arquivos do sínodo, desde sua fundação até 1974 e revistei todos os
boletins oficiais da IPB e não encontrei uma só falta apontada contra o Sínodo
Bahia-Sergipe em toda a sua história e, muito menos, que tenha sido advertido por
qualquer concílio inferior ou superior. Mesmo no período mais sombrio da IPB (de
1966 até os nossos dias), nenhuma falta ou advertência foi encontrada contra o
concílio arbitrariamente dissolvido. Vejamos o que dizem os boletins oficiais.
“No Supremo Concílio de 1966, realizado em Fortaleza, teve seu relatório e atas
aprovados com apreciação pelo bom trabalho desenvolvido (Doc. SC-66-32 e 66-57
do Boletim Oficial/IPB). No Supremo Concílio de 1970, em Garanhuns, o SC
resolveu se congratular com c Sínodo Bahia-Sergipe pela manutenção dos
fundamentos da boa doutrina presbiteriana (Doc. SC-70-CXLV-18).
“Fui presidente do Sínodo Bahia-Sergipe em duas legislaturas (1969-1973),
participei de todas as reuniões da CE/SC, e nunca ocorreu advertência ao sínodo
por falta cometida. Embora o sínodo tenha assumido posição de não
comprometimento com a desordem, a farsa e a mentira instaladas na IPB desde
1966, procurou manter-se sempre dentro da CI, submetendo-se às decisões dos
concílios superiores. Um exemplo foi a organização do Presbitério Vale do São
Francisco. Em virtude de haver sido organizado com a participação de um pastormissionário da Missão Presbiteriana do Brasil Central, a CE/SC lhe negou registro, o
SC de 1970 considerou a organização irregular e determinou fosse feita a
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DISSOLUÇÕES E DESPOJAMENTOS NA BAHIA
regularização. O Sínodo Bahia-Sergipe acatou a decisão, inclusive da CE/SC que
impediu a reorganização por motivos obviamente políticos, embora entendesse o
sínodo que a organização do Presbitério, Vale do São Francisco houvesse sido
regular porquanto feita de acordo com os, estatutos do Conselho Inter-Presbiteriano
(CIP, os quais permitiam, nos campos missionários, que, para completar o quorum,
um ou mais missionários pudessem ser arrolados como membros do presbitério.
(Estatutos do CIP, Art. 19, Par. Único).
“Exceto a atitude de apoio e solidariedade ao Presbitério de Salvador, ‘declarado
dissolvido’ da forma mais ilegal e ignominiosa de que se tem notícia na história da
IPB, é mesmo de perguntar: Onde estas faltas foram registradas? Onde se
encontram? Que concílios fizeram as advertências? Que presbitérios? Que reunião
do SC? O Sínodo Bahia-Sergipe nunca as recebeu e delas nunca teve
conhecimento, porque, em verdade, as ‘faltas e advertências anteriores’ nunca
existiram.
“A história da dissolução do Sínodo Bahia-Sergipe é bem, diferente. Numa palavra
podemos contar. Ele fora dissolvido porque representava uma voz independente,
firme e consciente contra as arbitrariedades que se vem praticando contra a Igreja,
em nome do Evangelho. Foi dissolvido sem processo, às pressas, doze horas antes
da reunião do Supremo Concílio, para impedir que a delegação dos presbitérios
tomasse assento no plenário do SC e, assim, evitar 12 votos contra Boanerges
Ribeiro, o necessário, segundo seus cálculos, para conseguir a reeleição, manter-se
no poder para a realização de suas mais altas aspirações pessoais. São estes
interesses políticos e mesquinhos que estão em jogo na dissolução de um sínodo,
no desmoronamento de um trabalho presbiteriano numa vasta área do Nordeste,
construído sob a dedicação e o sacrifício de abnegados servos de Deus.”
A situação atual é esta:
1. O Presbitério de Salvador e o Sínodo Bahia-Sergipe estão funcionando como se
nada houvesse acontecido. A causa do presbitério e do sínodo está em tramitação
na justiça secular.
2. Os pastores Josué Mello e Celso Dourado continuam suas atividades pastorais,
porque o presbitério não aceitou o “despojamento” ilegal.
3. O Presbitério de Salvador continua existindo e recebendo pressões. Numa das
reuniões, “alguém” denunciou o presbitério perante os órgãos de segurança dando a
informação falsa de que as reuniões realizadas com a presença do Rev. Eudaldo
Silva Lima, de Brasília, eram de caráter subversivo. Ora, o Rev. Eudaldo é um dos
mais lídimos representantes do presbiterianismo baiano. As reuniões do presbitério
só não foram interrompidas porque o Coronel do Exército que recebeu a “denúncia”
era mais prudente do que o reverendo denunciante, e foi primeiro pedir informações
ao Rev. Enoch Senna Souza, diretor do Colégio 2 de Julho. Recebidas as
explicações, o coronel não tomou conhecimento da “denúncia”.
Chegamos a este ponto na IPB. Irmãos denunciando irmãos, para prejudicá-los
perante as autoridades civis e militares.
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DISSOLUÇÕES E DESPOJAMENTOS NA BAHIA
Os dois presidentes do Sínodo Bahia-Sergipe no período 1966-1974 foram Josué da
Silva Mello e Neemias Araújo. Esses dois pastores tiveram suas vidas chamuscadas
pelas labaredas psicológicas da inquisição nas reuniões da CE/SC. Foram
desprezados, ultrajados, injuriados e considerados como se fossem criminosos, a
ponto de não serem hospedados em casas de membros das igrejas hospedeiras,
como os demais. Rendemos um tributo a esses dois mártires da inquisição que
sofreram, mas não se renderam aos inquisidores, nem se tornaram hipócritas para
não sofrerem, como fizeram alguns pastores. Esses dois homens de fibra, que não
são invertebrados, nem títeres, estão na lista dos mártires da Igreja de Jesus Cristo.
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DISSOLUÇÃO DO SÍNODO ESPÍRITO-SANTENSE
Esta área do território presbiteriano, o Sínodo Espírito-Santense (SES), foi a que
mais sofreu nesta crise que estamos historiando, na Igreja Presbiteriana do Brasil.
No Estado do Espírito Santo, o presbiterianismo floresceu sem o auxílio dos
missionários das duas juntas presbiterianas dos Estados Unidos.
Nesta área há a maior densidade de população presbiteriana. Só na cidade de
Vitória há 13 igrejas. O SES era composto por sete presbitérios: Alegre, Campos,
Colatina, Itabapoama, Itapemirim, Vale de São Mateus e Vitória.
Neste sínodo foi localizado, em 1962, o Seminário Presbiteriano do Centenário
(SPC), com um reconhecimento do crescimento vigoroso daqueles campos.
Este sínodo foi o pioneiro na luta incansável contra os desmandos da atual
Administração da IPB, mantendo uma insistente vigilância, exigindo respeito pela CI
e pelo Sistema Presbiteriano. Por isso mesmo a sua atuação foi considerada
“oposição incômoda” que não podia continuar.
Este foi o primeiro sínodo que se reuniu, um mês após a reunião do SC de Fortaleza
(1966), e mandou uma representação à CE/SC demonstrando que a resolução do
SC que criou a Comissão Especial de Seminários não devia ser executada devido à
sua inconstitucionalidade, à sua incompetência e à sua inaplicabilidade. Num
documento fundamentado nos textos da CI, o SES pede respeitosamente à CE/SC
que “suspenda a execução dessa medida, como lhe faculta a CI, Art. 104, alínea V,
§ único, ‘in fine’, sustando o funcionamento dessa comissão”. Isto foi resolvido no dia
19 de agosto de 1966.
A CE/SC respondeu ditatorialmente a representação do sínodo e passou a
considerá-lo como rebelde. Começou, então, uma luta entre a direção da IPB e o
SES. Em 1968 o SPC foi arbitrariamente fechado e seus professores e alunos
expulsos.
Na reunião do SC em 1970, em Garanhuns, o sínodo foi ameaçado de dissolução
sob os pretextos de que:
“1. Não cumpre. nem faz cumprir as ordens e resoluções do Concílio imediatamente
superior.
“2. Criou uma Fundação Educacional com finalidade de preparar pastores, o que é
competência exclusiva do SC.”
De fato, o sínodo estava em franca oposição a certos aspectos errados da
administração da IPB, mas fazia essa oposição pelos trâmites legais. A criação da
Fundação Educacional Cícero Siqueira (FECICS, que tem à frente o Dr. Claude
Labrunie e sua esposa Dra. Clícia, inclui nos seus cursos um de teologia que visa a
ministração de matérias teológicas tanto para os leigos das igrejas como para
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DISSOLUÇÃO DO SÍNODO ESPÍRITO-SANTENSE
candidatos ao ministério. Foi, não podemos negar, resultado da frustração do sínodo
diante da esdrúxula extinção do SPC.
A ameaça da reunião de Garanhuns permaneceu sobre o SES. Em 1972, o sínodo
resolve se desligar da FECICS, retirando o seu representante do Conselho
Deliberativo da referida fundação, isto em obediência ao Supremo Concílio. Mesmo
assim a pressão continuava.
Na reunião do SC em Belo Horizonte (1974), o presidente do SC apresentou a
proposta de dissolução do SES e ele mesmo a defendeu no plenário. O sínodo foi
dissolvido.
Duas semanas depois do SC, o SES se reúne extraordinariamente e toma a
seguinte decisão:
“Considerando que a resolução contida no Doc. nº 74, aprovada pelo plenário do
Supremo Concílio da Igreja Presbiteriana do Brasil, em sua reunião de 1974, em
Belo Horizonte, no item nº 2 e suas alíneas, dissolve o SES;
Considerando a natureza claramente punitiva de tal resolução, em vista dos próprios
termos em que está redigida;
Considerando que, de acordo com o Código de Disciplina (CD), Art. 10, alínea ‘c’,
dissolução é pena;
Considerando que o CD, que é lei constitucional (cf. Art. 135), declara, em seu Art.
89, que ‘não haverá pena sem que haja sentença eclesiástica, proferida por um
Concílio competente, após processo regular’;
Considerando que, de acordo com o CD. Art. 16, ‘nenhuma sentença será proferida
sem que tenha sido assegurado ao acusado o direito de defender-se’;
Considerando que, de acordo com o CD. Art. 12, ‘no julgamento dos Concílios,
devem ser observadas, no que lhes for aplicável, as disposições gerais do processo
adotadas nesta Constituição’;
Considerando que, por força do CD, Art. 107, alínea ‘c’, ‘o julgamento de Concílios
tem que seguir as normas do processo ordinário’;
Considerando que a dissolução foi proposta pelo Presidente do Supremo Concílio e
votada pelo plenário sem observância do Art. 18 do CD;
Considerando que foram deixadas de lado, ou simplesmente ignoradas disposições
específicas básicas referentes a processo em que um Concílio ou Tribunal for parte,
cf. Arts. 65 e 66;
Considerando não haver tramitado legalmente nenhuma queixa ou denúncia contra
o SES;
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DISSOLUÇÃO DO SÍNODO ESPÍRITO-SANTENSE
Considerando que, levando-se em conta o CD, Art. 42, suas alíneas e parágrafos,
nem mesmo ilegalmente subiu qualquer queixa ou denúncia contra o Sínodo;
Considerando que, em conseqüência, não foi possível ao autor oferecer a menor
justificativa que fosse para fundamentar tão intempestiva proposta;
Considerando a já longa e, até agora, inútil lista de manifestos e recursos deste
Sínodo contra os desmandos da atual administração da Igreja Presbiteriana do
Brasil;
Considerando que essa insistente e incansável vigilância do SES, exigindo respeito
pela Constituição da Igreja e pelo Sistema Presbiteriano, tem sido considerada
oposição incômoda e que, por causa dela, já foi até usada contra ele ameaça de
dissolução, como tentativa de intimidação;
Considerando que fica demonstrado pela observação nº 9 do SC/1974 ao livro de
Atas do SES – em que se registra satisfação do SC por observância do Sínodo de
recomendação do Concílio Superior – que este Concilio jamais foi intransigente e
obstinado (mesmo que essa transigência era decidida a custo de profundas agonias
morais), à Igreja Presbiteriana não lhe permitia outra alternativa;
Considerando que a Constituição da Igreja está acima de qualquer Concílio ainda
quando este seja o Supremo Concílio,
Considerando que ainda estão em vigor a Constituição e o Código de Disciplina
promulgados pelo Supremo Concílio em 1950 e 1951;
Considerando que qualquer emenda ou reforma da CI e do CD tem que seguir
tramitação estabelecida em lei conforme CI, Arts. 139, 140, 141, e CD, Art. 135;
Considerando que eles não são, portanto, automaticamente, modificados por
decisões do plenário do SC, mas, muito ao contrário, ‘são nulas de pleno direito
quaisquer disposições que, no todo ou em parte, implícito ou expressamente,
contrariem ou firam a Constituição da Igreja Presbiteriana do Brasil’ (cf. CI, Art. 145),
mesmo quando tais disposições emanem do Plenário do Supremo Concílio;
Considerando as numerosas ilegalidades praticadas pela atual administração contra
Sínodos, Presbitérios e Ministros; o Sínodo Espírito-Santense resolve:
1º) Declarar nula de pleno direito a resolução do Supremo Concílio que dissolve o
Sínodo;
2º) Dar conhecimento desta resolução ao Supremo Concílio, por intermédio do
SE/SC;
3º) Reafirmar que, em conseqüência, continuam sob sua jurisdição os presbitérios
arrolados na SE/SES;
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DISSOLUÇÃO DO SÍNODO ESPÍRITO-SANTENSE
4º) Proibir, terminantemente, que qualquer desses Presbitérios atenda convocação
ou citação que não parta de Concílios regulares ou de tribunais competentes, tendo
em vista a CI, Arts. 61 e 94 e alíneas, e CD, Art. 21;
5º) Conclamar a todos os Concílios, Presbíteros docentes e regentes, e a todo o
povo de Deus na Igreja Presbiteriana, nos limites da região sinodal, que se ponham
de pé,
a) na defesa da legalidade e da ordem, contra a ilegalidade e arbitrariedade;
b) contra o abuso do poder pessoal e autocrático, na defesa do sistema conciliar e
democrático, que sempre caracterizou a Igreja Presbiteriana;
c) contra o reinado da difamação, da vingança pessoal, da delação, da perseguição,
da opressão, do ódio e do terror, que os que se consideram ‘senhores’ da Igreja
Presbiteriana do Brasil vêm impondo entre o povo de Deus;
d) na defesa de uma vida comum na paz e na unidade do Espírito de Cristo;
e) na defesa do reinado do amor fraterno, da concórdia, da reconciliação em Cristo,
e do reconhecimento da soberania exclusiva do Único Senhor da Igreja, Jesus
Cristo;
f) defesa do direito de obediência e submissão, sem reservas, à vontade soberana
de Deus, como esta se apossa de nossa consciência, pela iluminação do Espírito
Santo, através de nossa vida no corpo de Cristo, a Igreja, e da nossa meditação das
Sagradas Escrituras;
g) Nós também somos cristãos. Nós também somos presbiterianos. Nós também
fomos batizados. Nós também fomos ordenados para o ministério de Cristo, na
Igreja e no mundo. Assim, Deus nos abençoe.”1
A partir de agosto de 1974 travou-se uma luta judicial entre os concílios dessa região
e a direção da IPB. Foi necessária essa providência na justiça secular para
salvaguardar direitos ameaçados dentro da Igreja. A frente dessa luta está Wellste
Guida, pastor da Igreja Presbiteriana de Maruípe e atual presidente do Presbitério de
Vitória. O pastor Guida, além de pastorear a referida igreja é advogado brilhante,
homem de luta e de coragem. Tem enfrentado nestes últimos anos uma verdadeira
batalha na qual tem sofrido as maiores humilhações por parte dos dirigentes da IPB.
Não só em Vitória, mas também em Brasília, São Paulo, Rio, Belo Horizonte. O Rev.
Guida tem atuado em defesa do sínodo e dos presbitérios da região, especialmente
o de Vitória. Viajando de cidade em cidade, procurando encontrar os representantes
da IPB, especialmente o presidente, para assinar cartas precatórias de intimações,
citações e notificações. Pela providência de Deus esse pastor está preparado para
defender concílios e pastores na justiça secular a fim de que eles não sofressem as
injustiças que a direção da Igreja tem praticado. Daremos exemplos do que estamos
afirmando, enumerando essas lutas judiciais.
1
Aprovada pelo SES, aos 31 de julho de 1974.
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DISSOLUÇÃO DO SÍNODO ESPÍRITO-SANTENSE
1. No dia 29 de agosto de 1974, entrou na Justiça Civil de Vitória com um
PROTESTO JUDICIAL para defender o Presbitério de Vitória contra as ameaças
da CE/SC.
2. No dia 7 de novembro de 1974 entrou com uma ação de INTERDITO
PROIBITÓRIO contra o Réu.
3. No dia 2 de dezembro de 1974 entrou com uma AÇÃO ANULATÓRIA da XXVIII
Reunião Ordinária do Supremo Concílio da IPB. Essa ação foi complementada,
em Brasília, pelo advogado, Dr. Valdir Campos Lima no dia 13 de fevereiro de
1975.
4. No dia 29 de outubro de 1975 entrou com uma MEDIDA CAUTELAR, na 2a. Vara
Cível de Brasília para impedir, liminarmente, que o Presidente do Supremo
ConcÍlio, a Comissão Executiva do SC, e o Sínodo de São Paulo tomassem
qualquer medida contra o Presbitério de Vitória, ameaçado de dissolução.
5. No dia 4 de novembro de 1975 entrou com uma MEDIDA CAUTELAR no Foro de
Vitória, com a mesma finalidade da anterior, apresentada em Brasília. Por causa
dessas últimas cautelares o Sínodo de São Paulo, em reunião marcada com a
finalidade de dissolver o Presbitério de Vitória, não pôde dissolvê-lo.
Reconheceu, apenas, ilegalmente, que o referido presbitério já havia se retirado
da IPB.
Além dessa luta judicial, as igrejas desse Sínodo sofreram muito. Foram
esfaceladas, divididas. Cenas deprimentes se desenrolaram em reuniões, cultos e
escolas dominicais. Houve incidentes de violências e desrespeitos em várias igrejas,
tudo motivado pelo espírito inquisitorial, “fundamentalista” e sectário.
Na representação dos presbitérios de Vitória e Colatina que incluímos no capítulo
seguinte compreenderemos melhor a drama vivido por este grande e heróico sínodo
presbiteriano.
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VOZ PROFÉTICA DOS PRESBITÉRIOS DE VITÓRIA E DE COLATINA
Com a dissolução do Sínodo Espírito-Santense, foi criado o Sínodo Espírito SantoRio de Janeiro. Os Presbitérios de Colatina e Vitória, no entanto, não foram
transferidos para o novo sínodo, com era de se esperar. A intenção de Boanerges
Ribeiro era dissolvê-los, razão porque foram transferidos para a jurisdição do Sínodo
de São Paulo, onde seus “cupinchas” já estavam preparados para executar suas
ordens. Foi aí que surgiu o gesto espontâneo e fraterno do novo Sínodo Espírito
Santo-Rio de Janeiro que, dirigindo-se à CE/SC, pediu o óbvio, ou seja: que os 2
presbitérios do Espírito Santo ficassem jurisdicionados àquele sínodo.1 A gratidão
dos presbitérios foi tão grande que resultou no documento que ocupa inteiramente
este capítulo - sem dúvida um dos mais belos documentos produzidas em toda a
História da Igreja Presbiteriana do Brasil.
Agradecer ao Sínodo Espírito Santo-Rio de Janeiro a comunicação da resolução de
solicitar à Comissão Executiva do Supremo Concílio a colocação dos Presbitérios de
Vitória e de Colatina sob jurisdição do novo Sínodo, nos seguintes termos:
I. Ensinam-nos as Santas Escrituras que, nas horas de crise do povo de Deus,
quando parecia haver um eclipse total que o deixava nas trevas do desamparo e do
desespero, o Senhor sempre condescendia em mostrar a sua face aos seus fiéis, de
maneira a alentá-los na perseverança, a esperar contra toda a esperança, a
continuar a crer contra toda evidência. Foi assim no tempo de Elias, com os sete mil
que não dobraram seus joelhos a Baal, I Rs. 19:18; no tempo de Isaías, o sinal de
Emanuel, Is. 7:14-16; no tempo de Jeremias, a ordem divina para o profeta comprar
de seu primo Hanameel o campo de Anatota, nas vésperas do cativeiro babilônico,
“porque assim diz o Senhor dos Exércitos, o Deus de Israel: Ainda se comprarão
casas, campos e vinhas nesta terra”, Jr. 32:6-15, 16-44; e durante o cativeiro
babilônico, a visão do vale de ossos secos concedida ao profeta Ezequiel como uma
promessa da operação do poder de Deus que haveria de promover o miraculoso
reerguimento e renascimento de seu povo, Ez. 37:1-14. Também no Novo
Testamento, os desalentados caminhantes de Emaús têm o coração reaquecido e
são salvos do desespero pelo encontro e companhia do próprio Senhor Jesus Cristo
Ressuscitado, Lc. 24:12-35.
Pois bem. Nesta hora de trevas e de desespero que vivem presbitérios como os de
Vitória e Colatina, ameaçados de esmagamento por um poder humano mais feroz
que a feroz Jezabel em sua sede pela vida do profeta Elias; quando aquele que se
considera a facção mais poderosa da IPB entra em maquinações maquiavélicas
para a destruição das minorias; quando se decide o arrasamento sumário de nossos
concílios; quando as igrejas de nossa jurisdição são atacadas por guias
desapiedados, lobos famintos, que não se importam de substituir o amor pelo ódio, a
confiança pela calúnia, a justiça pela arbitrariedade, a união de Cristo pela desunião
e a facciosidade, a paz pela guerra subterrânea e solerte, a submissão a Cristo pela
cega subserviência e servidão mental a homens que se colocam com árbitros e
mediadores únicos da vontade de Deus; a esses homens que preferem ter nas mãos
1
Os presbitérios de Vitória e de Colatina não foram transferidos para a jurisdição do novo sínodo da
IPB. Fazem parte, agora, da FENIP.
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VOZ PROFÉTICA DOS PRESBITÉRIOS DE VITÓRIA E DE COLATINA
um esqueleto de Igreja a aceitarem a Igreja viva, atuante e dinâmica que lhes
escapa ao domínio; - nesta hora, queridos irmãos do SER, em que de boa fé já nos
perguntam “O vosso Deus, onde está”, Salmo 42:3, 10 - esta resolução nos chega
com a resposta de Deus ao seu povo naquelas crises de outrora. Ela é a voz que
nos lembra que não estamos só; o sinal de que nem tudo está perdido; o prelúdio da
alegria que vem pela manhã, mesmo que o pranto possa durar uma noite inteira, Sl.
30:5; como a voz do profeta que anuncia o caminho paradoxal do Senhor, que
através do juízo efetua a salvação do seu povo; do profeta que se levanta
corajosamente diante dos poderosos em defesa dos humildes; que fala por aqueles
a quem não se concede o direito de falar, ou que não encontram ouvidos para os
ouvir; que exige justiça para aqueles que jamais foram considerados em seus
direitos pelos que detêm o poder com um privilégio e não com uma
responsabilidade.
II. Nesta hora em que a administração da IPB vem-se afastando cada vez mais do
Sistema Presbiteriano, calvinista, reformado, que constitui o precioso legado que
irmãos de outras terras implantaram entre nós, algumas vezes com sacrifício da
própria vida; desse sistema que se demonstrou o mais vigoroso entre as grandes
correntes da Reforma Protestante, influindo teológica e administrativamente na
maioria dos ramos da Igreja Evangélica no mundo inteiro; desse sistema que se tem
constituído, na história contemporânea, em inspiração para os sistemas
democráticos das sociedades mais desenvolvidas do ocidente – sociedades
modeladoras, sustentáculos de uma infra-estrutura de valores que dão sentido e
justificação e dignidade à vida de elites, como os humanitaristas, artistas, políticos,
cientistas, professores e estadistas, mas também de homens comuns, anônimos,
com os trabalhadores rurais, operários, funcionários públicos, artesãos,
comerciários, doqueiros, motoristas e ferroviários, todos eles felizes por sentirem-se
cercados das garantias básicas como pessoas humanas, e de seus direitos
concernentes à vida, à liberdade, à busca da felicidade, à igualdade de
oportunidades; sentindo-se, sobretudo, protegidos pela igualdade perante a lei, e por
normas jurídicas que não permitem que jamais sejam tomadas acusações contra
eles com prova de culpa, que sobre algum deles recaia jamais o ônus de provar sua
inocência, porque todos eles são inocentes até prova em contrário. É claro que a
democracia pode passar por períodos de febre e decadência, como o maccarthysmo
que assolou a sociedade americana há alguns lustros, mas de dentro do sistema
vem a própria cura da infecção. Pode ser vulnerável a escândalos e desvios como o
recente caso de Watergate, também nos Estados Unidos, mas não foi necessário
senão um apelo aos recursos vitais do próprio sistema democrático para combater o
mal, extirpar o tumor e retornar aos saudáveis caminhos abandonados da própria
democracia, em seu significado mais pleno e mais enriquecido. Não foi à toa que,
em duas guerras mundiais recentes, as gerações jovens, inclusive brasileira, não
negaram seu sangue generoso pela democracia contra o totalitarismo, pelo que de
melhor e mais cristão está corporificado nas instituições das sociedades ocidentais.
E o Sistema Presbiteriano, a respeito do qual sempre aprendemos a considerá-lo
inspiração da democracia no mundo ocidental e incompatível com totalitarismos e
sistemas que não respeitem a dignidade fundamental da pessoa humana, - é
justamente esse o sistema que, às mãos da atual administração da IPB, vem
sofrendo deformações tais que se tornou totalmente irreconhecível. Pode-se mesmo
afirmar que o isolamento crescente de nossa Igreja em relação às co-irmãs
evangélicas do Brasil e presbiterianas reformadas do mundo inteiro, isolamento
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VOZ PROFÉTICA DOS PRESBITÉRIOS DE VITÓRIA E DE COLATINA
sectário e intolerante, é, e só pode ser, uma confissão, embora implícita e
involuntária, de que é a própria IPB desses administradores que não se sente mais
presbiteriana. O relacionamento com a família de Igrejas Presbiterianas e
Reformadas do mundo inteiro deixou de ser uma aspiração de uma igreja jovem e
saudável, como era a nossa, quando tinha consciência e orgulho de suas raízes
históricas numa verdadeira sucessão apostólica, para se tornar uma aversão para
um grupo sectário, que quanto mais se preocupa com ortodoxia mais se entrega à
destruição de seminários teológicos, menos se preocupa em colocar nas mãos do
povo os Símbolos da Fé, e mede a vitalidade da Igreja pelo número de templos
construídos, pelo valor dos seus bens e propriedades.
Irmãos do SER, ficamos felizes porque sentimos que é esse o Sistema que o novo
Sínodo procura zelosamente restaurar, ou ver restaurado, como base das relações
eclesiásticas, jurídicas e administrativas na IPB, quando, pelos motivos expostos,
resolve solicitar a inclusão de nosso Presbitério em sua jurisdição. E os seus são
motivos válidos, temos certeza, quando a boa fé preside às relações mútuas,
quando os legítimos interesses da Causa ocupam o lugar que, infelizmente, vem
sendo agora ocupado pela vindita, pela “autolatria”, pela “hybris”, pela intolerância,
pela opressão e pelo sectarismo. Saber que existem outros que além de nós se
sentem incomodados e inconformados com “anomalias eclesiásticas”, nesta época
da vida da IPB em que tais anomalias se tomaram tantas e tão constantes, que a
tantos já não causam inquietação nem estranheza, saber de outros que se sentem
inconformados e incomodados como nós é causa de extremo conforto e consolo.
O maior mal que nos causará para sempre essa fase de subversão do Sistema e
dos valores presbiterianos há de ser, sem dúvida, essa incapacidade de discernir os
espíritos, I CO. 12:10; 1 Jo- 4:1; essa perda da sensibilidade espiritual do povo
cristão, de sua acuidade moral; da iluminação divina que o capacita a distinguir o
certo e o errado; a autoridade legítima estabelecida para a edificação da Igreja e o
arbítrio do tirano em busca de seus próprios fins; o zelo pela verdade sagrada “uma
vez entregue aos santos”, Jd 3, e a imposição de um “doxia” esdrúxula, produto de
subjetivas elocubrações de falsos “salvadores” da Igreja de Cristo. Nesta perspectiva
a longo prazo, cresce ainda mais a importância histórica dessa resolução do SER.
III. A IPB tem uma Constituição promulgada em 1950, no templo da Igreja
Presbiteriana de Alto Jequitibá, em Presidente Soares, Minas Gerais, no Presbitério
Leste de Minas. E tem um Código de Disciplina e seus Princípios de Liturgia
promulgados em 1951, ambos declarados leis constitucionais, C/D art. 135 e P/L art.
44. Antes disso, regia-se ela pela Constituição de 1937, promulgada em Fortaleza.
Antes de Fortaleza, tínhamos o Livro de Ordem, herança que nos ficara, em sua
maior parte, de nossa vinculação com a História do trabalho das Missões
presbiterianas americanas no Brasil.
Uma constituição não é jamais fruto de uma partenogênese, de geração
espontânea, de uma criação em abstrato, a-histórica. Ela sempre documenta,
incorpora e dá continuidade a uma tradição, uma linha horizontal contínua, contendo
concepções e praxes vetustas que identificam um sistema eclesiástico no seu
“ethos” básico. Em nosso caso, elas identificam o sistema calvinista, reformado, e
são em termos sociológicos, os usos, costumes e mores de nossa “cultura”
eclesiologia reformada. Esta, por sua vez, resultou da maneira como a tradição
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VOZ PROFÉTICA DOS PRESBITÉRIOS DE VITÓRIA E DE COLATINA
bíblica foi incorporada à corrente calvinista da Reforma Protestante do século XVI,
sob a influencia e pressão da situação histórica, das condições socioeconômicas e
culturais, e da ordem secular geral contemporânea não só da Reforma como da pósReforma, de onde vêm a maioria das nossas “confissões de fé”.
Não é legítimo interpretar a Constituição da Igreja Presbiteriana do Brasil fora do
contexto que inclui, portanto, o presbiterianismo contemporâneo, no Brasil e no
mundo; a História da Reforma; a História da Igreja; a história da Doutrina; e a própria
exegese bíblica, porque, afinal, é a Bíblia que constitui a suprema regra de fé e
prática para todos nos cristãos herdeiros da Reforma. Protestante do século XVI.
Essa Constituição que, a partir de dado momento histórico e enquanto convenha às
igrejas federadas que formam a Igreja Presbiteriana do Brasil, declara e define a
forma de seu governo, proclama e assegura os direitos de seus membros, discrimina
os órgãos hierárquicos do poder eclesiástico e lhes delimita a competência e a
Jurisdição, não pode incorporar senão apenas uma parte das concepções, praxes,
tradições e costumes, diretamente ou pela inclusão de leis anteriores, que
constituem o todo maior que chamamos Sistema Presbiteriano.
A própria passagem de um “Livro de Ordem” para uma “Constituição” merece aqui
uma reflexão, embora tardia. Neste contexto, “ordem”, por ser uma palavra do
vocabulário teológico-dogmático das igrejas cristãs, chama imediatamente a atenção
para o âmbito sacral em que se legitimam as praxes, tradições, costumes e
instituições que formam e caracterizam a comunidade eclesial. Já a palavra
“constituição”, e em especial uma constituição escrita, denota um conjunto de
preceitos jurídicos que se legitimam antes na base de um “contrato social”. Não se
trata aqui de nenhuma bizantinice: basta lembrar os equívocos a que tem sido
levada muita interpretação do Novo Testamento por se esquecer que “torah” só
parcialmente pode ser traduzida por “nomos”, já que a primeira pode significar, em
sua conotação hebráico-neotestamentária, “toda a revelação bíblica da vontade de
Deus”, para o que a segunda jamais seria usada pelos estóicos enquanto esta pode
significar para estes “uma lei imanente da natureza humana, pela qual o homem
distingue o certo do errado”, que a primeira não pode significar. “Torah” aponta para
um ética transcendente e objetiva, e “nomos” para uma ética imanente e subjetiva,
radicada na racionalidade do universo e de suas partes componentes (ver Dodd,
C.M., Epistle of Paul to the Romans, Fontana Books, 1959, pgs. 59-77, etc.). É a
distância que vai do judeu-cristianismo ao estoicismo, e que sempre nos deve alertar
para o fato de que o contexto de “nomos”, ou “lex” ou “lei” na Igreja está na “torah”,
cuja plena significação não pode ser dissociada de “Deus que tirou Israel do Egito,
da casa da servidão” e que por fim se revela em Nosso Senhor Jesus Cristo. Não se
pode, portanto, criar nem interpretar nenhuma lei na Igreja em sentido oposto ao da
graça redentora e reconciliadora de Deus ao seu povo em Jesus Cristo.
Mesmo diante das limitações intrínsecas e gerais de uma constituição eclesiástica,
como as que expusemos respeitosamente acima, nós insistimos em apegar-nos à
Constituição da Igreja Presbiteriana do Brasil e em exigir seu cumprimento por parte
da atual administração da Igreja. E cônscios de que, apesar de tudo, se trata de uma
lei fundamental da Igreja e que, por isso, não deve ser reformada ou alterada
constantemente, mas apenas quando imperiosas necessidades o exijam, é que a
preferimos uma constituição rígida, como ela mesma se define nos arts. 139-141. E
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VOZ PROFÉTICA DOS PRESBITÉRIOS DE VITÓRIA E DE COLATINA
nos inquietamos e reagimos quando ela é tratada com uma constituição plástica,
que vem sendo alterada constantemente sem obedecer aos requisitos especiais
para sua reforma, com as formalidades rápidas e, muitas vezes, levianas,
normalmente usadas para a feitura de uma simples lei. Se quando se respeitava a
Constituição o funcionamento da Igreja tinha seus senões e imperfeições, pior, mas
muito pior, tornou-se a situação com o desprezo que por ela manifesta a
administração atual quando ela se constitui num incômodo embaraço aos seus
propósitos nem sempre confessáveis, interpretações tendenciosas dela vão sendo
aceitas e ficções jurídicas vão-se impondo à margem dela:
a) temos agora um “Presidente da Igreja Presbiteriana do Brasil”, quando a CI
só reconhece um Presidente do Supremo Concílio;
b) esse sr. Presidente vem absorvendo em sua quase totalidade as funções
mais importantes que a CI atribui exclusivamente ao Secretário Executivo do
Supremo Concílio;
c) temos uma “Mesa da Comissão Executiva do Supremo Concílio”, em que
esta, usando linguagem analógica inaplicável a não ser a concílios
superiores, afirma-se e age(!) como se fosse um deles;
d) a própria CE/SC, usurpando poderes que, pela CI, são privativos do SC, vem
exercendo sobre os concílios superiores todo tipo de governo: modifica
sumariamente seus limites, interpela-os, julga-os, dissolve-os, cria-os, e mais,
chega mesmo ao ponto de modificar decisões do plenário do SC sobre eles.
Estabelece-se, assim, um completo e firme esquema de poder paralelo: (1) O
plenário do Supremo Concílio, por pressa, desinformação, ou boa fé, se esvazia
inconstitucionalmente, ampliando poderes da CE e transferindo-lhe outros. (2) A CE
todo-poderosa manipula, desnorteia, emascula, ameaça, coage, esmaga concílios
regulares e avoca a si suas prerrogativas. (3) A “Mesa” da CE, único grupo que
recebe todas as informações de primeira mão e as distribui ao plenário da CE
segundo seu arbítrio e conveniência, manipula as resoluções. Essa “Mesa” nega
acesso direto a papéis importantes a todos os que não são de confiança dela,
embora representantes legítimos dos Sínodos. (4) A “Mesa” é manipulada
publicamente pelo Presidente, que também nas reuniões do plenário do SC comete
a mesma desfaçatez prejudicial aos interesses da Igreja de simplesmente excluir
das comissões de expedientes os representantes por mais legítimos e capazes que
não “leiam pela sua cartilha”.
E esse poder exercido pelo sr. Presidente, do ápice dessa pirâmide, é absoluto,
faraônico, discricionário, pois enfeixa os aspectos executivo, legislativo, judiciário e
administrativo. Desapareceu o delicado equilíbrio dos poderes autônomos que
caracteriza uma democracia eclesiástica, como a do Sistema Presbiteriano. A
inchação do poder central, crescentemente investido num só homem, anula o
equilíbrio dos poderes jurisdicionais que facilitariam a filtragem das decisões por
instâncias sucessivas e hierárquicas, ampliando o debate, facilitando maiores
salvaguardas para todos, e garantindo o consenso. Autoridade que sempre foi e só
pode ser de jurisdição, exercida coletivamente, passa, sem nenhum razão maior e
sem nenhuma consideração nem pela letra da lei, a ser autoridade de ordem,
exercida individualmente, de fato, em oposição ao que prescreve a CI, art. 29, § 29.
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VOZ PROFÉTICA DOS PRESBITÉRIOS DE VITÓRIA E DE COLATINA
Desse poder aproveita-se bem o sr. Presidente, chegando a definir a Igreja
Presbiteriana do Brasil em termos dos que o seguem e lhe obedecem ou daqueles
que se lhe opõem. A estes marginaliza, desmoraliza, persegue, assassina
econômica e moralmente, sem remorsos e sem peias. Daqueles, ele é o
comandante Supremo e incontestável de sua vida, pensamento, ação e ministério, e
aceito com o guia iluminado e infalível da Igreja.
Mas a decisão do SER nesta ocasião é o sinal de que nem todas as consciências
estão adormecidas, nem todos os corações acovardados, nem todos os grupos
coniventes. É o sinal de que nem todos os concílios estão apáticos ou introvertidos,
preocupados exclusivamente com sua própria sobrevivência, isolacionistas e
incapazes de se sentirem solidários com o restante do corpo. Nem todos os
concílios estão racionalizando os motivos pelos quais a voz da conveniência abafa a
voz da consciência. E o sinal de que se pode aprender da História, já que esta tão
recentemente nos demonstrou a insaciabilidade dos regimes totalitários, que exigem
sempre concessões cada vez maiores e querem impor obediência cada vez mais
ilimitada. É o sinal de que está para chegar o acerto de contas, pois o juízo já
começou pela própria casa de Deus, I Pe. 4:17. É o prenúncio de uma retomada de
posição, de um reconscientização, de uma revulsão do organismo afetado em busca
da sanidade perdida. É o sinal da graça e do poder de Deus, que não abre mão de
seu povo, que inquieta seus servos e exige que se arrisquem sem desfalecimento
pela justiça, pela eqüidade, pelo direito. A decisão do SER é uma verdadeira
alvorada.
IV. Para que a ninguém soe demasiadamente pessimista o quadro que vimos
descrevendo dos desmandos da atual administração da IPB, vamos recapitular
apenas alguns deles posteriores à reunião do Supremo Concílio, em Belo Horizonte,
em julho de 1974. E vamos cingir-nos apenas aos que vêm afetando nossa região:
1. A iníqua resolução daquele plenário que dissolveu o Sínodo Espírito-Santense
resultou de proposta do próprio Sr. Presidente do SC. E não contente de propor a
medida à comissão de expediente, por detrás dos bastidores, portanto, veio a
plenário defendê-la com um libelo contra o SES em que o que mais impressionava
era a baba do ódio e não a linguagem da razão, ou a coerência dos argumentos.
2. Daí para cá, os adeptos do Sr. Presidente em nossa região vêm estudadamente
provocando cisões a nível de comunidades locais. Presbíteros são instruídos a
agredirem pastor e colegas seus do conselho quando os não apóiam. Criam
escândalos, promovem tumultos e violências, acusam, caluniam, espalham
suspeitas, negam velhas amizades, dividem famílias, inquietam a juventude.
Retornam ao velho e desmoralizado processo de acusar de comunistas os ministros
que consideram adversários de seu chefe idolatrado. Seu odium theologicum
transforma-se em mero pretexto para agressões que só não chegam a ser físicas
porque os que procuramos continuar adeptos de Cristo e do presbiterianismo
genuíno nos deixamos ainda governar por uma ética cristã. Para tudo isso, qualquer
membro da Igreja pode receber instruções diretas do Sr. Presidente, o número de
cujo telefone anda à disposição de quem quer que deseje juntar-se à sua campanha
difamatória, que chega até a propalar a sempre iminente prisão pela Policia Federal,
dos ministros que se lhe opõem.
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VOZ PROFÉTICA DOS PRESBITÉRIOS DE VITÓRIA E DE COLATINA
3. No relacionamento entre Concílios Superiores acontecem coisas jamais vistas nos
mais de cem anos da História de nossa Igreja no Brasil. O Presbitério Vale do São
Mateus, um dos mais pobres de nossa região, e com número insuficiente de
ministros para atender seu próprio, abre trabalho em Colatina, sede do PCOL, e ali
coloca um pastor residente, para pastorear os membros que se retiraram da Igreja
Presbiteriana de Vila Real em resultado de campanha com a que denunciamos
acima. O Presbitério de Belo Horizonte(!) assume jurisdição(?) já sobre igrejas em
Vitória, e nelas promove trabalhos, sem, contudo, ser capaz de lhes dar verdadeiro
cuidado pastoral. Membros dissidentes da Primeira Igreja Presbiteriana de Vitória,
igreja que vai completar no próximo ano 50 anos de história, membros dissidentes
dela, mas adeptos do Sr. Presidente, são colocados sob jurisdição da Junta de
Missões Nacionais, e só para aluguel do salão que ocupam recebem do orçamento
da CE/SC a quantia de Cr$4.000.00 (quatro mil cruzeiros) mensais. Talvez ninguém
saiba, entre os membros da atual administração a IPB, que, sem que o dízimo
enviado por esta região ao SC por mais de 50 anos tenha sido jamais usado aqui
para qualquer obra construtiva, e que sem ajuda de nenhuma igreja presbiteriana
norte-americana, elas que sempre puseram pessoal e outros recursos à disposição
de áreas mais desenvolvidas do país – talvez ninguém saiba ou queira saber que
nesta pequena capital de um dos menores estados do Brasil existem 13 (treze)
igrejas presbiterianas, nenhuma delas nascida prr secessionismo.
4. A CE/SC recebeu em Julho de 1974 em Belo Horizonte, ultra-poderes, sendo
transformada em suprema instância executiva, legislativa, judicial e administrativa da
Igreja. E tem tal onisciência disso que desconsidera os termos explícitos de
mandatos específicos recebidos do plenário do SC. Que fez ela do famigerado
documento 74 do SC-74?
(a) Não apurou, como devia ter feito, “responsabilidades presbiterianas em
casos de desobediência a decisões do SC”. Em vez disso enviou uma sub-comissão
de três membros, numa viagem relâmpago, para contactar presbitérios. O único
deles que aceitou os termos da convocação do SE/SC para o encontro foi o
Presbitério de Vitória. Aqui em Vitória, a sub-comissão cercou-se o tempo todo dos
membros dissidentes e foi por eles acompanhada e informada, e negou-se, por um
pretexto de somenos importância, a reunir-se com o concílio. Ninguém jamais tomou
conhecimento por aqui do relatório dessa sub-comissão, se é que o houve. O que
aconteceu depois foi uma estranha ordem de transferência de algumas igrejas do
PVTR para o presbitério de Belo Horizonte(!), e do PCOL para o Vale de São
Mateus. O Presbitério de Alegre foi transferido para o Sínodo Rio Doce. Quanto aos
Presbitérios de Itapemirim e Campos nada foi resolvida.
(b) Em reunião deste ano, a CE/SC resolve criar a Sínodo Espírito Santo-Rio de
Janeiro, com os presbitérios de Itapemirim, Campos, Alegre e Itabapoama. Os dois
primeiros estavam sob sua jurisdição, desde a dissolução do Sínodo EspíritoSantense, em Belo Horizonte. Mas os dois últimos estavam jurisdicionados ao
Sínodo Rio Doce: o Presbitério de Itabapoama, por decisão do plenário do SC-74 e
o Presbitério de Alegre por decisão da própria CE/SC. Na resolução que transfere
esses dois concílios para o novo Sínodo não há nenhuma referência a qualquer
consulta ao Sínodo Rio Doce, isto é, não há nenhum pedido de transferência dele,
dirigido ao Sínodo. E criação do Sínodo foi efetivada, em 29 de junho último, antes
da reunião ordinária do Sínodo Rio Doce, em Valadares.
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VOZ PROFÉTICA DOS PRESBITÉRIOS DE VITÓRIA E DE COLATINA
(c) Dos sete presbitérios que compunham o Sínodo Espírito-Santense, os quatro
citados integram, então, o SER. O São Mateus, integra o Rio Doce. Ficam fora os
Presbitérios de Vitória e Colatina.
Refletindo melhor a sanha do que a eclesiologia do inspirador da famosa decisão em
tela, o SC-74 autoriza a CE a “dissolver presbitérios, quando julgar necessário”, e
a “colocar-se sob jurisdição de Sínodo da IPB, da escolha da mesma Comissão
Executiva, presbitérios que possam ser exonerados de responsabilidades”. [Grifos
nossos, em ambos os casos]
É então que a CE/SC toma uma atitude para com os Presbitérios de Vitória e
Colatina que produz a maior surpresa. Tendo anteriormente investido contra esses
presbitérios com uma medida inédita na história da Igreja Presbiteriana do Brasil,
isto é, transferindo algumas de suas igrejas para outros concílios sem, antes,
dissolver o PVTR ou o PCOL; remetendo-lhes, antes, interpelações que só poderiam
significar o reconhecimento tácito de sua continuidade como concílios regulares da
IPB, embora litigantes – a CE/SC resolve colocar esses dois presbitérios sob
jurisdição do Sínodo de São Paulo.
Em vista dos termos da resolução acima citada, esta medida só poderia significar,
onde quer que as palavras mantenham seu valor semântico, que esses presbitérios
puderam “ser exonerados de responsabilidade” e, neste contexto, isso significa de
responsabilidade “em casos de desobediência a decisões do SC”.
Será que a CE/SC resolveu considerar isentos de responsabilidade esses
presbitérios que estão em litígio contra ela na justiça civil estadual e federal?
Resolveu isentar de responsabilidade esses presbitérios contra os quais vem
incessantemente agindo com a máxima hostilidade, agressividade e
desconsideração? Mas então porque não incluí-los no novo Sínodo, sponte sua,
mas no Sínodo São Paulo?
Não é possível manter nenhuma ilusão a respeito do significado da medida, embora
seu valor literal, bona fide, à luz da mais racional interpretação do texto da
resolução do plenário do SC não possa ser outra que não o que vimos apontando.
Mas não tenhamos ilusões. A Constituição da Igreja j é desprezada. As resoluções
do plenário são dirigidas e modificadas. As resoluções da CE/SC mesma são
modificadas sem reconsideração. Não é preciso haver preocupação nem com as
palavras em que as decisões são formuladas, porque as palavras sempre terão o
sentido que lhes quiserem dar aqueles que têm o poder. É o caos. Não há mais um
“universo” chamado Igreja Presbiteriana do Brasil, que está aí antes da eleição de
qualquer administração particular, e que aí estará depois de passada qualquer
administração particular. Para a presente administração não importam nem o
passado nem a futuro da Igreja. Não há nenhuma obrigação de coerência, nenhum
compromisso de manter uma ordem inteligível, seja eclesiástica, jurídica ou
semântica.
Porque, usando da irresponsabilidade do poder desmedido que se atribui, a única
intenção possível da CE/SC ao colocar os Presbitérios de Vitória e Colatina sob
jurisdição do Sínodo São Paulo só pode ser:
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VOZ PROFÉTICA DOS PRESBITÉRIOS DE VITÓRIA E DE COLATINA
1. dificultar ao máximo a presença dos representantes desses presbitérios no
Sínodo, e assim tornar impossível sua defesa;
2. facilitar ao máximo a pressão direta do poder pessoal do Sr. Presidente, num
Sínodo de sua absoluta confiança;
3. fazer que, caso haja ainda um arremedo de julgamento, o resultado coincida com
aquele veredito que ele mesmo, pessoalmente, já proclamou em público, quando de
sua recente visita a Governador Valadares, MG. Ali, diretamente interpelado sobre
os ministros desses presbitérios, declarou-os todos inaproveitáveis e destinados ao
despojamento (exceto, claro, os seus adeptos). E é o que nos resta esperar.
Irmãos do Sínodo Espírito Santo-Rio de Janeiro: nada mais temos a dizer, exceto
reafirmar uma vez mais o quanto significou para nós a resolução que nos foi
comunicada.
Não pretenderíamos, nesta altura da situação geral da Igreja, a que chegamos, fazer
supor que nossa posição se altera, que nossa disposição de luta se modifica.
Poderemos rever, e para isso estamos abertos, alguma afirmação menos justa com
que involuntariamente tenhamos ferido quem quer que seja; mas em nossa tese
geral nos mantemos inamovíveis e destemidos.
Desejamos ser julgados, e não “pré-julgados”.
Desejamos nos seja concedida, alguma vez, em algum lugar a oportunidade de
defesa.
Não desejamos anistia. Seremos suficientemente humildes para aceitar as
conseqüências dos erros que possam provar que cometemos.
Se negamos os votos de nossa profissão de fé ou de nossa ordenação para o
presbiterato, que se queixe quem quiser apresentar queixa, que nos denuncie quem
quiser apresentar denúncia, mas que o faça diante de um tribunal competente.
E se como Presbitérios nos calamos diante de nossos erros ou nos negamos a dar
provimento a qualquer queixa ou denúncia jamais levantada contra nós, sejamos
também queixados, denunciados, julgados – sempre, porém diante de tribunal
competente.
E é por isso que, mesmo sem abrir mão de um jota ou um til das posições que vimos
até agora afirmando e defendendo, aceitamos submeter-nos a qualquer processo
que se tenha que abrir contra nossos dois presbitérios, ou mesmo declará-los
suspeitos e, na forma da CI, submeter seus ministros a um tribunal de igual
categoria. Entendemos, à luz do conteúdo do documento, que este é um Sínodo de
boa fé, de coragem, de envergadura, descomprometido e imparcial, insubornável,
não intimidável e, acima de tudo, zeloso da história e das responsabilidades do
presbiterianismo em nossa região, porque, como nós também, com oração, e
sangue, suor e lágrimas, vêm os presbitérios que o compõem, há mais de 50 anos,
- 112 -
VOZ PROFÉTICA DOS PRESBITÉRIOS DE VITÓRIA E DE COLATINA
cobrindo esta região com a semente da fé, doutrinando os crentes, educando a
juventude, preparando obreiros, contribuindo para as missões, não tomando a
pobreza de nossa região como escusa para falta de generosidade e participando
ativa e vitalmente na luta pela redenção espiritual dos brasileiros de nossas áreas, e
pelo seu desenvolvimento moral, intelectual, social e econômico, num testemunho
do poder multiforme da graça de Deus e do evangelho de Nosso Senhor Jesus
Cristo.
Irmãos do SER, nós, os Presbitérios de Vitória e Colatina, aceitaríamos
extremamente honrados, humildes e comovidamente, a jurisdição desse Sínodo.
Mas a nossa linha de coerência conciliar impõe-nos o dever moral de continuar a
considerar ilegal a dissolução do Sínodo Espírito-Santense, e a lutar pelo dia em
que, restaurada a legalidade constitucional, o estado de direito, em nossa Igreja
Presbiteriana do Brasil, o SES há de ser reintegrado na plenitude de seus direitos e
poderes. O SES é o concílio regional maior que há de reocupar a área geográfica e
eclesiástica que nos inclui. Ele poderá, então, numa reparação dos danos morais e
espirituais que lhe têm sido injustamente infligidos, reparação que somente
engrandecerá a Igreja Presbiteriana do Brasil e a todos nós, a ele e a ele ligados por
una vocação divina – o SES poderá, então, repetimos, responder àquilo de que o
acusam, e por que o atacam e caluniam. E todos nós seremos reabilitados com ele.
Queremos terminar, não, porém sem reafirmar, diante de Deus, que o que de melhor
houver em nós que possa constituir uma ajuda, por pequena que seja, para o
progresso, a paz, a unidade e a pureza da Igreja de Cristo em nossa região, está e
estará sempre à disposição do SER, onde quer, quando quer e como quer que para
tanto nos convoquem os irmãos. DEUS OS ABENÇOE.
- 113 -
EXPURGOS E ISOLACIONISMO
A inquisição dentro da IPB produziu dois fenômenos sem precedentes: o exílio de
pastores e o isolacionismo da denominação.
I. PASTORES NO EXÍLIO
Nestas duas décadas de crise na IPB surgiram quatro classes de exilados:
1ª) Pastores e leigos que não conseguiram ficar dentro da estrutura da Igreja, e
foram obrigados a sair para outras igrejas;
2ª) Aqueles que emigraram para outras nações da América Latina, América do Norte
e Europa a fim de poderem trabalhar com mais liberdade;
3ª) Aqueles que permaneceram dentro da estrutura, vivendo como exilados e
sofrendo as maiores humilhações;
4ª) Aqueles que foram despojados, na maioria, sem serem ouvidos, e foram
colocados no ostracismo.
Como exemplo dessa situação de exílio, transcreverei na íntegra a carta que o
teólogo mais importante do Brasil, Rubem Alves, escreveu ao Presbitério Oeste de
Minas, apresentando sua renúncia de jurisdição da IPB.
Rubem Azevedo Alves nasceu em Boa Esperança, Estado de Minas Gerais, em
1933. Na sua juventude participou de igrejas muito puritanas e pietistas. Fez o curso
de Bacharel em Teologia no Seminário Presbiteriano de Campinas. Foi vários anos
pastor da Igreja Presbiteriana de Lavras. Em seguida cursou o Union Theological
Seminary de Nova York onde recebeu o grau de Mestre. Doutorou-se em Filosofia
no Seminário Teológico de Princeton. Escreveu muitos artigos em jornais e revistas
do Brasil e do exterior. Publicou vários livros em português e inglês, entre os quais:
A Theology of Human Hope, Tomorrow’s Child, O Enigma da Religião,
Protestantismo e Repressão, O Que é Religião, Filosofia da Ciência, Variações
Sobre a Vida e a Morte, Dogmatismo e Tolerância, Creio na Ressurreição do
Corpo. Rubem Alves ajudou a fundar o Instituto Superior de Estudos da Religião
(ISER), hoje com sede no Rio de Janeiro. Ele é ministro da FENIP e livre docente da
Universidade de Campinas.
Eis a íntegra da sua carta ao seu presbitério:
“Sempre entendi que o Evangelho é um chamado á liberdade. Foi através de um
evento libertador, o Êxodo, que a comunidade da fé chegou a conhecer o seu Deus.
E a Bíblia toda é a história da luta de Deu que quer que os homens sejam livres,
contra os próprios homens que preferem a domesticação, a escravidão e a idolatria.
Culmina esta história com o advento do Senhor Jesus que é, a um só tempo, o
homem livre e o Deus que liberta. Fé, portanto, é liberdade. É abertura ao futuro. É a
confiança de “deixar para trás as coisas que já ficaram para trás”, para lançar-se
com Abraão para um futuro novo. Por isso, fé é vida. O ato de viver é um
permanente transferir-se do presente para um futuro imediato. Morte, ao contrário, é
a vitória do passado. É o fixar-se naquilo que já foi. Esta é a razão porque entendo
que pecado é amar mais o passado que o futuro, amar mais o velho que o novo,
- 114 -
EXPURGOS E ISOLACIONISMO
amar mais os mortos e a morte que os vivos e a vida. Quando Jesus chamava os
fariseus de sepulcros caiados, Ele indicava que a sua religião, por ser a
preservação do passado, era realmente o culto aa morte. Esta é a razão porque o
Novo Testamento relaciona a lei e o legalismo com a morte. Porque lei significa
fazer o passado norma do nosso presente, fazer os mortos os senhores dos vivos.
O sentido da Reforma Protestante está em que ela redescobriu a liberdade. Lutero
chegou a dar a um dos seus tratados mais lindos o título de: ‘A Liberdade do
Homem Cristão’. No Catolicismo Romano Medieval a proclamação liberdade se
transformara no culto da autoridade, da lei, e da estrutura. Lutero percebeu que o
espírito daquela igreja era a própria inversão e negação do Evangelho. Daí a
necessidade de protestar, de resistir, de emigrar para formar, fora da terra da
servidão, uma nova comunidade baseada no amor e na liberdade.
Estou convencido, entretanto, que estranha metamorfose se processou. A
comunidade de liberdade se esqueceu, traiu e se rebelou contra ela. Na realidade,
não existe novidade nisto. Os profetas viram com muita clareza que Israel tinha uma
irresistível vocação para a prostituição, para o abandono de seu Deus, para os
ídolos, para o passado, para a morte. Até que um deles proclama, em nome de
Deus: ‘Não sois mais o meu povo’. Segundo posso ver, esta é a situação em que se
encontra presentemente a Igreja Presbiteriana do Brasil. Triunfa o autoritarismo
sobre a comunidade; as estruturas sobre a pessoa; o passado sobre o futuro; a lei
sobre o amor. E, em última instância, a morte sobre a vida.
Ninguém pode indefinidamente contrariar suas convicções e valores espirituais, sem
que o próprio espírito sucumba. Estou convencido de que a Igreja Presbiteriana do
Brasil, hoje, é uma grotesca ressurreição dos aspectos mais repulsivos do
Catolicismo Medieval. Continuar fiel a ela, continuar a ser contado como um dos
seus ministros, é compactuar, com uma conspiração contra a liberdade e o amor.
Por isto tomei hoje, 15 de setembro de 1970, a decisão de romper com ela. ‘Como
andarão dois juntos se não estiverem de acordo?’ Solicito, portanto, do POMN, de
forma irrevogável, que o meu nome seja cortado tanto do rol dos pastores quanto do
rol de membros da IPB.
Estou convicto, teologicamente, que a comunidade de fé já emigrou. Nenhuma
estrutura legal e de poder pode conte-la, ou domesticá-la. Assim como no Êxodo ela
abandonou as panelas de carne do Egito pana peregrinar no deserto, assim como
os profetas abandonaram e desprezaram toda a estrutura oficial, para viver
espalhada, escondida, incógnita no mundo. O amor e a verdade freqüentemente nos
obrigam a emigrar. Abraão emigrou: por fé e amor. Também os profetas emigraram
por fé e amor para for das instituições eclesiásticas reconhecidas. E Jesus?
Emigrante permanente: deslocou-se da interioridade protegida de uma instituição
toda poderosa para um deserto de incertezas. A vocação pela liberdade é a vocação
para emigrar. Daí a afirmação neo-testamentária de que não temos casa ou terra
permanente. Vivemos pela esperança de algo novo. Se o Novo Testamento está
certo, o ‘Espírito se encontra onde se encontra a liberdade’. Não encontro a
liberdade na IPB. E hora, portanto, de buscar a comunidade do Espírito, fora dela.”
A seguir transcrevo uma lista incompleta dos nomes de pastores que foram direta ou
indiretamente colocados fora do pastorado da IPB. A lista não é completa porque
- 115 -
EXPURGOS E ISOLACIONISMO
alguns despojamentos não foram registrados nas publicações oficiais da IPB. Por
questão de precisão histórica, os pastores despojados por causa da controvérsia
“fundamentalista” estão aqui enumerados.
(1) Abel Pereira Cortes; (2) Acetides Azevedo da Silva, (3) Adauto Araújo Dourado;
(4) Ademário Íris da Silva; (5) Amilton Michalski; (6) Amim Aidar Filho, (7) Carlos
Araújo; (8) Celso Assunção; (9) Celso Loula Dourado; (10) Edval Queiroz Matos;
(11) Eliseu de Siqueira; (12) Eudaldo, Matos; (13) Francisco Aquino; (14) Gerd
Jurgens Wenzel; (15) Gérson de Azevedo Meyer; (16) Israel Furtado Gueiros; (17)
João Guizelini; (18) Joaquim Ferreira Alcântara; (19) Joel Paulo de Souza Filho; (20)
Jorge César Mota; (21) José Calisto da Silva; (22) José Moreira Cardoso; (23) Josué
da Silva Mello; (24) Jovelino Ramos; (25) Lemuel Nascimento; (26) Leobino Lopes
da Silva; (27) Manoel Barbosa de Souza; (28) Márcio Moreira; (29) Marcos José de
Almeida; (30) Milton de Albuquerque Leitão; (31) Misaqui Rodrigues; (32) Natanael
Emerique; (33) Nelson Armando de Paula Bonilha; (34) Osias Mendes Ribeiro; (35)
Oswaldo Durães Souza; (36) Paulo Oliveira Brasil; (37) Roderico Carneiro; (38)
Rubem Alberto de Souza; (39) Rubem Azevedo Alves; (40) Rui José de Morais
Barbosa; (41) Samuel Martins Barbosa; (42) Sebastião Rodrigues Santos; (43)
Teófilo Carnier; (44) Zwínglio M. Dias; e outros.
II. ISOLACIONISMO
A tendência conservadora e inquisitorial tem levado a IPB a um isolacionismo
provinciano. Citaremos seis fatos:
1. Em 1916 o Supremo Concílio declarou anômala a situação dos missionários
norte-americanos como membros dos presbitérios brasileiros. No ano seguinte, com
a resolução da criação da Comissão “Modus Operandi”, os missionários ficaram
separados da vida administrativa da Igreja.
Na época que estamos estudando, houve vários atritos entre a direção da IPB e os
missionários da Igreja Presbiteriana Unida dos Estados Unidos (IPU) que trabalham
no Brasil com o nome de “Missão Presbiteriana do Brasil Central”. Em 1954 foi
criado o Conselho Inter-Presbiteriano (CIP) para supervisionar a obra missionária
estrangeira, constituído de 12 representantes da IPB, 6 da IPU, e 6 da IPS.
Em 1970 o Supremo Concílio, numa espécie de ultimato, declarou que qualquer
entendimento futuro com a IPU só poderia ser feito após a transferência de todas as
instituições e propriedades dessa igreja à IPB. Essa exigência não podia ser aceita
pela IPU.
Em 1971 a CE/SC, numa escalada retaliatória contra a IPU pelo não-atendimento do
ultimato do SC do ano anterior, pedia a saída de 4 missionários do Brasil (Carl
Joseph Hahn, Jr., Charles William Harken, Paul Everett Pierson e James Nelson
Wright). No ano seguinte, em 1972, a mesma CE/SC resolveu oficializar seu dossiê
de atividades e pronunciamentos político-ideológicos dos missionários. A escalada
chega ao seu ápice em 1973, quando a CE/SC declarou “terminadas”,
unilateralmente, as relações da IPB com a IPU.
- 116 -
EXPURGOS E ISOLACIONISMO
Em seguida à reunião da CE/SC em 1973 representantes da IPB se reuniram com
representantes da IPS, em Brasília, para discutir um novo acordo entre as duas
Igrejas, já que, pelo encerramento das relações com a IPU, esta Igreja não mais
colaboraria com a IPB na evangelização do país. O novo acordo entre a IPB e a IPS
significava o fim do Conselho Inter-Presbiteriano (CIP), órgão regulador das relações
com as duas Igrejas norte-americanas desde 1954. Já não tinha havido reunião do
CIP em 1972 porque a CE/SC estava planejando boicote dos trabalhos da Missão
Presbiteriana do Brasil Central.
Em março de 1973, o Brasil Presbiteriano publicou, na 1ª página, a seguinte
notícia assinada pelo próprio redator-chefe e presidente do SC:
“A Comissão Executiva do Supremo Concílio confiou à Junta de Missões Nacionais
a responsabilidade dos campos antes ocupados pela Missão do Brasil Central.
A Missão do Brasil Central foi dissolvida pela COEMAR (Igreja do Norte); dela resta
no país uma sociedade civil, à qual nosso governo concede isenção no pagamento
do INPS.1 Por outro lado, a COEMAR é diretamente representada, sem Missão, para
promoção do ecumenismo, por um escritório dirigido por ex-missionário que nossa
Igreja solicitara fosse retirado dos campos missionários do Brasil.2
Nossa Comissão Executiva, na reunião de fevereiro em Brasília, pelo voto unânime3
de seus membros, declarou terminadas nossas relações com a ‘Igreja do Norte’.
Uma série de incidentes e desacordos que data dos inícios do século, e se agravou
seriamente após o Supremo Concílio de Fortaleza,4 assinalou a presença da Igreja
do Norte entre nós. Ao registrarmos o encerramento das relações (de fato já há
algum tempo inexistentes, após o ato unilateral, sem consultar conosco, da
dissolução da Missão), registramos também a apreciação de nossa Igreja pelas
centenas de verdadeiros missionários que de lá nos vieram. Ultimamente, a
COEMAR deixava de reenviar ao Brasil dedicados evangelistas e amigos de nossa
Igreja, alegando falta de fundos.5
“Os Revs. Pemberton e Jennings, para voltar, foram aceitos pela Junta de Nashville
(Igreja do Sul) e. graças a Deus, continuam sua missão no Brasil.”6
O Rev. Jaime Wright, representante e executivo da IPU no Brasil, residente em São
Paulo, publicou, no seu boletim interno, Brazil Notes, os seguintes comentários à
notícia do Brasil Presbiteriano, segundo os seis pontos que intercalou:
“1/ Como é notório, estrangeiros não podem trabalhar no Brasil a não ser que
estejam contratados por uma sociedade civil, legalmente constituída e reconhecida
pelo governo brasileiro. Além de dar, essa cobertura legal ao pessoal da IPU, a
Missão Presbiteriana do Brasil Central (MPBC) tem responsabilidade legais para
1
2
3
4
5
6
- 117 -
EXPURGOS E ISOLACIONISMO
com as instituições mantidas pela IPU e para com as propriedades que ainda estão
em nome da IPU.
“2/ É verdade que o escritório da IPU, em São Paulo, tornou-se lugar de encontro
para alguns grupos não pertencentes a IPB. O artigo está tecnicamente correto
quando me apelida de ‘ex-missionário’ porque, para ser designado representante da
IPU, tive de me desvincular da MPBC, embora o salário e benefícios que recebo se
enquadrem dentro do mesmo padrão de todos os meus colegas missionários no
Brasil.
“3/ Não foi ‘voto unânime’, pois os presidentes dos seguintes sínodos votaram contra
essa decisão: Sínodo Bahia-Sergipe, Sínodo Espírito-Santense e Sínodo
Guanabara.
“4/ Na reunião de 1966, em Fortaleza, o Rev. Boanerges Ribeiro foi eleito para o seu
primeiro quadriênio na presidência da IPB.
“5/ Por causa da crise, de nível mundial, nas finanças da IPU, onze missionários no
Brasil foram retirados para outros trabalhos ou campos, no final do ano de 1972.
Chalmers e Polly Browne, Bob e Becky Dodson, George e Helena Glass, Janet
Graham, Charles e Hazel Harken, Bill e Fern Jennings. Os únicos evangelistas são
Dodson e Jennings. Todo mundo sabe que Dodson teve de ser removido de Santa
Catarina, devido ao virtual veto da CE/SC à continuação de seu trabalho no
Presbitério de Florianópolis. Ninguém pode negar que Bob era não somente um
dedicado missionário, mas também um amigo da IPS. Milton Daugherty, antes de se
aposentar, já estava sondando a possibilidade de Jennings ser cedido pela IPU para
trabalhar no Brasil, sob os auspícios da IPS. Este interesse fortuito da IPS facilitou a
indicação de Bill e Fern pela Junta de Nashville. O que poucas pessoas sabem é
que já estava programada a volta dos Jennings para o Brasil, mantidos pela IPU.
Sua indicação pela IPS evitou que outro casal saísse do Brasil e assim não entrasse
na lista dos onze que iam transferidos do Brasil. (A presença deles nos Estados
Unidos, na época em que estavam sendo tomadas as decisões para as
transferências, sem dúvida contribuiu para a inclusão dos Jennings no grupo dos
onze.)
“6/ Apesar das cartas de Olson Pemberton no Brasil Presbiteriano, ele foi advertido
que saísse de férias, que seu regresso ao Brasil, sob os auspícios da IPU, poderia
não ocorrer, caso obtivesse uma licença para tratar de assuntos particulares nos
EE.UU. da A. Esta era uma política geral tanto em Nova York como em Nashville,
naquela época, mesmo antes que o processo drástico de remoção se iniciasse em
todo o mundo. Não somente Olson foi uma ‘vítima’ dessa política como também
outros ex-missionários da IPU no Brasil, tais como Mark Moore e Bill Read. Apesar
de dedicado amigo da IPB, Olson não é agora um evangelista.
“Eu sinceramente desconheço qualquer missionário que tenha sido impedido de
retornar ao Brasil pela estúpida razão de que era amigo da IPB. Diante dessas
circunstâncias, pode-se muito bem fazer as seguintes perguntas: ‘O que significa ser
amigo da IPB? Pode-se manter uma atitude indiferente quando está em jogo a
- 118 -
EXPURGOS E ISOLACIONISMO
integridade moral, ética e teológica? Deve a amizade com a IPB excluir a amizade
com outros membros do Corpo de Cristo?”7
Os atritos que culminaram nesse corte de relações entre a IPB e os missionários da
IPU foram produzidos, a meu ver, por dois fatores principais: (a) a participação de
alguns missionários no movimento ecumênico; (b) o apoio que alguns missionários
deram aos movimentos mais progressistas na IPB, principalmente nos Seminários e
no Trabalho da Mocidade. Esses fatores nem sempre foram compreendidos pela
Junta de Nova York (COEMAR), porque alguns de seus representantes chegaram a
interpretar esses atritos como problemas pessoais entre alguns missionários e vários
líderes da IPB.
A COEMAR também procurou se afastar dos reais problemas que comprometiam o
futuro do presbiterianismo no Brasil, seguindo as diretrizes do seu Advisory Study
[1961] que preconizavam uma política de permanecer fora das lutas internas das
igrejas nacionais e ter contactos apenas com os “órgãos oficiais” dessas igrejas.
Com isso a COEMAR apoiava, às vezes, talvez sem querer, a politicagem suja e
nojenta da cúpula da IPB, e não olhava com bons olhos os missionários que eram
simpáticos aos grupos renovadores que combatiam o obscurantismo, o sectarismo e
a anti-ecumenismo.
2. Na reunião da CE/SC de 1972 -foi tomada a seguinte decisão:
“Considerar não ser conveniente a participação dos nossos Seminários com
associados da ASTE”. (Associação dos Seminários Teológicos Evangélicos do
Brasil)”
Essa resolução interrompeu a seqüência de 10 anos de participação dos seminários
presbiterianos na ASTE, órgão fundado sob a inspiração do Fundo de Educação
Teológica. Os 3 seminários presbiterianos (Campinas, Recife, Vitória) foram
membros fundadores e o 1º presidente foi o reitor do SPS, Júlio A. Ferreira. Através
de seus famosos simpósios, a ASTE reunia anualmente representantes de 13
seminários evangélicos das denominações batistas, presbiterianas, presbiteriana
independente, episcopais, congregacionais, metodistas, metodistas livres, luteranas
e, ultimamente os pentecostais, num experiência ecumênica nunca vista no Brasil no
campo de educação teológica. A ASTE sempre manteve relações cordiais com a
Igreja Católica através da participação de preletores dos seminários dessa Igreja nos
simpósios. Aliás, o 1º simpósio foi sobre o Catolicismo Romano.
A saída dos seminários da IPB da ASTE, somente porque o Fundo de Educação
Teológica está ligado ao CMI, foi mais uma vitória do fundamentalismo e mais um
passo para o provincialismo isolacionista da direção da Igreja.
3. Desde 1973 a IPB está “de fato” separada da Aliança Mundial de Igrejas
Reformadas, também por causa da posição ecumênica da Aliança.
4. Foi proibida a participação das senhoras presbiterianas no “Dia Mundial de
Oração”.
7
Brazil Notes, Vol. XIV, nº 4, March 30, 1973, pgs. 6-8.
- 119 -
EXPURGOS E ISOLACIONISMO
5. Na reunião do Supremo Concílio de 1974, a IPB retirou seu apoio da Sociedade
Bíblica do Brasil, usando o pretexto hipócrita da edição A Bíblia na Linguagem de
Hoje e recomendou às igrejas e presbitérios que cooperassem com uma outra
sociedade bíblica “fundamentalista”.
6. A Confederação Evangélica do Brasil foi seriamente comprometida pela crise da
IPB. Escreve Domício de Mattos:
“A crise que começara na IPB se alastrou pela Confederação Evangélica do Brasil,
onde o mesmo presidente da Igreja era também presidente. As mesmas acusações,
as mesmas pressões e, finalmente, o ‘expurgo’, sem nenhuma consideração pelo
problema humano dos demitidos que, colocados ‘no olho da rua’, ficariam, pelo
menos durante alguns meses, sem recursos para sua manutenção e da família.”
Após 1964 a IPB praticamente se isolou da Confederação Evangélica do Brasil que,
por sua vez, ainda não saiu de sua crise.
Estes 6 fatos que citamos provam que a Igreja Presbiteriana do Brasil cada vez mais
se encerra dentro de seu isolacionismo.
O 1º destes fatos, isto é, o rompimento unilateral de relações com a Igreja
Presbiteriana Unida nos Estados Unidos da América, é o mais absurdo e deplorável
porque foi essa Igreja que mandou o primeiro missionário presbiteriano ao Brasil, em
1859.
- 120 -
CONSIDERAÇÕES SOCIOLÓGICAS
“O mandonismo patriarcal, pela
sua própria organização de
rigidez e autoritarismo, não
comportaria, na verdade, outra
atitude, pois quem vivia como
trabalhador de engenho ou
fazenda tinha forçosamente de
se sujeitar à disciplina rígida e
unilateral da Casa Grande. O
sistema
de
obediência
do
patriarcalismo não comportava
méis tintas; exigia servilismo
completo, adesão irrestrita, nada
de diálogo, de acordo, de
conciliação.
A
ordem,
o
monólogo e não o diálogo era o
tema fundamental...”1
A Igreja Presbiteriana do Brasil, como parte da sociedade brasileira, está sujeita, em
grande parte, às características do contexto social em que ela está vinculada. Na
tentativa de explicar o fenômeno inquisitorial que aqui surgiu dentro do
presbiterianismo não podemos deixar de procurar as raízes desse fenômeno no
ambiente sócio-cultural.
A sociedade brasileira está passando por um período de modernização e de
secularização, saindo de um longo estágio rural-patriarcal para a nova era urbanaburguesa. Por isso é pertinente a observação do sociólogo O'Dea sobre o que
acontece nas igrejas quando se verifica esse fenômeno na sociedade:
“Deve-se notar, além disso, que, como a instituição tende à cristalização de
formas estabelecidas, e como a secularização da cultura freqüentemente faz
com que as pessoas religiosas se tornem ‘defensivas’, aumentam as
tendências para autoritarismo e rigidez.”2
Uma das marcas predominantes da sociedade brasileira é o seu “ethos” rural, por
isso podemos aplicar ao Brasil, em relação ao protestantismo, a mesma conclusão a
que chegou o sociólogo Christian Lalive d'Epinay no seu estudo sobre o
pentecostalismo chileno. Jovelino Ramos nos ajuda nessa colocação quando
escreveu:
“O conservantismo também se expressa na mentalidade rural deste movimento (o
protestantismo brasileiro). (...) O sociólogo suíço Christian Lalive d'Epinay
1
2
Morais, Pessoa de, Sociologia da Revolução Brasileira, pg. 146.
Maciel, Elter, Pietismo no Brasil, pg. 19.
- 121 -
CONSIDERAÇÕES SOCIOLÓGICAS
caracterizava a estrutura eclesiástica protestante latino-americana como a versão
religiosa da estrutura da fazenda. Na fazenda milita uma coletividade de
trabalhadores rurais onde as relações pessoais são intensas. Todos se conhecem.
Na Igreja se dá o mesmo. Todos são irmãos. O comunitarismo é criado pela
freqüência assídua às atividades da paróquia e adoração comum. Como na fazenda,
há a crença de que todos os problemas são resolvidos, à base e em decorrência da
vida do grupo. Na fazenda o patrão, o ‘coronel’ é uma figura paternalista e
carismática, mantenedora da ordem e dispensadora de benefícios. Na Igreja o
pastor teria a mesma importância. É o pai de todos, e o representante especial da
divindade. É interessante notar que a mentalidade rural do protestantismo, de que
fala o sociólogo, é perpetuada nos grandes centros urbanos. Todos os grandes
temas, problemas e desafios da vida urbana escapam ao ensino desse movimento.
... É a estrutura eclesiástica que é rural. E rural no sentido de impor a mentalidade
de fazenda que torna perigosa e proibitiva qualquer questão sobre a justeza ou
conveniência do status quo.”3
Para entendermos esse fenômeno também seria oportuna considerar a análise do
sociólogo Pessoa de Morais, da Universidade Federal de Pernambuco:
“Duas áreas básicas se erigiram então no Brasil: de um lado a antiga sociedade
senhorial, com uma concepção do mundo definida e cristalizada por quatrocentos
anos de vida histórica, com os seus valores, os seus gostos, as suas inclinações
éticas e até estéticas bem definidas, do outro, a sociedade nova em grande parte
sem princípios muito rígidos sedimentados através do tempo.”4
“As linhas de intercruzamento e de intersecção da velha civilização semifeudal, rural
e patriarcal com a nova civilização de caráter crescentemente urbano, burguês e de
aspectos proletários, surgida ultimamente. Os dois componentes, o rural e o urbano,
o semifeudal e o de massas, o de ontem e o de hoje se interpenetram ... em todos
os quadrantes brasileiros, num jogo curioso de interferências, que foram o caráter
nacional de nossos dias.”5
“Por baixo... dessas camadas mais visíveis da própria civilização urbana e de
massas de hoje, ainda existe entre nós um forte acervo rural e patriarcal, mesmo
nos redutos citadinos.”6
“Somos hoje um país de luscos-fuscos, de claros-escuros, de rompantes urbanos
misturados com tendências rurais; com exaltações citadinas ou semi-citadinas,
sedimentadas por vinculações históricas profundas do patriarcado.”7
“Aquele patriarcalismo rural, cioso de poderio, respirando em si mesmo uma
atmosfera de poder, continuou, assim, apesar de restringido em suas expansões de
mando, a penetrar nas áreas urbanas através de seus governadores, deputados ou
senadores.”8
3
Ramos, Jovelino, Revista Paz e Terra, Ano II, nº 6, pgs. 79-80.
Murais, op. cit., pg. 35.
5
Ibidem, pg. 19.
6
Ibidem, pg. 10.
7
Ibidem. pg. 24.
8
Ibidem, pg. 47.
4
- 122 -
CONSIDERAÇÕES SOCIOLÓGICAS
A análise feita pelo sociólogo esclarece muita coisa dentro da IPB. Leonard já tinha
observado que: “os nomes de fazendeiros são numerosos ao estudarmos a origem
das Igrejas protestantes no Brasil.”9
Esse aspecto fica mais claro quando estudamos as origens das lideranças
missionárias americanas e os pastores nacionais, nas suas vinculações rurais.
Em relação aos missionários norte-americanos, Paul Pierson deu uma grande
contribuição no seu magnífico livro sobre a História da Igreja Presbiteriana do Brasil.
Foi esse historiador quem observou que a relação entre o movimento missionário
norte-americano e o período histórico do “Far-Western Frontier” tem sido um fator
“ignorado pelos historiadores”, essa “forte orientação em direção à fronteira
geográfica da maioria dos missionários das Igrejas donde vieram.”10
Pierson ainda afirma: “O movimento missionário americano ao estrangeiro, no século
XIX, foi contínuo ou paralelo aos esforços similares feitos pela Igreja na ‘Fronteira
Oeste’ americana, e os missionários nacionais e estrangeiros tentaram reproduzir as
escolas, os colégios, os seminários, as estruturas eclesiásticas e os padrões de
ministério que eles tinham conhecido anteriormente.”11
Todos nós conhecemos um pouco desta época da História americana através de
livros e filmes cinematográficos. Havia dois campos missionários para as Igrejas: os
índios e as novas cidades do “Far-West”. Os índios eram pagãos e as provocações
que surgiam eram dominadas por um clima de violências e imoralidades. Assim
descreve um historiador norte-americano:
“Poucas mulheres chegavam aos primeiros acampamentos de mineração, e aquelas
que chegavam eram geralmente de moral duvidosa. A embriaguês e a imoralidade
eram tão comuns que não atraiam a atenção de novos moradores, e por muito
tempo a vingança individual era a única punição que encontraram contra o crime.”12
Mais tarde as igrejas se estabeleceram nesses povoados, fundando escolas e
hospitais e combatendo vigorosamente os vícios e as imoralidades.
“Na década de 1830 a maior parte das denominações religiosas americanas tinham
desenvolvido profundo interesse pelas missões estrangeiras e tinham reconhecido,
embora tardiamente, que as tribos indígenas ofereciam um campo adequado para
tais trabalhos missionários. Os metodistas mandaram, em 1833, seu primeiro
missionário para o interior de Oregon, Jason Lee. Seguindo as pegadas dos
metodistas chegaram os presbiterianos cujo representante mais capaz era Marcus
Whitman, que veio em 1836. No final da década os católicos americanos estavam
representados na pessoa do padre Pierre Jean Smet, um jesuíta belga de Saint
Louis. Conflitos entre as denominações rivais começaram a aparecer com uma forre
tendência nacionalista.”13
9
Leonard, Protestantismo Brasileiro, pgs. 355-357.
Pierson, Paul E., A Younger Church in Search of Maturity, pg. 77
11
Ibidem, pg. 28.
12
Hicks, J.D., A Short History of American Democracy, pg. 153.
13
Ibidem, pgs. 305-306.
10
- 123 -
CONSIDERAÇÕES SOCIOLÓGICAS
Os metodistas, batistas e presbiterianos levaram para as povoações das fronteiras
do “Far-West” os “avivamentos” religiosos com uma forte ênfase ao emocionalismo,
o que serviu de lenitivo para aquelas almas aflitas e perturbadas que freqüentavam,
aos milhares, as reuniões das tendas e os “retiros espirituais”.14
Ao mesmo tempo em que as Igrejas mandavam seus missionários para as fronteiras
americanas, enviaram outros missionários para as fronteiras do Sul, abaixo do Rio
Grande, isto é, para a América Latina. Assim o Brasil também era uma fronteira pagã
na qual a Igreja devia atuar, porque, além de haver índios por aqui, havia também
uma sociedade tida pelos americanos como corrompida e imoral.
Um estudo dos dados biográficos de 26 missionários presbiterianos enviados ao
Brasil pela Junta de Nova York, da IPU, de 1859 a 1930, mostrou que todos, exceto
dois, vieram de pequenas cidades ou de áreas rurais, do Oeste e do Centro-Oeste
dos Estados Unidos.15
Ora, esses missionários imprimiram no Brasil o modelo da “igreja-fazenda”. Como
afirma Pierson: “A orientação era natural porque muitos missionários vieram das
pequenas cidades da área rural americana, das áreas do Oeste da Pensilvânia, do
Centro-Oeste e do Sul, onde as lembranças da fronteira eram recentes durante seus
anos de formação. Às vezes eles tendiam a equacionar a virtude com o ambiente
rural e pecado com a cidade.”16
Mais tarde, em 1916, essa idéia ainda era forte porque no chamado “Brazil Plan” da
Comissão “Modus Operandi”, que foi o acordo da IPB com os missionários, ficou
estabelecido que os missionários ficariam trabalhando fora dos presbitérios e nas
regiões rurais.
Não aconteceu isso apenas com o trabalho missionário, porque a maioria da
liderança nacional era de origem rural. J. M. Davis constatou que “em 1942” 80%
dos estudantes do Seminário de Campinas eram de lares pobres e rurais, e este tem
sido um padrão consistente na história do presbiterianismo brasileiro”.17
Ainda é Pierson que apresenta os seguintes dados: “A maioria dos pastores era das
áreas rurais. Dos 98 candidatos ao ministério em 1953, 60 eram de dois sínodos:
Minas-Espírito Santo e Norte, que são áreas predominantemente rurais. Um escritor,
em 1964, afirmava que as igrejas rurais são ‘a espinha dorsal’ do presbiterianismo,
mostrando que possivelmente 801 das igrejas presbiterianas; eram congregações de
aproximadamente 100 membros comungantes.”18
Áureo Bispo dos Santos fez um estudo estatístico sobre 50 estudantes do Seminário
Presbiteriano do Norte, em Recife, no ano de 1970. Mostrou que 60% dos
estudantes tinham vindo de cidades com menos de 5.000 habitantes, e 40% tinham
vindo de centros maiores, sendo mais da metade do interior.19
14
Ibidem, pgs. 153-154.
Pierson, op. cit., pg. 255.
16
Ibidem, pg. 77.
17
Ibidem, pg. 122.
18
Ibidem, pg. 236.
19
Ibidem, pg. 263.
15
- 124 -
CONSIDERAÇÕES SOCIOLÓGICAS
Essa predominância rural muitas vezes criou conflitos dentro da IPB. Dois exemplos
são significativos: o problema da centralização administrativa e o problema da
ordenação de diaconisas.
O problema da centralização administrativa foi levantado especialmente pelas
áreas rurais do Norte e Nordeste que clamavam contra a centralização ditatorial das
igrejas do Centro-Sul. Emile Leonard faz uma aguda observação sobre esse conflito:
“Encarando um pouco mais de perto esses debates, poderíamos pensar que se
trata, sobretudo, do eterno conflito entre o protestantismo rural, orgulhoso, se assim
podemos dizer, de seu direito de primogenitura, e um protestantismo urbano, seguro
de suas vantagens de centralização e organização, e dos talentos particularmente
aparentes de que dispõe. As capitais e os ilustres das capitais pretenderam sempre
tomar a direção das Igrejas”.20 Leonardo conclui que, no fundo, o conflito é também
entre os campos novos do interior que acabam de se abrir à Reforma e os campos
de um protestantismo já velho e cansado que, por isso, se preocupava com a
centralização administrativa.
Outro exemplo sobre o conflito dentro da IPB por causa da predominância rural, foi a
discussão sobre a ordenação de diaconisas, que quase dividiu a Igreja.
O Supremo Concílio, reunido em Constituinte em dezembro de 1937, no Rio de
Janeiro, aprovou a nova Constituição que continha o Artigo 59: “Para o ofício de
diaconato não há distinção de sexo”. A aprovação desse artigo causou uma forte
reação nas regiões do Norte e Nordeste, liderada especialmente pelos pastores da
família Gueiros que disseram que a ordenação de diaconisas era um “modernismo
feminista”. O Sínodo Setentrional, em 1943, ameaçou a IPB que, se no próximo
Supremo Concílio de 1946 o assunto das diaconisas não fosse resolvido, o sínodo
se retiraria da Igreja. Finalmente, as igrejas presbiterianas do Centro-Sul, para evitar
divisão, aceitaram a opinião do Sínodo Setentrional e revogaram o artigo 59 da
Constituição. “Isso também mostrou a confusão da ortodoxia teológica com certos
aspectos da cultura patriarcal tradicional daquela área.”21
O assunto da missão da mulher na Igreja apareceu várias vezes. Num artigo do
jornal Mocidade, o Rev. Benjamim César declarou o seguinte:
“É uma questão de lógica. Ao meu ver está havendo um pecado em
sacramentar o púlpito. O púlpito não é privilégio de um ministro ordenado. Se
a mulher pode pregar, porque então não pode assumir o púlpito?”22
Essa declaração causou um ano de discussão dentro da Igreja, não só nas áreas do
Norte, mas também nas do Sul. Em 1974 o Supremo Concílio reafirmou que a IPB
não admite diaconisas, nem ordenação de mulheres para o pastorado.23
O que podemos ver, com os exemplos citados, é que a ética rural-patriarcal ainda
tem muito poder dentro da IPB, por isso não comporta meias tintas, exige servilismo
20
Leonard, Revista de História, Nº 11, pg. 162.
Pierson, op.cit., pg. 195.
22
Mocidade, abril de 1950, pg. 8.
23
BP, setembro de 1947. pg. 2; e outubro de 1974, pg. 7.
21
- 125 -
CONSIDERAÇÕES SOCIOLÓGICAS
completo, adesão irrestrita, nada de diálogo, de acordo ou da conciliação. É o
terreno propício para medrar o espírito inquisitorial. O presidente da Igreja age como
um senhor de engenho, um “coronel”, um fazendeiro. O seu discurso de posse na
reunião do Supremo Concílio de Garanhuns, em 1970, no interior de Pernambuco, é
a fala dos velhos “coronéis” que não admite invasão de estranhos nos limites de sua
fazenda.
A cultura Católica Romana - Como os sociólogos já têm declarado muitas vezes, é
impossível entender a sociedade brasileira sem o elemento religioso católico.
Gilberto Freyre escreveu: “Daí ser tão difícil, na verdade, separar o brasileiro do
católico: o catolicismo foi realmente o cimento de nossa unidade”.24
Nesse catolicismo vemos hoje três grupos:
1. O catolicismo tradicional, geralmente vivido pelas classes médias e altas,
tendente que sempre foi ao “romanismo” ou ao “ultraromanismo”, nas linhas do
Concílio Vaticano I;
2. O catolicismo revolucionário e progressista, emanado do Concílio Vaticano II;
e
3. O catolicismo popular, vivido pela maioria da população mais pobre.
O catolicismo brasileiro, apesar da sua diversificação e da sua frouxidão, conservou
certos redutos de medievalismo. Os protestantes convertidos nesses redutos
conservaram o espírito inquisitorial. Como observa Leonard, “os ideais, o modo de
pensar, as instituições políticas e domésticas, os costumes, os hábitos sociais do
povo, o coletivismo social são influenciados e formados pela religião católica e
naturalmente resistem até entre os próprios evangélicos aos princípios da
democracia e do individualismo”.25
Pierson faz observações pertinentes nesse aspecto. “É claro que a ortodoxia
protestante que chegou ao Brasil com os missionários e o conceito brasileiro de
religião, formado grandemente pela Igreja Católica, se interagiram e reforçaram a
tendência conservadora.”26
A forte reação dos protestantes contra os católicos “não impediu uma forte interação
entre o protestantismo e a mentalidade formada pelo ‘background’ católico dos
convertidos. Em algumas ocasiões isto levaria ao autoritarismo, ao clericalismo, ao
conservantismo teológico, ao legalismo, e a uma forte suspeita diante de qualquer
inovação nas novas congregações que surgiam.”27
Os elementos medievais do catolicismo que ainda predominaram em certos grupos
e em certas "ordens" católicas no Brasil encontraram guarida em certos grupos
presbiterianos. Já citamos a reação de Thomas Porter. No jornal Mocidade um
jovem reclamava que certos líderes da IPB eram mais “papistas” do que o papa.
24
Freyre, Gilberto, Casa Grande e Senzala, pg. 133.
Leonard, Revista de História, Nº 8, pg. 417.
26
Pierson, op. cit.. pg. 98.
27
Ibidem. pg. 18.
25
- 126 -
CONSIDERAÇÕES SOCIOLÓGICAS
“Que deplorável que as tentações do ‘papismo’ estejam invadindo nossos homens,
digo ‘papismo’ porque no seio até do clero há muitos grupos na França e na
Alemanha que investigam, examinam as coisas e procuram renovações
teológicas”.28 Ele mostra que isso não era possível na IPB.
Um sociólogo presbiteriano dá sua opinião sobre a presente crise: “A ortodoxia
protestante, já distanciada dos tempos da Reforma, mergulha em novas formas de
dogmatismo, e para mantê-las utiliza-se de métodos repressivos semelhantes
àqueles que condenou em seu período de contestação do universo religioso do
catolicismo... É o Escolasticismo protestante já ligado a estratos mais poderosos; e
firmemente disposto a guardar, custe o que custar, a ‘sã’ doutrina e a situação mais
propícia que isto se dê.”29 “Em tudo o que se pode observar, a crise se manifesta.
Por exemplo, os expurgos tão condenados pelos protestantes como sendo uma
inferioridade católica, são comuns hoje na Igreja Presbiteriana do Brasil, e
representam, em certo sentido, uma excomunhão daqueles que não se enquadram
em seus postulados éticos ou teológicos.”30
Esse fato já tinha sido lamentado por uma das mentalidades mais brilhantes do
presbiterianismo brasileiro, Paulo Lício Rizzo, em 1952. Dizia ele. “A atitude
reacionária de embaralhamento das liberdades afasta das igrejas cristãs a
oportunidade de se elevarem um pouco aos olhos de um mundo que não pode ver
em nós os defensores nem da tradição libertária dos judeus, nem do ‘examinai tudo’
de Paulo, e muito menos do livre exame proclamado pela Reforma. Em muitos
aspectos o nosso comodismo intelectual e a nossa preguiça tradicionalista estão nos
colocando em plano bem inferior ao dos fariseus.”31
Podemos dizer que o “Santo Ofício” presbiteriano está funcionando plenamente
neste período histórico que estamos estudando pois, além das comissões especiais,
que são verdadeiros tribunais de inquisição, os sínodos, os presbitérios e as
comissões executivas estão se transformando em tribunais e deixando de ser
concílios. Por isso, para um pastor estar mais seguro nessa Igreja precisa ser
bacharel em Direito.
Ética de minoria - Outro aspecto a ser considerado é o comportamento de um
grupo de minoria, como é o caso do protestantismo brasileiro e, particularmente, da
IPB. Historiadores, teólogos e sociólogos têm feito observações pertinentes quanto a
esse aspecto.
Uma das características sociológicas dos grupos de minoria é a sua atitude
defensiva. Como observa Pierson: “A atitude defensiva do Presbiterianismo
Brasileiro para com a cultura deve ser explicada, não primeiramente pela sua
relação com Igreja da fronteira norte-americana, mas pelo seu ‘status’ de seita de
minoria, tentando se estabelecer num ‘ethos’ predominantemente católico.”32
28
Mocidade, dezembro de 1952. pg. 7.
Maciel, op. cit., pg. 50.
30
Ibidem, pg. 163.
31
Mocidade, agosto de 1952, pg. 7.
32
Pierson, op. cit., pg. 28.
29
- 127 -
CONSIDERAÇÕES SOCIOLÓGICAS
Essa atitude defensiva pode se manifestar de maneira paradoxal, com observou
com muita argúcia o grande Erasmo Braga em 1929:
“As Igrejas evangélicas da América Latina estão crescendo com um complexo de
inferioridade. Pequenas comunidades combativas, atacadas por todos os lados, elas
são consideradas como minoria sem importância. Paradoxalmente, como
poderiam perecer, elas estão desenvolvendo, contudo, um complexo de
superioridade, como guardiãs da fé e como o grupo santo no meio da grande
massa de pecadores. Elas têm-se tornado provincianas. A controvérsia tem sido,
ordinariamente, o método de propaganda. Como a maioria de seus membros são
convertidos do catolicismo romano, elas têm tido a mais radical atitude de rejeição
com respeito à sua antiga igreja.”33 [grifos nossos]
Um grupo de minoria estabelece regras muito rígidas para os seus membros. E para
garantir a rigidez dessas regras há uma vigilância ininterrupta e uma fiscalização
rigorosa. Essa característica explica a constatação feita por Lalive D'Epinay de que
os pentecostais, no Chile, são escolhidos para postos de vigilância de operários, nas
fábricas e indústrias.34
Duas atitudes antagônicas têm surgido em relação a essa rigidez de grupo de
minoria:
a) Em 1897 a IPB tomou a seguinte resolução: “O Supremo Concílio julga que um
membro da Igreja em plena comunhão não pode renunciar sua jurisdição”. Houve
protesto de alguns e a resposta foi esta: “Negando a permissão a qualquer membro
de romper as suas relações com a Igreja visível de Nosso Senhor Jesus Cristo, não
querendo desconhecer que só Deus é o Senhor da consciência, mas sim afirmar
que os votos de profissão de fé são sagrados, e ninguém tem o direito de violar
esses votos.”35
Nessa posição radical, quem entrasse na IPB não podia sair, como uma espécie de
Inferno de Dante.
b) Por outro lado, nos Supremos Concílios depois de 1966 até 1974 a posição foi
contrária: “Quem não gostar do feijão presbiteriano, que saia da IPB.” Eram
defendidas ardorosamente as ações de expurgo. Parodiando uma frase muito usada
na época, alguns fanáticos diziam: “IPB – AME-A! OU DEIXE-A!” Um jornalista
presbiteriano, em entrevista com o presidente do SC, Boanerges Ribeiro, perguntoulhe: “E as cassações, Reverendo? Os despojamentos?” A resposta do presidente foi:
“Mais uma prova de que é uma igreja boa, irmão! Uma igreja firme, responsável...”36
Por isso, na campanha para reeleição desse mesmo presidente, a propaganda
eleitoral que saiu no Brasil Presbiteriano foi esta: “A Igreja Presbiteriana do Brasil
continua necessitando, cada vez mais, de um Presidente ‘linha dura’.”37
33
Braga. Erasmo, “Union on the Foreign Field, from the Viewpoint of the Nature of the Indigenous
Church” (Conferência apresentada na Aliança Mundial de Igrejas Reformadas, Boston, 1929), pg.10.
34
Maciel, op. cit., pg. 141.
35
Digesto Presbiteriano, pgs. 189-190.
36
BP, novembro de 1969, pg. 2.
37
BP, junho de 1974, pg. 7.
- 128 -
CONSIDERAÇÕES SOCIOLÓGICAS
O clima de grupo de minoria produz a tendência inquisitorial que se manifestou
tremendamente contra pastores, presbíteros, membros de igreja, seminaristas,
professores de seminários, igrejas inteiras, presbitérios e sínodos.
Outros aspectos sociológicos podem ser considerados, tais como a relação entre a
IPB e a classe média brasileira. Na fase eufórica da Campanha do Centenário
(1949-1959) a referência insistentemente citada era: “A IPB é a igreja da elite”. Havia
uma convicção de que os presbiterianos faziam parte da elite dominante no Brasil.
Não era mais a Igreja do povo, mas a Igreja dos que mandavam no povo, por isso
devia ser a Igreja do “status quo” que reagia contra qualquer inovação.
Nesse sentido já foi constatado que o presbiterianismo no Brasil não deixou de
revelar a sua tendência para fortalecer o “espírito do capitalismo”, pois, entre grupos
presbiterianos conservadores, há quem defenda a tese de que Jesus ensinou o
capitalismo na Parábola dos Talentos (Mateus, cap. 25).
Enfim, não podemos negar que os fatores sociológicos explicam muitos aspectos da
crise da IPB.
- 129 -
CONSIDERAÇÕES TEOLÓGICAS
“Vivemos
num
verdadeiro
deserto teológico. (...) O lastro
que
nossos
estudantes
de
teologia recebem é, em geral,
demasiado
elementar,
sem
grande alcance nem muita
profundidade...
o
panorama
teológico brasileiro se me afigura
longe de animador. É o próprio
ministério que padece dessa
tremenda insuficiência teológica,
desse subdesenvolvimento da
cultura bíblica. (...) Pode-se dizer
que [os ministros] possuem uma
teologia, mas evidentemente
uma
teologia
estagnada,
distanciada
da
atualidade,
1
estática no tempo.” [grifo nosso]
Essas palavras, escritas em 1964 por um professor que, por mais de vinte anos,
ensinou no Seminário Presbiteriano de Campinas, merecem uma reflexão. Qual é a
origem desse tipo de teologia? Quais são as características dessa teologia?
A teologia Presbiteriana brasileira teve sua origem na teologia presbiteriana do
século XIX, nos Estados Unidos. A teologia do presbiterianismo norte-americano
provinha não só do puritanismo inglês, mas também do calvinismo escocês que
adotavam igualmente o calvinismo de Genebra e o do Sínodo de Dort. No século
XIX a teologia presbiteriana tinha duas alas: a conservadora e a progressista.
Infelizmente os teólogos que formaram os nossos missionários estavam mais
preocupados com a polêmica anti-liberal, do que com o aprofundamento e a
criatividade na teologia. A história da teologia presbiteriana nos Estados Unidos, no
século passado, foi marcada pelo conservantismo, pelo anti-liberalismo e pela volta
ao Escolasticismo Protestante do século XVII. Essas ênfases foram iniciadas pelo
teólogo norte-americano Jonathan Dickinson que, na primeira metade do século
XVIII, escreveu um livro para defender o calvinismo radical.
Em 1812 foi fundado o “Princeton Seminary” que se tornou o baluarte do
conservantismo presbiteriano. A teologia de Princeton, segundo a opinião de Philip
Schaff, não passava de “uma reprodução do calvinismo do século XVII, como foi
estabelecido pelos padrões de Westminster em 1647 e revistos na América em
1788”.2
1
2
Waldyr Carvalho Luz, no Brasil Presbiteriano, novembro e dezembro de 1964, pg. 17.
Schaff, Philip, Theological Propedeutic, 2ª edição, pg. 390.
- 130 -
CONSIDERAÇÕES TEOLÓGICAS
O mais famoso teólogo de Princeton foi Charles Hodge (1797-1878) que recebeu
grande influência do professor pietista, biblicista e anti-liberalista Augustt Tholuck
com quem estudou em Halie, no começo do século XIX. Também foi influenciado
pelo teólogo do século XVII, François Turrentin, de Genebra e da Confissão
Helvética de 1675, na sua doutrina da imputação do pecado e da inspiração verbal
da Bíblia.
Charles Hodge pertencia à chamada “Old School Theology” (Teologia da Velha
Escola), mas não concordava com todos os seus pontos, inclusive, sobre o batismo
católico que, como vimos, para ele, era válido.
Surgiu no cenário da teologia presbiteriana a “New School Theology” (Teologia da
Nova Escola) que era o meio termo entre os conservadores de Princeton e os
liberais da Nova Inglaterra (nordeste dos EE.UU.). O eminente Philip Schaff era
grandemente aceito pela “New School”, embora pertencesse ao grupo de teólogos
do Sínodo Reformado Alemão.
Foi nesse ambiente de polêmica entre teologias protestantes que os nossos
primeiros missionários foram formados.3 Sobre esse fato Paul Pierson escreve: “A
despeito das circunstâncias de sua conversão, Simonton foi ordenado numa igreja
da Velha Escola e ouviu a chamada para o trabalho missionário através de um
sermão de Charles Hodge”.4 O mesmo autor enumera três características da
teologia das igrejas que enviaram missionários para o Brasil:
1ª) Denominacionalismo.
2ª) Falta de interesse por uma teologia científica.
3ª) Preocupação pela disciplina e pela retidão de caráter.5
Leonard mostra que “o que era importante para esses missionários era a adesão
aos textos denominacionais sob a forma da tardia e duvidosa Confissão de
Westminster.”6 Um dos primeiros livros de teologia que foram traduzidos e
publicados em português foi o Comentário à Confissão de Fé, de A. A. Hodge,
enquanto os teólogos mais citados pelos missionários eram Charles Hodge, J. H.
Thornwell e R. L. Dabney, todos campeões da velha ortodoxia.7
O que é espantoso é que depois de mais de cem anos de teologia presbiteriana no
Brasil, um professor do Seminário Presbiteriano de Campinas dá a seguinte
informação a respeito da teologia desse seminário: ‘Nenhuma alteração se tem
processado na orientação teológica da insigne instituição. Não regrediu de posições
mais avançadas para perspectivas mais estreitas ou fechadas, como parecem deixar
entrever os campeões das diatribes anti-fundamentalistas. Mantém o Seminário a
mesma teologia dos ilustres luminares de dias idos. Se isso é fundamentalismo,
3
New History of Christian Thought, pg. 290-295.
Pierson, op. cit., pg. 19.
5
Ibidem, pg. 28.
6
Leonard, op. cit., nº 7, pg. 180.
7
Pierson, op. cit., pg. 95.
4
- 131 -
CONSIDERAÇÕES TEOLÓGICAS
não há tergiversar, o Seminário foi fundamentalista e terá de ser fundamentalista
enquanto for honesta e escrupulosamente fiel à teologia da IPB.”8
Essa estagnação teológica nos seminários, nos púlpitos, e nas escolas dominicais
era fortalecida pela polêmica contra o catolicismo e produziu dentro da IPB um
espírito inquisitorial. Dois presbiterianos viram esses problemas. O brasileiro
Salomão Ferraz e o missionário Thomas Porter.
Em 1915 Salomão Ferraz advertiu a IPB contra a “caça de heresia” porque a
oposição à heresia quase nunca era a verdade, mas geralmente outra heresia.
Então, continua ele: “Aqueles que mais apaixonadamente gritam contra os tiranos,
se eles já não estão praticamente procedendo de acordo com as mesmas normas,
estão usualmente preparados para assim fazê-lo na primeira oportunidade... A
heresia máxima é aquela do coração e do caráter, a falta desse amor magnânimo.”9
No mesmo ano o missionário Thomas Porter, do Seminário de Campinas, escreveu
um artigo em O Puritano, pleiteando mais tolerância da parte dos presbiterianos para
com os pentecostais que tinham se estabelecida recentemente no Brasil. A reação
dos presbiterianos contra os pentecostais foi forte. Então Porter denunciou o
preconceito comum contra as inovações, dizendo que o conceito romanista de uma
igreja estática estava penetrando no presbiterianismo. Pior ainda. Porter afirma, era
a convicção de que os presbiterianos eram tão sábios que Deus os chamou para
anatematizar irmãos, e concluiu: “Parece que no peito de cada crente... reina um
Papa senhorial.”10 Esse espírito inquisitorial apareceu nas décadas de 60 e 70 com o
movimento da “Renovação Espiritual” estudado por Áureo Bispo dos Santos, do
SPN. Diz ele: “As denominações históricas expulsam os grupos carismáticos,
resultando daí uma ruptura ou cisma, e essas denominações se tornam mais
institucionalizadas, conservadoras, formalizadas e rígidas.”11
Elter Maciel, em sua tese Pietismo no Brasil, mostra claramente que a teologia foi
grandemente prejudicada e tornou-se superficial por causa da ênfase demasiada
aos aspectos morais e, ainda mais, “o isolamento em que viveu o protestantismo da
vida brasileira tolheu o aparecimento de teólogos que interpretassem a vida pelo
prisma do Cristianismo Evangélico”.12
Assim como aconteceu no século passado na Igreja Presbiteriana dos Estados
Unidos, um fato auspicioso também aconteceu no Brasil: ao lado do grupo ultraconservador havia um pequeno grupo mais aberto. Nem todos suportaram o
ambiente fechado das igrejas. Inteligências raras e culturas vastas não se sentiam à
vontade dentro das bitolas estreitas do conservantismo. Foi a que aconteceu com
Júlio Ribeiro, Vital Brasil, Ariano Suassuna; Gilberto Freyre e vários outros.
Foi atribuída a Júlio Ribeiro, a seguinte frase: nos momentos finais de sua vida: “A
tradição me fez católico; a Bíblia me fez protestante; e a razão me fez ateu.”
8
BP, 15 de outubro de 1967, pg. 2.
Revista das Missões Nacionais, março de 1915.
10
O Puritano, março de 1915.
11
Santos, Áureo Bispo dos, Protestantismo e Mudança Social, pg. 5.
12
Maciel, Elter, Pietismo no Brasil, pg. 73.
9
- 132 -
CONSIDERAÇÕES TEOLÓGICAS
Com o grande cientista Vital Brasil aconteceu que, exortado por um presbítero em
nome do Conselho da igreja que reclamava seu afastamento já um tanto demorado,
responde, em carta registrada em ata, que: “Felizmente já tenho a razão livre da
Bíblia e do fanatismo.”13
Gilberto Freyre dá várias razões pelas quais abandonou a igreja evangélica: “O que
eu queria? Contacto com gente do povo para lhe falar de um Jesus ou de um Cristo
que devia ser dela e não dos burgueses. As igrejas de qualquer espécie me
pareciam redutos desse burguesismo para mim sem sentido e sem atração.”14
Ariano Suassuna informou ao autor desta pesquisa que a maior falta que ele sentiu
na Igreja Presbiteriana foi a pequena atenção às artes e aos valores estéticos.
O “biblicismo” e o conservantismo levaram esses irmãos a se rebelarem contra esse
novo tipo de coação medieval existente no protestantismo.
Outros que não saíram da Igreja tentaram fazer alguma coisa para abrir mais as
mentalidades. Erasmo Braga publicou um artigo em O Puritano, no ano de 1929,
sobre o pensamento do grande teólogo Karl Barth. Foi a primeira menção ao nome
do influente teólogo na imprensa evangélica no Brasil. O Rev. Lysâneas C. Leite,
engenheiro graduado e professor do Seminário Unido, contradisse o espírito da
ortodoxia presbiteriana quando escreveu que “a religião É imutável, mas a teologia
deve modernizar-se com a evolução da humanidade”.15
A partir do início da década de 50 houve abertura para com a teologia em três
aspectos:
a) A influência da teologia “neo-ortodoxa” nos seminários e nos movimentos da
mocidade. Entre os vários intérpretes e divulgadores desse pensamento teológico,
além de Richard Shaull, podemos citar os nomes de Jorge César Mota e Francisco
Penha Alves. O primeiro fez muitas Palestras e escreveu artigos analisando a
contribuição da neo-ortodoxia. O segundo deu uma excelente contribuição no campo
da ética cristã, destacando a importância dos escritos do teólogo Emil Brunner na
reformulação do estudo da Ética.
b) Jovens estudantes de teologia e pastores mais novos começaram a refletir sobre
a possibilidade de formular uma “teologia brasileira”, emanada do nosso contexto
cultural, em vez de continuar a refletir sobre outros contextos norte-americanos e
europeus.
c) A Teologia da Libertação, iniciada por teólogos latino-americanos frente aos
problemas sócio-econômicos do continente, começa a interessar um pequem grupo
que está procurando o sentido libertador do Evangelho. Reconhecem o fato de que
Deus fala através dos eventos políticos e sociais.
A reação contra os pastores e leigos interessados em qualquer esforço de abertura
teológica é grande. Como observa Pierson: “Uma das características do
13
Ibidem, pg. 80. (?)
Martins, Mário R., Gilberto Freyre, o Ex-Protestante. ABU, Recife.
15
Pierson, op. cit., pg. 171.
14
- 133 -
CONSIDERAÇÕES TEOLÓGICAS
presbiterianismo brasileiro foi a sua enérgica, absoluta e quase violenta atitude de
intransigência contra as novidades doutrinárias, racionalistas e modernas.”16 Elter
Maciel acrescenta: “Parece pouco provável. que esta geração, que se levantou
contra o conservantismo, consiga permanecer no seio da igreja, a menos que a
própria sociedade brasileira estivesse em vias de mudança. Não é preciso acentuar
o fato de que a reação às influências teológicas ‘modernistas’ acirrou-se de 1964
para cá... Vários pastores jovens foram expulsos da comunidade protestante
presbiteriana e comunidades inteiras se encontram sob intervenção da organização
maior da Igreja. De qualquer maneira o movimento foi contra as formulações
fundamentais do pietismo. Isto indica o que não é novo na história das religiões: ao
formular uma tentativa de renovação, a ‘ala jovem’ do movimento religioso força o
lado conservador a acirrar seus ‘mecanismos de defesa'’ tornando-se mais exigentes
em termos doutrinários e ortodoxos.”17
No jornal Brasil Presbiteriano aparecem declarações com estas: “A Igreja
Presbiteriana já está sofrendo a influência deletéria do modernismo. Nos seus
Seminários há professores e, portanto, alunos modernistas. Pregam abertamente
suas doutrinas heterodoxas, trazendo uma imensa confusão para os crentes. A
tolerância em casos dessa natureza é crime contra a igreja... O modernismo é
câncer impiedoso... precisa ser extirpado logo. A cirurgia é dolorosa, mas
necessária.”18 “Necessário se faz outra medida, portanto, ainda que drástica e
sempre lamentável: a extirpação desse carcinoma.”19
Por outro lado, alguns pastores se decepcionaram com a própria teologia, como
ciência, e dedicaram um verdadeiro desprezo à reflexão teológica. Foi o que
aconteceu com o eminente pastor Miguel Rizzo Jr. que, na década de 50, escreveu
vários artigos na revista Unitas criticando especialmente os grandes sistemas
teológicos na linha de A. Strong cujo compêndio foi usado no Seminário
Presbiteriano de Campinas por vários decênios. O que Rizzo combatia era a
esterilidade dos sistemas fechados da ortodoxia, mas não deixou transparecer seu
repúdio pela própria teologia, preferindo os dados empíricos da vida religiosa aos
debates sobre o “supralapsorianismo” e o "infralapsorianismo” do calvinismo.
Apesar de toda essa situação adversa, elementos de grande valor têm surgido no
panorama teológico brasileiro. Entre eles já foi citado o nome de Rubem Alves que é
reconhecido internacionalmente com um dos maiores teólogos da América Latina.
Não podemos, todavia, esconder o fato de que uma teologia ultra-conservadora e
fechada sempre gera o espírito inquisitorial que se manifesta em ações, às vezes
violentas, de excomunhões, expurgos, perseguições e toda espécie de
desumanidades. Portanto, a explicação teológica para a crise da IPB, nestes últimos
vinte anos, está no fato de haver uma aliança das posições conservadoras com os
métodos medievais do protestantismo “fundamentalista” do século XX.
16
Ibidem, pg. 195.
Maciel, op. cit., pg. 29.
18
BP, março de 1963, pg. 2.
19
Ibidem, pg. 10.
17
- 134 -
PERSPECTIVAS PARA O FUTURO
Quanto ao futuro, mencionaremos sete tópicos.
I. MISSÃO DA IGREJA
Muitos problemas surgidos nestas duas últimas décadas do presbiterianismo
brasileiro estão relacionados com esse tema central – a Missão da Igreja no Brasil. A
motivação básica que deu impulso ao desenvolvimento da Igreja Presbiteriana do
Brasil foi a “desromanização” do povo brasileiro. Essa motivação foi posta em dúvida
após o advento do movimento ecumênico. Já saímos da era da “Contra Reforma”,
portanto não é mais possível manter o “Escolasticismo Protestante” na segunda
metade do século XX.
É preciso reconhecer que a “Reforma” dentro do catolicismo é uma realidade e não
uma escamoteação. O Supremo Concílio da IPB tem agido muitas vezes como um
“Supremo Concílio de Trento” e instaurado a “Contra Reforma” protestante para
combater os novos “Luteros” e “Calvinos” do catolicismo atual.
O pensamento oficial da Igreja Católica, não só no Brasil, mas também em toda a
América Latina, reconhece hoje a necessidade de evangelização, a urgência de uma
pastoral que leve as populações a uma “adesão pessoal” ao Cristo com todas as
suas implicações individuais e sociais.
A motivação do protestantismo não deve ser mais a de “desromanizar”, mas a de
cooperar com o autêntico cristianismo católico reformado no esforço de apresentar
Cristo ao homem brasileiro.
II. FIDELIDADE A CRISTO
Outro ponto que é digno de nota nesta última década foi a ênfase que as
autoridades presbiterianas deram à fidelidade aos homens que dirigiam os concílios
e às propriedades imóveis da Igreja. Criou-se um mito de que os homens eleitos
para os altos postos da administração eram intocáveis e de que as propriedades
materiais faziam parte da essência da Igreja, num verdadeiro retorno ao espírito
medieval. Assim, para ser considerado “bom cristão” era preciso ser “bom
presbiteriano”, fiel aos dirigentes da Igreja e sempre pronto a reconhecer que os
bens imóveis das comunidades locais não pertenciam, por direito, aos membros
dessas comunidades, mas aos concílios superiores. Deu-se claramente a entender
que a fidelidade a Cristo não era tão importante como a subserviência aos
presidentes dos concílios e aos guardiões dos bens imóveis.
III. A CONSTITUIÇÃO DA IGREJA
Quando a IPB entrou em crise a sua Constituição Jurídica deixou de funcionar de
modo positivo. Os concílios transformaram-se em tribunais e o Código de Disciplina
foi considerado como um Código Penal. Para o futuro seria necessário reformar a CI
ou aboli-la para dar lugar a uma expressão mais espontânea de vida eclesiástica.
Creio que a CI se transformou num estímulo enrijecedor e radicalizador de posições
- 134 -
PERSPECTIVAS PARA O FUTURO
que impediram a assimilação de novas expressões de vida espiritual dentro da
Igreja. Os grupos da “renovação espiritual”, da “responsabilidade social” e do
“ecumenismo” foram marginalizados ou extirpados porque se constituíram em
ameaça à estrutura rígida arquitetada pelo “cimento armado” da constituição.
A Igreja tem que estar aberta aos movimentos do Espírito Santo, para não se tornar
um empecilho às manifestações genuínas da vida cristã.
IV. ESPIRITUALIDADE BRASILEIRA
O Pentecostalismo e o Umbandismo funcionam no Brasil como grandes forças
religiosas que ameaçam as estruturas das igrejas históricas católicas e protestantes.
Como encarar esses movimentos novos? Como canalizar esses caudais
estrepitosos da espiritualidade brasileira? Até onde as Igrejas históricas devem dar
guarida às religiões de “massa”, aos movimentos carismáticos? São perguntas que
têm que ser respondidas neste final de século.
V. NOVA EXPERIÊNCIA
Na IPB há hoje um dilema: permanecer na Igreja ou sair dela para uma nova
experiência? Muitos já optaram por um das alternativas. Os que permaneceram
acham que essa é a melhor posição porque, embora com dificuldades, devem dar
testemunho dentro da estrutura. Outros que saíram entendem que o sulco entre as
posições teológicas é tão grande que não é mais possível continuar a “coexistência
pacífica” dentro de uma “guerra fria” religiosa.
Por outro lado, a vinculação da IPB com a ideologia da classe média é um obstáculo
intransponível para que a Igreja fique livre das flutuações do regime político.
Há, pois, necessidade de um rompimento. Com o advento da “teologia da libertação”
abriram-se as perspectivas para a experiência do “deserto”, como no Êxodo, ou para
a experiência do “exílio” em que a verdadeira expressão da Igreja estaria na
“diáspora” e não na instituição.
VI. PARÁGRAFO TRISTE
É lamentável e chocante constatar que por trás de toda esta história triste da
inquisição que relatamos nesta pesquisa estão os interesses de poder econômico e
de mando representados na luta por cargos altamente remunerados de Presidente
do Instituto Mackenzie, Presidente do Conselho Deliberativo, Vice-presidente
Educacional, Vice-presidente Financeiro, Chanceler da Universidade e outros postos
do grande patrimônio que é o Mackenzie. Onde está a luta pela ortodoxia? Onde
está o empenho pela paz e pela pureza da Igreja? Onde está o zelo pela Bíblia, pela
Igreja e pela doutrina? Tudo isso está na Rua Itambé, 135, Higienópolis, 01239 São
Paulo, SP, telefone 256-6611.
Omitimos, de propósito, nesta pesquisa, o “problema Mackenzie”, porque ele merece
um tratamento mais acurado e mais extenso. Seria outra pesquisa. Nestas duas
décadas que estudamos, a Universidade Mackenzie e o Instituto Mackenzie tiveram
papel relevante dentro da crise presbiteriana. Tanto a Universidade com o Instituto
- 135 -
PERSPECTIVAS PARA O FUTURO
cresceram bastante e se tomaram complexos. Desde que Peter Baker e sua esposa
Irene deixaram o Colégio 2 de Julho, em Salvador, no ano de 1953, e foram dirigir o
Mackenzie até as lutas políticas de Boanerges Ribeiro para ocupar a presidência do
Mackenzie, após 1966, tivemos uma época cheia de contratempos. Depois de 1966,
a posse da direção do Mackenzie tornou-se alvo de cobiça dentro da IPB e fora dela.
Quem tivesse poder no Mackenzie teria poder dentro da IPB. Em 1970, em
Garanhuns, o Supremo Concílio deu um voto de confiança às diretrizes de
Boanerges Ribeiro na presidência do Mackenzie. Daí por diante, o alvo foi atingido,
o alvo tão perseguido e buscado com tanta ansiedade pelos dirigentes da IPB. Cada
um recebeu um cargo importante e bem remunerado, e todos ficaram satisfeitos. É
uma história que eu não gostaria de contar com poucas palavras, por isso quase não
me referi a ela. Talvez, um dia, alguém fará um estudo histórico sobre as relações
do Mackenzie com as crises e os cismas do Presbiterianismo brasileiro.
VII. REFLEXÃO FINAL
O que nos preocupa em relação ao futuro é que a IPB está se transformando em
seita intransigente e fanática, atravessando uma síndrome inquisitorial, de efeitos
imprevisíveis. O fechamento, o isolamento e a intolerância destes últimos anos
destruíram as futuras lideranças mais promissoras e autênticas. No futuro a IPB
poderá ser vítima de lideranças medíocres e interesseiras. Uma Igreja sem
expressão no panorama nacional. A criatividade dos jovens foi cerceada, os
teólogos foram banidos e os verdadeiros pastores foram marginalizados. É o
caminho da seita e não da Igreja Reformada. Aqueles que desejam ser fiéis ao
pensamento da Reforma do século XVI terão que deixar a IPB, ou viver dentro dela,
como exilados.
Jacques Maritain, em seu livro, A Igreja de Cristo, escrevendo sobre a Inquisição
Medieval, assim se expressou:
“A Inquisição Medieval durou quatro séculos (do século XII ao século XV), o que não
é grande coisa se pensarmos que a Igreja vai durar até o fim do mundo, mas que se
constituiu, apesar de tudo, num período bastante longo. E, apesar da distância que
nos separa, ela pesa ainda fortemente sobre nós, por sermos criaturas dotadas de
memória. Ela foi seguida de outros períodos inquisitoriais. (...) A verdade, porém, é
que cada um de nós, por menos que alguém veja o mal desta terrível aventura
medieval, sente-se obscuramente atormentado e perturbado pela idéia de que,
apesar de tudo, Deus permitiu tudo isso. Por que Deus o permitiu? A essa pergunta
não podemos responder senão com humildes balbucios.” 1
Quais seriam meus “humildes balbucios” ao encerrar este documentário? Não teria
Deus permitido essa “Inquisição Sem Fogueiras” para dobrar o orgulho e humilhar a
tão soberba “Igreja da Elite” durante as comemorações do seu Centenário? Não era
ela que brilhantemente condenava, através de seus exímios polemistas do passado,
os resquícios do espírito medieval da Igreja Católica? Não era ela que se
considerava a mais aberta, a mais liberal de todas as igrejas evangélicas
brasileiras? Não era ela que se considerava a detentora da mais refinada educação
teológica na América Latina?
1
Maritain, Jacques, A Igreja de Cristo, Livraria Agir, Rio de Janeiro, 1972, pg. 238.
- 136 -
PERSPECTIVAS PARA O FUTURO
E agora, o que é ela? A máscara caiu.
Balbuciando humildemente, diria que parece que Deus permitiu tudo isso não só
para deixar cair a mascara, mas também para que a memória dessa crise fosse
sempre uma advertência para que os protestantes brasileiros e do mundo inteira
aprendam a lição de que o caminho da Fé Reformada apareceu no século XVI para
apontar a Igreja do século I e não a Igreja do século XIII. O que os Reformadores
buscaram sincera e ardentemente foi a inspiração da Igreja dos tempos apostólicos,
aquela que sempre serviu de estímulo para as aberturas do futuro. Mas o
Protestantismo, em várias ocasiões, teve mais saudade do século XIII do que do
século I.
Esta crise que enfrentamos é um desafio para que os presbiterianos e todos os
cristãos no Brasil busquem suas origens Reformadas e apostó1icas para que haja,
na terra brasileira, expressões autênticas da comunidade do Cristo.
[Terminei esta pesquisa numa sala desocupada da casa onde residiu o missionário
banido, Paul Everett Pierson. Dezembro de 1975. Recife.]
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