_________________________________________________________________________ A RESPONSABILIDADE DO ASSOCIADO PERANTE A COOPERATIVA DE CRÉDITO MARCO AURÉLIO BELLATO KALUF1 __________________________ Sumário __________________________ 1. Considerações iniciais. 2. A vida em estado de cooperação. 3. A sociedade cooperativa de crédito. 4. O associado cooperativista de crédito. 5. A responsabilidade cooperativa. 6. Conclusão. 7. Bibliografia. _______________________________________________________________ Cada casa tem duas portas, a da frente dando para a rua, a de trás para o jardim. Elas se abrem a um toque de mão, e se fecham do mesmo modo, deixando entrar quem quiser. Ali não há nada que constitua domínio privado. Com efeito, essas casas mudam de moradores, por sorteio, a cada dez anos. Os utopianos conservam admiravelmente seus jardins, onde cultivam videiras, frutas, legumes e flores de tal esplendor, de tal beleza, que em nenhum outro lugar lugar vi tamanha abundância, tamanha harmonia. harmonia (Utopia de Tomás Morus). 1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS Na atualidade do cenário jurídico brasileiro, principalmente no jurisprudencial, constata-se se que a responsabilidade dos associados cooperativistas não é tema desenvolvido com base na análise sistemática da estrutura cooperativa. Não é incomum se encontrar a comparação, para fins de apuração do plexo de responsabilidades inerentes ao associado cooperativista, com outras instituições societárias ou empresas de cunho c puramente mercantil, desvirtuando-se, se, assim, as especiais peculiaridades que regem e caracterizam o cooperativismo. Em farto número de situações, tanto no universo formado pelo ordenamento normativo vigente, inclusive, atos administrativos regulamentares, regulamentares, quanto na emanação dos 1 Advogado. Gerente jurídico da Cooperativa Central de Crédito Rural do Estado de São Paulo Sicoob/SP-Cocecrer. [CV conforme publicação] TEXTO PUBLICADO NA OBRA: ASPECTOS JURÍDICOS DAS COOPERATIVAS DE CRÉDITO [ed. Mandamentos. Belo Horizonte – 2005]. 1 _________________________________________________________________________ entendimentos jurisprudenciais, não se encontra o devido amparo a essa peculiar forma de associação, denominada cooperativa, assim como às relações que dela emanam. Entende-se Entende que tal sorte ocorre pela prática de se buscar amparo amparo sediado apenas na analogia a outras instituições, sejam associativas ou não. Como conseqüência disso, tem-se tem a formulação de análises superficiais, restritas unicamente ao universo das relações cooperativistas em si próprias, e não à estrutura em que estão estão inseridas. Meras equiparações as quais buscam fundamentar-se se em analogia, não podem sustentar a devida compreensão do conjunto das relações sociais tidas entre associados e cooperativas. Muito menos são o bastante para avaliá-las las de maneira em que haja a devida mensuração dos benefícios e contrapartidas que delas resultam, ou seja, não sendo aptas para a identificação ou quantificação das responsabilidades correlatas, sejam das cooperativas ou dos associados. Nesse lanço, muitas vezes prefere-se prefere a indicação ação do associado cooperativista como mero cliente ou dono da instituição cooperativa, mas dificilmente se busca associar a existência comum das duas condições que ora consagram cumulativamente o associado cooperativista. Logo, culmina-se culmina na constatação de um cenário de incompreensão quanto aos conceitos que consagram as relações cooperativistas.2 Para o fim de se traçar linha lógica de entendimento sobre as relações cooperativistas, dentre elas as de crédito, faz-se faz se necessário o delineamento das premissas que as constituem, principalmente, quanto à figura da sociedade cooperativa e dos associados. Volta-se, se, então, o foco às relações cooperativistas, uma vez que são elas as constituintes de todos os fatores de responsabilidade do associado perante a própria própri cooperativa. Em ato contínuo, não se poderia pensar em relações cooperativistas se não no ambiente de uma cooperativa. Logo, primordial é a linha lógica que vai desde a 2 As relações cooperativistas envolvem não somente somente as relações de cunho societário, pertinentes ao controle administrativo da instituição, mas também, e primordialmente, congregam atos os mais variados que contemplam a vida social que se tem na própria comunidade formada pelos associados em estado de cooperação. TEXTO PUBLICADO NA OBRA: ASPECTOS JURÍDICOS DAS COOPERATIVAS DE CRÉDITO [ed. Mandamentos. Belo Horizonte – 2005]. 2 _________________________________________________________________________ voluntariedade do associado em se admitir na cooperativa, até o momento em que o mesmo o aplica esforços próprios na vida rotineira da sociedade. Quanto aos fatores que motivam a união em sociedade cooperativa, desde o momento da associação e durante a vida com a cooperativa, o associado não somente têm uma relação de clientela ou apenas de propriedade para fim de exercício de categoria econômica. A affectio societatis cooperativa é singular perante outras instituições societárias, pois além das características mencionadas, clientela e propriedade, que ocorrem simultâneamente, insere-se se no contexto contexto de uma comunidade, que interage por meio da ajuda mútua e da solidariedade, sendo instrumentalizada no bojo de uma gestão acessível a todos os integrantes do quadro social, e, mais ainda, dentro do contexto de um exercício de atividade econômica. Portanto, ortanto, não se fala apenas de uma sociedade ou empresa, mas sim de uma comunidade, avivada a partir do estado de cooperação dos indivíduos que a compõem. Esse estado de cooperação, por sua vez, é algo permanente, e assim deve ser não somente para a cooperativa, rativa, mas principalmente para o associado cooperativista3. Aliás, quando se analisa cooperativas, associados simplesmente não existem, mas sim, existem associados em estado de cooperação que interagem rotineiramente com a cooperativa e que são responsáveis, is, inclusive, pela própria existência da sociedade. Dessa forma, em cooperativas, não há que se falar meramente em associado, mas sim associado cooperativista. Esse cuidado com os termos não é nada mais que um rigor necessário ao encaminhamento correto para pa o conceito cooperativista. 3 Entende-se se preferível a associação dos termos associado e cooperativista, mas isso se dá por razão de ênfase ao raciocínio defendido. Quanto à adequação de termos para o chamamento do integrante da cooperativa coincide-se se com o utilizado pela Lei Cooperativista (Lei 5.764/71), ou seja, associado, ou aquele que se associa; e não o termo sócio, ora eleito pelo Código Civil de 2002. Aliás, acresce-se acresce a esse termo a vinculação ao cooperativismo, para assim se alcançar o que parece ser o mais adequado, ado, que é associado cooperativista. Isso se dá, pois, como alerta o jurista de Direito Cooperativo de Crédito Ênio Meinen, em seu capitulo do livro Cooperativismo e o Novo Código Civil, Civil Assembléias gerais: quorum e delegados; delegados sempre existem pessoas “de plantão para se valer de detalhes tais com vistas a equiparar cooperativas com outra sociedade qualquer” (p.191). TEXTO PUBLICADO NA OBRA: ASPECTOS JURÍDICOS DAS COOPERATIVAS DE CRÉDITO [ed. Mandamentos. Belo Horizonte – 2005]. 3 _________________________________________________________________________ Portanto, para a análise e quantificação das d responsabilidades em cooperativas, como já se expôs acima, não parece lógica somente a utilização de analogias ou equiparações, pois não constituem caminho adequado para se alcançar os benefícios e contrapartidas das relações envolvidas. Devem ser aplicadas aplicadas reflexões sobre a estrutura na qual estão envolvidas tais relações, ou seja, a cooperativa, e somente assim se pode culminar no conceito que evidenciará as razões dessa forma de associação tão peculiar. 2. A VIDA EM ESTADO DE COOPERAÇÃO Para iniciar a trajetória pela estrutura cooperativa, faz-se faz se alusão à lição do Padre Don José Maria Arizmendiarreta4, que conceituou essa modalidade de sociedade da seguinte forma: “la empresa cooperativa es un organismo vivo; es una sociedad de personas en una comunidad, ad, cuyo soporte es la solidaridad, y la conciencia de esta solidaridad es la fuerza impulsora en la que debemos confiar”.5 Do entendimento de Arizmendiarrieta, extrai-se extrai se que a estrutura cooperativa é um organismo vivo, pois, somente existe se há o senso de comunidade e vida comum dos associados que a constituem. Aliás, extrapola a mera associação para fins de exploração de atividade econômica, pois também está sediada na solidariedade comum aos integrantes dessa instituição. Tal solidariedade cria vínculo associativo diferenciado, uma vez que apenas com base na força comum dos associados é que uma sociedade pode existir. As ações pessoais de cada associado são as ações da cooperativa, mesmo porque servir o associado, que ao mesmo tempo é o proprietário e o tomador de serviços da instituição, é o meio pelo qual a sociedade pode alcançar o fim para o qual foi constituída. Sem as ações pessoais de cada associado a sociedade não pode prestar os serviços para os quais foi criada. A exemplo, em uma cooperativa de crédito, é inimaginável a concessão de empréstimos se não houver captação de recursos dos próprios associados. Enquanto uns contribuem com a aplicação de 4 Fundador e dinamizador da denominada “Experiencia Cooperativa de Mondragón”, cidade espanhola (País Basco), onde hoje está sediada a Mondragón Mo ón Corporación Cooperativa – MCC, uma das referências mundiais do cooperativismo. 5 ARIZMENDIARRIETA, José Maria. Pensamientos, 182. TEXTO PUBLICADO NA OBRA: ASPECTOS JURÍDICOS DAS COOPERATIVAS DE CRÉDITO [ed. Mandamentos. Belo Horizonte – 2005]. 4 _________________________________________________________________________ recursos, outros os tomam, mas isso durante um certo lapso de tempo, pois, em vista do permanente estado ado de cooperação, as figuras se alternam, tal como as casas de Utopia.6 Logo, a responsabilidade de cada associado cooperativista vai além da própria associação ou da mediata relação que mantém com a sociedade que compõe, vez que está inserida em uma comunidade nidade onde as figuras alternam-se alternam se paulatinamente e, em diversas ocasiões ocorrem simultaneamente. mente. Portanto, a análise das relações cooperativistas sem o foco amplo, sediado na própria estrutura cooperativa, é desrespeito à peculiar affectio societatis cooperativa. co Ora em se consagrando o associado cooperativista apenas como proprietário, que por meio dessa sociedade busca o exercício de uma atividade econômica, tem-se tem se perda do conceito de tomador de serviços da instituição, o que também lhe é devido. No caminho caminho inverso, em se prestigiando apenas com a coroa de tomador de serviços, desrespeita-se desrespeita sua atividade de empresa com caráter associativo a que ora buscou quando se admitiu na cooperativa. De um lado ou de outro, quando se analisa somente um deles, tem-se tem se perdas, e em ambos os casos, somente para o associado. Tais assertivas não são s meras elocuções que visam combater posicionamentos doutrinários ou jurisprudenciais hoje aplicados às cooperativas, mas sim constituem um convite aos aplicadores do Direito7 para que conheçam as peculiaridades dessa instituição que, como ensina o jurista argentino Dante Cracogna, quando se reporta ao conceito de cooperativa formulado pelo Congresso do Centenário da Aliança Cooperativa Internacional8, 6 Epígrafe. Utopia,, de Tomás Morus. O posicionamento desta análise pauta-se pauta se na intenção de se considerar a importância da definição da entidade cooperativa como um todo. Daí a lógica em não se enquadrar sua natureza jurídica nos moldes de outras sociedades ou associações. É entendimento que a natureza jurídica da sociedade cooperativa é própria e assim, deve o aplicador do Direito D buscar entendê-la. la. Nessa linha, o julgador deve contemplar natureza jurídica própria e não enquadramento ou equiparações a outras entidades. Mesmo não sendo a ponderação presente, cabe registro à análise do contemporâneo jurista Renato Lopes BECHO, em sua obra Elementos de Direito Cooperativo,, o qual entende que a discussão acerca da natureza jurídica da cooperativa não seria fator de interferência, pelo menos de forma direta, na emanação de decisões judiciais, restringindo-se restringindo se ao meio acadêmico, o quê, qu por sua vez, servirá de auxiliador na elaboração de leis futuras (p. 46). 8 Realizado no ano de 1995 em Manchester (Inglaterra). 7 TEXTO PUBLICADO NA OBRA: ASPECTOS JURÍDICOS DAS COOPERATIVAS DE CRÉDITO [ed. Mandamentos. Belo Horizonte – 2005]. 5 _________________________________________________________________________ trata-se de “una simbiosis is com uma asociación de personas para lograr objetivos de caráter económico, social y cultural”. 9 Da lição de Cracogna, nota-se nota se que na análise aplicada às relações cooperativistas, cabe a avaliação integral da própria cooperativa. Isso se dá pela constatação consta de que se está avaliando uma associação tão intrínseca que chega a ser simbiótica e por que não dizer, viva. Logo, características essenciais a conclusões racionais estão difundidas em um todo, tal como no funcionamento de um organismo humano, onde fatores fatores de um determinado componente podem gerar conseqüências em outros, e, em certos casos, até em todo o ser vivo. Dada essa condição vital unificada, as cooperativas são instituídas com base em princípios que orientam sua atuação. Tais princípios são únicos únicos para as cooperativas e em virtude deles tem-se se relações sociais não observadas em outras instituições comumente utilizadas para compará-las las conceitualmente. Outrossim, garantem forma de atuação econômica peculiar, vez que nas cooperativas, não se busca sca o objetivo de lucro ou de proveito próprio da instituição, mas sim, como leciona Walmor Franke, almeja-se almeja “aa promoção da defesa ou fomento da economia dos cooperados, mediante prestação de serviços.” serviços 10 Portanto, tem-se se diferenciadores essenciais, quais sejam, a prestação de serviços aos associados, onde a cooperativa é um meio, um instrumento, e que tem orientação em princípios formulados para que isso seja garantido. A cooperativa somente existe pelos associados cooperativistas e quaisquer implicações implicações negativas na análise das relações envolvidas, poderá rá apenas trazer-lhes traz prejuízos, talvez, nem mesmo identificados por eles próprios. 9 CRACOGNA, Dante. El problema del capital y el financiamiento cooperativo, cooperativo, p. 11. FRANKE, Walmor. Direito das sociedades cooperativas: direito cooperativo.. 10 TEXTO PUBLICADO NA OBRA: ASPECTOS JURÍDICOS DAS COOPERATIVAS DE CRÉDITO [ed. Mandamentos. Belo Horizonte – 2005]. 6 _________________________________________________________________________ Ainda em relação aos princípios cooperativistas, ensina o doutrinador do Direito Cooperativo, Waldirio Bulgarelli, que q a cooperativa “trata-se se de empresa cuja conformação e procedimentos estão influenciados pelos princípios doutrinários do sistema de que é instrumento. Não constitui a cooperativa uma categoria econômica, em si, autônoma, destinada como as sociedades capitalistas capitalistas apenas à obtenção de lucro; ao substituir a economia lucrativa pela economia de serviço e portanto de custos, ela se subordina a ser instrumento de execução desse novo objetivo.” 11 Dentre os princípios cooperativistas, deve-se deve se salientar a adesão livre, que é consagrada expressamente na ordem jurídica brasileira (artigo 29, da Lei 5.764/71). Por ordem desse princípio, e no caso brasileiro por comando legal, qualquer pessoa que esteja abarcada na categoria de cooperativa que pretende se admitir tem o que se denomina portas abertas12. O denominado princípio das portas abertas,, ora tal como na menção em epígrafe, é mandamento ideológico do livre acesso, ou seja, tanto para ingressar quanto para se retirar. E isso é uma premissa básica do cooperativismo. cooperativismo. Assim sendo, para se alcançar o status de associado cooperativista o ingresso é livre, desde que a cooperativa tenha condições técnicas de lhe prestar serviços (art. 4°, inciso I, da Lei 5.764/71), e uma vez associado cooperativista, se desejar demitir-se, demitir se, tal medida não lhe será negada (art. 32 da Lei 5.764/71). A própria idéia de se ingressar ou se retirar por ato voluntário restringe conduta somente aos próprios associados cooperativistas que compõe a instituição. Aliás, essa liberdade de trânsito concede ncede a qualquer indivíduo a possibilidade de escolher a sociedade cooperativa que mais tenha identificação com seus próprios interesses pessoais. 11 BULGARELLI, Waldirio. As sociedades cooperativas e a sua disciplina jurídica, jurídica p.21. Vale o registro que para Waldirio BULGARELLI, as portas abertas constituem-se em desdobramento do princípio da livre adesão. Idem, p.13. 12 TEXTO PUBLICADO NA OBRA: ASPECTOS JURÍDICOS DAS COOPERATIVAS DE CRÉDITO [ed. Mandamentos. Belo Horizonte – 2005]. 7 _________________________________________________________________________ Quanto a esse entendimento, leciona Cátia Denise Gress Krüger, em sua contribuição ao primeiro volume desta série de obras sobre o cooperativismo, que: “o princípio das portas abertas é, portanto, mais um desdobramento do direito à liberdade do ser humano, possibilitando ao cidadão a livre escolha em aderir ou não aderir à sociedade cooperativa e dela se retirar,, conforme seu arbítrio, sempre respeitando os direitos oriundos das liberdades de seus iguais”. 13 À lição de Cátia Denise Gress Krüger acresce-se acresce se a consideração de que, uma vez dentro da sociedade cooperativa, caso o associado cooperativista não intente demitir-se, deve arcar com a responsabilidade inerente à associação, a fim de contribuir para a harmonia social cooperativa, não prejudicando o livre exercício de direitos dos demais associados, mesmo porque, nas palavras da citada autora, “todo indivíduo, como célula de uma sociedade, tem papel vital a desempenhar”.14 Em conjugação com o princípio das portas abertas,, outro princípio cooperativista, o da gestão democrática,, merece consideração. consideração. Por meio desse princípio, estão as cooperativas adstritas ao mecanismo de administração aberta aos associados cooperativistas. Em vista disso, confere-se confere se ao associado cooperativista o poder de avaliar os negócios da cooperativa e, inclusive, de participar participar das decisões da sociedade, nelas influenciando diretamente15. Logo, na conjugação com o livre acesso, o associado cooperativista tem liberdade para verificar se aquela instituição específica identifica-se identifica com seus objetivos próprios. Caso negativo, ainda restam-lhe lhe duas opções. A primeira, mais breve, é a de se demitir. Na segunda, a qual se entende a verdadeira affectio societatis cooperativa, há a possibilidade de mudar a realidade da cooperativa, vez que não necessita de detenção majoritária de capital para tanto, nem mesmo precisa ser integrante do quadro de administradores, bastando ao associado cooperativista interagir com a sociedade que lhe 13 KRÜGER, Cátia Denise Gress. O princípio da portas abertas. In Cooperativismo e o novo Código Civil, p. 87. 14 Idem. 15 Pondera Guilherme KRUEGER, em A disciplina das cooperativas no novo Código Civil – a ressalva da Lei 5.764/71,, capítulo da obra coletiva Problemas Atuais do Direito Cooperativo, Cooperativo quando aborda a gestão democrática,, que “a diretoria é o ponto de interseção entre a razão comunicativa e a instrumental na cooperativa. Manifesta a primeira, tem fixados os seus limites, metas e diretrizes emanadas dos órgãos societários deliberativos, notadamente a Assembléia Geral”, p. 105 (nota 24). TEXTO PUBLICADO NA OBRA: ASPECTOS JURÍDICOS DAS COOPERATIVAS DE CRÉDITO [ed. Mandamentos. Belo Horizonte – 2005]. 8 _________________________________________________________________________ é própria, seja em assembléias gerais, em reuniões específicas; seja incentivando a mudança de administradores,, ou ainda, trazendo idéias para que a administração altere a linha ideológica e estratégica de atuação; enfim, cuidando com todo o esmero das obrigações que assumiu. Como já se afirmou, o associado cooperativista não é mero cliente ou mero proprietário, mas sim é a conjugação dessas duas figuras, inseridas no contexto de uma sociedade cujas decisões são o fruto da vontade dos indivíduos que as compõe e isso cumulado às ações pessoais de cada indivíduo. Vale ressaltar que uma sociedade cooperativa, e assim assim não é diferente nas cooperativas de crédito, é o fruto da emanação de vontade dos associados que a compõe. É contrato por eles celebrado, por meio do qual pactuam em contribuir, reciprocamente, de maneira voluntária e sob à égide da mutualidade, a fim de consagrarem o exercício de uma atividade econômica que sozinhos não alcançariam.16 Os associados cooperativistas formam, então, em conjunto voluntário, um organismo avivado por seus próprios atos individuais para com a instituição. Tais atos são responsabilidades ilidades pessoais de cada um deles, vez que, caso não evidenciados ou cumpridos, podem implicar na perda do fôlego de vida da cooperativa ou na perda da relação societária, prejudicando sobremaneira a comunidade que pretenderam construir. Enfim, tem-se quee o conceito cooperativo, assim como o da responsabilidade cooperativa, como se demonstrará a seguir, transcende às próprias relações cooperativistas tidas pelos associados e respectivas cooperativas. Não se trata de uma ordem estrutural apenas, seja em composição mposição societária, seja em categorização econômica, mas sim de uma união viva com nuances diversas que extrapolam os mundos constituídos por relações individuais. Assim sendo, para que se possa aferir responsabilidades, tem-se tem que 16 A celebração do contrato de sociedade cooperativa é expressa na prescrição do artigo 3° da Lei Cooperativista (Lei 5.764/71). TEXTO PUBLICADO NA OBRA: ASPECTOS JURÍDICOS DAS COOPERATIVAS DE CRÉDITO [ed. Mandamentos. Belo Horizonte – 2005]. 9 _________________________________________________________________________ compreender o organismo e sua vida, em estado permanente que, no presente caso, está sediado na cooperação. 3. A SOCIEDADE COOPERATIVA DE CRÉDITO Descrita a vida em estado de cooperação, na qual está inserido o associado cooperativista, com as palavras da Ministra do Superior Tribunal de Justiça, Fátima Nancy Andrighi, inicia-se se nova trajetória na tentativa de elucidar, então, o que se entende ser a estrutura que o aplicador do Direito17 tem o dever de avaliar, quando analisa as relações cooperativistas de crédito e delas extrai extrai juízos de valor para evidenciar e quantificar as responsabilidades tanto do associado cooperativista como da instituição financeira cooperativa de crédito. Leciona a ministra: “conquanto possa se afirmar como empresa econômica, a sociedade cooperativa subordina-se su se a regras doutrinárias de índole social e de cunho ético, que refogem ao sentido puramente teórico, materializando-se materializando em ações efetivas”.18 Dessa lição, avalia--se se como ações efetivas as próprias relações cooperativistas de crédito. Essas relações como já ventilado, surgem em um contexto amplo impregnado de teor social, baseado na entidade comunitária que se constitui. Cumulam não somente atos cujas obrigações assumidas são pecuniárias, mas também atos de dever societário, dever moral, dever cultural, al, enfim dever social cooperativo. Mais ainda há o dever político, que é parte integrante de qualquer associado cooperativista e também do cooperativista de crédito. Várias facetas de dever surgem desde a primeira intenção em se manter o vínculo associativo vo cooperativista e vão permanecendo continuamente no denominado estado permanente de cooperação e, assim, edifica-se edifica se a cooperativa de crédito. 17 Vide nota 6. ANDRIGHI, Fátima Nancy. A autonomia do Direito Cooperativo. In Cooperativismo e o novo Código Civil, p. 52. 18 TEXTO PUBLICADO NA OBRA: ASPECTOS JURÍDICOS DAS COOPERATIVAS DE CRÉDITO [ed. Mandamentos. Belo Horizonte – 2005]. 10 _________________________________________________________________________ As cooperativas de crédito, tal como as demais modalidades de cooperativas, são sociedades de pessoas, com natureza natureza jurídica própria, diferenciada das demais categorias de sociedades, e isso é consagrado expressamente em letra de lei.19 Mais ainda são instituições financeiras. Outrossim, exercem atividade de empresa. Para muitos se afirmar que as cooperativas de crédito crédito são instituições ou empresas urge em contra senso à própria definição de sociedade cooperativa. No presente estudo, o entendimento é exatamente o inverso, vez que, nas sociedades cooperativas de crédito, existe soma das características de atividade de de empresa e de instituição financeira, contudo, sem turbação alguma à índole social cooperativista. Pelo fato de se tratar de uma empresa, e assim, inclusive é reconhecida pela Aliança Cooperativa Internacional20, a cooperativa não se furta da ausência de lucro, vez que não há incompatibilidade nos dois conceitos. Quanto a ser instituição financeira, igual sorte a contempla, pois não passa a alterar sua razão de existência, sendo que apenas estará operando com o objeto que caracteriza o sistema financeiro, mas ainda dentro do objetivo principal que é a prestação de serviços aos próprios associados. Assim sendo, é cabível a análise das características que fazem de uma cooperativa de crédito uma empresa e uma instituição financeira, simultaneamente e sem a perda perda das características que a constituem. No que tange à categorização como instituição financeira, há também comando legal expresso que assim designa essa modalidade de sociedade cooperativa. A denominada Lei de Reforma Bancária é categórica em incluir as cooperativas de crédito no âmbito das instituições financeiras.21 Contudo, cabe avaliar que a inclusão no rol de instituições 19 Reza o caput do artigo 4°, da lei 5.764/71: “as cooperativas são sociedades de pessoas, com forma e natureza jurídica próprias, de natureza civil, não sujeitas à falência, constituídas para prestar serviços aos associados, distinguindo-se distinguindo se das demais sociedades pelas seguintes características: (...)”. 20 Congresso do Centenário da Aliança Cooperativa Internacional, realizado em 1995, na cidade de Manchester (Inglaterra). 21 Lei 4.595, de 31.12.1964. Reza o parágrafo primeiro do artigo 18 dessa lei: “além dos estabelecimentos bancários oficiais ou privados, das sociedades de crédito, financiamento e investimentos, das caixas econômicas e das cooperativas cooperativas de crédito ou a seção de crédito das cooperativas que a tenham, também se subordinam às disposições e disciplina desta lei no que for aplicável, às bolsas de valores, companhias de seguros e de capitalização, as sociedades que TEXTO PUBLICADO NA OBRA: ASPECTOS JURÍDICOS DAS COOPERATIVAS DE CRÉDITO [ed. Mandamentos. Belo Horizonte – 2005]. 11 _________________________________________________________________________ financeiras autorizadas a funcionar no país não interfere na natureza jurídica própria que é definida na Lei Cooperativista (artigo (artig 4°). Nesse sentido, quedam-se se simplistas quaisquer considerações ou julgamentos baseados em meras equiparações ou analogias às instituições financeiras em geral. Vale ressaltar que o Sistema Financeiro Nacional é formado por diversas modalidades de instituições instituições financeiras, com objetos que vão desde a captação de depósitos até a compra e venda de ações. Nesse sentido, mediante um plexo de objetos os mais variados, a que se curvar o aplicador do Direito às peculiaridades das diversas situações que surgem do o emaranhado de relações dessas diferentes instituições financeiras. 22 A título de exemplo, nota-se nota se comum em alguns tribunais o julgamento relativo à aplicação do Código de Defesa do Consumidor23 aos serviços prestados por instituições financeiras. Contudo, parece pertinente ponderar-se ponderar se que, em se tendo diferentes categorias de instituições financeiras, variações em relação aos próprios serviços surgirão. Logo, responsabilidades diversas deverão ser ser apuradas em relação às partes envolvidas e não meramente, em sendo a instituição considerada financeira, todas suas relações deverão ser ditadas como idênticas às demais espécies que compõem esse grupo. Não se pretende aqui tratar da não aplicabilidade do mencionado códex nos serviços prestados por instituições financeiras em geral, mas quanto às cooperativas de crédito, procede-se se um pequeno aparte. efetuam distribuição de prêmios em imóveis, mercadorias ou dinheiro, mediante sorteio de títulos de sua emissão ou por qualquer forma, e as pessoas físicas ou jurídicas que exerçam, por conta própria ou de terceiros, atividade relacionada com a compra e venda de ações e outros quaisquer títulos, realizando nos mercados financeiros e de capitais operações ou serviços de natureza dos executados pelas instituições financeiras.” 22 Exemplo de aplicação do conceito cooperativista a uma das diversas modalidades relações dessa instituição é visto no voto do Ministro do STJ, Castro Meira, no Recurso Especial 544.194 – MG, que mesmo esmo sendo juízo decisório em sede do Direito Tributário, traduz aduz a necessidade de se entender cada relação cooperativista de crédito inserida no conceito maior da estrutura em que está disposta, ou seja, no próprio conceito de cooperativa. Do mencionado voto, transcreve-se transcreve o seguinte trecho: “(...) tem-se uma cooperativa rativa de crédito, cujo objetivo é fomentar as atividades do cooperado, via assistência creditícia (...)”. 23 Lei 8.078, de 11.9.1990. TEXTO PUBLICADO NA OBRA: ASPECTOS JURÍDICOS DAS COOPERATIVAS DE CRÉDITO [ed. Mandamentos. Belo Horizonte – 2005]. 12 _________________________________________________________________________ O Código de Defesa ao Consumidor, já em seu artigo 2°, como bem aponta o Professor Luiz Antonio Rizzato Nunes, resolveu por definir o conceito de consumidor.24 Assim o faz restringindo a figura do consumidor à pessoa que adquire como “destinatário final”.25 Dessa constatação, quando em análise à relação de aplicação ou não dessa norma em cooperativas de crédito, to, surgem certos questionamentos, principalmente, face ao fato de se considerar as peculiaridades dessas sociedades. Nesse caminho, constata-se constata se que nas sociedades cooperativas de crédito, o associado cooperativista é quem proporciona recursos para que a instituição possa, por exemplo, emprestar.26 À medida que deposita recursos na instituição, passa a proporcioná-la proporcioná condições para que a mesma possa conceder empréstimos a outros associados ou a si próprio. Até então se tem mecânica quiçá semelhante a das demais demais instituições financeiras, principalmente os bancos com carteira comercial. No entanto, face às características da relação cooperativista em questão, têm-se têm diferenciações primordiais. Primeira faceta da análise paira já quando o associado cooperativista cooperativi aporta capital social na instituição, ou ainda, quando concede recursos para constituição de fundos, obrigatórios ou não. Somente por esses atos já se constata que os recursos que são intermediados pelas instituições financeiras cooperativas não surgem do investimento de um terceiro, tais como os donos de um banco comercial, que passam a explorar a atividade econômica com índole mercantil. Os recursos, principalmente para a concessão de empréstimos surgem dos próprios associados, e isso dentro da propriedade propri comum denominada cooperativa de crédito. Segundo ponto de análise está na condição de proprietário que o associado cooperativista de crédito tem em relação à sociedade que compõe. Já com o aporte de capital social, necessário ao ingresso na cooperativa cooperativa de crédito, passa o associado 24 NUNES, Luiz Antonio Rizzato. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor, Consumidor p.77. caput:: “consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final” 26 Quanto às operações permitidas às cooperativas de crédito cabe registro à regulamentação posta pelo Conselho Monetário Nacional, especialmente no regulamento anexo à Resolução Re 3.106, de 25.6.2003. 25 TEXTO PUBLICADO NA OBRA: ASPECTOS JURÍDICOS DAS COOPERATIVAS DE CRÉDITO [ed. Mandamentos. Belo Horizonte – 2005]. 13 _________________________________________________________________________ cooperativista de crédito a ser responsável pelas operações da própria instituição. Isso se explica, pois, no pacto celebrado, contrato de sociedade cooperativa,, ele se compromete a contribuir com bens ou serviços, para que que seja exercida uma atividade econômica.27 Tem-se aí situação especial, vez que o associado cooperativista de crédito insere-se insere na figura de proprietário, gerando recursos para que se possibilite tal exercício de uma atividade econômica, e, simultaneamente, é agente fomentador das decisões acerca da intermediação do crédito por meio da sociedade cooperativa. Terceira ponderação, é que a cooperativa, em virtude dos recursos que procede a intermediação não lhe serem próprios, passa então a prestar serviços de assistência financeira, no sentido, de proporcionar relações cooperativistas de crédito entre os próprios associados. Portanto, alcança-se alcança se o entendimento que a cooperativa de crédito não atua com o produto dinheiro,, mas sim com o serviço intermediação financeira anceira, no sentido de administrar e potencializar os recursos aportados por seus associados. Assim sendo, os recursos intermediados não são das cooperativas de crédito, mas sim dos próprios associados. Em conta dessas três considerações, nota-se nota que não há, portanto, diferenciação entre duas das figuras necessárias à constituição da tríade ora tratada pelo Código de Defesa do Consumidor. Essa norma impõe regras às relações onde se tenha (i) um produto ou serviço; (ii) um consumidor (artigo 2°), e (iii) um fornecedor (artigo 3°).28 No caso de cooperativas de crédito, tem-se tem se os três entes, contudo, as figuras do fornecedor e do consumidor, notadamente, confundem-se.29 confundem Assim sendo, suas obrigações e 27 Artigo 3° da Lei Cooperativista (Lei 5.764/71): “ce lebram contrato de sociedade cooperativa as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício de uma atividade econômica, de proveito comum, c sem objetivo de lucro.” 28 Reza o citado artigo 3° que: “fornecedor é toda pes soa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços”. 29 Em virtude da condição simultânea de tomador e concedente do recurso, mesmo porque o recurso lhe é próprio, ainda que em propriedade comunitária, comunitá vislumbra-se se a aplicação do instituto da confusão jurídica, previsto no artigo 381 e seguintes, do Código Civil de 2002. TEXTO PUBLICADO NA OBRA: ASPECTOS JURÍDICOS DAS COOPERATIVAS DE CRÉDITO [ed. Mandamentos. Belo Horizonte – 2005]. 14 _________________________________________________________________________ responsabilidades passam a ser comuns e devem ser cobradas de si próprios, sendo aferidas simultaneamente, pois tem-se tem se um estado de cooperação permanente onde o associado sempre assumirá ambas as condições descritas.30 Enfim, como se ponderou acima, o associado cooperativista permanece em estado continuado de cooperação, cooperaç onde está sendo, simultaneamente, o fornecedor dos recursos, o tomador dos recursos e, mais ainda, o ente de decisão dos parâmetros da contratação dos empréstimos e captações feitos pela cooperativa de crédito e associados cooperativistas. Já quanto ao caráter de empresa, a cooperativa de crédito, pelo fato de exercer atividade econômica, assim definida pela própria Lei Cooperativista (artigo 3°), tem por certo o teor de economicidade atribuído às atividades empresariais. Ademais, as cooperativas, dentre tre elas as de crédito, como ensina Rubens Requião, não deixam de ser empresas, em seu sentido lato de “atividade atividade de empresário que está sujeita a normas precisas precisas”.31 Assim sendo, parece correto afirmar que as cooperativas, dentre elas as de crédito, em conta con do objetivo social de prestar os serviços de assistência financeira, no sentido de intermediar valores entre seus associados, buscando otimizá-los otimizá e potenciá-los, los, têm que se ater aos parâmetros de eficiência e eficácia, também aplicáveis ao conceito de empresa. Afora os requisitos pertinentes à economicidade, eficiência e eficácia, também devedeve se buscar a compreensão de que se está tratando de uma sociedade, onde pessoas se unem a fim compartilhar recursos e auferirem resultados. Tal constatação encaixa-se encaixa no conceito de atividade de empresa surgida por meio de associação, que ora se extraí dos ensinamentos de Roberto Luis Troster e Francisco Mochón Morcillo. Dizem os autores que empresas são “associações associações criadas para satisfazer as necessidades comuns dos do associados que compartilham de iguais riscos e benefícios benefícios”.32 Tal definição retrata a realidade da sociedade cooperativa, onde há a reunião dos recursos, desde o aporte inicial de capital social; para a consecução de uma atividade econômica, e a devida contrapartida disso que se 30 Dessa forma avaliar,como bem ilustra Reginaldo Ferreira LIMA, em sua obra Direito Cooperativo Tributário,, “(...) as sociedades cooperativas cooperativas não têm receita e também não têm despesa. Não se trata de mera inexistência de lucro, mas inexistência de receita e despesa, uma vez que a primeira é destinada aos sócios e a segunda suportada por eles” (p. 173). 31 REQUIÃO, Rubens. Direito Comercial, Come p. 42. 32 Introdução à Economia,, Roberto Luis Troster e Francisco Mochón Morcillo, p. 21. TEXTO PUBLICADO NA OBRA: ASPECTOS JURÍDICOS DAS COOPERATIVAS DE CRÉDITO [ed. Mandamentos. Belo Horizonte – 2005]. 15 _________________________________________________________________________ materializa em benefícios. Tendo em vista vista que se trata de uma atividade econômica, assumem-se se riscos que podem gerar não só benefícios, mas também podem culminar em perdas. 33 Entrementes, enxerga-se enxerga se requisitos conceituais para o enquadramento como empresa. Entretanto, mais uma vez, deve-se deve ressaltar essaltar que o fato de ser enquadrada como empresa não retira da sociedade cooperativa de crédito a essência e natureza jurídica que lhes são próprias e prescritas no ordenamento jurídico pátrio, no sentido de ser uma sociedade avivada pelas pessoas que a compõem, sendo única em sua espécie. É necessário também amparar a discussão sobre a repercussão dos atos dos associados cooperativistas na vida social e assim na ideologia e estratégia assumidas pela instituição. Por si só são também relações cooperativistas cooperativistas que devem ser analisadas frente ao todo denominado sociedade cooperativa. Isso se explica com a invocação ao princípio cooperativista da gestão democrática. democrática. Tal princípio não se restringe apenas à concessão de iguais direitos sociais, independente do montante de recursos que se aporta e compartilha na sociedade cooperativa. Vai além, pois se insere no poder que é atribuído a cada associado no sentido de que não permita que a linha de atuação da instituição fuja aos interesses que o levaram a ingressar na mesma. O associado passa, então, a ter o dever de compartilhar não somente o capital intermediado, mas também as deliberações e decisões da entidade. Para melhor compreensão dessa assertiva, vale a consideração quanto à possibilidade da sociedade cooperativa cooperativa de crédito em buscar comparativos com o mercado aberto, para as taxas de empréstimos que pratica; mas também a instituição pode entender que está apta a custear menores taxas, mesmo que encerre seu exercício social com 33 No caso de cooperativas os resultados positivos aferidos após o fechamento do exercício social, são denominados sobras e distribuídos para os associados na devida devida proporção em que mantiveram operações com a cooperativa (artigo 4, inciso VII, da lei 5.764/71). No que tange aos resultados negativos, também denominados perdas, são os associados responsáveis por arcar com o seu pagamento, na proporção das atividades atividades que mantiveram com a cooperativa, ou seja, na mesma quantificação que suas relações individuais participaram na formação das perdas, conforme reza o inciso II, do artigo 80, da Lei 5.764/71, ou, conforme decisão da cooperativa, de maneira igualitária entre re todos os associados, independente de terem usufruído os serviços da instituição (inciso I, do citado artigo 80). TEXTO PUBLICADO NA OBRA: ASPECTOS JURÍDICOS DAS COOPERATIVAS DE CRÉDITO [ed. Mandamentos. Belo Horizonte – 2005]. 16 _________________________________________________________________________ balanços ínfimos quanto à constituição constituição de resultados positivos, ora retornáveis aos próprios associados. A decisão sobre a linha de atuação, ou estratégica da cooperativa de crédito, pode ser entendida em um primeiro momento, como atribuída à administração da sociedade. No entanto, cabe cabe salientar que é fruto da vontade dos próprios associados cooperativistas, seja por meio das deliberações das assembléias gerais, soberanas na vida da instituição, seja na eleição de administradores e, posteriormente na cobrança dos resultados. Nessa linha ha de raciocínio, nas deliberações da sociedade cooperativa de crédito, há total liberdade para que seja traçada a linha de estratégia que deseje ser perseguida, conforme a ideologia de atuação que emana da vontade dos associados cooperativistas de crédito. Assim, não foge à coerência, pensar-se pensar se em uma sociedade cooperativa de crédito onde os associados têm total clareza em se identificarem como pessoas que estão exercendo uma atividade econômica em empresa, ou seja, proprietários, sendo certo para os mesmos os que o fim da sociedade que compõem é aferir resultados positivos das operações que sua empresa está efetuando. Em sentido contrário, e é muito menos forçoso se vislumbrar essa hipótese, podem existir sociedades cooperativas de crédito onde a ideologia da cooperação esteja calcada somente na perseguição de taxas menores que as praticadas no mercado, melhor ainda, taxas subsidiadas. Nessas sociedades cooperativas de crédito, ter-seter -á a sobre valência da identificação dos associados não mais como pessoas que que estão no exercício de uma atividade econômica em empresa, mas sim se constatará que os associados restringem-se restringem ao entendimento de que são clientes e não proprietários. Nos dois exemplos, salienta-se salienta se que o associado não perderá a denominada dupla qualidade34, mesmo porque tal sorte foge-lhe foge lhe ao controle, pois em determinado momento, 34 Conforme ensinamento de Waldírio Bulgarelli, em sua obra As sociedades cooperativas e sua displina jurídica (p. 21), o princípio da dupla qualidade é aquele que “põe às claras o papel TEXTO PUBLICADO NA OBRA: ASPECTOS JURÍDICOS DAS COOPERATIVAS DE CRÉDITO [ed. Mandamentos. Belo Horizonte – 2005]. 17 _________________________________________________________________________ terá que compor com a contrapartida a quaisquer dos benefícios que teve e, nessa contrapartida estão inseridas também as responsabilidades de índole pecuniária. Portanto, cabee avaliar que a escolha é de cada cooperativa de crédito, mas, em tendo por certo que essa instituição é o fruto da emanação da vontade dos próprios associados, estando confundida com os mesmos. Não se pode olvidar que estão conjugados não só os benefícios,, mas também os riscos e resultados. Por conta dessa conjugação surge a figura do associado como responsável não somente pelas relações individuais que mantém com a cooperativa, mas também como responsável por todo o conjunto de relações envolvidas na vida da instituição. Na medida que se identifique como cliente e impinja à sua sociedade cooperativa de crédito a ideologia do menor resultado possível, terá o benefício da menor taxa, mas ao mesmo tempo, abrirá mão de um outro benefício que é o retorno dos resultados sultados positivos da sociedade no âmbito total de suas operações. Caso os associados cooperativistas de crédito se entendam como proprietários,, arcarão com a contrapartida das taxas de mercado, mas simultaneamente terão o benefício do engrandecimento das sobras resultantes das operações da instituição. Na prática, constata-se constata se que as linhas de ideologia da cooperação, que determinam as estratégias adotadas pelas sociedades cooperativas, mesclam-se mesclam se e alcançam ponto intermediário, onde se tem tanto taxas mais mais benéficas para as operações dos associados, em relação ao mercado bancário, como se tem sobras em quantidades razoáveis para os associados. Mas o que deve ficar claro é que esse termo médio, entre as linhas de estratégia adotadas, surge da vontade dos próprios próprios associados, mesmo que eles não tenham completa compreensão disso. Quando em análise das relações cooperativistas de crédito, em busca dos benefícios e contrapartidas imputados aos associados, deve-se deve se atentar também para o grau de responsabilidade que tiveram sobre a própria linha de conduta da cooperativa de crédito. desempenhado pela sociedade cooperativa, como empresa de serviços, destinada destinad exclusivamente a atender àss necessidades de seus associados”. Vale esclarecer que nesse cenário, o associado passa a ter duas qualidades des distintas, a de proprietário da instituição e a de tomador dos serviços, simultaneamente. TEXTO PUBLICADO NA OBRA: ASPECTOS JURÍDICOS DAS COOPERATIVAS DE CRÉDITO [ed. Mandamentos. Belo Horizonte – 2005]. 18 _________________________________________________________________________ Mais ainda caberá ao aplicador do Direito identificar se, em concedendo certo benefício ao associado cooperativista de crédito, tal como a redução de uma taxa de mútuo, não o estará prestigiando estigiando duplamente, vez que ainda poderá também estar aberta a possibilidade de estar recebendo sobras em virtude de uma ideologia de maiores sobras que auxiliou construir, mas que não contribuiu com as contrapartidas que lhe eram atribuídas. A perda nesse sse caso recai não sobre a sociedade cooperativa de crédito, mas sim sobre os outros associados que deixam de ter o benefício devido em relação à contrapartida que investiram e a responsabilidade que assumiram. Restam ainda dúvidas em como o aplicador do Direito D poderia inserir-se se de tal forma na estrutura da cooperativa de crédito e nas relações que por meio delas são desenvolvidas, a ponto de identificar o que aqui se tenta demonstrar. Nesta análise não há pretensão de se apresentar uma resposta para tal constatação, mas sim se intenta apresentar o convite para que seja traçado um caminho de preparação de juízo de valor baseado na reflexão sobre a autonomia das cooperativas de crédito em virtude da característica de existirem conforme as discussões e resoluções resoluções do grupo que as compõe, ou seja, dos associados cooperativistas de crédito. Também merecem guarida considerações acerca do aspecto comunitário da sociedade cooperativa de crédito. Mais que somente uma instituição financeira cooperativa, em sua atividade dade de empresa, consagra também o auxílio mútuo entre os associados. Nesse diapasão, há premente identificação entre as atividades da instituição e as dos associados. Logo, deve haver a consciência coletiva, no âmbito da cooperativa, de que os esforços são o conjugados para o melhor resultado da cooperativa, visto que é o melhor resultado para o associado individualmente, e, se não forem cumpridos os papéis atribuídos nas diversas relações cooperativistas envolvidas, não se alcançará a harmonia que os estimulou lou a viver o estado de cooperação. Em vista disso, diversas outras formas de relações cooperativistas são constatadas, e algumas até exigidas pelos órgãos controladores, principalmente as que visam o aprimoramento e estruturação da capacidade administrativa do associado, além da simples intermediação do crédito, a fim de melhorar o resultado, vez que o bom resultado do associado refletirá no da cooperativa de crédito. Outrossim, o senso de comunidade TEXTO PUBLICADO NA OBRA: ASPECTOS JURÍDICOS DAS COOPERATIVAS DE CRÉDITO [ed. Mandamentos. Belo Horizonte – 2005]. 19 _________________________________________________________________________ também é fator de integração social do associado associado cooperativista, principalmente quanto ao dever político que lhe compete, no sentido de demonstrar sua vontade perante a sociedade, contribuindo para a construção da ideologia da própria instituição. Assim sendo, nas cooperativas de crédito, os associados associados cooperativistas reúnem-se reúnem a fim de obter não somente possibilidades negociais, muitas vezes negadas pelo mercado financeiro onde se tem a diferenciação entre a instituição concedente dos recursos e o indivíduo tomador, mas também, e primordialmente, buscam buscam exercer uma atividade econômica por meio da livre associação em cooperativas35. Com essa motivação chegam a benefícios que sozinhos não poderiam alcançar, mas para tanto, têm que assumir riscos e compartilhar propriedade que lhes é, dentro do estado permanente permanente de cooperação, comum. 4. O ASSOCIADO COOPERATIVISTA DE CRÉDITO José Maria Larrañaga, define como sócio cooperativista “aquella persona que es miembro de pleno derecho de una comunidad. El sócio es elemento esencial en cualquier sociedad, sea ésta ta del tipo que sea, pero en ciertas sociedades el poder que se le concede al socio está determinado por su aportación económica, categoría profesional o antigüedad. No así en una Cooperativa donde es considerado en su calidad de persona, igual a otros sócios ios en cuanto poseedor de derechos y obligaciones. Por lo tanto, lo que determina su poder de decisión deriva de su condición de persona y no de otros factores, sean éstos económicos o de outra índole. Este poder se concentra en la máxima: Una persona un voto.”36 Da lição de Larrañaga podem ser extraídos conceitos valiosos para a caracterização das pessoas que buscam a associação voluntária37 em cooperativas para perseguirem seus 35 Artigo 5°, inciso XVIII. LARRAÑAGA, José Maria. El socio cooperativista, p. 7. 37 Carlo BALDI, em definição das associações voluntárias entende que: “consistem em grupos formais livremente constituídos, aos quais se tem acesso por própria escolha e que perseguem interesses mútuos e pessoais ou então escopos coletivos. (...) Para alcançar alcanç as próprias metas, qualquer associação voluntária deve garantir, através de uma série de incentivos e de gratificação, a 36 TEXTO PUBLICADO NA OBRA: ASPECTOS JURÍDICOS DAS COOPERATIVAS DE CRÉDITO [ed. Mandamentos. Belo Horizonte – 2005]. 20 _________________________________________________________________________ interesses individuais. Ademais, insere-se insere se o associado cooperativista no âmbito âmbit de uma comunidade, da qual é parte integrante e por decisão própria38. Dessa decisão, ressalte-se ressalte voluntária, nasce a obrigação a que se compromissa, ou seja, a obrigação de ser uma célula do organismo denominado cooperativa de crédito. Contribuindo assim com os recursos que dispuser, inclusive intelectuais, para a execução do objetivo social dessa associação. O associado cooperativista, portanto, é componente da associação cooperativa de crédito. É célula do organismo que interage com seus semelhantes, a fim de se auxiliarem mutuamente no trajeto até a consagração de seus benefícios próprios. Para tanto, obriga-se obriga a contribuir, material e imaterialmente, e em contrapartida recebe o poder, e dever, de decidir sobre os atos da cooperativa. A deliberação e a decisão cooperativa são imaculadas na realização da assembléia geral da instituição. Ali é consagrada como emanação suprema da vontade dos associados cooperativistas.39 É, portanto, direito pleno que se obtém com a associação voluntária. ercício desse direito, não se pode olvidar do dever social e político No entanto, no exercício que detém em integrar os fatores de construção da linha filosófica da instituição, participando seja ativamente, por meio da administração em diretoria ou nos conselhos de administração ou fiscal, seja indiretamente, compondo os foros de discussões normais da vida no estado de cooperação, mormente as assembléias gerais.40 Tal exercício político constitui-se se não em mero dever do associado cooperativista, mas sim em ferramenta para que ele alinhe linhe a ideologia de atuação e estratégia da instituição que compõe, aos seus anseios próprios. Caso assim não proceda, corre o risco de que seus interesses próprios não sejam levados em consideração quando da execução normal da vida em cooperação. participação e a lealdade dos próprios sócios.” Verbete Associacionismo Voluntário, Dicionário de Política, p. 64. 38 Vide princípio da portas abertas na nota 12. 39 Define o artigo 38 da Lei Cooperativista (5.764/71): “a Assembléia Geral dos associados é o órgão supremo da sociedade, dentro dos limites legais e estatutários, tendo poderes para decidir os negócios relativos ao objeto da sociedade e tomar as resoluções convenientes ao desenvolvimento e defesa desta, e suas deliberações vinculam a todos, ainda que ausentes ou discordantes”. 40 Gestão democrática.. Vide nota 14. TEXTO PUBLICADO NA OBRA: ASPECTOS JURÍDICOS DAS COOPERATIVAS DE CRÉDITO [ed. Mandamentos. Belo Horizonte – 2005]. 21 _________________________________________________________________________ Desse ponto, surge então o dever cooperativo, que passa a ser também fator caracterizador do próprio associado cooperativista. Na medida em que é indivíduo em estado de cooperação, passa a ter a necessidade de competir internamente na sociedade cooperativa. Isso se explica face à defesa de seus interesses próprios, frente aos dos demais indivíduos associados. Trata-se Trata se de um processo de interação social, onde “a situação pode transformar-se se e os indivíduos podem competir para melhor cooperar”.41 Logo, o associado passa a não ser somente receptor de decisões unilaterais, mas sim integra o conjunto de fatores que contribuem para que decisões sejam tomadas pela sociedade cooperativa. Em sendo participante da decisão, direta ou indiretamente, migra de sua condição individual para a condição comunitária, em que suas razões formam um todo designado para a instituição associativa. Nem todos seus anseios serão levados em consideração para a construção da linha ideológica que se atribui à sociedade cooperativa, cooperat mas, sem sombra de dúvidas, não serão deixados de lado. Na composição política que culmina no ponto médio dos anseios e vontades individuais de cada um dos associados cooperativistas, todos têm o direito pleno de deliberar e competir para a defesa de seus próprios interesses. Tal ato somente consolida a cooperação em estado permanente, pois consagra a instituição como uma entidade gerida democraticamente, democraticamente por excelência, pois todos os associados, independente do capital que detenham ou de outras condições condiç sociais que os identifiquem, estarão integralmente equiparados para participar politicamente. 5. A RESPONSABILIDADE COOPERATIVA A responsabilidade societária cooperativista, já analisada por ilustres juristas42, abarca diversos deveres para o associado associado cooperativista. Na presente análise, não se busca avalia-la la de forma a se alcançar às hipóteses já previstas expressamente em lei43. O 41 Willian F. OGBURN e Meyer F. NIMKOFF. Cooperação, competição e conflito, in Homem e sociedade: leituras básicas de sociologia geral, p.242. 42 Renato Lopes BECHO. Elementos de direito cooperativo. cooperativo Ênio Meinen, in Cooperativas de crédito no direito brasileiro. Antônio Correa, in Cooperativismo e o novo código civil. 43 Artigos rtigos 11 e 12 da Lei 5.764/71 e artigo 1.095 do Código Civil de 2002. TEXTO PUBLICADO NA OBRA: ASPECTOS JURÍDICOS DAS COOPERATIVAS DE CRÉDITO [ed. Mandamentos. Belo Horizonte – 2005]. 22 _________________________________________________________________________ entendimento presente é sediado na importância da avaliação plena da estrutura cooperativista de crédito como o corpo vivo vivo no qual está materializada a emanação de vontade dos associados cooperativistas. Desse ponto, surge a primeira responsabilidade do associado cooperativista que advém da decisão de integrar a cooperativa. Nessa primeira decisão o associado cooperativista ta de crédito assume uma responsabilidade contra si próprio, pois passa a deixar a vida individual para agir, de forma até simbiótica, como avalia Dante Cracogna44, em uma comunidade denominada cooperativa. Em seguida ao momento que decide se admitir na sociedade cooperativa o associado cooperativista passa a compartilhar o patrimônio comum de uma comunidade, assumindo, a partir daí, a responsabilidade maior de manter o seu próprio bem e o bem das demais pessoas oas que a compõem. Tal como na ilustração trazida em epígrafe, por ato voluntário, toma uma casa dentro da comunidade, nela detendo o poder de usufruir a moradia, contudo, também assume o dever de mantê-la, mantê la, pois em momento seguinte outro participante da comunidade munidade irá assumi-la, assumi la, sendo que a si próprio será concedida nova moradia igualmente cuidada pelos iguais em estado de cooperação. Portanto, tem-se se aí a responsabilidade cooperativista, a qual é constituída pela série de deveres que o associado assume em prol da comunidade em que se admitiu. Não somente firma o contrato, mas sim se insere em um novo mundo, que extrapola a individualidade, e que, como um organismo vivo, depende de cada uma de suas células ou seres para continuar viva no objetivo para que foi foi criada, ou seja, para o fim de auxiliar seus próprios componentes. Tal responsabilidade ocorre permanentemente em um estado contínuo denominado cooperação. No contexto cooperativista de crédito, o associado confia recursos iniciais, em aporte de sua participação rticipação societária, mas tais recursos não passarão a lhe ser fator de 44 El problema del capital y el financiamiento cooperativo, in Estúdios Cooperativos. TEXTO PUBLICADO NA OBRA: ASPECTOS JURÍDICOS DAS COOPERATIVAS DE CRÉDITO [ed. Mandamentos. Belo Horizonte – 2005]. 23 _________________________________________________________________________ caracterização interna na sociedade, pois são meros atos de confiança inicial na sociedade. O associado cooperativista de crédito será reconhecido internamente por meio de sua participação pação na estrutura em que se admitiu, seja depositando seus recursos em aplicações ou tomando recursos em empréstimos, mas, primordialmente, pelo fato de inserir-se inserir na gestão democrática dessa instituição que, como já se salientou, não se baseia apenas na igualdade de voto que tem em relação aos demais componentes da sociedade, mas sim na intenção e na execução de atos necessários ao bem cooperativo que é o bem da comunidade que passa a fazer parte. Sem dúvida alguma uma cooperativa é uma sociedade política, política, haja vista o próprio norte dado pelo princípio da gestão democrática,, e nesse sentido, como ensina Antonio Correa, tem o associado cooperativista um primeiro dever que é o de “realizar o bem público material e moral da coletividade”.45 Alcançado esse dever, dever, em vista do estado permanente de cooperação, têm os associados cooperativistas os atributos e prerrogativas normais de administradores ou proprietários que avaliam seu empreendimento, fiscalizando-o fiscalizando o e se esforçando em definir e defender linhas estratégicas gicas que comunguem com seus próprios interesses. Trata-se, Trata portanto, da responsabilidade política cooperativa que garante ao associado cooperativista a figura da denominada dupla qualidade, qualidade, uma vez que estará sendo, simultaneamente, a pessoa que decide e a que recebe as decisões da sociedade. 6. CONCLUSÃO Em vista das ponderações apresentadas, conclui-se conclui se que o associado cooperativista de crédito é parte integrante de uma comunidade. Não há mera constituição de estrutura societária para a exploração de uma uma atividade econômica, mas sim há a comunhão de esforços para que a própria comunidade otimize seus resultados, por meio da utilização dos recursos das pessoas que a compõem, ampliando, assim, os resultados dos próprios 45 CORREA, Antônio. A responsabilidade civil e tributária das cooperativas. cooperativas In Cooperativismo e o novo Código Civil, p. 104. TEXTO PUBLICADO NA OBRA: ASPECTOS JURÍDICOS DAS COOPERATIVAS DE CRÉDITO [ed. Mandamentos. Belo Horizonte – 2005]. 24 _________________________________________________________________________ associados. Não se tem, portanto, empresa empresa constituída para que seja exercida atividade financeira na qual se explore a concessão de recursos a terceiros, mas sim, há a prestação de serviços, onde o meio e o fim são comuns, e somente voltados para os que compõem a sociedade. Tem-se uma estrutura tura onde os associados cooperativistas intermediam seus recursos entre si próprios, mediante a constituição de propriedade que lhes é comum. Ao mesmo tempo em que confiam recursos à intermediação da sociedade, estão também tomando esses recursos. Logo, não o há diferenciação das pessoas que tomam e recebem créditos, havendo sim a confusão jurídica dessas figuras na pessoa do associado cooperativista de crédito. Nesse meio que é a sociedade cooperativa de crédito, são transitados recursos entre os próprios associados ssociados que a compõem, e isso ocorrendo conforme a emanação de vontade que lhes é própria. Tão logo ingressam na sociedade cooperativa de crédito, os associados passam a usufruir os serviços proporcionados, mas tais serviços não se confundem com o dinheiro ro que tomam ou depositam. Esses serviços traduzem-se traduzem se na possibilidade de se alcançar crédito ou de se remunerar valores, por meio da prestação mútua de serviços entre os próprios associados cooperativistas de crédito. Simultaneamente lhes é proporcionado o exercício da atividade econômica de conceder crédito aos semelhantes que compõem a sociedade e deles também tomar valores em mútuo. Não há, portanto, a transferência patrimonial usual constatada em bancos comerciais ou outras instituições financeiras, onde on os proprietários da instituição e os usuários são pessoas distintas. Para tanto, como já se ressaltou, precisam estar em permanente estado de cooperação, também entendido como ajuda mútua, no qual prestam serviços a si próprios. Nessa relação são donos e clientes,, e detém a propriedade comum do que se denomina cooperativa que, por sua vez, é a personificação jurídica da comunidade que integram. Enfim, nesse permanente estado de cooperação, vale o respeito à pessoa do associado cooperativista quanto às qualidades que assume quando ingressa em uma TEXTO PUBLICADO NA OBRA: ASPECTOS JURÍDICOS DAS COOPERATIVAS DE CRÉDITO [ed. Mandamentos. Belo Horizonte – 2005]. 25 _________________________________________________________________________ cooperativa de crédito. Tratar o membro de uma cooperativa de crédito como mero cliente ou mero proprietário é desrespeito à comunhão dessas qualidades que o fazem, em conjunto, associado cooperativista de crédito. crédito. Não deve haver categorização como apenas um cliente ou proprietário, mas sim, e ao mesmo tempo, deve haver o entendimento da condição de dupla qualificação em ser as duas figuras. Nesse sentido, faltar-lhe faltar lhe a consideração de associado cooperativista de crédito é desrespeito ao próprio exercício de associação que buscou ao se admitir na cooperativa de crédito. Não lhe reconhecer a responsabilidade maior de ser associado cooperativista é descrédito à sua própria competência em exercer uma atividade econômica econôm por meio da denominada sociedade cooperativa de crédito. Muitas vezes, até por desconhecimento da grandeza de sua condição pessoal, o associado cooperativista de crédito, preferirá entenderentender se como mero cliente,, mas se assim ocorrer, deverá o aplicador do Direito buscar enxergar se não está de frente com uma situação de oportunismo, pois, como já salientado, em se prestigiando o associado em somente uma de suas qualidades, a outra estará prejudicada, estando, ademais, todos os restantes integrantes da cooperativa ooperativa de crédito tolhidos do exercício pleno da atividade econômica que intentaram quando celebraram o contrato de sociedade em estado de cooperação, cooperação, sendo, portanto, comprometida a harmonia da vida nessa comunidade. 7. BIBLIOGRAFIA ARIZMENDIARRIETA,, José Maria. Pensamientos.. Otalora (Azatza): Gráficas Lizarra, 2001. BECHO, Renato Lopes. Elementos de direito cooperativo. cooperativo 1a edição. São Paulo: Dialética, 2002. ___________________ (coordenador). Problemas atuais do Direito Cooperativo. 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