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MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO
PROCURADORIA-GERAL
CÂMARA DE COORDENAÇÃO E REVISÃO
Processo PGT/CCR/PP/Nº 3731/2014
Câmara de Coordenação e Revisão
Origem: PRT 2ª Região.
Interessados:
Assunto:
1. João Carlos Gouvêa
2. Coopermax – Cooperativa de Trabalho
Temas Gerais 09.17.
Procurador Oficiante: Giselle Alves de Oliveira
EMENTA: RECURSO ADMINISTRATIVO CONTRA
DECISÃO
DE
INDEFERIMENTO
LIMINAR
DE
INSTAURAÇÃO DE PROCEDIMENTO INVESTIGATIVO
PARA
APURAR
ILEGALIDADE
EM
PROCESSO
ELEITORAL DA COOPERMAX- COOPERATIVA DE
TRABALHO
DOS
CONDUTORES
DE
VEÍCULOS
AUTOMOTORES DA BAIXADA SANTISTA. DENÚNCIA
DE TRATAMENTO DISCRIMINATÓRIO DE ELEITORES
COM PREJUÍZO PARA O PRINCÍPIO DEMOCRÁTICO
ACOLHIDO PELO ART 3º,II e XI da Lei 12.690/2012.
1. A denúncia diz respeito a tratamento privilegiado e
discriminatório de dois cooperados da COOPERMAXCOOPERATIVA DE TRABALHO DOS CONDUTORES DE
VEÍCULOS AUTOMOTORES DA BAIXADA SANTISTA
em detrimento de cerca de duzentos associados que
tiveram obstado o direito de participarem de assembleia
geral ordinária - realizada em 28.11.2013 sem
prejuízo de sua remuneração e de retorno ao posto
de trabalho- que tinha os seguintes objetivos
(fl.3):Reforma integral do estatuto social, inclusive para
adequação à Lei 12.690/2012;Aprovação do regimento
interno da cooperativa; Definição das regras de
relacionamento da cooperativa e forma de execução dos
trabalhos; Deliberação sobre a forma de custeio dos
direitos sociais previstos na Lei 12.690/2012, inclusive
através da criação de fundos rotativos;Recomposição do
Conselho de Administração para eleição do novo
Secretário, em razão do pedido de renúncia do Sr. Alberto
Lopes de Oliveira;Deliberar sobre a remuneração dos
membros do Conselho de Administração.2. Ilegalidade
trabalhista que apresenta relevância social, pois se
trata de direito difuso à garantia do princípio
democrático
aplicado
à
organização
e
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funcionamento das sociedades cooperativas tal e
como insculpido nos artigos 2º, § 2º e art 3º, II e
XI da Lei 12.690/2012. Incidência dos arts. 127 e
129 da Constituição da República para garantia da
ordem jurídica e do regime democrático. Recurso
conhecido e provido. Promoção de arquivamento
não homologada com retorno à instância de origem
para as providências de estilo.
Recurso administrativo interposto por JOÃO CARLOS
GOUVÊA (FL.14-15) em razão de indeferimento liminar (FL. 1112) pela Procuradora do Trabalho GISELE ALVES DE OLIVEIRA
de instauração de inquérito civil público para apurar
irregularidades
denunciadas
na
Notícia
de
Fato
n
000431.2013.02.003/0-000.
A denúncia diz respeito a tratamento privilegiado e
discriminatório
de
dois
cooperados
da
COOPERMAXCOOPERATIVA DE TRABALHO DOS CONDUTORES DE
VEÍCULOS AUTOMOTORES DA BAIXADA SANTISTA em
detrimento de cerca de duzentos associados que tiveram obstado
o direito de participarem de assembleia geral ordinária realizada
em 28.11.2013 que tinha os seguintes objetivos (fl.3):
a) Reforma integral do estatuto social, inclusive para adequação
à Lei 12.690/2012;
b) Aprovação do regimento interno da cooperativa;
c) Definição das regras de relacionamento da cooperativa e
forma de execução dos trabalhos;
d) Deliberação sobre a forma de custeio dos direitos sociais
previstos na Lei 12.690/2012, inclusive através da criação de
fundos rotativos;
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e) Recomposição do Conselho de Administração para eleição do
novo Secretário, em razão do pedido de renúncia do Sr.
Alberto Lopes de Oliveira;
f) Deliberar sobre a remuneração dos membros do Conselho de
Administração.
Invocando a Lei 12.690/2012, o denunciante pede o
“cancelamento” da assembleia sob os seguintes argumentos:
“[...] em virtude da irregularidade praticada pelo Presidente,
Sr. Wilson dos Santos Maria, onde ele convocou 2 líderes para
comparecerem a mesma em pleno horário de trabalho, onde
era realizado o embarque de veículos, sob alegação de que
havia autorização do Gerente do terminal, Sr. Abel Zillig.
Ocorre que a suposta autorização foi concedida apenas
para líderes, que são nomeados pelo presidente, ficando
vedada aos demais cooperados.
[...]
Para comparecer a citada reunião, eu e demais associados
perdemos o dia de trabalho, no entanto esses líderes não, já
que retornaram a empresa.
[...]
Além de ter mentido a respeito de tal liberação, houve um
favorecimento explícito em detrimento aos demais associados.”
O indeferimento liminar de instauração de
procedimento preparatório para apuração da irregularidade
denunciada está motivado nas seguintes razões:
“Cuida-se de notícia de fato instaurado perante esta PTM em
razão de denúncia nº 2388/2013, realizada em 03/12/2013,
noticiando, em suma, a prática de irregularidade em
assembleia de eleição da direção da cooperativa ora
representada.
Pois bem; constatada a veracidade do teor da denúncia
revela-se ilegalidade trabalhista que não apresenta
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relevância social, pois se trata de direito meramente
individual do denunciante que se sentiu prejudicado.
Logo, não justifica atuação do Ministério Público do
Trabalho.
Cabe ao Ministério Publico do Trabalho a “defesa da ordem
jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e
individuais indisponíveis” (art. 127, caput, da Constituição
Federal) e também dos direitos difusos, coletivos e individuais
homogêneos, no tocante aos trabalhadores, ampliativamente.
[...]
A só lesão trabalhista, quando não atinge um grupo pelo
menos significativo de trabalhadores e não chega ao ponto de
configurar violação de natureza difusa, coletiva ou individual
homogênea, não é suficiente para provocar a intervenção do
MPT, restando a sua defesa pelo próprio trabalhador, via ação
individual. Ou seja, o denunciante pode individualmente utilizar
a esfera judicial para pleitear direito que entende ter sido
violado.
Não há nos autos nenhum indício que aponte a violação
a direitos de uma coletividade ou mesmo direitos
individuais homogêneos que expressem origem comum,
atingindo vários trabalhadores, eis que conforme podese perceber na própria denúncia, o fato diz respeito
exclusivamente ao denunciante que afirma se sentir
prejudicado em decisão proveniente de assembleia que
gerou sua perda de eleição.[...]”
Em sede recursal o denunciante aduz, em síntese, o
seguinte:
“[...] venho respeitosamente discordar do parecer da
Procuradora Giselle Alves de Oliveira, quando menciona que
trata-se de um processo de caráter individual porque segundo
entendimento da mesma, prejudicou apenas a minha pessoa
por ter perdido a eleição, que assim descaracterizaria a
atuação do Ministério Público, já que este interfere apenas no
interesse da coletividade e não de interesses individuais.
Talvez ela desconheça que a Coopermax tem quase 200
associados, sendo que no dia da citada Assembléia que iria
votar a escolha de um diretor para compor a chapa, havia um
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trabalho na tomadora de serviços principal, Deicimar, onde
foram escalados 40 homens de cada cooperativa (são duas as
que atuam simultaneamente na empresa), perfazendo um total
de 80 homens.”
Notificada a denunciada apresentou contra-razões
ratificando, em síntese, os argumentos lançados na promoção de
arquivamento. (fls. 20-26).
É o relatório, em síntese.
CONHECIMENTO
O recurso apresentado pelo denunciante está
fundamentado e é tempestivo, haja vista a observância do prazo
previsto no artigo 10-A da Resolução CSMPT nº 69/2007.
VOTO
A denúncia diz respeito a tratamento privilegiado de
cooperados (2) em detrimento de um coletivo estimado em
quarenta, para participarem de assembleia de cooperativa que
tinha como objeto não apenas a eleição de diretoria: envolvia,
também, temas como reforma estatutária, regimento interno,
definição das regras de relacionamento da cooperativa e forma de
execução dos trabalhos; deliberação sobre a forma de custeio dos
direitos sociais previstos na Lei 12.690/2012, e, inclusive, forma
de custeio de direitos sociais
através da criação de fundos
rotativos, matérias que afetam ao coletivo dos cooperados [ cerca
de 200] e a legalidade e legitimidade de funcionamento da
cooperativa.
Sendo assim, a questão não diz respeito a direito
individual do denunciante, mas ao funcionamento da cooperativa [
que possui cerca de 200 associados] e ao coletivo de
trabalhadores a ela vinculadas a partir de uma relação jurídica-
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base [ o vínculo associativo] de acordo com o marco normativo
estabelecido pela Lei 12.690/2012.
O marco normativo relativo às cooperativas no Brasil é
integrado pela Lei nº 12.690, de 19 de julho de 2012 e, no que
ela for omissa, pela Lei nº 5.764, de 16 de dezembro de 1971, e
pelo Código Civil brasileiro, marco infraconstitucional que encontra
fundamento de validade na Constituição da República de 1988
(artigo 5º, inciso XVIII, artigos 21, 174, 187 e 192). O artigo 146
remete a matéria a lei complementar, mas na falta desta é
recepcionada como tal a Lei nº 5.764.
Sobre a matéria não é demais transcrever as
disposições legais que procuram assegurar o princípio democrático
no âmbito das sociedades cooperativas, no caso os arts 1 a 3º da
Lei 12.690/2012, a seguir transcritos:
“Art. 1o A Cooperativa de Trabalho é regulada por esta
Lei e, no que com ela não colidir, pelas Leis nos 5.764, de 16 de
dezembro de 1971, e 10.406, de 10 de janeiro de 2002 Código Civil.
Parágrafo único. Estão excluídas do âmbito desta Lei:
I - as cooperativas de assistência à saúde na forma da
legislação de saúde suplementar;
II - as cooperativas que atuam no setor de transporte
regulamentado pelo poder público e que detenham, por si ou
por seus sócios, a qualquer título, os meios de trabalho;
III - as cooperativas de profissionais liberais cujos sócios
exerçam as atividades em seus próprios estabelecimentos; e
IV - as cooperativas de médicos cujos honorários sejam
pagos por procedimento.
Art. 2o Considera-se Cooperativa de Trabalho a sociedade
constituída por trabalhadores para o exercício de suas
atividades laborativas ou profissionais com proveito comum,
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autonomia e autogestão para obterem melhor qualificação,
renda, situação socioeconômica e condições gerais de
trabalho.
§ 1o A autonomia de que trata o caput deste artigo deve
ser exercida de forma coletiva e coordenada, mediante a
fixação, em Assembleia Geral, das regras de funcionamento da
cooperativa e da forma de execução dos trabalhos, nos termos
desta Lei.
§
2o
Considera-se
autogestão
o
processo
democrático no qual a Assembleia Geral define as
diretrizes para o funcionamento e as operações da
cooperativa, e os sócios decidem sobre a forma de
execução dos trabalhos, nos termos da lei.
Art. 3o A Cooperativa de Trabalho rege-se pelos seguintes
princípios e valores:
I - adesão voluntária e livre;
II - gestão democrática;
III - participação econômica dos membros;
IV - autonomia e independência;
V - educação, formação e informação;
VI - intercooperação;
VII - interesse pela comunidade;
VIII - preservação dos direitos sociais, do valor social do
trabalho e da livre iniciativa;
IX - não precarização do trabalho;
X - respeito às decisões de asssembleia, observado o
disposto nesta Lei;
XI - participação na gestão em todos os níveis de
decisão de acordo com o previsto em lei e no Estatuto
Social.
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Portanto, a violação ao princípio democrático aplicado
às sociedades cooperativas
reclama ampla participação dos
associados não apenas na eleição do seu corpo diretivo, mas,
também na definição de normas-regra para a sua organização e
funcionamento. No caso dos autos há denúncia de fraude e
ofensa aos artigos 2º, § 2º e art 3º, II e XI da Lei 12.690/2012, o
que afasta a caracterização da lesão ao princípio democrático
como lesão de cunho individual.
Como visto, a ordem jurídico-constitucional brasileira
estabelece como diretriz o fomento e apoio à criação de
cooperativas, competindo ao Ministério Público do Trabalho velar
para que referida entidade associativa não seja instrumentalizada
para fraudar a legislação trabalhista, notadamente para mascarar
verdadeiras relações de emprego. Tanto é assim que estabelece
como um de seus objetivos – que é perseguido em plano de
execução pela CONAFRET- o combate às cooperativas
fraudulentas.
Diz a CONAFRET sobre a preocupação e
necessidade atuação institucional articulada e coordenada do
Ministério Público do Trabalho quanto às cooperativas:
“As falsas cooperativas de trabalho, no momento, são motivo
de destacada preocupação ministerial, porque tais entidades,
sob o pretexto do desemprego vêm encontrando facilidade de
marketing para vender suas ideias nos mais variados setores
da sociedade, até perante os setores governamentais”.
Se é assim, é tarefa do Ministério Público do Trabalho
zelar pela regularidade do funcionamento das cooperativas,
notadamente no que diz respeito ao processo democrático de suas
deliberações, vez que não pode a entidade cooperativa servir a
interesse próprio daqueles aos quais está afeta a tarefa de gestão
e administração. Se isto é verdade, não é menos verdade que
fraude no processo eleitoral de seus diretivos com práticas de
favorecimento a um grupo em detrimento de outro, não afetam
direitos meramente individuais dos preteridos, mas a própria
instituição cooperativa.
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Pelo conhecimento e provimento do recurso.
CONCLUSÃO
Pelos
fundamentos
aduzidos
o
voto
é
pelo
conhecimento e provimento do recurso com a consequente não
homologação da promoção de arquivamento porque atentatória às
prescrições do art. 127 e 129 da Constituição da República que
autorizam atuação ministerial para preservação da ordem jurídicoconstitucional violada – interesse difuso- , no caso os arts. 2º, §
2º e 3º, II e
XI, não bastasse a circunstância de que o
combate a falsas cooperativa é meta institucional do Ministério
Público do Trabalho, tal e como aprovadas pelo seu Conselho
Superior.
Brasília, 10 de junho de 2014.
EDELAMARE BARBOSA MELO
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