EDUCAÇÃO COOPERATIVISTA: CONCEITOS, REFLEXÕES E A
EXPERIÊNCIA DA BLUCREDI1
Marcel Siebert2
RESUMO: Preconizada claramente pelo 5º principio cooperativista, a educação, além de ser obrigação
dos gestores das cooperativas, é ferramenta essencial para viabilizar a efetiva participação dos associados
na sua instituição. Por outro lado, na medida em que a cooperativa é um empreendimento econômico,
quanto mais envolvido estiver o associado do ponto de vista da compreensão de seu papel na cooperativa,
maior será sua fidelização e a perspectiva de usufruto dos produtos e serviços a ele oferecidos. A
educação cooperativista tem a tarefa de promover a integração social e ativa participação dos associados
na cooperativa, definindo assim com clareza os seus diversos papéis, quais sejam o de usuário, de
proprietário e de investidor. Desde os primórdios do cooperativismo, seus precursores e os intelectuais
que formataram suas bases teóricas, já vislumbravam a relevância da educação cooperativista para o
pleno desenvolvimento dos empreendimentos cooperativistas. O tema abordado tem relevância
contemporânea, posto que o desenvolvimento do cooperativismo em nível mundial deve estar
acompanhado de uma constante reafirmação dos princípios cooperativistas. Através de uma breve revisão
bibliográfica dos principais pensadores brasileiros, o artigo enseja buscar pontos de convergência entre os
aspectos sociais e econômicos envolvidos no processo de educação cooperativista.
Palavras chave: Educação. Cooperação. Cooperativismo. Formação.
1. INTRODUÇÃO
O Cooperativismo é tido como um dos principais instrumentos para a promoção
do desenvolvimento econômico e social ao gerar e distribuir renda e promover o capital
social nas comunidades que o praticam (BIALOSKORSKI NETO, 2002). Além disso, a
cooperativa, de qualquer ramo, também resgata a cidadania por meio da participação, do
exercício da democracia, da liberdade, da autonomia, podendo ser considerada uma das
mais avançadas formas de organização da sociedade civil.
Entretanto, as organizações cooperativas encontram dificuldades e desafios para
se manterem no mercado. As razões são diversas, motivadas eventualmente por
problemas de gestão, dificuldades de capitalização e pela limitação de atuação da
cooperativa oriundos de seus próprios princípios e particularidades. Ao contrário de
empresas convencionais, as cooperativas têm de lidar com demandas específicas dos
sócios, com conflito de papéis dos membros, além de outros problemas próprios de suas
características organizacionais.
1
Artigo apresentado como requisito para conclusão do MBA Executivo Cooperativas de Crédito, turma
2010/B, através do convênio entre Instituto Nacional de Pós-Graduação (INPG) e Universidade Regional
de Blumenau (FURB), em março de 2013.
2
Economista, Diretor-Secretário da Cooperativa de Crédito de Livre Admissão de Associados dos Vales
do Itajaí e Itapocú e do Litoral Norte de Santa (SICOOB – BLUCREDI)
São muitos os que afirmam, baseados nas modernas técnicas de gestão,
comportamento e em teorias econômicas, que a solução seria viabilizar a mudança dos
princípios do cooperativismo e adotar técnicas de gestão análogas às empresas
mercantis tradicionais.
Outros, no entanto, acreditam que a doutrina cooperativa traz mais vantagens do
que problemas e seus princípios podem levar à maior competitividade e, por
consequência, ao êxito econômico. Neste contexto, a relação de confiança entre o
associado e a cooperativa é a chave para ajudar a compreender a chamada “fidelização”,
ou seja, o compromisso existente entre o cooperado e a sua cooperativa, transcendendo
uma mera relação preconizada nos estatutos sociais.
Aliás, esta fidelidade do associado tem impacto direto no desempenho
econômico e social das cooperativas, na medida em que potencializa o envolvimento do
associado em todas as atividades da organização à qual está associado.
No entanto, a construção desta relação de confiança não se dá somente com base
nas chamadas vantagens objetivas propiciadas pelo cooperativismo, como redução de
custos, retorno de sobras, etc. É fundamental a reafirmação dos princípios que fazem do
cooperativismo a referência para cerca de 1/5 da população mundial.
E esta reafirmação dar-se-á através da prática cotidiana e do desenvolvimento da
educação cooperativista, que tem por principal tarefa promover a integração social e a
participação ativa dos cooperados, ou seja, fazer que eles estejam presentes na gestão do
empreendimento e no usufruto dos produtos e serviços econômicos e assistenciais
oferecidos pela instituição, bem como estar absolutamente cientes dos princípios
filosóficos que norteiam o empreendimento cooperativo.
Este trabalho busca fazer uma reflexão sobre as origens teóricas do
cooperativismo e a importância da educação cooperativista no desenvolvimento das
cooperativas, em especial as do ramo crédito. A intenção é abordar e reforçar o caráter
essencial do 5º princípio cooperativista que, apesar de ter sido formulado há cerca de
um século, mantém sua contemporaneidade.
Inserida nesse contexto, será feita breve análise da atuação da Blucredi nesse
campo, destacando seus projetos e a abrangência desta ação em relação ao conjunto dos
seus associados.
Buscando abranger a temática de forma ampla, foi feita uma revisão
bibliográfica que contemplasse as reflexões de alguns dos principais formuladores do
cooperativismo brasileiro na atualidade, em especial nas publicações recentes que hoje
referenciam os programas de pós-graduação na área de gestão cooperativa. Os dados e
informações referentes à Blucredi foram fornecidos pela Gerência de Comunicação
Social, a partir de seus registros históricos do Programa Cooperação e das fichas de
avaliação originadas a partir das palestras.
2. AS ORIGENS DO COOPERATIVISMO
A cooperação tem sua origem nos primórdios, quando as sociedades agrárias já
vivenciavam esta ideia. São encontrados em diversas culturas inúmeros exemplos que
revelam que o ato de cooperar é uma prática que remonta a tempos muito antigos e que
se tornou característica de muitos povos. Já nas antigas civilizações como Babilônia,
Grécia, Roma, Armênia, Germânia, Rússia e México é possível identificar a existência
de sistemas associativos voluntários de exploração de atividades econômicas, sempre
movidos pelo mesmo objetivo: buscar soluções através da ajuda mútua e da
solidariedade (GUIMARÃES, 1999).
Contudo, após o surgimento do mercantilismo, essa prática tornou-se menos
frequente a ponto de as sociedades modernas relegarem ao esquecimento a sua essência:
a promoção do bem comum. Com o surgimento da desigualdade entre os indivíduos, ou
de grupos sociais, na participação da produção das riquezas e de bens materiais
produzidos, a história do homem passa a ser marcada por constantes lutas sociais, como
contraponto a acumulação individual de riqueza por poucos em detrimento das
necessidades da maioria.
Como forma de reação ao avanço do liberalismo econômico, que gerou nas
sociedades capitalistas o individualismo exacerbado, vários movimentos surgiram a
partir de meados do século XVIII, todos eles dando ênfase aos ideais comunitários,
solidários e cooperativos. Muitas propostas foram formuladas por intelectuais daquele
século, ocupando principalmente da crítica ao sistema econômico vigente, mas,
principalmente, formulando recomendações e projetos alternativos e utópicos.
Entre estes intelectuais que formularam as bases da doutrina cooperativista e,
por esta razão, conhecidos como os precursores do cooperativismo, merecem destaque
Robert Owen e Charles Fourier. Foram eles que expressaram os fundamentos teóricos
que viabilizaram o contraponto ao liberalismo extremado decorrente da chamada
Revolução Industrial (GUIMARÃES, 1999).
Com base nestes fundamentos, em dezembro de 1844, em Rochdale, na
Inglaterra, um grupo de operários criou o primeiro empreendimento cooperativo
alicerçado em princípios que até hoje sustentam o cooperativismo. Era uma pequena
cooperativa de consumo, formada por 28 tecelões que buscam alternativas que
viabilizassem a aquisição coletiva de gêneros alimentícios e de vestuário.
Os estatutos da “Sociedade dos Probos Pioneiros de Rochdale” são consideradas
as primeiras regras escritas que expressavam o espírito cooperativista, alinhadas em um
conjunto de normas que permitiam a compreensão dos pioneiros.
Meio século após, em 1895, com o absoluto sucesso do cooperativismo e sua
ramificação por praticamente toda a Europa, foi fundada a Aliança Cooperativa
Internacional, que desde logo se preocupou em codificar e selecionar na forma de
princípios o conjunto de regras e valores que inspiram o movimento cooperativista. Na
verdade, é o conjunto de conceitos éticos e morais comuns a todos aqueles que
participam de um empreendimento cooperativo. Analisando os Princípios dos Pioneiros
de Rochdale, identificou a ACI que eles acreditavam na Liberdade, na Democracia, na
Honestidade, na Solidariedade e na Equidade.
Somente em 1937, no seu Congresso de Paris, que a ACI finalmente aprovou
oficialmente um conjunto de princípios que, a partir de então, deveriam ser adotados
internacionalmente pelas cooperativas.
O rápido crescimento do cooperativismo no terceiro mundo, bem como a
evolução da economia e suas mudanças sociais e políticas, exigiam uma reformulação
destes princípios, adaptando-os à realidade contemporânea. Mudanças significativas
foram introduzidas no Congresso de Viena, em 1966 e, especialmente, no chamado
Congresso do Centenário, ocorrido em 1995, na Inglaterra. A Declaração da Identidade
Cooperativa, como ficou sendo chamada, consagrou os seguintes princípios
(GUIMARÃES, 1999):
1º - adesão voluntária e livre;
2º - gestão democrática pelos cooperados;
3º - participação econômica dos cooperados;
4º - autonomia e independência das cooperativas;
5º - educação, formação e informação;
6º - Interoperação;
7º - interesse pela comunidade.
Definiu também a Aliança Cooperativa Internacional o conceito de cooperativa:
“é uma associação autônoma de pessoas, unidas voluntariamente, para atender às suas
necessidades e aspirações econômicas, sociais e culturais comuns, através de uma
empresa coletiva e democraticamente controlada”. Assim, o surgimento do
cooperativismo em nível mundial pressupõe sempre a preocupação com valores e ideais
humanitários, fazendo desta sua grande distinção em relação a outras iniciativas
empresariais. O cooperativismo é o único movimento socioeconômico do planeta que se
desenvolve sob a mesma orientação doutrinária e assim o é desde o seu surgimento no
século XIX na Inglaterra (MEINEN, 2012).
2.1. O Cooperativismo de Crédito
O sucesso da iniciativa de Rochdale logo se espalhou por toda Europa. As
primeiras iniciativas cooperativistas focadas especialmente no consumo começam a
voltar-se também para outras áreas da atividade humana. Em 1847, na Alemanha,
Friedrich Wilhelm Raiffeisen cria uma associação de apoio à população rural: a
Associação de Caixas de Empréstimo de Heddersdorf. As cooperativas Raiffeisen
estimulavam no associado o hábito da economia sistemática, através de depósitos
regulares, beneficiando-os com empréstimos a juros baixos. Esta iniciativa é
considerada o embrião do cooperativismo de crédito. Posteriormente, na Prússia,
Hermann Schulze cria os chamados bancos populares, dando início ao cooperativismo
de crédito com perfil urbano. Em 1865, em Milão, na Itália, Luigi Luzatti organizou a
primeira cooperativa de crédito cujo modelo herdaria seu nome e que tinha como
principal característica a não exigência de vínculo para associação, empréstimos de
pequeno porte e o trabalho voluntário de dirigentes.
Posteriormente, o cooperativismo de crédito chega à América do Norte.
Inspirado nos ideais de Raiffeisen, Schulze e Luzatti, o jornalista Alphonse Desjardins
idealizou a constituição de uma cooperativa de crédito em Quebec, no ano de 1900. O
modelo se tornou conhecido como cooperativa de crédito mútuo, tendo como principal
característica a existência de algum vínculo entre os associados, como por exemplo,
serem integrantes de uma mesma categoria profissional.
2.2. O Cooperativismo No Brasil
O cooperativismo no Brasil tem sua origem não claramente definida pela
literatura. Apesar de serem inúmeras as experiências precursoras ocorridas no Brasil, o
movimento cooperativista começou a ser conhecido no Brasil em 1841 quando, em
Santa Catarina, um imigrante francês fundou uma colônia de produção com base nos
ideais utópicos de Charles Fourier. Experiências análogas foram ocorrendo em diversos
estados brasileiros, porém de existência efêmera e temporária. Contudo, o primeiro
registro formal do cooperativismo brasileiro, se dá em Ouro Preto (MG), com a
instalação da “Sociedade Cooperativa Econômica dos Funcionários Públicos de Preto
(MG)” em outubro de 1889 (PALHARES 2010).
Em seguida, diversas experiências similares foram sendo implantadas,
especialmente nos estados das regiões sul e sudeste do Brasil. Estas primeiras iniciativas
focam especialmente as cooperativas de consumo e de produção agrícola, na medida em
que já eram sentidas as influências de imigrantes europeus, especialmente italianos e
alemães que aqui começavam a se instalar.
2.3. O Cooperativismo de Crédito Do Brasil
Ao final do século XIX, num cenário de crise alojado em boa parte da Europa,
houve um considerável afluxo de imigrantes europeus para o Brasil. De forma especial,
cerca de 80 mil alemães desembarcaram na região sul de nosso país, instalando-se
especialmente em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul. Neste cenário, o padre Jesuíta
suíço Theodor Amstad, criou em 1902 a 1ª cooperativa de crédito do Brasil, inspirado
nos ideais dos pioneiros do cooperativismo de crédito – urbano e rural, respectivamente,
Hermann Schulze e Friedrich Raiffeisen (MEINEN 2012).
Em Santa Catarina a primeira instituição financeira nos moldes cooperativistas
foi criada em 1907: a Caixa Agrícola de Blumenau. Após esta iniciativa pioneira,
surgiram caixas similares em outras localidades, como Rodeio e Rio do Sul.
Em outubro de 1932, foi fundada a Sociedade Cooperativa de Crédito Rural e
Responsabilidade Ilimitada “Caixa Rural União Popular de Porto Novo”, a primeira
cooperativa de crédito no Estado de Santa Catarina na cidade de Itapiranga, que seguiu
o modelo Reiffeisen. Única instituição bancária existente naquela cidade, foi por muito
tempo responsável pela movimentação financeira. (COOPERATIVA CENTRAL DE
CRÉDITO DE SANTA CATARINA, 2010).
As cooperativas de crédito foram se disseminando pelo país afora sem maiores
contratempos. Somente em 1964, após o golpe militar, as cooperativas passaram a ser
alvo de atenção do governo. Com medo de insurgência entre os cooperados, o governo
intensificou o controle estatal sobre o cooperativismo brasileiro. (COOPERATIVA
CENTRAL DE CRÉDITO DE SANTA CATARINA, 2010).
Em 1971, essas dificuldades começam a ser superadas com a edição da lei nº
5.764, de 16 de dezembro de 1971, conhecida como a lei Cooperativa, posteriormente
atualizada pela lei Complementar nº 130/2009, que atribuiu ao Banco Central do Brasil
as tarefas de fiscalizar e controlar as cooperativas de crédito. Deu-se início a um
processo de estabilidade, pois a cooperativas contavam agora com normas específicas
da política nacional de cooperativismo. A partir desse marco histórico, com o
disciplinamento adequado, o segmento do
cooperativismo vem crescendo e se
desenvolvendo.
2.4. Os Valores do Cooperativismo
Diferentemente de uma organização econômica tradicional, o cooperativismo se
sustenta, além dos princípios anteriormente definidos e demarcados formalmente, em
uma série de valores que, apesar de não existir uma listagem definitiva, foram definidos
por MEINEN (2012) como:
a) Solidariedade: é a responsabilidade conjunta, no compromisso coletivo;
b) Liberdade: direito de escolha de sua entidade cooperativa, bem como da hora de
ingresso ou de saída;
c) Democracia: pleno direito de participar da vida da cooperativa em toda sua
dimensão;
d) Equidade: igualdade de direitos, tanto nos aspectos econômicos como sociais;
e) Igualdade: impede a segregação em função de raça, gênero, sexo, ideologia
política, opção religiosa, idade, etc;
f) Responsabilidade: assunção de responsabilidades e cumprimento de deveres
inerentes à participação na cooperativa;
g) Honestidade: retidão, probidade e honradez;
h) Transparência: clareza, explícito conhecimento sobre a vida da entidade;
i) Responsabilidade sócio ambiental: é o compromisso com a sustentabilidade,
respeito ao equilíbrio e às limitações dos recursos naturais.
2.5. Os Princípios do Cooperativismo e a Educação
Conforme já definido anteriormente, os princípios cooperativistas foram
atualizados e consolidados pela Aliança Cooperativa Internacional em 1995,
estabelecidos através de uma Declaração de Identidade que, a partir de então, orientaria
as ações das cooperativas em qualquer parte do mundo.
Percebe-se pelo conteúdo desses sete princípios o quanto o cooperativismo
coloca o ser humano no centro de suas preocupações. E entre elas a Educação, porque,
sem ela, a cooperação não adquire a dimensão necessária à verdadeira libertação das
pessoas no pleno exercício de suas potencialidades.
Toda discussão acerca da Educação Cooperativista está ligada, em sua gênese,
ao 5º Princípio do Cooperativismo, que, em seu enunciado, preconiza a necessidade da
“Educação, Formação e Informação”.
Agregada a este princípio está a chamada “Declaração de Identidade
Cooperativa” que orienta que as cooperativas devem promover a educação e a formação
dos seus associados, dos representantes eleitos e dos trabalhadores de forma que possam
contribuir eficazmente para o desenvolvimento das suas cooperativas. Devem também
informar o público em geral, particularmente os jovens e os líderes de opinião, sobre a
natureza e as vantagens da cooperação.
Este princípio poderia ser chamado também de princípio do desenvolvimento
interior, na medida em que está voltado para o conhecimento do movimento
cooperativista e de suas cooperativas, estas como entes sociais e econômicos.
É também orientação deste princípio a expansão do movimento cooperativista
através da difusão da doutrina, como forma de promover uma melhor organização
econômica da sociedade em que vivemos. Neste aspecto em particular, o
cooperativismo teve uma formidável expansão. Estimativas da ACI dão conta que, em
2011, cerca de um bilhão de pessoas são filhadas às cooperativas, o que representa cerca
de cinco vezes a população brasileira. Sendo a cooperativa uma entidade com fins
econômicos, portanto inserida no mercado, a educação cooperativista inclui o
aprimoramento do desempenho de seus sócios, seja como profissionais em suas
respectivas atividades, seja como partícipes de uma forma alternativa de organização
social. Isto significa dizer que aqueles que ingressam em uma atividade cooperativa
devem ter clareza com relação à doutrina cooperativista e quanto ao funcionamento da
entidade a qual passam a integrar.
Para fazer parte de uma cooperativa, diferente de uma empresa capitalista, é
necessário que além de ser capaz na função, saiba exatamente a filosofia do movimento.
É impossível falar em cooperativismo e em inclusão social sem ter conhecimento sobre
o assunto. É pouco provável que uma cooperativa, não importando o ramo de atividade,
consiga desenvolver-se e solidificar-se sem que as pessoas dominem e respeitem os
valores, os princípios e as regras aplicáveis ao cooperativismo. Através de atividades
relacionadas com educação, formação e informação, a cooperativa possibilita o
desenvolvimento pessoal de seus membros e possibilitará a comprovação, na prática, de
que estas podem melhorar de vida a partir de sua participação na cooperativa. Além
disso, por razões estratégicas, relacionadas com a sobrevivência da empresa no longo
prazo, toda empresa deve ser aceita pela sociedade. Neste contexto, apesar de
eventualmente em curto prazo não apresentarem vantagens aparentes, a manutenção de
ações de educação cooperativista podem garantir o sucesso da empresa em longo prazo,
na medida em que garantem o rejuvenescimento e a perpetuação de seu quadro social .
O ideal, aliás, é que haja programas de formação que considerem o perfil dos
diferentes atores internos, levando em conta o seu grau de envolvimento com a
cooperativa. Além disso, é interessante que se desenvolvam ações mais frequentes e de
maior qualidade que permitam o acesso do grande público às vantagens da cooperação.
Além destas, devem ser articuladas ações para sensibilizar líderes de entidades
de classe, autoridades religiosas, representantes de poder público, professores,
comunicadores, operadores do direito, entre outros. Os valores e princípios do
cooperativismo estão perfeitamente sintonizados com o que se quer como norteadores
de vida para os jovens e também para os adultos, na medida em que incorporam
integralmente conceitos de cidadania e humanística.
Da mesma forma, as federações, confederações e demais entidades que
congregam estas empresas peculiares, devem investir, no âmbito de sua abrangência, na
educação de seus membros e da comunidade em geral, como forma de esclarecimento a
respeito do pensamento cooperativo e incentivo às novas iniciativas de associação de
indivíduos segundo o modelo proposto por esta doutrina.
Na sociedade moderna, marcada fortemente pelo individualismo e pela
competitividade, própria do atual contexto de globalização, é necessário que a educação
cooperativista defina claramente seus objetivos e conteúdos em relação ao tipo de
homem e de sociedade que se pretende formar, concentrando-se essencialmente na
formação de pessoas solidárias, democráticas, capazes de se auto ajudarem e situar o
interesse do grupo pelo menos no mesmo nível de importância do interesse individual e
familiar.
Tal tipo de educação e orientação situa-se totalmente na contramão da
mentalidade hoje dominante, que fomenta o individualismo e a concorrência
desenfreada para obter êxito na vida profissional e familiar. A educação para a
cooperação e a solidariedade andam assim no sentido oposto ao senso comum e por
isso, mais difíceis de serem difundidas junto às organizações cooperativistas e aos
empreendimentos solidários.
Entretanto, a perspectiva da Educação já permeou o cooperativismo desde sua
origem. Os pioneiros de Rochdale reservaram em seus estatutos sociais 2,5% das sobras
para educação de seus membros, já percebendo, naquela época, que para participar de
uma cooperativa a pessoa deveria ser educada para a cooperação e para a vida solidária.
A Legislação Brasileira, seguindo os ditames dos princípios cooperativos
estabeleceu a obrigatoriedade da criação de um “Fundo de Assistência Técnica
Educacional e Social – FATES” para essa finalidade específica de educação, com o
recolhimento de, no mínimo, 5% de sobras líquidas de cada cooperativa no exercício.
Conforme a norma, estes recursos podem ter destinação variada, prevendo a assistência
técnica para melhorar as habilidades profissionais dos trabalhadores das cooperativas,
assistência social para amparo na doença, preparação de associados, funcionários e toda
a comunidade para a cooperação. Inúmeras cooperativas possuem excelentes serviços
em áreas sociais e de assistência técnica, entretanto, poucas são as que têm iniciativas na
área de educação. Apesar de seu caráter fundamental, são ainda tímidas as ações
sistemáticas das cooperativas no sentido de despertar seus associados para a importância
da cooperação e sobre a necessidade de que estes sejam efetivamente ativos em sua
entidade.
Ensejando viabilizar ações que minimizem esta deficiência, o SESCOOP –
Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo – constituído em 1998, é
responsável pelo ensino, formação profissional, promoção social dos colaboradores,
dirigentes e cooperados das cooperativas brasileiras.
As OCEs – Organizações Estaduais das Cooperativas, além das atribuições de
representação dos interesses das cooperativas, fomentam o desenvolvimento do
cooperativismo por meio de cursos seminários e palestras; difundindo, preservando os
valores, princípios e preceitos legais, além de atuar como entidade de assessoria aos
governos estaduais, principalmente no tocante às políticas sociais que envolvam as
cooperativas. Igualmente, mantém uma série de programas permanentes voltados à
formação cooperativista, merecendo destaque o Cooperjovem, focado na perspectiva de
levar os ideiais cooperativistas às escolas de ensino fundamental e médio.
No caso específico do Cooperativismo de Crédito, a CONFEBRAS –
Confederação Brasileira das Cooperativas de Crédito – empreende uma série de ações
no sentido de qualificar os dirigentes e colaboradores das cooperativas deste ramo,
através de cursos em todos os níveis, treinamentos, viagens internacionais e palestras.
2.6. As Dimensões Econômicas e Sociais
Ao contrário dos que pensam que as dimensões econômicas e sociais são
separadas ou mesmo contraditórias, a prática cooperativista torna-se uma questão
política, social e econômica, justamente na medida em que assume importância
econômica (FRANTZ E SCHONARDIE, 2007). Assim, o desenvolvimento econômico
é permeado necessariamente pelas questões sociais e, dentre estas, a educação. Esta
passa a ter a função de reflexão, a discussão e ação dos envolvidos de forma gradual e
contínua, para despertar neles o interesse pela participação e, assim, transformá-los em
agentes do próprio desenvolvimento. A compreensão da relação existente entre
educação e cooperação possibilita o aperfeiçoamento organizacional e institucional das
práticas cooperativas, que hoje tanto se almeja na luta pela competitividade.
Devem os gestores contribuir para que os associados aprendam a cooperar,
participar e gerir a cooperativa da qual são donos, compreendendo qual o seu papel na
organização e percebendo claramente as diferenças de uma cooperativa com outra
organização. Do mesmo modo, as cooperativas devem contribuir para o fortalecimento
das relações da cooperativa com entidades representativas e com a comunidade em
geral, numa estratégia de divulgação da filosofia cooperativista à sociedade.
Entretanto, a questão central para justificar as ações de educação cooperativistas
podem também estar respaldadas no objetivo de estimular a fidelidade e a reciprocidade
dos associados. Estes precisam ter a efetiva compreensão que são ao mesmo tempo
donos,
usuários
e
investidores
da
cooperativa,
condições
que
implicam
responsabilidades distintas. Neste contexto, a falta de educação cooperativista gera a
incompreensão acerca destas realidades diferentes, ocasionando problemas de
infidelidade e oportunismo. Estes problemas induzem à falta de resultados, prejudicam a
capitalização e até a sustentabilidade da cooperativa, levando à conclusão que a
educação tem relação direta com o desempenho econômico da cooperativa.
Por definição, a natureza associativa da cooperativa, exige a integração entre os
sócios e destes com os dirigentes e funcionários da cooperativa, ou seja, exige a
participação. Quanto mais consciente e ativa for esta participação na cooperativa, maior
será também a possibilidade de que ela seja gerida com transparência e
responsabilidade, na medida em que o caráter fiscalizatório da atuação dos associados
gerará um processo natural de governança corporativa. Assim, estabelece-se mais um
vínculo entre a educação cooperativa e a possibilidade de sucesso do empreendimento
cooperativo, reafirmando a proximidade das dimensões sociais e econômicas.
2.7. A Experiência da Blucredi
Desde sua fundação em março de 2000, a Blucredi se defrontou com a
necessidade de implantar um programa de educação cooperativista, na medida em que
esta perspectiva estava apontada já em seu primeiro planejamento estratégico. Criada
originalmente como uma cooperativa segmentada para os servidores públicos
municipais, com o passar do tempo ampliou sua área de atuação – inicialmente restrita
ao município de Blumenau – e, posteriormente, obteve autorização para atuar na
chamada “livre-admissão de associados”. Atualmente está presente em 16 municípios
dos Vales do Itajaí e Itapocú e do litoral norte catarinense. Possui mais de 34 mil
associados, 35 agências e cerca de 300 funcionários, movimentando ativos que se
aproximam dos 250 milhões de reais.
Ciente de suas responsabilidades com a prática cotidiana dos princípios
cooperativos, após uma série de ações isoladas e esporádicas, a Blucredi implantou em
agosto de 2008 o “Cooperação”, programa permanente de Educação Cooperativista.
Formatado com o objetivo de sensibilizar os associados para a participação
permanente e ativa na Cooperativa, o programa está em perfeita consonância com o 5º
Princípio Cooperativista, que trata da Educação e Formação dos associados.
Desenvolvido com o apoio do Instituto Blucredi, braço social da Cooperativa,
tem como missão apresentar para os associados e para a população da área de atuação
da Blucredi, as vantagens do sistema cooperativista de crédito, enfatizando seus
diferenciais em relação às instituições financeiras tradicionais, os bancos comerciais.
Difundir os princípios e a filosofia do cooperativismo e mostrar os benefícios da
participação em uma cooperativa de crédito são seus objetivos principais, entretanto, os
debates acabam muitas vezes superando esta dimensão, posto que uma série de
informações complementares acerca do funcionamento da cooperativa são debatidas
com os associados e, muitas vezes, também com não sócios que são estrategicamente
convidados.
As dinâmicas de realização dos eventos preveem a intensa participação dos
gerentes e colaboradores da cooperativa, na medida em que são eles que organizam as
palestras e formulam os convites à comunidade – associada ou não. Os eventos são
realizados semanalmente nas agências da Blucredi, através de reuniões com duração de
cerca de 90 minutos, normalmente no período noturno, com a participação da Diretoria,
cooperados e seus familiares em geral. Todas as agências devem realizar, no mínimo,
um evento anualmente, sendo que esta é uma ação prevista no plano de metas de cada
uma das unidades da cooperativa.
Objetivando tornar os eventos mais eficazes, a Blucredi produz vídeos
educativos, abordando os princípios e a história do cooperativismo, funcionamento das
cooperativas e sua organização em nível nacional, algumas experiências de sucesso em
nível mundial e, por fim, um vídeo institucional da Blucredi. Estes vídeos,
desenvolvidos pela própria cooperativa em parceria com produtora local, são renovados
a cada dois anos, permitindo a sua atualização constante, acompanhando as mudanças
da realidade do cooperativismo.
Desde 2008 foram realizados no total 120 encontros, envolvendo cerca de 6350
participantes, sócios e não sócios, distribuídos da seguinte forma:
2008: 16 encontros com um total de 522 participantes;
2009: 21 encontros com 1218 participantes;
2010: 30 encontros com 1829 participantes;
2011: 30 encontros com 1521 participantes;
2012: 23 encontros com 1260 participantes.
Numa análise preliminar poderia se concluir que houve uma diminuição no
interesse de participação dos associados ou, por outro lado, na redução do empenho da
cooperativa na realização dos eventos. Porém, dois fatos em especial justificam a
evolução dos números acima: em 2010 houve – a convite – dois eventos em instituições
de ensino superior da região, com a presença de muitos acadêmicos convidados por
professores associados à Cooperativa. Outra razão é que, a partir de 2012 foi
implantado, de forma paralela, outro programa de interação com os sócios, denominado
Educação Financeira. Com eventos formatados analogamente ao Cooperação, também
despertam a atenção dos sócios e promovem a ativa participação dos cooperados, com
foco em finanças pessoais.
Não obstante, pode-se afirmar que, neste período, cerca de 20% do quadro
associativo esteve envolvido nos eventos de educação cooperativista. Em alguns casos
esporádicos, verifica-se a repetição de associados, ou seja, tendo em vista o interesse
que os eventos despertam, alguns associados acabam frequentando-os em mais de uma
ocasião. Entretanto, a orientação geral para os gerentes responsáveis pela organização
dos eventos é que os novos associados sejam convidados prioritariamente,
possibilitando assim que o processo de acolhimento ao quadro funcional ocorra em um
evento de formação, privilegiando informações relacionadas à essência do
cooperativismo.
Outro aspecto importante é destes eventos está relacionado à interatividade que a
atividade acaba propiciando. Os associados têm a oportunidade de fazerem
questionamentos a respeito da cooperativa, encaminharem eventuais demandas,
sugestões ou mesmo críticas. Na verdade, os associados são instigados a esta interação
também através de convite para preencherem uma ficha de avaliação do evento, onde
além de uma ponderação do evento em si, existe espaço apropriado para formulação de
outras questões acerca da cooperativa.
Nestes cinco anos, 2617 fichas de avaliação foram preenchidas, ou seja, cerca de
40% dos participantes manifestaram-se, permitindo a coleta de importante material para
o constante aperfeiçoamento do programa e, também, para a implementação de
eventuais ações no processo de gestão da cooperativa. Reforçando sua importância
estratégica para a Cooperativa, para 2013 o Programa tem como meta a participação de
2200 cooperados, acompanhando assim o crescimento da cooperativa e a abertura de
novas agências.
Igualmente, aproveitando o momento apropriado, em que a comunidade está
reunida, o evento procura também passar mensagem de responsabilidade ambiental aos
cooperados. Todos os presentes recebem um brinde alusivo ao evento e à sua
participação. Esta recordação é uma camisa personalizada produzida por empresa
associada da cooperativa que utiliza garrafas pet recicladas na confecção. Desta forma,
além do algodão, as camisas têm cerca de 20% de fio produzido a partir de material
reciclado. Em cada camisa são utilizadas cerca de 2,5 garrafas pet, através de processo
especial de transformação. Segundo a fabricante, cerca de quinze mil garrafas pet já
foram utilizadas na produção das camisas do “Cooperação”. Apesar de ser uma ação
relativamente simples, está ligada a um processo educativo que chama a atenção dos
associados tendo em vista o seu caráter inédito.
A Blucredi está agindo assim para minimizar e reparar impactos negativos da
ação humana no meio ambiente. Porém, o principal é a difusão da cultura da
sustentabilidade entre os associados, aproveitando um evento de formação
cooperativista para praticar a responsabilidade ambiental. Com certeza, esta ação
encontra entre os sócios uma grande aceitação, não só pela sua pertinência, mas
principalmente pela capacidade de sensibilização coletiva.
3.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Apesar de haver ainda, especialmente no Brasil, um longo caminho a percorrer,
há uma percepção crescente de que a educação cooperativista é de fundamental
importância para o desempenho da cooperativa e desenvolvimento do cooperativismo.
A compreensão da relação desses conceitos, educação e cooperação, possibilita o
aperfeiçoamento organizacional e institucional das práticas cooperativas que hoje tanto
se busca na luta pela competitividade (FRANTZ e SCHONARDIE, 2007).
Assim, além da gestão empresarial propriamente dita, as cooperativas devem
lançar mão da gestão social, ou seja, aquela que tem como objetivo gerar no associado
maior sentimento de pertencimento e de identidade, viabilizando desta forma sua
confiança e consequente fidelização. Esta gestão social deve estar relacionada com a
educação e com a participação dos associados, configurando-se em ferramenta
prioritária para possibilitar uma gestão cooperativa eficiente, que garanta a
sustentabilidade da cooperativa.
Desde sua gênese, o cooperativismo está ligado a valores e princípios essenciais
ao ser humano, que, com o passar do tempo, foram atualizados e ajustados ao
desenvolvimento humano, possibilitando reforçar seu caráter contemporâneo. Cabe,
pois, aos dirigentes cooperativistas aproveitar as imensas oportunidades oferecidas pela
história cooperativista e, além de realizar uma gestão eficiente do ponto de vista
administrativo, aprofundar práticas de educação cooperativista que envolvam,
sensibilizem e fidelizem os associados. Agindo assim, certamente tornarão sua
cooperativa em empreendimento benéfico para os cooperados e a comunidade onde está
inserida.
4.
REFERÊNCIAS
COOPERATIVA CENTRAL DE CRÉDITO DE SANTA CATARINA. SICOOB
Santa Catarina: relatório anual, 2010. Blumenau, 2011. 53 p.
FRANTZ, W. O Cooperativismo e a Prática Cooperativa. In: Perspectiva Econômica,
ano XIX, no 51, Série Cooperativismo no 16, p.53-70. São Leopoldo: UNISINOS,
1985.
GUIMARÃES, Mário Kruel e Araújo Adílson. Ensino Básico do Cooperativismo à
Distância. 2ª edição – Brasília. Confebrás, 1999.
LOREDO DE SOUZA, João Batista e MEINEN, Ênio. Cooperativismo de Crédito –
Gestão Eficaz – Conceitos e práticas para uma administração de sucesso. Confebrás,
Brasília, 2010.
MEINEN, Ênio; PORT, Márcio. O Cooperativismo de Crédito ontem, hoje a amanhã.
Brasília: Confebras, 2012.
ORGANIZAÇÃO DAS COOPERATIVAS DO ESTADO DE SANTA CATARINA.
O Cooperativismo ao Alcance de Todos. 11 ed. OCESC, 2009.
PINHO, Diva Benevides; PALHARES, Valdecir Manoel Affonso. O Cooperativismo
de Crédito no Brasil - do século XX ao século XXI. Brasília, 2010.
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educação cooperativista: conceitos, reflexões e a