Anais do Encontro Nacional de Recreação e Lazer
Voyeurs e
Caminhantes:
reflexões acerca
das apropriações
do espaço urbano
e do cotidiano
na metrópole
moderna
Resumo
O texto que apresentamos se constitui de algumas de nossas reflexões acerca
do tema Urbanização, vida cotidiana e lazer, a partir de nossas experiências
de pesquisas no programa de mestrado em Lazer da UFMG. As principais
discussões que nortearam nossas reflexões partem de inúmeros diálogos e
debates acerca do conhecimento dos processos de urbanização, situando
suas relações com o processo de reprodução social. Também fizeram parte questões que dizem respeito aos processos históricos do surgimento de
um pensamento moderno, o fim da cidade enquanto produto e condição
da economia política e de sua reprodução e as (im)possibilidades do urbano. Com essa análise pretendíamos perceber de que maneiras o processo
de urbanização afetou e ainda afeta a vida cotidiana e as práticas de lazer
dos habitantes de grandes cidades, em especial, de Belo Horizonte. Dessa
maneira, podemos dizer que este estudo tentou, por meio da identificação
das relações de personagens urbanos com o espaço, perceber como os habitantes dessa metrópole brasileira se apropriaram dos seus espaços e estabeleceram novos padrões de sociabilidade impulsionados pela urbanização.
Palavras-chave: Urbanização. Práticas corporais. Vida cotidiana. Educação
do corpo.
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Tecendo ideias
Este texto visa, através, principalmente, da identificação de alguns dos personagens urbanos, perceber de que maneira os habitantes das cidades brasileiras,
principalmente da capital Belo Horizonte, escolhida para representar o ideal
republicano brasileiro, se apropriaram dos espaços da cidade e estabeleceram
novos padrões de sociabilidade impulsionados pelos processos de urbanização.
Nossas reflexões foram instigadas a partir de indicações de leituras da disciplina
Urbanização, vida cotidiana e lazer cursada durante nosso percurso no programa de mestrado em Lazer da EEFFTO da UFMG. Ressaltamos que os apontamentos que aqui fazemos representam o trabalho final da disciplina que propunha diversos caminhos para a análise do espaço urbano. Com essa análise
pretendíamos perceber de que maneiras o processo de urbanização afetou e
ainda afeta a vida cotidiana e as práticas de lazer dos habitantes de grandes
cidades, em especial, Belo Horizonte. Dessa maneira, podemos dizer que este
estudo tentou, por meio da identificação das relações de personagens urbanos com o espaço, perceber como os habitantes dessa metrópole brasileira se
apropriaram dos seus espaços e estabeleceram novos padrões de sociabilidade
impulsionados pela urbanização.
Diante do contato com diferentes autores e diversos eixos temáticos elencados
durante a disciplina, tais como espaço e tempo na metrópole, vida cotidiana,
urbanização, apropriação e uso do espaço, mundo moderno, cidadania, direito à
cidade, entre outros, percebemos que é possível e imprescindível o surgimento
de novos debates e diálogos sobre as práticas no espaço urbano pelo sujeito
contemporâneo. Sendo assim, no decorrer das nossas pesquisas e das reflexões apontadas nos debates em sala de aula, percebemos que nossos objetos
de pesquisa apresentavam mais pontos de encontro do que de distanciamento.
A pesquisa intitulada Pequenos Trabalhadores nos Sinais e suas Experiências no
Cotidiano da Rua: Entre O “Espetáculo” do Malabares e as Brincadeiras, os Riscos e as Tensões do Trabalho Explorado, teve o objetivo de investigar as práticas
sociais de crianças e jovens nos sinais de trânsito, entremeadas por tempos e
espaços ocupados pelo trabalho, no intuito de verificar como se dão as experiências de infância na espacialidade urbana. As observações de campo nesta
pesquisa permitiram apontar que a metrópole pesquisada passa por processos
de renovação, de uma forma desenfreada e descontínua, revelando processos
de fragmentação da vida social, o redimensionando de seus fluxos, seus usos e
suas apropriações.
A pesquisa Festas, Bailes, Partidas e Contradanças: As Danças de Sala do Bello
Horizonte de 1897 a 1936 investigou a constituição de uma cultura dançante na
cidade de Belo Horizonte identificando os espaços onde se dançava nos salões.
Portanto, foi preciso encontrar quais eram os espaços reservados à diversão de
pessoas de diferentes grupos sociais, quais atividades eram mais e menos “permitidas” e “autorizadas”, quais não eram bem vistas pelo poder público, além
de identificar a quais outras atividades as danças de salão estavam associadas.
Em ambos os estudos identificamos a importância em investigar e compreender
as formas de ocupação do espaço urbano em determinado período histórico e
na contemporaneidade. Nessa perspectiva, procuramos entender como esses
sujeitos tensionaram, anunciaram e reproduziram a espacialidade urbana, percebendo as diversas formas de uso e de apropriação dos espaços da cidade, de
maneiras distintas do ordenado, do planejado.
A capital Belo Horizonte foi a primeira cidade brasileira planejada para ser uma
metrópole moderna. Não surgiu de uma aglomeração de pessoas como outras
cidades brasileiras. Ela foi pensada, calculada e projetada para ser um grande
centro urbano com modelos, predominantemente, europeus. Inicialmente, foi
pensada para 200 mil habitantes, mas hoje já conta com aproximadamente
2,5 milhões. Fato este que nos fez questionar aspectos que dizem respeito ao
processo de urbanização dessa capital.
Em contato com diferentes autores percebemos que a identificação de formas
de organização social, de ocupação do espaço e de utilização do tempo típicos
das cidades, balizou nossas investigações das estratégias socioeconômicas e
políticas de educação do corpo, por meio do controle de determinadas práticas
corporais e de práticas de apropriação dos tempos e espaços da metrópole.
Entre diversos autores estudados, Michel de Certeau (1994), em sua obra “A Invenção do Cotidiano”, nos chamou atenção pela utilização de categorias de análise de práticas no espaço urbano. Utilizando-se de sua classificação proposta
por este autor – voyeurs e caminhantes – levantamos alguns questionamentos.
Como, desde o início da construção da cidade, os habitantes modificaram as
formas de ocupação e ressignificaram o espaço público? Atualmente, como
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crianças e jovens se apropriam desse espaço de maneira diversa daquela projetada? Como os corpos aparecem nesses locais, como são educados e direcionados a determinado uso, por meio da arquitetura e da imposição de algumas
práticas? Que outros aspectos ou características espaciais são determinantes
para que se estabeleçam formas de ocupação? Por meio de quais ações percebemos a rua como espaço dinâmico, de circularidade da cultura, onde convivem a diversidade e as contradições da vida moderna?
Acreditamos que a identificação de formas de organização social, de ocupação
do espaço e de utilização do tempo típicos das cidades nos serve de baliza para
investigação das estratégias socioeconômicas e políticas de educação do corpo
através do controle de determinadas práticas corporais e de práticas de apropriação dos tempos e espaços da metrópole.
Industrialização e urbanização como
emblemas da modernidade
“As aldeias se expandiam e se transformavam em cidades: as cidades se transformavam em metrópoles” (MUMFORD, 1961).
Diferentes transformações sociais, econômicas, políticas e culturais ocorridas na
Europa, principalmente no século XIX, caracterizam o que chamamos de modernidade. Tais mudanças podem ser compreendidas a partir da sua expressividade objetiva e subjetiva nas “inovações talismânicas”, tais como: o telégrafo e
o telefone, as estradas de ferro e automóvel, a fotografia e o cinema.
Charney & Schwartz (2001) mapeiam a modernidade a partir da análise de problemas e fenômenos considerados “modernos”, que não pode ser entendida
fora do contexto da cidade. As cidades modernas proporcionaram espaços de
circulação dos corpos e das mercadorias, inaugurando novas sensibilidades.
Sendo assim, definem o moderno através da identificação de elementos como:
o surgimento de uma cultura metropolitana que levou às novas formas de entretenimento e atividades de lazer; a centralidade correspondente do corpo
como local de visão, atenção e estimulação; o reconhecimento de um público,
multidão ou audiência de massa que subordinou a resposta individual à coletividade [...]; indistinção cada vez maior da linha entre a realidade e suas representações; e o salto havido na cultura comercial e nos desejos do consumidor
que estimulou e produziu novas formas de diversão (CHARNEY; SCHWARTZ,
2001, p.19).
Munford (1961),1 relacionando aos processos de industrialização e migração ocorridos no mundo, destaca que até o século 19 havia um equilíbrio de atividades
dentro da cidade. Com a expansão do capitalismo surgem novas formas de comércio e atividades econômicas, transformando cada parte da cidade numa
“comodidade negociável:
O industrialismo, a principal força criadora do século 19, produziu o mais degradado ambiente urbano que o mundo jamais vira; na verdade, até mesmo os
bairros das classes dominantes eram imundos e congestionados (MUMFORD,
1961, p. 569).
O autor aponta que talvez o fato mais importante seja o deslocamento da população ocorrido em todo o planeta, tendo como consequência a espantosa ascensão no índice de crescimento demográfico. Um ponto que merece destaque é o
fato do autor considerar que o crescimento urbano teve como ponto de partida
causas industriais e comerciais. Assim indagamos: quais relações podem ser
estabelecidas entre a industrialização e a urbanização?
Segundo Lefebvre (2008), a sociedade industrial acarreta a urbanização e que o
“crescimento quantitativo da produção econômica produziu um fenômeno qualitativo que se traduz, ele próprio, por uma problemática nova: a problemática
urbana” (p. 80). Concomitantemente, destaca que a expressão “sociedade urbana” não pode ser empregada a propósito de qualquer “cidade” ou “cité”, ou seja,
a sociedade urbana se encontra em constante formação.
Lefebvre (2008) pondera suas colocações sobre a industrialização e o urbanismo
a partir de algumas reflexões sobre o “estilhaçamento da cidade tradicional” e
sua relação com a modernidade. Destaca ainda que esse fenômeno deve ser
analisado pela dialética e através do método dialético:
A industrialização surgiu como a “não cidade” e a “anticidade”. Ela se implantou ao sabor dos recursos que empregava em seu favor, a saber, as fontes de energia, de matérias-primas, de mão de obra, mas ela atacou as cidades no sentido
mais forte do termo, destruindo-as, dissolvendo-as. Ela as fez crescer desmesuradamente e provocou uma explosão de suas características antigas (fenômeno
de implosão-explosão). Com a indústria, tem-se a generalização da troca e do
mundo da mercadoria, que são seus produtos (LEFEBVRE, 2008, p. 83).
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Com o grande excedente de produtos industriais passa-se a consumo exacerbado
de mercadorias, desaparecendo quase que por completo o lado qualitativo do
uso. Em decorrência da generalização da troca, o solo tornou-se mercadoria e
passa-se a vender e a trocar o espaço, este “indispensável para a vida cotidiana”.
Nesse sentido, “tudo o que constitui a vitalidade da cidade como obra desapareceu frente à generalização do produto” (LEFEBVRE, 2008, p. 83).
Com o sentimento moderno toda construção torna-se passageira. A cidade como
palco de concreto, aço e vidro revela a retórica de excessos no gasto e na produção, “seu futuro se inventa, de hora em hora”, revelam no globo como os mais
altos caracteres. Neste sentido, tomando Nova York como exemplo, Certeau
(1994) destaca:
tempo: a centralidade, o espaço como lugar de encontro, a monumentalidade
etc. (LEFEBVRE, 2008, p. 84).
Toda a análise do urbano e da cidade traz consigo novas possibilidades e contradições, constituindo-se em um tempo e espaço diferencial: da velocidade, do
tempo linear, das inovações tecnológicas, da transformação das cidades, da
fragmentação da vida cotidiana etc.
Nesse sentido, antes de passarmos para as reflexões sobre as práticas de organização dos sujeitos contemporâneos no espaço da metrópole e pensar as possíveis relações estabelecidas nos processos de reprodução e de apropriação
presentes na vida cotidiana, destacaremos os personagens dessa nova configuração da cidade moderna: os voyeurs e os caminhantes.
Ela se modifica em texturologia onde coincidem os extremos da ambição e da
degradação, as oposições brutais de raças e estilos, os contrates entre os prédios criados ontem, agora transformados em latas de lixo, e as irrupções urbanas do dia que barram o espaço. Diferente neste ponto de Roma, Nova Iorque
nunca soube a arte de envelhecer curtindo todos os passados (p. 169).
Voyeurs e caminhantes: olhares acerca da vida
cotidiana na metrópole
Com a ampliação das relações de produção ocorre uma interlocução mais ampla
entre a agricultura e a realidade urbana, acarretando novos conflitos na organização e na cotidianidade da cidade.
Como o autor principal de nossas reflexões, assumimos Michel de Certeau, mais
especificamente, sua obra A invenção do cotidiano e suas categorias de classificação dos sujeitos urbanos.
Almeida (1996) também nos coloca questões importantes sobre a apreensão dos
Num primeiro momento, Certeau (1994), identifica como voyers aquele que se
códigos da cidade. Ela nos diz que as cidades podem ser apreendidas sob diversos ângulos, expressando-se em toda a sua complexidade através dos discursos
e imagens que lhes atribuem seus habitantes, sejam eles poetas, escritores,
políticos ou cidadãos comuns. A autora ainda nos traz contribuições acerca
desse tema quando afirma que:
[...] acreditamos que as cidades se revelam também através de seus prédios,
ruas, esquinas e monumentos, componentes da estrutura urbana que ajudam a
desvendar as nuances das intenções ocultas sob o seu traçado (p. 239).
Segundo Lefebvre (2008), é a partir desse momento que surge um novo conceito:
“o urbano”. Quanto aos conceitos de urbano e cidade, o autor faz ponderações,
indicando que é necessário distinguir o urbano da cidade:
O urbano se distingue da cidade precisamente porque ele aparece e se manifesta no curso da explosão da cidade, mas ele permite reconsiderar e mesmo
compreender certos aspectos dela que passaram despercebidos durante muito
distancia da multidão, que tem prazer em ver o conjunto, que foge à massa
que “carrega e tritura em si mesma toda identidade de autores e espectadores
(p.170). Percebemos que sua categoria de análise dos sujeitos urbanos guarda
estreita relação com o estímulo visual, com a visibilidade das coisas e pessoas,
dos projetos arquitetônicos, dos monumentos, entre outros. Segundo o autor,
“[...] a vontade de ver a cidade [na era da modernidade] precedeu os meios de
satisfazê-la” (p.171).
As próprias construções, aumentadas cada vez mais em sua verticalidade, estabelecem padrões de visibilidade. É o que Certeau chama de “up and down”
em relação aos limiares dessa onde cessa essa visibilidade e estabelece os
pontos extremos onde se localizam os personagens, sejam eles voyeurs ou
caminhantes.
Se voyeurs são aqueles que se distanciam, os caminhantes são aqueles que se
misturam à multidão, ao mesmo tempo em que a pertencem e que dela fazem
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parte. Segundo Certeau, esses personagens jogam com os “cheios e vazios do
texto urbano”:
cotidiana, das relações de vizinhança, dos modos e tempos de apropriação/uso
dos espaços públicos, por exemplo, da rua.
Esses praticantes jogam com espaços que não se vêem; têm dele um conhecimento tão cego como no corpo-a-corpo amoroso. Os caminhos que se respondem nesse entrelaçamento, poesias ignoradas de que cada corpo é um elemento assinado por muitos outros, escapam à legibilidade. Tudo se passa como se
Não obstante, faz-se possível ponderar que a aceleração no ritmo de vida contemporâneo, não raro, preenchido por um cotidiano programado e previsível,
configura o contexto das grandes cidades de modo fragmentado e prescritivo,
onde os espaços são raramente apropriados e usados (ARANTES, 2000). Nessa
circunstância:
uma espécie de cegueira caracterizasse as práticas organizadoras da cidade
habitada (p. 171).
Devido às constantes transformações na vida cotidiana, ocasionadas pelo avanço
e aprimoramento das novas formas econômicas, o tempo e o espaço na “cidade” organizam-se de diferentes modos, prescrevendo ritmos e sentidos diversos
aos sujeitos.
Certeau (1994) nos aponta que ao escapar às totalizações imaginárias do olhar,
percebe-se a existência de uma estranheza do cotidiano que não vem à superfície, ou cuja superfície é somente um limite avançado, um limite que se destaca
sobre o visível.
Na pesquisa junto com as crianças e jovens que praticam o malabares nos sinais
de trânsito, foi possível averiguar que ali estava instaurado todo um pensamento
moderno de reestruturação, de revitalização e requalificação das grandes metrópoles, ou, nas palavras de Arantes (2000, p. 14), “os conhecidos processos de
gentrification”. Atualmente, a metrópole Belo Horizonte vem apresentando uma
série de projetos e ações de ampliação, duplicação e requalificação das suas
principais avenidas. Mais recentemente, todas as metrópoles do Brasil, que sediarão jogos da Copa do Mundo de 2014, passam por um intenso processo de
requalificação das vias de acesso rápido. Locais que até pouco tempo atrás já
haviam passado por algum tipo de obra.2
Tudo isso nos faz refletir a respeito desses espaços enquanto locais de trânsito
dos veículos, de novas vias de acesso rápido e cada vez menos de apropriação/
uso dos espaços da cidade, modificando as relações dos sujeitos com os tempos e os espaços. Nessa perspectiva, cabe aqui trazer a seguinte passagem de
Carlos (2001, p. 329):
A constante renovação-transformação do espaço urbano por meio das mudanças das formas da cidade – produz transformações nos tempos urbanos da vida
Os lugares transformados da cidade produzem novas dinâmicas: as ruas redimensionam-se e ganham outro conteúdo, que tende a eliminar o lúdico, transformando-as em lugar de passagem. O processo de reprodução do espaço urbano vai-se constituindo por meio da eliminação de antigas formas que traziam
a marca da sociabilidade – pontos de encontro, o lugar da festa –, tragando os
rituais e seus mistérios, eliminando referências, destruindo com isso as bases
de apoio da memória social (CARLOS, 2001, p. 53-54).
Frente a isso, as observações de campo permitiram apontar que os processos de
renovação na metrópole pesquisada acontecem de forma desenfreada e descontínua, fragmentando os espaços e os tempos dos sujeitos. Nesse aspecto,
Lefebvre (2008) aponta que o tempo e o espaço da era urbana são diferenciais,
devido ao caráter homogeneizante e uniforme imposto pela era industrial. As
modificações provocadas pelas renovações urbanas fazem surgir novas dinâmicas nas práticas sociais, redimensionando as formas temporais e espaciais
que, por fim, implicam prescrições para a vida social (CARLOS, 2001).
O adensamento e o congestionamento dos grandes centros urbanos acabaram
por estabelecer novas formas de uso e apropriação do espaço da rua. Debortoli, Martins & Martins (2008) ponderam que nas metrópoles contemporâneas
configura-se uma problemática do espaço. Os autores destacam que com o desenvolvimento das segregações espaciais concebem-se fragmentações, implicando em verdadeiros territórios “socialmente homogêneos, onde a experiência
urbana do encontro fortuito com o diferente torna-se difícil, senão perigosa, configurando o estranhamento”. No entanto, tal problemática é paradoxal, cabendo
aqui enfatizar o espaço da rua como um “elemento revelador”.
Ana Fani (2001) afirma que: “[...] a rua é um elemento revelador; a partir dela se
pode pensar o lugar da experiência, da rotina, dos conflitos, das dissonâncias,
bem como desvendar a dimensão do urbano, das estratégias de subsistência,
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e ainda marcar a simultaneidade do cheio e do vazio, dos sons e dos ruídos,
apontando para usos e tempos diferenciados.”
Com as metamorfoses sofridas pelas cidades a rua ganha aspecto de um lugar
de passagem, condicionadas pelo fluxo de carros, mercadorias e pelo trabalho.
Todavia, o lugar transforma-se em espaço por meio das práticas e da presença
dos sujeitos, que suas diferenças constroem e reconstroem a dinâmica da vida
cotidiana. “Em suma, o espaço é um lugar praticado” (CERTEAU, 1994).
Em relação à apropriação dos espaços de divertimento de Belo Horizonte, percebemos que houve um caminho diferente daquele planejado pelos idealizadores
da cidade. Um planejamento segmentado tentava, a todo momento, separar
grupos, espaços e tempos urbanos. No traçado das ruas, na construção de bares, na constituição de clubes recreativos, na abertura de cinemas e na abertura
dos espaços de dança, a cidade de Belo Horizonte apresentou, desde sua inauguração até o ano estudado, o anseio por uma organização mais permissiva e
mais flexível. O desejo pela dança parece ter sido um pretexto encontrado para
essa nova ocupação e outra apropriação do espaço urbano. As danças permitiram que ritmos dançantes e urbanos se integrassem, assim como os grupos
que se propunham a dançar.
Considerações finais
O adensamento e o congestionamento dos grandes centros urbanos acabaram
por estabelecer novas formas de uso e apropriação do espaço da rua. Debortoli, Martins & Martins (2008) ponderam que nas metrópoles contemporâneas
configura-se uma problemática do espaço. Os autores destacam que com o desenvolvimento das segregações espaciais concebem-se fragmentações, implicando em verdadeiros territórios “socialmente homogêneos, onde a experiência
urbana do encontro fortuito com o diferente torna-se difícil, senão perigosa, configurando o estranhamento”. No entanto, tal problemática é paradoxal, cabendo
aqui enfatizar o espaço da rua como um “elemento revelador”.
Ana Fani (2001) afirma que: “[...] a rua é um elemento revelador; a partir dela se
pode pensar o lugar da experiência, da rotina, dos conflitos, das dissonâncias,
bem como desvendar a dimensão do urbano, das estratégias de subsistência,
e ainda marcar a simultaneidade do cheio e do vazio, dos sons e dos ruídos,
apontando para usos e tempos diferenciados.”
Com as metamorfoses sofridas pelas cidades a rua ganha aspecto de um lugar
de passagem, condicionadas pelo fluxo de carros, mercadorias e pelo trabalho.
Todavia, o lugar transforma-se em espaço por meio das práticas e da presença
dos sujeitos, que suas diferenças constroem e reconstroem a dinâmica da vida
cotidiana. “Em suma, o espaço é um lugar praticado” (Certeau 1994).
Nesse sentido, acreditamos que se torna emergente no campo do lazer debates
que nos permitam pensar as possíveis relações estabelecidas nos processos de
reprodução e de apropriação presentes na vida cotidiana. Concomitantemente,
buscamos, ainda, entender a rua como um espaço dinâmico de circularidade
da cultura, onde convivem a diversidade e as contradições da vida moderna.
As principais discussões que nortearam nossas reflexões partiram de inúmeros diálogos e debates sobre o conhecimento da urbanização, situando suas
relações com o processo de reprodução social. Também fizeram parte questões
que dizem respeito aos processos históricos do surgimento de um pensamento
moderno, o fim da cidade enquanto produto e condição da economia política e
de sua reprodução e as (im)possibilidades do urbano.
Notas
1 As cidades na História (1961).
2 É o caso da Avenida Presidente Antônio Carlos, que a menos de dois anos teve a construção de pistas exclusivas
para ônibus e neste momento esta passa pelo processo de implantação do BRT.
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