Entrevista Entrevista Ray C. Williams Maurício Araújo conversa com o professor e chefe do departamento de Periodontia da Faculdade de Odontologia da Universidade de Carolina do Norte (EUA) O Dr. Ray C. Williams recebeu o Prêmio de Excelência em Educação em Periodontia da Academia Americana em 2004. Esse prêmio, estabelecido em 2003, é conferido anualmente a um membro exemplar da área de Periodontia que tenha atuado como um professor inspirado e dedicado. Ao ser informado sobre o prêmio, o Dr. Williams comentou: “Este é, sem sombra de dúvidas, o maior título de honra que já recebi. Durante 30 anos, tive o privilégio de trabalhar com jovens extraordinários e talentosos, que tornaram cada dia uma diversão e um desafio. Não posso imaginar outra forma mais gratificante de ter passado esses 30 anos”. O Dr. Williams é professor emérito, além 12 de ser chefe do Departamento de Periodontia da Faculdade de Odontologia da Universidade de Carolina do Norte (EUA). Antes de ir para Chapel Hill em 1994, o Dr. Williams foi chefe do Departamento de Periodontia na Escola de Medicina Bucal de Harvard. Ele também trabalhou como membro associado na área de graduação em Educação em Harvard. Entre 1976 e 2004, o Dr. Williams treinou aproximadamente 125 alunos na especialidade de Periodontia, os quais seguiram carreira em posições de liderança na prática privada e na área acadêmica. O Dr. William Giannobile, ex-aluno do Dr. Williams que, atualmente, atua como professor de Periodontia na Universidade de Michigan, Rev. Dental Press Periodontia Implantol., Maringá, v. 1, n. 2, p. 12-22, abr./maio/jun. 2007 Ray C. Williams Rev. Dental Press Periodontia Implantol., Maringá, v. 1, n. 2, p. 12-22, abr./maio/jun. 2007 13 Entrevista escreveu: “O Dr. Williams é carinhosamente conhecido por todos os seus alunos como aquele que exige o melhor, ao mesmo tempo em que transmite as habilidades relacionadas ao cuidado e à educação, fatores indispensáveis para o clínico e o educador em desenvolvimento. Recordo-me claramente de Ray por suas “palestras fervorosas”, nas quais conseguia motivar individualmente os alunos e ajudá-los a acreditar que não havia nada que não pudessem realizar. Como professor, na sala de aula ou em um seminário, ele é um apresentador cativante e entusiasmado. Certamente Ray é um professor que os alunos tentarão imitar em sua própria prática, no estilo de ensinar… O caminho traçado por Ray, no sentido de transformar os residentes de Periodontia em membros da faculdade, é incontestável. Nomes como Alfano, Cochran, Fiorellini, Howell, Iacono, Jeffcoat, Lamster, Offenbacher, Paquette, Reddy, Ryder e Tonetti são apenas alguns de seus ex-alunos”. O Dr. Williams é autor de mais de 100 artigos; profere palestras nacionais e internacionais e trabalha para o conselho editorial de diversos periódicos. Ele é presidente do Conselho Consultivo do Journal of Periodontology. Recebeu o título de DMD (com honras) da Escola de Odontologia da Universidade de Alabama e seu certificado em Periodontia e Medicina Oral da Escola de Medicina Odontológica de Harvard. Foi aluno do curso de pós-doutorado em Microbiologia no Centro Odontológico de Forsyth. 14 Dr. Williams, fale um pouco sobre si mesmo. Atualmente sou professor e chefe do Departamento de Periodontia na Faculdade de Odontologia da Universidade de Carolina do Norte (EUA) - estou aqui há 12 anos - e antes de vir para Carolina do Norte eu era chefe do Departamento de Periodontia da Universidade de Harvard, onde permaneci durante 20 anos. Por que o senhor escolheu se tornar um dentista? Não sei se a resposta é bem apropriada, mas eu queria ser biólogo marinho. Tive uma reunião com meu orientador na faculdade e falávamos sobre uma pós-graduação em Biologia Marinha, quando ele disse: “Ray, penso que é uma profissão maravilhosa, mas eu deveria adverti-lo – você passará fome”. E eu pensei: “Nossa! Bem, eu não quero passar fome!”. E ele disse: “acho que iria amar a Odontologia – você seria ótimo ao lidar com pacientes”. Assim eu me inscrevi para Odontologia e fui admitido quase imediatamente. Acordei uma manhã e era um dentista! Que interessante! E onde mais o senhor se inscreveu – foi para a Harvard também? Não, eu me inscrevi para Alabama e Emory, porque eu já estava na faculdade em Birmingham, e a Faculdade de Odontologia era em Birmigham - assim, para ir à faculdade, eu só tive que me mudar para o centro da cidade. Rev. Dental Press Periodontia Implantol., Maringá, v. 1, n. 2, p. 12-22, abr./maio/jun. 2007 Ray C. Williams Rev. Dental Press Periodontia Implantol., Maringá, v. 1, n. 2, p. 12-22, abr./maio/jun. 2007 15 Entrevista Quando o senhor decidiu se tornar pro- riodontista e também acadêmico”. Assim ele fessor e pesquisador? me ajudou a ser aceito em aproximadamente Quando eu estava na faculdade de Odon- 5 programas de treinamento diferentes, que tologia, conheci um professor fantástico. Ele concediam bolsas para pessoas que queriam era chefe do Departamento de Periodontia, e se tornar acadêmicos. No fim das contas, es- eu realmente gostava das suas aulas. Tinha colhi Harvard, em parte pela sua sugestão de realmente uma política de portas abertas, e eu que seria um grande lugar para se estudar. podia passar e conversar com ele. Então comecei a trabalhar aos sábados, como seu auxiliar Qual foi o assunto de seu primeiro es- odontológico. Quanto mais eu o observava, tudo? eu pensava como ele tinha uma vida fenome- Quando eu cheguei a Harvard, tive entre- nal como acadêmico - e eu já tinha professo- vistas com vários mentores de pesquisa em res na família, então isso também pesou. Ele potencial, e gostei muito de Sig Socransky e disse, “Sabe, Ray, eu amo o que faço e ficaria Ron Gibbons. Pensei que gostaria de Micro- contente em te ajudar a entrar num programa biologia e que gostaria de trabalhar com eles. de treinamento, que te prepare para ser pe- E, assim, treinei com eles, em parte porque pareciam estar fazendo coisas interessantes e eu queria fazer parte disto. Vi fotos dos anos 70, com o Sr. e Sig Socransky. Como era estar com aquele grupo, quando eles estavam começando “Era tão empolgante, que era difícil ir para casa à noite; eu não queria deixar o laboratório, queria continuar trabalhando.” a fazer estas descobertas sobre complexo microbiológico? Era uma época muito excitante. Eu estava trabalhando com Ron Gibbons em inibição de aderência bacteriana por IGA secretório e estávamos entusiasmados, porque sabíamos que tínhamos feito uma real descoberta. E eu estava trabalhando com Sig, usando técnicas anaeróbias no cultivo de bactérias e isso era excitante, porque estávamos achando bactérias na boca nunca antes encontradas. E eu sabia que estava no lugar certo, no momento certo; eu tinha entrado em dois laboratórios 16 Rev. Dental Press Periodontia Implantol., Maringá, v. 1, n. 2, p. 12-22, abr./maio/jun. 2007 Ray C. Williams Rev. Dental Press Periodontia Implantol., Maringá, v. 1, n. 2, p. 12-22, abr./maio/jun. 2007 17 Entrevista durante uma era nova, muito especial para a para a pesquisa. Então a sorte se voltou para pesquisa. E era tão empolgante, que era difícil ir o meu lado, quando fui até a Upjohn Company para casa à noite; eu não queria deixar o labo- e lhes pedi que financiassem um estudo animal ratório, queria continuar trabalhando. sobre antiinflamatórios. Foi esse dinheiro da Upjohn que me deu um real começo no mundo Eu ia perguntar isso mesmo. Depois que acadêmico - e em 1984, na Conferência Inter- o Sr. deixou Forsyth e foi para Harvard, nacional de Pesquisa Periodontal em Israel, foi como foi para o Sr. começar na Har- quando fiz meu nome. vard? Bem, quando eu cheguei à Harvard, eu tive Para os jovens, qual é o seu conselho uma orientação maravilhosa por parte do rei- para obter êxito e manter este sucesso tor, Paul Goldpaper, que também era diretor do ao longo das décadas? Departamento de Periodontia. Ele me ajudou Acho que diria duas coisas: 1) construa a achar uma área de pesquisa adequada para uma base forte. Com isso quero dizer faça mim e me ajudou a conseguir financiamento boas pesquisas, escreva bons artigos, publique em periódicos respeitáveis e ganhe reconhecimento como sendo próspero em uma área; 2) não tenha nenhum medo de mudar de rumo quando uma opção se esgotar. Esteja preparado para os pensamentos novos e as áreas novas de pesquisa e trabalho. Não tenha medo da mudança. Como foi que o Sr. começou a trabalhar com Medicina Periodontal - o Sr. foi abrindo portas ou simplesmente disse “agora está na hora de mudar”? Eu penso que o que aconteceu comigo e o conceito de Medicina Periodontal é que eu me mudei para a Carolina do Norte para trabalhar com Steve Offenbacher, bem quando ele estava começando a abrir este mundo novo. E eu fui periférico à pesquisa, mas fui um portavoz muito capaz - eu era a pessoa que falava sobre o assunto e fazia com que as pessoas 18 Rev. Dental Press Periodontia Implantol., Maringá, v. 1, n. 2, p. 12-22, abr./maio/jun. 2007 Ray C. Williams soubessem das pesquisas que outros estavam preciso saber, enquanto trabalho naquela pales- fazendo. Meu papel foi difundir o assunto. tra, onde o assunto vai parar. Eu normalmente sei o fim da conversa; eu não sei como vou Mas agora eu preciso perguntar, porque chegar lá, até começar. Tenho que ter certeza vi tantas de suas conferências, como o que, no princípio, o público entenda qual é o Sr. consegue pegar um assunto difícil e fim e, então, eu preciso ter certeza de que eles torná-lo tão fácil para o ouvinte? Porque cheguem ao fim comigo. Eles precisam me des- o Sr. é um mestre em fazer uma apre- mistificar, para tal, menciono pequenas coisas sentação; consegue torná-la interessante pessoais para cada pouco do mito e da mística, para qualquer um que assista. de forma que cada vez mais eles possam se co- Eu, primeiramente, tento pressentir o pú- nectar a mim. Outra coisa que funciona bem é blico que terei naquela conferência. E o que eu descobrir os nomes de 5 a 8 pessoas na platéia normalmente faço é preparar a conferência com e, enquanto falo, tenho uma lista desses nomes. uma pessoa específica em mente. Por exemplo, Eu poderia dizer, então, “Dr. Araújo está senta- se eu sei que estarei em Gotemburgo, plane- do aqui discordando completamente de mim”, jo aquela conferência toda para Jan Lindhe. E e no momento que a pessoa houve seu nome então eu tenho alguém que está sentando em chamado, escutará toda palavra que eu disser. E frente a mim, metaforicamente falando, em meu quando mencionar o nome da 2ª pessoa, a pla- escritório, enquanto monto a apresentação, téia inteira prestará atenção, porque não sabem cada slide é para Lindhe. A segunda coisa que se serão chamados ou não! eu faço é lembrar que é uma honra ser convidado a falar e que as pessoas estão gastando seu tempo e dinheiro para me ouvir, e eu preciso lhes dar tudo que eu puder. Terceiro, eu me lembro que dar uma palestra é ser um ator, não importa quão cansado esteja - não importa se seu quarto de hotel estiver próximo à máquina de gelo ou próximo ao elevador, não importa se sua bagagem não chegou, não importa se você não dormiu bem; a platéia não se importa. Eles querem que você dê o melhor de si, porque pagaram dinheiro para ouvi-lo. E por último, eu me pergunto “qual é a estória?”, “que estória estou contando?”. Minhas palestras sempre são estórias: há um começo, um meio e um fim. E eu “Faça boas pesquisas, escreva bons artigos, publique em periódicos respeitáveis, e ganhe reconhecimento como sendo próspero em uma área.” Rev. Dental Press Periodontia Implantol., Maringá, v. 1, n. 2, p. 12-22, abr./maio/jun. 2007 19 Entrevista Portanto, quando chego em algum lugar estamos nos aproximando, como era no século para dar uma palestra, digo ao meu anfitrião: XIX – desde então nos dividimos e agora esta- “Você pode escrever os nomes de 5 a 8 pes- mos nos reaproximando - e é uma época muito soas que estão nesta platéia?”, e me preparo lógica para nos reaproximarmos. para isto. E agora a última pergunta: nestes 33 Agora, para terminar - ou quase: o Sr. anos, qual o Sr. considera sua realiza- sempre foi um líder da Medicina Perio- ção mais importante ou mais interes- dontal. Como o Sr. vê a transformação da sante? Odontologia? Ela vai continuar mudando? O que mais desfrutei foi escrever como revisor para o New England Journal of Medicine em Eu não vejo volta, a esta altura do campeo- 1990. Eu recebi um telefonema do editor ad- nato. Tivemos, desde 1989 e o trabalho inicial junto e ele disse: “Dr. Williams, nós percebemos de Matilla em Helsinki, 15 anos de pesquisa que está na hora de fazer uma atualização so- excelente. É bom que nem todos os estudos se- bre doença periodontal – o Sr. poderia nos dar jam positivos, porque isto nos faz trabalhar mais os nomes de 3 líderes no campo, que poderiam duro, para termos certeza que estamos corretos escrever este trabalho?”. Eu lhe dei 3 nomes e e no caminho certo. Mas me parece que não há disse “mas preciso dizer que ficaria lisonjeado volta, e o que pressinto agora é que a Medicina em poder escrever este trabalho”. E ele disse e a Odontologia trabalharão em conjunto, e que “Ah! Bem, conversarei com o conselho editorial e mencionarei que o Sr. também gostaria de ser considerado”. E então ele disse: “Entrarei em contato dentro de uma semana”. Então sen- “É bom que nem todos os estudos sejam positivos, porque isto nos faz trabalhar mais duro, para termos certeza que estamos corretos e no caminho certo.” 20 tei ao lado do telefone durante uma semana.... toda vez que tocava eu corria para atender! E ele ligou e disse “nós tivemos uma reunião e decidimos que gostaríamos que o Sr. escrevesse esse trabalho”. E eu passei provavelmente umas mil horas escrevendo aquele trabalho, e amei cada momento. Rev. Dental Press Periodontia Implantol., Maringá, v. 1, n. 2, p. 12-22, abr./maio/jun. 2007 Ray C. Williams Rev. Dental Press Periodontia Implantol., Maringá, v. 1, n. 2, p. 12-22, abr./maio/jun. 2007 21 Entrevista Dados pessoais de Ray C. Williams • Professor Emérito do Departamento de Periodontia da Universidade da Carolina do Norte. • Membro do Pós-doutorado, Odontologia, Forsyth Institute, 1974. • Certificado em Periodontia & Medicina Oral, Harvard University, 1973. • D.M.D., Odontologia, University of Alabama, 1970. • A.B., Biologia, Samford University, 1966. • Instrutor, Periodontia, Harvard School of Dental Medicine, Boston, MA (1974-1979). • Professor Assistente de Periodontia, Harvard School of Dental Medicine, Boston, MA (1979-1985). • Professor Associado de Periodontia, Harvard School of Dental Medicine, Boston, MA (1985-1994). • Professor e Chefe, Departamento de Periodontia, School of Dentistry, UNC Chapel Hill, NC (1994). • O Dr. Ray C. Williams é Professor e Chefe do Departamento de Periodontia. E-mail: [email protected] Fotos do Campus da Universidade Carolina do Norte, originalmente publicadas no The North Carolina Dental Review. 22 Rev. Dental Press Periodontia Implantol., Maringá, v. 1, n. 2, p. 12-22, abr./maio/jun. 2007