Policy Brief
#9
Dinâmicas Orçamentárias das
Olimpíadas de Pequim
Agosto de 2011
Núcleo de Desenvolvimento Urbano e Sustentabilidade
dos Países BRICS
BRICS Policy Center / Centro de Estudos e Pesquisa BRICS
Policy Brief
#9
Dinâmicas Orçamentárias das
Olimpíadas de Pequim
Agosto de 2011
Núcleo de Desenvolvimento Urbano e Sustentabilidade
dos Países BRICS
BRICS Policy Center / Centro de Estudos e Pesquisa BRICS
BRICS POLICY CENTER - POLICY BRIEF #9
Dinâmicas Orçamentárias das Olimpíadas de Pequim
Autor: Mariana da Gama e Silva Werneck
Colaborador: Sérgio Veloso dos Santos Jr.
Dinâmicas Orçamentárias das Olimpíadas de Pequim
1 Sumário Executivo
Sob os slogans de Green Olympics
e High-tech Olympics, as Olimpíadas de Pequim foram projetadas perseguindo ideais
tais como progresso, eficiência e sucesso
econômico sob o design arquitetônico inovador, capaz de propagandear poder e de rubricar o horizonte urbano. O presente texto
abordará a relação entre o capital internacional e o projeto político chinês abordando:
a. A relação entre os jogos olímpicos e
as dinâmicas do capital;
b. As dinâmicas orçamentárias dos preparativos e execução dos jogos;
c.Impactos sócio-econômicos das
olimpíadas de 2008 na sociedade chinesa.
2 Introdução
Ainda que hoje em dia as Olimpíadas
figurem entre os maiores eventos esportivos
do planeta, pondo em circulação grandes volumes de capital ao mesmo tempo em que
causam impactos territoriais consideráveis
nas cidades em que ocorrem, tal característica nem sempre esteve presente no seu
decorrer histórico (Melo, 2011). Os primeiros
Jogos Olímpicos da era moderna foram realizados em Atenas, no ano de 1896, com
dimensões muito reduzidas, padrão que
foi seguido nas edições seguintes de Paris
(1900), Saint Louis (1904) e Londres (1908).
Somente a partir da segunda década do sé-
culo XX, pode-se perceber a tendência de
reconhecimento das Olimpíadas como um
evento de relevância, atraindo os interesses
do Estado e do capital privado; entretanto,
a irrupção da Segunda Guerra Mundial interrompeu a exploração comercial que se
deu nos jogos de Paris (1924), Los Angeles
(1932) e Berlim (1936) – estes últimos utilizados como exaltação político-ideológica e
veículo de propaganda do regime nazista.
Com o fim da Segunda Guerra e a
eclosão da Guerra Fria, as tensões existentes entre as potências mundiais capitalista e socialista, e, por conseguinte, entre os
demais países à esta ou àquela alinhados,
passaram a exercer maior influência sobre
as competições: foi assim com o assassinato
de atletas israelenses em Munique (1972),
com o boicote dos países capitalistas à edição de Moscou (1980), e com atitude similar
dos países socialistas aos jogos de Los Angeles (1984).
Contudo, como argumenta Erick de
Melo (2011) o acontecimento mais impactante para as décadas posteriores àquele período de pós-guerra foi o advento das transmissões televisivas cujo início se deu na edição
de Roma, em 1960. A partir daí, segue o
argumento de Melo, “os direitos de transmissão e publicidade envolvida se tornaram
bens comerciais de maior magnitude para
o Comitê Olímpico Internacional e para as
corporações multinacionais patrocinadoras,
possibilitando o crescimento exponencial da
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receita gerada para estes agentes ao longo
das décadas seguintes” (MELO, 2011).
As edições seguintes viram o volume
de capital adentrar os Jogos Olímpicos com
tamanha força que a sua indissociabilidade aos interesses capitalistas configuraram
uma nova maneira de ver o esporte. Conforme as edições se concretizavam, mais
era percebida a “agudização da exploração
econômica do chamado movimento olímpico sob diversas formas (mercado da construção civil, ramo imobiliário, serviços especializados, consultoria, marketing, mídia,
dentre outros)” (idem op. Cit.), processo este
de grande interesse ao capital internacional,
uma vez que “[o]s destinos desta nova mobilidade têm possibilitado ao capital alçar saídas capazes de driblar as contradições que
se impõem em seus mercados de origem”
(PENNA, 2010).
A edição de Pequim, por sua vez, convergiu os interesses da economia capitalista
neoliberal com a estratégia política socialista
de mercado. Sob a visão de que o sucesso
e o crescimento do movimento olímpico dependiam do envolvimento chinês, o Comitê
Olímpico Internacional acabou por eleger a
capital chinesa como cidade-sede dos Jogos
Olímpicos de 2008, esperando também que
o megaevento pudesse aprofundar a integração chinesa ao cenário internacional, encorajando, então, o país para uma postura
de liderança responsável, em conformidade
com as instituições e normas internacionais
(ONG, 2004).
Pequim, por sua vez, demonstrava-se
interessada em receber as Olimpíadas desde o final dos anos 80. Com a vitória anuncia-
da pelo COI em 2001, a China, como muitas
outras nações, enxergou os jogos olímpicos
como um catalisador para o desenvolvimento de Pequim e de suas áreas próximas.
Além disso, as Olimpíadas configuravam um
projeto político ao Partido Comunista Chinês
(PCC) tanto na esfera interna quanto na esfera internacional: se mundialmente, aquelas
firmavam a possibilidade da “emergência pública de uma nação autoritária comprometida
com o capitalismo” (BROUDEHOUX, 2007),
em nível doméstico, projetavam a força e a
unidade nacionais – isso em uma conjuntura
histórica na qual o Partido, em meio às reformas neoliberais, subscreve sua legitimidade
principalmente pelo crescimento econômico
continuado, posto que a igualdade social foi
minada pela liberalização da economia.
3 Dinâmicas orçamentárias
Poucos meses depois do anúncio
dado pelo COI, o governo chinês estabeleceu formalmente o Comitê Organizador de
Pequim para os Jogos Olímpicos (BOCOG,
sigla decorrente da forma inglesa Beijing Organizing Committee for the Olympic Games),
responsável por traçar um plano detalhado
sobre a construção, distribuição, vigilância e
operação das obras e dos equipamentos esportivos (ONG, 2004). O primeiro orçamento
apresentado pelo BOCOG respeitou o orçamento formulado durante o processo de candidatura, finalizado em dezembro de 2000, e
aqui apresentado pelas tabelas 1, 2 e 3 que
se encontram no fim do texto. O orçamento
previa uma verba equivalente a US$ 1,625
bilhão para o Comitê Organizador, com um
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excedente de US$ 16 milhões (tabela 3). A
principal receita do Comitê adviria da venda
dos direitos de transmissão dos Jogos para
os principais canais de televisão, venda então orçada em US$ 709 milhões, correspondente a 43,6 %. US$ 260 milhões adicionais
(16%) viriam do patrocínio tanto de empresas estrangeiras quanto de empresas locais.
Já em seu dossiê de candidatura, o BOBICO
(Beijing 2008 Olympic Games Bid Committee, comitê anterior ao BOCOG, responsável pelo processo de candidatura inicial de
Pequim, formado ainda em 1999) mostrou
sua intenção em eleger aproximadamente
dez corporações internacionais e entre dez e
quinze companhias domésticas para serem
os patrocinadores oficias da edição chinesa
dos Jogos. Coca-Cola, Samsung e Kodak foram algumas das marcas estrangeiras que
patrocinaram o megaevento. Embora doações sejam de difícil previsão, Ryan Ong
(2004) afirma que tais projeções (US$ 20
milhões ou 1,23% do total) não foram números irreais quando comparados aos números
das edições anteriores de Sidney e Atlanta.
Outro número importante está sob o título de
subsídios, apresentando US$ 100 milhões,
dos quais US$ 50 milhões seriam contribuição do governo nacional chinês, e US$ 50
milhões seriam oferecidos por diversas municipalidades, incluindo a de Pequim. É importante ainda atentar para o fato de que as
Olimpíadas não se pagariam por si mesmas,
observação que se revela na projeção de ganhos com loteria.
4 Implicações sócio-econômicas
O orçamento do BOCOG aparentou
ser, então, um orçamento contido, decepcionantemente pequeno, caso pensemos
em comparação às proporções pensadas
Além do grande custo de oportunidade enfrentado pelos cidadãos chineses
– uma vez que a utilização de recursos pú-
para o grande espetáculo chinês, capaz de
reposicionar o país e o Partido interna e
internacionalmente. Os números do Comitê apontam somente para intervenções em
equipamentos já existentes, com exceção do
capital imputado na Vila Olímpica (tabela 1).
Entretanto, uma estimativa mais realista do
orçamento, argumenta Owen (2008), é de
US$ 15,9 bilhões e inclui apenas os projetos
facilmente relacionados aos Jogos Olímpicos. Isso expressa dez vezes o estipulado
pelo orçamento do BOCOG. Em muitos casos, os planos do BOCOG associam-se ao
governo municipal local ou aos negócios locais para a construção do equipamento. Do
US$ 1,6 bilhão requerido para a construção
de 37 equipamentos esportivos, o orçamento do BOCOG somente cobre 13,36% dos
fundos, ou US$ 220 milhões. A Vila Olímpica, por exemplo, estava prevista para custar
US$ 482 milhões, dos quais apenas US$40
milhões (8,2%) serão pagos pelo BOCOG.
Assim, o fardo financeiro imposto aos cidadãos chineses comuns será duplicado, do
orçamento oficial do BOCOG e das despesas olímpicas assumidas pelos governos e
negócios locais. É importante lembrar que
o fardo dos gastos olímpicos serão sustentados não só pelos residentes de Pequim,
como por cidadãos em outras partes da China que não vão diretamente ver os benefícios de suas contribuições.
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blicos nos equipamentos esportivos compromete sua aplicação em serviços sociais
vitais, tais como saúde e educação – o orçamento do BOCOG ainda esconde duas
implicações sociais. Em primeiro lugar, uma
das condições que tornou possível o projeto
olímpico extravagante chinês foi justamente a aquisição de terras para a construção
de equipamentos esportivos bem abaixo do
preço de mercado, já que o regime ambíguo
sobre a propriedade no Estado chinês permitiu o confisco de terras em nome do interesse
público, facilitando, assim, a demolição de vizinhanças inteiras e o despejo de residentes
em massa. Melo e Gaffney (2011) com base
nos dados oferecidos pelo COHRE, falam
em 1,25 milhão de pessoas desalojadas diretamente para a viabilização de obras. Em
segundo lugar, a construção dos mesmos
equipamentos foi feita pela exploração de
uma força de trabalho migrante (estimados
em 94 milhões), cujos direitos na cidade e
as oportunidades de trabalho são escassos,
graças ao sistema de registro residencial
chinês (sistema hukou) (BROUDEHOUX,
2007). Essas foram as bases de exploração
que permitiram os altos custos do espetáculo chinês e determinaram grandes oportunidades para o capital internacional, posto que
os equipamentos esportivos foram projetados por firmas de arquitetura estrangeiras,
de modo que Pequim se firmasse como uma
metrópole global avançada.
Anne-Marie Broudehoux (2007)
aponta que o primeiro grande projeto determinado foi o Teatro Nacional (tabela 4), concebido pelo presidente de então, Jiang Zemin, como um monumento a sua liderança.
Apesar dos protestos populares contra o seu
design futurista, e contra sua proximidade ao
centro histórico de Tiananmen, o Teatro foi finalizado, com gastos avaliados em US$ 350
milhões, dez vezes mais que o total gasto
anualmente para a mitigação da pobreza na
China. Por sua vez, ela continua, o Estádio
Nacional – conhecido como o “Ninho” (Bird’s
nest) – foi projetado como uma grande estrutura em forma de cesta, consumindo até 50
mil toneladas de pilares de ferro, enquanto o
Centro Aquático Nacional, ou “Cubo de Gelo”
(Watercube), foi pensado como uma caixa
gigante, revestida por painéis transparentes
de teflon capazes de reproduzir o movimento
da água, assim como projetar imagens e luzes, incluindo os logotipos e as propagandas
de seus patrocinadores.
Para realização da grande maioria
das construções, conforme já apontado, o
governo chinês apoiou-se principalmente
em parcerias público-privadas, através de
um sistema de construção-operação-transferência, no qual os investidores privados
responsáveis pela supervisão da construção
tornaram-se os operadores do equipamento
por um período de 30 anos conforme previsto em contrato. Além do controle de gerenciamento e do poder de modificação estrutural dos mesmos, os investidores privados
também tiveram poder de influência sobre o
design e o projeto de tais construções (ONG,
2004). Portanto, muitos dos equipamentos já
foram definidos tendo em mente as decorrentes privatizações e comercializações em
um momento pós-Jogos. Dessa maneira, o
Centro Aquático Nacional, por exemplo, foi
desenhado como um centro de entretenimento, com piscina de ondas, praia artificial,
cinema, clube de fitness, lojas e restaurantes
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(BROUDEHOUX, 2007).
uma socialização dos custos e privatização
dos lucros.
5 Conclusão
Tanto o COI como o BOCOG demonstraram grande ansiedade em apresentar um projeto cuja palavra de ordem fosse
o legado, deixado para a cidade após os Jogos Olímpicos. Todavia, a questão de fundo
então não respondida foi quem usufruiria tal
legado. Se a Vila Olímpica, equipada com
restaurantes e espaços verdes, foi convertida em uma área residencial permanente, de
modo a contribuir para a falta de habitações
no centro da capital, é difícil pensar, contudo,
que a população que a tenha ocupado estivesse nas camadas mais baixas da sociedade chinesa. Localizada no Olympic Green,
entre os segundo e terceiros arcos viários
de Pequim, a Vila sofre com intensa pressão
imobiliária, especialmente em um contexto
de amplos gastos fiscais, e decorrente aumento de impostos.
A formação de contratos fundamentados em parcerias público-privadas entre instituições governamentais e agentes privados
é uma tendência não somente utilizada para
a preparação de megaeventos tais como as
Olimpíadas, mas assume papel central e cotidiano nas cidades pós-fordistas, as quais
substituem a postura administrativa pelo
comportamento empreendedor, na técnica
de planejamento denominada por David Harvey de empresariamento urbano (HARVEY,
2005).
Como tendência do empresariamento
urbano também podemos citar “a otimização
do aproveitamento turístico-imobiliário das
regiões sujeitas às principais intervenções
urbanas viabilizadoras do evento” (MELO e
GAFFNEY, 2011). Esta preocupação encontra-se no primeiro documento apresentado
pelo BOBICO ao COI, o qual afirmava que
a cidade de Pequim já apresentava grande
parte de suas acomodações já construídas,
com 241 hotéis estrelados e 71699 quartos
disponíveis (ONG, 2004). Também é tendência a revitalização de áreas degradadas
seguidas de expansão imobiliária de alto padrão (MELO e GAFFNEY, 2011). Ademais,
observa-se “um alto grau de apropriação privada da infraestrutura urbana criada com recursos públicos para o evento,” (idem, 2011)
tais como os processos previstos pelos contratos de construção-operação-transferência
já assinalados, o que acaba por configurar
Como conseqüências, portanto, da
estratégia empreendedora do governo municipal sob o projeto anunciado de uma nação
autoritária comprometida com o capitalismo,
estão o esvaziamento dos centros urbanos
e a expansão do processo de suburbanização, nos moldes em que Lefebvre descreveu
a implosão-explosão da cidade sob o desígnio burguês. Assim, a articulação entre capital global e a postura empresarial do Estado
prejudicaram grande população trabalhadora por dois movimentos: a gentrificação2 da
cidade, uma vez que os investimentos sobre
Gentrificação: neologismo proveniente do
inglês gentry (pequena nobreza; gente de boa
família e boa educação).
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a cidade trazem consigo efeitos destorcidos
sobre a inflação, o mercado imobiliário e o
remanejo fiscal do governo, com cortes no
sistema de bem-estar social; e o controle sobre as populações mais pobres, de modo a
transmitir um ambiente de segurança propício para a instalação do capital internacional
e para a construção imagética da cidade, o
que envolve desde o maior policiamento até
os processos de remoções de famílias para
a construção de equipamentos e infraestruturas estratégicas ao governo.
são econômica) [s. n. t.]
ONG, Ryan. New Beijing, great Olympics: Beijing and its unfolding Olympic legacy. Stanford Journal of East Asian Affairs,
v.14, n.2, p.35-49, 2004.
OWEN, Jeffrey. Estimating the cost and
benefit of hosting Olympic Games: what can
Beijing expect from its 2008 games? The Industrial Geographer, v.3, n.1, p.1-18, 2005.
Referências
BROUDEHOUX, Anne-Marie. Spectacular Beijing: the conspicuous construction
of an Olympic metropolis. Journal of Urban
Affairs, v.29, n.4, p.383-399, 2007.
HARVEY, David. Do administrativismo
ao empreendedorismo: a transformação
da governança no capitalismo tardio. In:
__________. A produção capitalista do espaço. São Paulo: Annablume, 2005, p.163190.
MELO, Erick Silva Omena de; GAFFNEY, Christopher. Megaeventos esportivos
no Brasil: uma perspectiva sobre futuras
transformações e conflitos urbanos. Disponível em <http://www.fase.org.br/v2/pagina.
php?id=3462> Acesso em 24.jun.2011
PENNA, Adriana Machado. Megaeventos esportivos: novo templo do capitalismo
concontemporâneo. In: CONFERÊNCIA INTERNACIONAL OS MEGAEVENTOS E A
CIDADE, 1., 2010, Niterói, Financiamento,
aplicação e apropriação de capital (dimen-
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