Ana Gomes
10 de Março de 2008
Jogos Olímpicos: Na maratona pelos direitos humanos
In Amnistia Internacional Portugal
"One World One Dream" (Um Mundo Um Sonho) é o slogan dos próximos Jogos Olímpicos, de
Pequim, em Agosto. Estas palavras sonhadoras contrastam com a realidade de muitas partes do
mundo, onde persistem pobreza e violações de direitos humanos. Uma realidade para a qual a
própria China também contribui, dentro e fora de portas.
O Comité Olímpico Internacional está preocupado com a qualidade do ar em Pequim e tem, por isso,
vindo a medir regularmente os picos de poluição. Se a saúde dos atletas justifica tais exigências, seria
de esperar que os direitos de 1,3 bilião de Chineses - e não só - justificasse que governos europeus e
outros exigissem progressos em matéria de direitos humanos na China, de forma igualmente
meticulosa.
Durante a Cimeira UE-China, que decorreu em 2007 sob a alçada da Presidência Portuguesa da UE,
a Europa falou claro sobre como a China perverte regras da OMC, desrespeitando direitos laborais,
exportando produtos nocivos para a saúde, pirateando tecnologia e dificultando o acesso europeu ao
mercado chinês. Mas a liderança europeia, lamentavelmente, não só fez concessões inaceitáveis
sobre o referendo em Taiwan - que não contradiz a "one China policy"' - como se absteve de
confrontar Pequim com as suas responsabilidades, internas e externas, quanto a violações de direitos
humanos.
Se os líderes europeus querem realmente poder contar com uma China que seja um actor global
responsável, têm que falar mais claro. Os Jogos Olímpicos oferecem uma oportunidade única. Não
foi por acaso que, depois de ter ameaçado vetar várias resoluções da ONU, a China mudou de tom e
até nomeou um representante especial para o Darfur. Alçando a bandeira do boicote ao 'Jogos do
Genocídio', a China reagiu. A pressão chinesa sobre o regime de Cartum, que vende petróleo a
Pequim em troca de abundantes investimentos chineses, é fundamental para pôr fim à catástrofe do
Darfur. Neste caso particular, a China tem vindo a assumir gradualmente algumas das
responsabilidades que tem como potência global. Mas não todas. Lamentavelmente, a China
continua a defender os seus negócios de armas com o Sudão (que não tem pudor em utilizá-las no
Darfur, como documenta um relatório da Amnistia Internacional publicado em 2007, em violação do
embargo de armas da ONU), desculpando-se com o argumento de não ser o único exportador de
armas usadas naquela região, onde nos últimos cinco anos foram mortas 200 mil pessoas. A suposta
política chinesa de "não-interferência" ignora que os seus investimentos e colaboração militar
contribuem para manter no poder o governo de Bashir. Isto apesar de, como membro da ONU, a
China ter por obrigação agir de acordo com o princípio da "responsabilidade de proteger". A nível
ambiental, a barragem de Merowe, financiada em grande parte China, já causou cerca de 60 mil
deslocados no norte do Sudão.
O Sudão é um caso emblemático mas há outros países africanos nos quais a China tem um impacto
considerável: na Zâmbia fala-se no 'tsunami têxtil'; na Etiópia e na Nigéria este impacto já provocou
ataques contra trabalhadores chineses. São muitos os exemplos das consequências do "safari de
Pequim" pelos recursos naturais africanos, como descrito num relatório (insert hyperlink:
www.europarl.europa.eu/members/public/geoSearch/view.do?country=PT&partNumber=1&langua
www.anagomes.eu
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ge=EN&id=28306 ) que será adoptado pelo Parlamento Europeu em Abril. Na Ásia, as
responsabilidades chinesas são também evidentes, por exemplo, na Birmânia.
Na própria China, se há inegável progresso económico, também se acentuaram as desigualdades e as
contradições, e persistem violações de direitos humanos gritantes: pena de morte, presos do
massacre de Tien An Men - uma das razões por que o Parlamento Europeu defende a manutenção do
embargo de armas à China - detenções e julgamentos arbitrários, corrupção, despejos forçados,
perseguição de jornalistas e utilizadores da internet, repressão dos tibetanos (incluindo o isolamento
do Dalai Lama) e de minorias, como os muçulmanos uigures, etc..
A China diz-se vítima de uma tentativa de misturar política com desporto. Mas a verdade é que a
localização dos Jogos tem uma vertente política e económica. Pessoalmente, sou contra o boicote.
Mas sou a favor de que os Jogos Olímpicos sejam usados para pressionar a China a adoptar uma
atitude mais responsável como potência global e membro permanente do Conselho de Segurança da
ONU. Não podemos desperdiçar esta oportunidade. É da responsabilidade de todos nós, e também
dos atletas que se deslocarão a Pequim, chamar a atenção para a necessidade de progressos em
matéria de direitos humanos, códigos laborais, respeito por acordos internacionais, protecção
ambiental, etc. Estas são maratonas nas quais a China não pode ficar para trás.
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