DOCUMENTO DE PROPRIEDADE DA UNIVERSIDADE
DO ESTADO DE SANTA CATARINA - UDESC
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CURSO DE PEDAGOGIA A DISTÂNCIA PARA SURDOS
HISTÓRIA DOS SURDOS
UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA – UDESC
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Projeto Gráfico, Diagramação e Capa
UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA
CENTRO DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO – FAED
COORDENADORIA DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA – CEAD
CURSO DE PEDAGOGIA A DISTÂNCIA PARA SURDOS
HISTÓRIA DOS SURDOS
CADERNO PEDAGÓGICO
HISTÓRIA DOS SURDOS
GladisT. T. Perlin
Colaboradores:
Antônio Campos de Abreu
Marianne Sumpf
Vilmar Silva
Wilson Miranda
Florianópolis, 2002.
Ficha catalográfica
362.42
P447h
Perlin, Gladis T. T.
História dos surdos / Gladis T. T. Perlin; colaborarores,
Antônio Campos de Abreu ... [at. al.] - Florianópolis: UDESC/
CEAD, 2002.
107p. - (Caderno Pedagógico)
1. Surdos - educação. 2. Surdez - aspectos psicológicos.
I. Título.
CDD 20.ed.
Surdos - educação - 362.42
Surdez - aspectos psicológicos -155.916
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO..............................................................................11
PROGRAMA DA DISCIPLINA................................................................13
INTRODUÇÃO.................................................................................15
CAPÍTULO I
A REPRESENTAÇÃO DO SURDO: DA HISTÓRIA
ANTIGA À HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA ......................................19
Seção I
Introdução ao estudo da
história geral sobre o surdo......................................21
Seção II
A representação dos surdos no povo hebreu............24
Seção III
Grécia Antiga - construções da
representação do surdo...........................................27
Seção IV
Mudanças na representação:
uma primeira conquista surda na história....................30
Seção V
Restrições legais e representações..........................32
Seção VI
Os “grandes mestres” no período de 1500 a 1890......36
Seção VII
Um período para a língua de sinais............................37
Seção VIII
A ascendência oralista.................................................41
CAPÍTULO II
REPRESENTAÇÕES SURDAS HISTÓRICAS........................................45
Seção I
O início das organizações surdas....................................47
Seção II O afrouxamento da cultura surda......................................50
Seção III A origem da língua visual.........................................53
Seção IV FMS – uma organização não-governamental................57
Seção V
No bilingüismo, um método de mudanças.....................61
Seção VI Pedagogia do surdo –
mudança na representação.............................................67
CAPÍTULO III
AS REPRESENTAÇÕES SURDAS NO BRASIL..................................... 69
Seção I
Eduard Huet - educador surdo........................................71
Seção II O INES na história........................................................74
Seção III Movimentos surdos: presenças políticas....................77
Seção IV Federações: a marca da diferença................................... 81
Seção V
Fundação da FENEIS: a produção social da
diferença surda.............................................................83
Seção VI A história da escrita em sinais...................................88
CAPÍTULO IV
SANTA CATARINA – UM OLHAR SOBRE A
HISTÓRIA DE SURDOS........................................................91
Seção I
Início e continuidade de uma trajetória:
o Círculo de Surdo em Santa Catarina...........................93
Seção II Francisco Lima Júnior: o primeiro
educador surdo em Santa Catarina.................................95
Seção III O que o Círculo de Surdo representou
na vida dos surdos?.........................................................97
Seção IV Associações de Surdos: captando
novas conquistas em Santa Catarina............................99
ATIVIDADE DE CONCLUSÃO DA DISCIPLINA .............................. 102
CONSIDERAÇÕES FINAIS: A HISTÓRIA DOS
SURDOS NOS DIAS ATUAIS......................................................... 103
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.............................................105
APRESENTAÇÃO
No primeiro capítulo, apresento a parte mais importante da
história de surdos: a menção dos surdos como menos válidos, que se
apresenta a nossos olhos por meio de dados de uma história contada
pelos que ouvem, pelos que determinam as “coisas” sobre os surdos.
Nesse universo da história dos surdos, existe um espaço dominado
pelos que ouvem. Ao longo da História, os surdos foram “dominados” e tiveram sua identidade usurpada por aqueles que os consideram “anormais”.
A razão pela qual escolhi chamar este capítulo de “A representação do surdo da História Antiga à Contemporânea” é que o que
está sendo contado como a “história dos Surdos” é uma narrativa
dos ouvintes que, na maioria das vezes, representam os surdos à
margem social, como sujeitos inválidos, excluídos, doentes, necessitados de cura da fala, de proteção, por isso a minha crítica acerca da
história dos surdos começa com uma introdução das representações
que tornam as narrativas diferentes.
No segundo capítulo, narro a história em que os surdos representam-se a si mesmos. Uma história feita por surdo e para surdos. Ela
se inicia a partir do momento em que há registros de que os surdos
começam a organizar-se. Esse capítulo não é mais uma história feita
pelos ouvintes. Se há muitos ouvintes fazendo registros desta história,
não podemos nos esquecer de que são os surdos que fazem a sua
história, portanto, neste capítulo, apresento a nossa organização social e política traduzida em nossas produções culturais1.
No terceiro capítulo, apresento a história dos surdos no Brasil
a partir do professor surdo Eduard Huet, evidenciando a continuidade da história da descoberta de “uma substância fundamental”
pelos surdos franceses, ela própria continuamente renovada. É uma
história em movimento, que tem levado a questionar a tendência de
ser surdo, a tendência ao fixamento da identidade que caracteriza a
comunidade surda.
1 Produções culturais:
a cultura surda é uma
cultura visual, mas que
encontra conotações
diferentes daquela
ligada aos estudos
culturais que nos meios
acadêmicos atende a
aspectos como
televisão, cinema e
artes visuais tradicionais. A cultura dos
surdos, no aspecto que
utilizamos aqui, é
aquela inspirada pelo
pós-estruturalismo,
teorizada como campo
de luta entre os
diferentes grupos
sociais em torno da
significação (SILVA,
2000, p 32)
Neste capítulo, seguem as histórias de Federações e Associações, mais precisamente histórias de um movimento nacional em
que o surdo é o ator principal no processo de celebrar a cultura
surda, de lutar pelos direitos à diferença na educação, na política,
nos direitos humanos. Trata-se de uma história que os oralistas reprimiram por julgarem a si mesmos como identidade única, mas
que sobreviveu.
No quarto capítulo, transcrevo a história surda do Sul do Brasil, mais precisamente a história dos surdos de Santa Catarina. Uma
história que precisa entrar em destaque, mais que ainda não foi
devidamente desnudada, por isso espero que este caderno seja o ponto de partida para novos ensaios.
E, para fechar e, ao mesmo tempo, iniciar novas discussões
sobre a história dos surdos, apresentamos, nas Considerações Finais,
mesmo que de forma sintetizada, as lutas atuais dos movimentos
surdos a partir da representação surda como diferença cultural.
PROGRAMA - HISTÓRIA DOS SURDOS
CAPÍTULO I
A REPRESENTAÇÃO DO SURDO: DA HISTÓRIA ANTIGA À HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA.
1. Introdução ao estudo da história geral sobre o surdo
2. A representação dos surdos no povo hebreu
3. Grécia antiga – construções da representação do surdo.
4. Mudanças na representação: uma primeira conquista surda na história.
5. Restrições legais e representações
6. Os “grandes mestres” no período de 1500 a 1890
7. Um período para a língua de sinais
8. A ascendência oralista
CAPÍTULO II
REPRESENTAÇÕES SURDAS HISTÓRICAS
1.
2.
3.
4.
5.
6.
O início das organizações surdas
O afrouxamento da cultura surda
A origem da língua visual
FMS – uma organização não-governamental.
No bilingüismo, um método de mudanças.
Pedagogia do surdo – mudança na representação.
CAPÍTULO III
REPRESENTAÇÕES SURDAS NO BRASIL
1.
2.
3.
Eduard Huet - educador surdo.
O INES na História
Movimentos surdos: presenças políticas.
4.
5.
surda.
6.
Federações: a marca da diferença.
Fundação da FENEIS: a produção social da diferença
A história da escrita em sinais
CAPÍTULO IV
SANTA CATARINA – UM OLHAR SOBRE A HISTÓRIA
DE SURDOS.
1. Início e continuidade de uma trajetória: o Círculo de Surdos em Santa Catarina.
2. Francisco Lima Júnior: o primeiro educador surdo em
Santa Catarina.
3. O que o Círculo de Surdos representou na vida dos surdos?
4. Associações de Surdos: captando novas conquistas em Santa Catarina.
CONSIDERAÇÕES FINAIS: A HISTÓRIA DOS SURDOS
NOS DIAS A
TU
AIS.
ATU
TUAIS.
INTRODUÇÃO
Uma “história de origem” sobre os surdos pode reproduzir a
idéia da perspectiva euro-americana comum, sugerindo que a história originada na Europa e nos Estados Unidos é a única que importa. Infelizmente, a história dos surdos também é vista como dependente da atenção dos ouvintes, uma história de elites para elites.
Pelo que constatei, não há uma história dos surdos plenamente
escrita. Segundo Lulkin, professor de História dos Surdos na Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS, é necessário
pegar recortes existentes e, a partir daí, tecer a história sob os prismas mais diversos. Assim, nosso contexto atual tem escritos sob os
diferentes pontos de vista: da educação, do trabalho, da representação, da identidade.
Claro que reclamamos dessa história em que aparecemos como
o sujeito descoberto pelos ouvintes, como o sujeito que deve ser excluído em sua língua e cultura ou, recentemente, como o sujeito que
não tem rosto e face. No espaço do mundo surdo, chamado de subdesenvolvido, essas noções da história dos surdos, como se apresentam, têm aspectos representativos do colonialismo. São raros os escritos que iniciam uma história pós-colonial com os seus heróis, no
entanto essa história dos surdos traz os seus heróis, e eles se sobressaem quase sempre em comunidades e, por serem surdos do “Terceiro Mundo”, sobressaem-se sem nome e sem rosto.
Nesse aspecto, esta história dos surdos mostra que o que vem
acontecendo entre surdos em matéria de história, tem a ver com os
detalhes acerca da maneira e das situações de comunidades em ascensão. Encontrei, no entanto, pouquíssimos dados em que os surdos escrevem essas coisas. E, igualmente, pouquíssimos dados em
que os surdos refletem sobre si e sobre sua história.
Senti o desafio, quando me apresentaram a proposta de escrever este Caderno Pedagógico sobre a história dos surdos, de abordar
tal história não como ela é narrada pelo ouvinte, mas como nós,
surdos, vemos essa mesma história, de dentro dela. Por um lado,
ela envolve uma língua que não é minha, assim tenho dificuldades
para reproduzir fatos e idéias em seqüência nessa língua. Por outro,
são escassos os dados e poucas as reflexões existentes nesta área e há
a necessidade de escrever uma história dos surdos a partir de documentos que, na maioria das vezes, foram os ouvintes que registraram. Acrescentem-se a isso os dias tão atribulados pelos quais estou
passando, época em que me dedico à minha pesquisa principal, o
início da produção da tese de doutorado.
Assim, lancei-me à tarefa de reunir fatos na história oficial, na
qual se encontram registros sobre surdos, como aqueles que tratam
das determinações legais do Estado, das instituições em que os surdos são os destinatários das práticas, das metodologias, da vida dos
professores ouvintes e de suas metodologias, de consignações em congressos, seminários, eventos. Com relação à parte da história que
pode ser buscada em documentos e publicações, empenhei-me por
mapear a história em que os surdos são os atores e os construtores.
Para isso, recorri a fundações/organizações de Federações, Associações, comunidades, a relatos de surdos que construíram os momentos históricos; à história em torno da língua de sinais, ao seu desenvolvimento, reconhecimento, escrita em SignWritting e às lutas atuais pela oficialização da língua brasileira de sinais, por educação,
por trabalho, entre outros direitos.
Segue, igualmente, minha intenção de documentar fatos escritos e narrá-los sob uma ótica de representação dos surdos. Segue minha maneira de reunir fatos entre os surdos que viveram tais histórias
e, para captá-los, realizar entrevistas, valer-me de câmera, de correio
eletrônico, de fax, de TDD, de encontros e mais encontros.
A história dos surdos é escrita pela história da educação, e a
história da educação dos surdos foi sempre contada pelos ouvintes.
É natural que muitos surdos tenham se apropriado dela como se
fossem verdades absolutas e as tenham absorvido exatamente como
lhes foi dito, isto é, que eles eram deficientes, menos válidos, incapazes... O que quero e o que querem os surdos que estão comigo é,
na verdade, construir uma versão histórica a partir dos surdos,
mesmo que ainda haja alguma influência da história feita pelos
ouvintes. Os estudos surdos recentes recolocam essas questões sob
prismas culturais, sociais etc. Isso há de conferir um novo “olhar”
sobre a história, e essa mudança provavelmente será extremamente
importante. Acredito que, neste momento, esse seja o caminho em
que, pela primeira vez, estamos registrando essa história. E, como
toda primeira vez, pode ser que esta história escrita ainda não traduza os desejos e os sonhos dos surdos, mas será um primeiro passo
em direção a tal. Tenho certeza de que, como é tudo muito novo,
haverá muito a (re)descobrir sobre isso.
A equipe que contatei para executar esta tarefa é composta de
surdos, aos quais agradeço: Antônio Campos de Abreu, de Minas
Gerais; Marianne Stumpf e Wilson Miranda, de Porto Alegre e a
Comunidade de Surdos de Santa Catarina. Também contei com a
ajuda valiosa de ouvintes como Sérgio Lulkin (professor de História
dos Surdos na UFRGS), Vilmar Silva (professor de Matemática de
Surdos no Centro Federal de Educação Tecnológica - CEFET/SC) e
do incentivo dos Coordenadores do Curso de Pedagogia a Distância
para Surdos da Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC.
CAPÍTUL
O I
APÍTULO
A REPRESENTAÇÃO DO
SURDO DA HISTÓRIA
ANTIGA À HISTÓRIA
CONTEMPORÂNEA
Os grandes mestres do oralismo (fonte: Looking Bac)
Esta história dos surdos é uma decepção,
simplesmente reinvocando e reescrevendo a
dominação e a exclusão que têm mais
freqüentemente sido conhecidas como os
“marcadores” da experiência histórica das
pessoas surdas (WRIGLEY, 1996).
A REPRESENTAÇÃO DO SURDO DA HISTÓRIA ANTIGA À
HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA
INTRODUÇAO AO ESTUDO DA HISTÓRIA
GERAL SOBRE O SURDO
Seção 1
Objetivos específicos:
š
introduzir o conceito de representação;
motivar uma representação crítica da história dos surdos.
š
Sou surda e, para mim, é crucial assumir a narrativa e a reflexão em torno da História Antiga sob o aspecto surdo. Por quê?
Porque as narrativas e a reflexão sobre a História Antiga foram feitas
por pessoas ouvintes. Diante desse fato, tenho de me posicionar, e
essa intenção fica evidente no transcorrer do texto. Para tanto, tenciono, ao mesmo tempo em que narrar, também refletir a representação que é feita do surdo naqueles momentos em que a história
registra sua passagem, isto é, pretendo desnudar a representação
que é feita sobre o surdo, resgatando as representações existentes.
Por sermos uma comunidade cultural, também assumo o significado de representação na perspectiva cultural. Dito de outra
forma, a representação que assumo “refere-se às formas textuais e
visuais através das quais se descrevem os diferentes grupos culturais
e suas características” (SILVA, 2000). É claro que pretendo fazer
uma análise a partir dos significantes culturais e das conexões com
a identidade surda e também da representação com base no pressuposto de que não há identidade fora da representação.
Carece, no entanto, dizer que a representação sobre o surdo
na história vai, já no início, deixar a idéia do sujeito surdo em sua
exclusão, estereótipo, depreciação. E não é por menos que a opressão do indivíduo surdo vem da opressão social, do domínio da
racionalidade já existente, já colocada na História Antiga.
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HISTÓRIA DOS SURDOS
Cada lugar, cada povo, tem sua forma de representar o surdo,
e essa representação não é definitiva. Ela vai assumindo novas formas de acordo com as idéias predominantes com que os povos assumem a história. Qualquer movimento que evidencie a diferença
surda é parte da tensão da História. Essa tensão determina movimentos e mudanças de representações. Ela pode ser encontrada nas
narrativas dos momentos ou dos eventos que marcam determinada
fase histórica. Assim, não teremos nunca uma história que se encaixa em todas as outras.
Isso pode ser verificado na própria história dos surdos, pois, ao
mesmo tempo em que ela foi aceita na Idade Moderna, a partir dos
pressupostos do abade L’Epée, ela também foi negada pelo discurso
hegemônico da época. Procedendo dessa forma, colocam-se em jogo
preconceitos e solidariedade no decorrer da História.
Talvez não seja preciso dizer, no início, que os surdos sempre
acompanharam a história da humanidade. Não há como estabelecer em qual século surgiu o surdo. Como dizer o nome, o lugar
onde nasceu e viveu o primeiro surdo da História da humanidade?
São fatos que se perderam no tempo e que, talvez, remontem já aos
primeiros habitantes da Terra.
ATIVIDADES
1. É fundamental reconhecer a compreensão sobre a História Antiga. Você poderia fazer um desenho, aqui, sobre o que você
entendeu acerca do conceito de representação?
A REPRESENTAÇÃO DO SURDO DA HISTÓRIA ANTIGA À
HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA
2. Olhe seu desenho e copie do texto, no espaço a seguir,
algumas frases significativas que o motivaram.
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3. Agora construa, com suas palavras, um conceito de representação.
Comentário
As suas respostas deverão resgatar um conceito de representação, caso contrário, você terá dificuldades de entender a representação surda e a representação
ouvinte durante o restante do estudo de história.
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HISTÓRIA DOS SURDOS
A REPRESENTAÇÃO DOS SURDOS NO POVO
HEBREU
Seção 2
Objetivos específicos:
identificar a representação dos surdos na
história do povo hebreu;
š
compreender a importância das narrativas
históricas.
š
2
A maldição
no Antigo
Testamento tem
uma conotação
semelhante à
exclusão social
feita na Idade
Média, quando os
surdos eram
abandonados ou
mandados
embora para
longe das cidades
ou povoados,
para que vagassem à sua própria
sorte. Veja sobre
a maldição em
Gênesis 9:25.
Na Palestina, em 1500 a.C, no Período do Bronze Recente,
registram-se as primeiras menções da existência de surdos. Naquele
período, foram escritos os Mandamentos de Moisés, que contêm a
lei ao povo hebreu. Em um dos seus parágrafos, temos: “Não amaldiçoarás ao surdo, nem porás tropeço diante do cego...”(LEVÍTICO,
19:44). Notamos, aí, que, nesse povo, já existia o problema da exclusão do sujeito surdo, entretanto a forma de narrar essa legislação
pode ser resumida a um apelo pela não-exclusão social2. Fica, porém, uma pergunta: esse problema da exclusão social acompanhou
a legislação de todos os povos da Antigüidade?
É curioso notar que o surdo recebeu do povo hebreu, através
de um decreto, o reconhecimento como sujeito humano e, conseqüentemente, a sua permanência no interior desse próprio povo.
Nesse momento, é interessante nos perguntarmos: se o surdo também participava desse processo, não estaria ele buscando ocupar
seu espaço como sujeito diferente? Independentemente dessa questão, não podemos negar que, para esse povo, pelo menos no aspecto
da lei, os surdos recebiam um tratamento como pessoas.
Sabemos que, no período de 2.000 a 1.500 a.C., não somente
com os hebreus, mas também com os egípcios, os surdos eram protegidos por leis, mas até hoje não foram encontrados quaisquer re-
A REPRESENTAÇÃO DO SURDO DA HISTÓRIA ANTIGA À
HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA
gistros nesse período sobre a sua educação. O que observamos é que
o povo hebreu apresentava a surdez física como construto em que a
“cultura mãe” não tinha qualquer significado cultural inerente ao
surdo, mas tal significado era definido a partir de uma compreensão dada por esse povo quanto aos papéis desempenhados por eles.
O grau de capacidade para realizar as tarefas determinava o grau de
aptidão física. Notamos que o modelo de pertença comunitária estava presente, e o modelo médico não existia.
ATIVIDADES
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1. Você consegue lembrar os períodos da História? Tente lembrar, através do desenho, os Períodos do Bronze, bem como demarcar
os períodos a.C. e d.C., situando-os de acordo com a cronologia histórica. Tente representar, em desenho, no quadro a seguir.
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HISTÓRIA DOS SURDOS
2.
Reflita sobre a representação do surdo nesse contexto.
3. Assista ao filme clássico “Os dez mandamentos”. Esse filme pode ser encontrado numa boa locadora. Escreva, aqui, em poucas
palavras, o que você presenciou: como as leis eram feitas naquele
tempo? O que predominava na vida daquele povo? Quais as causas
pelas quais os surdos receberam tratamento diferenciado?
Comentário
Em sua resposta, é importante que você tenha uma noção dos períodos da História da humanidade. Se necessário, volte ao Caderno de História da Educação e
construa um mapa.
A REPRESENTAÇÃO DO SURDO DA HISTÓRIA ANTIGA À
HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA
GRÉCIA ANTIGA - CONSTRUÇÕES DA
REPRESENTAÇÃO DO SURDO.
Seção 3
Objetivos específicos:
identificar o surdo na História Antiga a partir
das narrativas oficiais;
š
conhecer a representação do surdo na Grécia
Antiga.
š
Os sinais de presença de surdos na História Antiga também
são encontrados em narrativas do povo grego. A primeira menção já
inicia com uma representação trágica. A história comunitária que
você leu no Período do Bronze Recente perde sentido. Por não representar um sujeito produtivo, o surdo, naquela sociedade, tendia
a ser excluído socialmente e, inclusive, tendia a ser um não-sujeito
para a vida. Skliar (1997) registra que Rômulo, fundador de Roma,
decretou, no século 753 a. C., “que todos os recém-nascidos – até a
idade de três anos - que constituíam um peso potencial para o
Estado, podiam ser sacrificados”.
Segundo Edwards (1997), os gregos não tinham uma definição sobre o valor ou a capacidade do sujeito de se superar. Apesar
dessa afirmação, não queremos sugerir, neste texto, que não houvesse um conceito de valor humano na Grécia Antiga, mas que o
significado de sujeito dependia da compreensão do Estado quanto
às qualidades desse sujeito, tanto no campo da beleza quanto na sua
capacidade de servir ao Estado.
Um outro fator que contribuiu para a exclusão do surdo e para
a sua conseqüente invalidez social foi, como menciona Edwards
(1997), o fato de que os gregos não tinham a compreensão acerca
da categoria da diferença como entendemos atualmente, isto é, a
diferença na perspectiva cultural. A importância da diferença no
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HISTÓRIA DOS SURDOS
desenvolvimento humano não fazia parte do Estado. Diante disso,
os surdos foram banidos por serem considerados incapazes de desempenhar, produzir o bem-estar social do Estado.
Também podemos inferir que a presença de deuses da beleza,
da sabedoria, da abstração tenha legado um tratamento desumano ao
surdo. Alguns historiadores, inclusive, fazem conexão com os discursos mitológicos das deusas Vênus desnudas. É a prevalência da representação do corpo belo, ideal e perfeito. É constrangedor que, sob
esse aspecto, a História inicia banindo corpos denominados imperfeitos, e é desumano que coloquemos na condição de bastardo o sujeito
surdo e que neguemos a ele o direito de entrar na possibilidade de
participação no simbolismo daquele povo. Nessa parte da História, o
surdo está incluído entre deficientes físicos, o que é muito diferente
do período anterior, em que ele era citado pela diferença.
3
Aristóteles
nasceu em Estagira,
na Macedônia, no
ano 384 a.C., e
morreu em 322
a.C.; discípulo de
Platão e professor
de Alexandre
Magno, criou um
“Liceo”, que foi tão
prestigiado quanto
a “Academia”.
É interessante notar que, nos escritos de alguns homens famosos daquele tempo, como o historiador grego Heródoto, que viveu
por volta do ano 444 a.C, classificavam-se os surdos como seres
castigados pelos deuses. Outro foi Aristóteles3, que pertencia ao
movimento filosófico e científico baseado na experimentação e que
fez uma relação entre surdez e mudez, mas não acreditava na possibilidade da diferença e nem da participação social do surdo.
A REPRESENTAÇÃO DO SURDO DA HISTÓRIA ANTIGA À
HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA
ATIVIDADE
1. Procure, na internet, mais registros sobre a história dos
surdos na Grécia Antiga. Entre no site www.geoogle.com e escreva
no local: deaf history (se você não entende inglês, verá que pode usar
o tradutor para aquelas páginas) e encontrará textos sobre o que é
narrado na Grécia referentemente aos surdos. Verá que há novas
descobertas não citadas aqui. À medida que for encontrando dados,
registre-os no espaço a seguir. Não esqueça de registrar a fonte (nome
do site) onde encontrou os dados.
Comentário
Fixar alguns momentos da História Antiga ajuda a ter uma visão acerca dos valores atribuídos ao surdo e acerca das mudanças no que diz respeito a tais valores,
registradas na atualidade.
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HISTÓRIA DOS SURDOS
MUDANÇAS NA REPRESENTAÇÃO: UMA
PRIMEIRA CONQUISTA SURDA NA HISTÓRIA.
Seção 4
Objetivos específicos:
observar como foram concedidos os primeiros direitos aos surdos;
š
š
refletir sobre a representação dos surdos.
O desenrolar da História vai, aos poucos, começando a mostrar lentas mudanças e novas representações para o sujeito surdo.
Na representação que descrevo a seguir, observamos uma tendência
na forma de definir como os seres humanos tornam-se humanos.
Essa tendência vai assumindo uma posição que possibilita ao surdo
ser visto como sujeito capacitado, desde que não interfira nos aspectos econômico-financeiros do Estado.
Skliar (1997) registra que existe uma primeira menção de concessão de direitos ao sujeito surdo no primeiro século depois de
Cristo.
Plínio, hablando del arte de la pintura en Roma
en su tratado La História Natural refiere el caso
de Quinto Pedio, el nieto sordo del cónsul romano homónimo. Por ser descendiente de la familia
de Messala, el Imperador César Augusto le concedió
la possibilidad de cultivar su talento artístico,
pero no de cursar una carrera normal.
Mesmo havendo essa concessão, o primeiro século depois de
Cristo continua a enfocar a surdez como problema. Dar o direito ao
surdo de constituir-se como sujeito parece ser um ato de humani-
A REPRESENTAÇÃO DO SURDO DA HISTÓRIA ANTIGA À
HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA
dade extremamente limitado. O ato de César Augusto determinava
o que o sujeito surdo poderia ser. Dava-lhe o direito às artes, mas
negava-lhe o acesso à ciência. Esse é um bom exemplo da prevalência
da identidade hegemônica em detrimento de outras identidades.
ATIVIDADES
1. Entre novamente no site www.google.com.br e transcreva
mais dados sobre esse aspecto da História; não se esqueça de citar a
fonte.
2.
Agora, comente essa narrativa com suas palavras.
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HISTÓRIA DOS SURDOS
RESTRIÇÕES LEGAIS E REPRESENTAÇÕES
Seção 5
Objetivos específicos:
identificar, na História, as conseqüências do
Código Justiniano sobre os surdos;
š
refletir acerca da representação sobre os surdos a partir do Código Justiniano.
š
O Código de Justiniano, de 528, d.C, é um documento em
que estão prescritas as leis da Antigüidade. Segundo Skliar, a menção aos surdos parece estar em Del Postulare: que é o momento em
que o indivíduo apresenta-se diante do juiz. O Del Postulare trata da
capacidade de o indivíduo postular, isto é, expor em juízo, frente a
um juiz, o próprio desejo, ou de um amigo, ou de contradizer o
desejo do outro. O Del Postulare do Código de Justiniano define
três categorias de indivíduos:
1. aqueles que não podem postular por si mesmos;
2. aqueles que podem postular por si;
3. aqueles que podem postular por si e pelos outros.
Os surdos estavam incluídos, segundo Skliar (1997), entre os
da primeira categoria. Nesse Código, também há uma distinção
entre surdos e outros deficientes, como, por exemplo, os cegos. É
importante lembrar que esse foi o primeiro reconhecimento legal
do surdo. Também observamos que, com o Código Justiniano, houve a marcação da diferença entre surdez e mudez, e esse dado é
importante, pois daí seriam vistas novas possibilidades, partindo ao
encontro de outros achados em relação aos surdos.
Como vemos, para o Código Justiniano, a imposição de restrições legais aos surdos era condizente e necessária naqueles tempos.
A REPRESENTAÇÃO DO SURDO DA HISTÓRIA ANTIGA À
HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA
Essas restrições legais estavam assim determinadas, pois, naquela
época, os surdos não recebiam uma instrução oficial. Como não
havia métodos de instrução para os surdos, eles não tinham mestres
e nem iam a escolas. Provavelmente esse espaço teria sido ampliado
se os surdos recebessem instrução naquele tempo.
ATIVIDADES
1. Reconstrua, agora, com suas palavras, o Código Justiniano.
Se julgar necessário, pesquise em livros de História Geral.
2. Compare a lei, no tempo de Justiniano, com as leis sobre os
surdos que temos hoje. Busque leis que legislem sobre surdos no site
www.google.com.br. Transcreva os achados, citando a fonte.
Educação a Distância
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HISTÓRIA DOS SURDOS
OS “GRANDES MESTRES” NO PERÍODO DE
1500 A 1890
Seção 6
Objetivos específicos:
conhecer a presença de Mestres de Surdos
na História da educação dos surdos;
š
refletir sobre os diferentes métodos dos
Mestres e sobre as diferentes representações do
surdo no transcorrer da História.
š
Na História, os Mestres de Surdos se sobressaem sempre. Isso
acontece porque muitos de seus métodos foram registrados e citados como exemplos para a educação de surdos até tempos recentes,
inclusive alguns deles tinham métodos que perduram até os dias de
hoje. Vejamos alguns dos mestres mais notáveis e seus métodos.
Ä
Rodolfo Agrícola (século XIV) - Argumentava quanto à
possibilidade de instruir surdos. Ele faz distinção entre surdez e
mutismo.
Ä
Girolamo Cardomo (1501-1576) - Médico italiano que
teve um filho surdo. Estudou o ouvido, a boca e o cérebro. Argumentava que o sentido do ouvido (o ouvir) e a vocalização da palavra não eram indispensáveis para a compreensão das idéias.
Ä
Girolamo Acquapendente - Professor de Anatomia da universidade de Pádua. Fez a distinção entre pantomima e o uso que os
surdos faziam dos sinais. Disse: “eles são considerados incapazes de se
expressar somente porque ninguém os pode compreender”.
Ä
Pedro Ponce de Leon (1520-1584) - Era um monge
beneditino. Foi o primeiro professor de surdos (reconhecido como
tal). Instruiu a Francisco e a Pedro de Velasco, irmãos surdos do Conde de Castilla. Ponce de Leon não fez registro acerca de seu método.
A REPRESENTAÇÃO DO SURDO DA HISTÓRIA ANTIGA À
HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA
Ä
Ramírez de Carrión - Teve a responsabilidade de educar
outros surdos da família do Conde de Castilla, meio século após a
morte de Ponce de Leon.
Ä
Juan Pablo Bonet (1579-1629) - Viveu na Espanha e,
com ele, teve início o ensino sistemático. Juan Pablo Bonet escreveu
o primeiro livro conhecido sobre o ensino de surdos: Reducion de las
letres y arte para ensenar a hablar los mudos. Segundo Moores (1987),
nesse texto, Bonet defendia tanto o uso da escrita como a idéia de
que tutores e pais a empregassem na educação da criança desde
cedo. Atribuiu grande importância à existência de um ambiente
lingüístico rico, além de priorizar o uso do alfabeto manual juntamente com a escrita para o ensino da fala. Defendia que o treino da
fala fosse iniciado precocemente. Outros educadores seguiram os
passos de Bonet com algumas pequenas diferenças.
Ä
Willian Holder (1616-1698) - Desenvolveu técnicas específicas de treino de leitura labial, e John Wallis (1618-1703), ao
contrário de seus colegas, separava o treinamento articulatório do uso
do alfabeto manual, todavia todos eles tinham em comum o fato de
privilegiarem a escrita como primeira língua, o que garantia aos surdos o acesso ao poder e à riqueza de sua família em caso de herança.
Ä
Abade L’Epée (1712-1789) - A ele se deve a criação/
fundação da primeira escola pública para surdos em Paris. Segundo
a tradição, L’Epée iniciou seu trabalho com surdos por casualidade,
já com aproximadamente sessenta anos. Além disso, aprendeu a
Língua de Sinais com surdos pobres de Paris e utilizou-a em seu
método de ensino que ficou conhecido como Sistema de Signos
Metódicos. A sua escola iniciou em 1760, com poucos alunos, mas,
em 1785, já contava com setenta estudantes. É, dentre os mestres,
o mais querido pelos surdos. De sua escola, saíram importantes
professores surdos, além do que ele inaugurou um novo período na
história dos surdos.
Ä
Samuel Heinecke (1729-1784) - Foi fundador e diretor
da primeira escola pública para surdos na Alemanha. Em 1754,
havia instruído seu primeiro aluno surdo – através da escrita e da
língua oral. Seu segundo aluno foi apresentado em público, o que
lhe deu notoriedade. Foi criador e defensor do método oral. Mantinha debates e correspondência com L’Epée acerca da controvérsia
de seus métodos.
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HISTÓRIA DOS SURDOS
Ä
Abade Sicard - Diretor do Instituto fundado por L’Epée
em Paris a partir de 1791. Considerado, na época, notável autoridade na Educação dos Surdos.
ATIVIDADES
1. Estabeleça uma diferença entre os educadores de surdos
do período de 1500 a 1900.
2. Descreva a evolução nos métodos da educação de surdos
naquele período.
3. Procure traçar um quadro da representação dos surdos
que cada educador de surdos expressa através de seu método.
A REPRESENTAÇÃO DO SURDO DA HISTÓRIA ANTIGA À
HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA
UM PERÍODO PARA A LÍNGUA DE SINAIS
Seção 7
Objetivos específicos:
reconhecer o período em que se iniciou o
processo de construção da cultura surda, mediante o uso da língua de sinais na educação de
surdos;
š
reconhecer as mudanças na representação do
surdo com o uso da língua de sinais.
š
A história da educação de surdos passou por mudanças profundas com o início do uso da língua de sinais no processo de ensino. O abade L’Epée foi um dos grandes responsáveis por essas mudanças, mesmo que tivesse conhecido a língua de sinais quanto
tinha em torno de sessenta anos de idade. O abade reuniu os surdos
pobres dos arredores de Paris e criou a primeira escola pública para
surdos, provavelmente influenciada pelos ideais da Revolução Francesa. Foi nesse espaço educativo que se iniciou o uso da língua de
sinais. O professor Lulkin, que fez estudos nessa área, escreve:
A produção acadêmica e os registros históricos
disponíveis localizam na França, a partir da segunda metade do século XVIII, o berço da educação institucional e pública de pessoas surdas no
Ocidente. A instituição escolar imperial, cuja primeira proposta pedagógica data de 1760, fundase nos moldes do Antigo Regime francês e passa
por adoção da Assembléia Nacional, em 1791,
tornando-se o Instituto Nacional de Jovens Surdos de Paris. O Instituto serve de centro irradiador
de um ideário científico e modelo educacional para
diversos países (LULKIN, 1998).
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38
HISTÓRIA DOS SURDOS
O resultado positivo da metodologia utilizada pelo abade Francês L’Epée chamou a atenção dos educadores da época, tendo como
resultado a fundação de inúmeras escolas de surdos tanto na Europa como nos Estados Unidos. A partir dessa escola, também despontaram profissionais surdos e ouvintes que se espalharam pelo
mundo, além de se dar a ida de educadores de surdos para França em
busca desse método, dentre eles o
mais famoso foi Gallaudet.
Quadro de Frederic Peysson / 1891/
Fraça, representando o Abade L’Epée e
seus alunos surdos. Revista da Feneis,
n°11 - 2001.
As escolas fundadas em outros países, nos moldes da França, passaram a usar as línguas de
sinais nacionais e a explorar novos recursos na educação de surdos. O currículo da escola para
surdos, em Paris, passou a conter
língua de sinais, religião, língua
nacional e formação profissional.
Skliar (1997) faz uma síntese das conseqüências desse tipo de
educação de surdos:
Los alumnos de la escuela de L’Epée eran capaces,
em sintesis,de compreender y expressar tanto la
lengua escrita como la lengua de senas francesa y es
interessante destacar que los mismos sordos fueron
desempenando gradualmente los roles de maestros
de ninõs sordos. Entre ellos, Massieu y Clrec, quién
más tarde fuera contratado por Thomas Hopkins
Gallaudet para sentar las bases y organizar la
educacion de los sordos en los Estdos Unidos, y
constituyen solo los casos más notábles conocidos.
Essa diferença na educação dos surdos perdurou pouco, ela foi
abafada pela força da Filosofia e da Medicina, que não podiam
acreditar nessa representação da pessoa surda, ou seja, na sua capacidade como surdo. O que predominou, no final do século XIX, foi
o valor da palavra falada e da normalidade da pessoa ouvinte. O
método pedagógico que usava a língua de sinais, naquela época, foi
considerado inferior pelos ouvintes, isto é, como inadequado ao
desenvolvimento da pessoa surda.
A REPRESENTAÇÃO DO SURDO DA HISTÓRIA ANTIGA À
HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA
ATIVIDADES
1. Qual representação tinha o surdo naquele período da
História?
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2. Você tomou conhecimento da presença de professores
surdos? Entre no site da internet www.google.com.br, investigue alguns educadores e profissionais surdos ao longo da História. É provável que a maioria deles seja aluno do Instituto de Paris, mas não
necessariamente. Faça um fichário com esses nomes.
√
√
√
√
√
Nome;
data de nascimento;
local;
escola que freqüentou;
onde exerceu suas atividades.
Educação a Distância
40
HISTÓRIA DOS SURDOS
3. Faça, igualmente, uma relação de educadores surdos brasileiros de qualquer período histórico. Proceda do mesmo modo
com o fichário.
4. Pergunte, a educadores surdos ou a educadores de surdos
que utilizam a língua de sinais, sobre aspectos relativos à utilização
dessa língua na educação dos surdos e transcreva para o espaço a
seguir.
Comentário
Como já vimos, as suas respostas devem dar ênfase à nova representação dos
surdos e à presença do professor surdo na História. Os professores ouvintes, de
tanto serem citados, tornaram-se famosos; os professores surdos desapareceram
com o tempo. Resgatá-los não será tarefa de minutos, mas de dias, meses e anos.
A REPRESENTAÇÃO DO SURDO DA HISTÓRIA ANTIGA À
HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA
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A ASCENDÊNCIA ORALISTA
Seção 8
Objetivos específicos:
identificar as representações sobre os surdos, tendo em vista a presença do oralismo;
š
I
reconhecer o oralismo como um aspecto do
colonialismo ouvinte sobre os surdos.
š
Utilizando a pesquisa feita por Souza (1998), entendemos que
o oralismo4 tem suas origens históricas na modernidade, pelos anos
de 1750, e é considerado como seu fundador o médico alemão
Samuel Heinicke. Esse método tem como idéia central a patologia
crônica do surdo. Essa patologia pode ser traduzida como lesão no
canal auditivo que obstaculiza a aquisição da língua. Segundo
Heinicke, que era médico, as intervenções clínicas poderiam
corrigir e induzir o surdo ao uso da fala.
Souza (1998) também descreve que muito do que Heinicke
avaliava como língua mantém-se até os dias de hoje. Os profissionais
do oralismo, ao longo da história da educação de surdos, têm usado,
em maior ou menor grau, as determinações desse médico. Gestos ou
sinais de qualquer natureza eram considerados como caminhos para
a língua de sinais, portanto eram expressamente proibidos.
O oralismo defendia unicamente a predominância da voz, transformando-a em objetivo único do que consideram ser o “tratamento educativo interdisciplinar” dos sujeitos surdos.
O oralismo passou a ser adotado oficialmente a partir do Congresso de Milão em 1880, quando foram excluídas todas as possibi-
Educação a Distância
4
Também
existem outros
escritos sobre o
oralismo como os
de Thompson
Perelló e Tortosa.
42
HISTÓRIA DOS SURDOS
lidades do uso das línguas de sinais na educação do surdo. A partir
de então, ela foi proibida nas escolas de surdos e em instituições
que acolhiam surdos, inclusive nas suas próprias organizações.
5
Surdos que
foram atendidos nas
instituições /internatos com esse método, entre 1921 e
1960, cujos depoimentos foram dados
em entrevistas.
Atualmente, os surdos educados pela concepção oralista5 falam sobre os horrores e as perseguições que os surdos sofriam no uso
desse método. No auge do oralismo, o uso da língua de sinais foi
banido e proibido nos recintos tanto das instituições educativas ou
da família como nas organizações de surdos. Os surdos eram submetidos, às vezes, a castigos pesados caso utilizassem a língua de
sinais. Houve histórias de impedimento de contato pessoal entre
surdos, repressões e outros. Até os dias de hoje, esses surdos continuam com estranhos receios. Também existem casos de surdos que
se voltaram contra a própria língua de sinais considerando-a como
não-motivadora da convivência social, além de outros estereótipos
contra a sua própria língua.
ATIVIDADES
1.
Comente a representação do surdo no oralismo.
A REPRESENTAÇÃO DO SURDO DA HISTÓRIA ANTIGA À
HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA
2. A tendência de alguns surdos a apoiar o método oralista
existe em nossos dias. Procure alguns surdos que aceitam esse método e transcreva suas defesas a respeito de sua oralização.
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3. Procure alguns surdos que viveram em instituições com o
método oralista, mas que não o aceitaram e continuaram sinalizando; transcreva alguns depoimentos deles.
Comentário
A sua resposta deve conter aspectos críticos sobre o movimento oralista.
Educação a Distância
CAPÍTUL
O II
APÍTULO
REPRESENTAÇÕES
SURDAS HISTÓRICAS
Os banquetes anuais dos surdos na França, desenho de 1886. (Fonte:
Looking Bac)
Todo problema humano deve ser considerado
desde o ponto de vista do tempo (FRANTZ
FANON, 1973).
REPRESENTAÇÔES SURDAS HISTÓRICAS
47
O INÍCIO DAS ORGANIZAÇÕES SURDAS
Seção 1
Objetivos específicos:
esclarecer que o início das organizações surdas não se restringe a simples fatos banais, senão
à defesa de necessidades sentidas por seus membros;
š
visibilizar a importância das organizações de
surdos para uma mobilização social produtiva.
š
Mottez (1992) descreve o ano de
1834 como uma das grandes datas de
início das organizações surdas. Na pesquisa que ele fez sobre os banquetes
que a comunidades surdas realizavam
na época, notamos que falavam muito do “povo surdo” e da “nação surda”, enquanto a expressão “comunidade surda” teve origem mais
recentemente. Em 1998, em minha
dissertação de Mestrado, já escrevia
Ferdinand Berthier inaugura o início
das Associações de surdos na França sobre essa busca da diferença, esse elo
(Fonte: Looking Bac).
que distingue a comunidade surda de
outras comunidades e faz com que a comunidade surda determine
a marcação simbólica de sua diferença, não pela nacionalidade,
classe, raça, etnia, mas pela cultura.
Para o movimento surdo, contam as instâncias
que afirmam a busca do direito do indivíduo surdo em ser diferente em questões sociais, políticas
e econômicas que envolvem o mundo do trabalho, da saúde, da educação, do bem-estar social
(PERLIN, 1998).
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48
HISTÓRIA DOS SURDOS
Isso é bastante comum entre os grupos minoritários. E a tendência a buscar aspectos simbólicos que possibilitem a diferenciação já foi citada por Woodward como uma das discussões centrais
entre o essencialismo e o não-essencialismo.
O essencialismo pode fundamentar suas afirmações tanto na história quanto na biologia; por exemplo, certos movimentos políticos podem buscar
alguma certeza na afirmação da identidade apelando seja à verdade fixa de um passado partilhado seja às verdades biológicas. O corpo é um dos
locais envolvidos no estabelecimento das fronteiras que definem quem nós somos, servindo de fundamento para a identidade (WOODWARD, 2000).
6
Ferdinand foi
um dos professores
surdos do Instituto
Nacional de Paris.
Esse Instituto teve
vários outros
professores surdos.
Ao que consta,
Ferdinand foi
membro da Sociedade dos Homens de
Letra de Paris, pois
também era um
escritor brilhante.
7
Foi outro
professor surdo e
colega de
Ferdinand, mais
tarde seria diretor
da Escola de Lyon,
na França.
8
Peyson e
Mosca eram pintores daquele tempo.
Há quadros de
Peyson no Museu
Histórico de
Versailles na França.
É importante notar que essa busca do essencialismo, em alguns aspectos, torna-se bastante insistente; em outros, ela é mais
amena. Isso tudo é importante, pois sempre há espaço para trocas
com a comunidade ouvinte. Sobre a designação de povo e nação
surda, é ainda Mottez quem diz que os surdos formam um povo
sem território e que seus clubes tomam esse lugar, e eles se sentem
em sua casa, no lugar onde eles dominam.
Essa história de “povo surdo” começou em 1834, no momento em que os professores surdos Ferdinand Berthier6 e Lenoir7
decidiram mobilizar os surdos. Reuniram-se dez surdos entre eles:
Peysson de Montpelier8 e Mosca. Se o objetivo era festejar o aniversário de nascimento do abade de L’Epée, mais tarde já se constituía uma reunião de sessenta surdos entre professores, pintores,
gravadores e empregados. Mottez segue relatando que eram surdos foragidos da elite da sociedade hegemônica, contudo eram
surdos bastante capacitados e eficientes, eram representantes privilegiados da comunidade surda.
Aos poucos, as associações foram tomando forma. De início,
aqueles surdos narravam entre si suas conquistas sociais, suas capacidades e suas aptidões. É bastante certo que esses encontros
provocaram mudanças como a redescoberta do passado, ou seja,
da forma como aprenderam a língua de sinais e como, a partir
dela, posicionavam-se socialmente. Aos poucos, eles foram percebendo suas necessidades e criando as Associações, que, mais tarde, espalharam-se pelo mundo.
REPRESENTAÇÔES SURDAS HISTÓRICAS
49
ATIVIDADE
1. Sendo você um futuro profissional de Educação, faça uma
análise acerca das possibilidades das Associações dos Surdos como
aspecto para ser abordado na sua prática pedagógica e transcreva a
seguir suas conclusões.
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Comentário
Sua tarefa, como professor, é a de ser o orientador dos surdos. O processo de
construção das Associações/Federações é conhecido por tirar os surdos de seu
isolamento, atuando como instrumento de luta em favor de seus direitos. É fundamental que você descubra e transmita essas informações a seus alunos, bem como
os oriente para a leitura dessas possibilidades. Esse trabalho pode ser realizado
em grupo.
Educação a Distância
50
HISTÓRIA DOS SURDOS
O AFROUXAMENTO DA CULTURA SURDA
Seção 2
Objetivos específicos:
identificar as Associações de Surdos como
“lugares” de resistência e de expansão da cultura
surda;
š
identificar as Associações de Surdos como “lugares” de desenvolvimento da consciência surda.
š
A socióloga Widel (1992) analisa algumas questões referentes
aos surdos a partir da história construída pelos próprios surdos. Nessa
análise, ela fala de quatro fases na construção da cultura surda: a fase
de abertura (1866-1893), a fase de isolamento (1893-1980), a última parte da fase de isolamento e o começo da próxima fase (19601980) e, por último, a fase de manipulação. Na primeira fase, a
maioria da comunidade surda consistia de trabalhadores especializados,
e era fato característico que o objetivo da associação fosse semelhante
aos objetivos de outras associações de trabalhadores ouvintes.
A primeira crise assisada entre a cultura surda e a sociedade
em geral, porém, ocorreu a partir de 1890. A comunidade surda
passou a ser rejeitada porque insistia em manter a língua de sinais.
A exigência de que as crianças surdas tivessem de aprender a falar
oralmente começou a deixar suas marcas na personalidade e no
desenvolvimento cognitivo e lingüístico dessas pessoas. Isso daria
espaço ao isolamento dos surdos. O isolamento social ocorreu em
função da busca de espaço para a sobrevivência da língua de sinais.
Para sobreviver, os surdos começaram a fundar as Associações e,
através de um processo de socialização, protegiam a comunidade
surda, evitando seus fracassos. Em 1893, por exemplo, na Dinamarca, os surdos fundaram uma associação com o objetivo de preservar a língua de sinais. Diante dessa iniciativa, Widel reflete:
REPRESENTAÇÔES SURDAS HISTÓRICAS
51
O fato é que a comunidade surda foi posta para
fora [da sociedade] e isolada, porque insistia
em manter a língua de sinais que facilitava a
comunicação em todos os sentidos. O motivo
pelo qual a comunidade surda insistia tão enfaticamente em manter a língua de sinais, poderia ser devido a um respeito profundo por uma
força criadora interior de natureza humana e
social. Essa força criadora possibilitou à comunidade surda descobrir uma linguagem realmente funcional e boa - a língua dos sinais - que
facilitava seu desenvolvimento, apesar de todas
as investidas contra ela (WIDEL 1992).
A pesquisa da socióloga Widell mostra que, em 1866, um
grupo de artesãos fundou a “Associação dos Surdos-Mudos de 1866”,
em Copenhague, devido à influência da associação de surdos em
Berlim. O objetivo principal da associação era manter a qualidade
de vida dos surdos em caso de doença, morte e desemprego, além
de oferecer conferências nas mais diversas áreas do conhecimento.
Importa notar que, mesmo com as características específicas da comunidade surda, essa Associação tinha uma forma de
organização semelhante às organizações dos ouvintes. Descrevendo uma das fotografias dos fundadores, Widell identifica um
grupo de orgulhosos cidadãos de Copenhague com raízes numa
forte tradição de profissionais especializados e educados na língua de sinais. Os surdos da associação de Copenhague desenvolviam atividades profissionais nas diversas áreas da arte de ofício,
buscando caracterizar, no seu trabalho, a sua experiência visual.
Essas Associações de Surdos, nas suas modalidades, como mostra
Widel, expandiram-se por toda a Europa.
Somente um século depois, as condições mudam e, apesar de a
comunidade surda ainda se encontrar na fase de isolamento, havia,
então, novas condições para que ela saísse do isolamento. A Educação
para a comunidade surda tornou-se um elemento importante, pois
todos os argumentos dos oralistas começaram a se desintegrar.
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52
HISTÓRIA DOS SURDOS
ATIVIDADES
1. Veja o filme “Sons e fúria” e comente sobre a importância das comunidades surdas.
2. Verifique, em sua cidade, em sua região, a existência da
comunidade surda, procure descrever, aqui, a sua trajetória histórica. Se faltar espaço, digite em uma folha e cole.
REPRESENTAÇÔES SURDAS HISTÓRICAS
53
A ORIGEM DA LÍNGUA VISUAL
Seção 3
Objetivos específicos:
definir e esclarecer o surgimento, o desenvolvimento e a pesquisa da língua de sinais;
š
š
analisar a origem da língua de sinais.
É impossível precisar o tempo certo do surgimento da língua
de sinais9. O que a História registra é que ela foi contestada em sua
autenticidade, principalmente pelo fato de a língua oral ser
hegemônica. A língua de sinais, no entanto, também mostra um
processo de evolução bastante complexo.
Há casos de surdos que atribuem a ouvintes a invenção da
língua de sinais. Pesquisadores surdos como Padden e Humphries
(1988) têm verificado que surdos de algumas comunidades norteamericanas e de países da Europa acreditam que ouvintes, ou mesmo L’Epée, instituíram a língua de sinais. Para os surdos, essa idéia
de invenção de língua pode estar diretamente ligada a que o ouvinte possui atributos capazes de criar através de seu conhecimento.
Souza (1998) cita um trecho do surdo Desloges, que, já em
1779, ocupava espaço para esclarecer o mal-entendido de que a
inventiva de L’Epée fosse certa:
[...] certa vez L’Epée concebeu o nobre projeto de
devotar-se à educação do surdo; ele sabiamente
observou que eles possuíam uma linguagem natural para se comunicarem entre si. Como essa
linguagem não era outra senão a linguagem de
sinais, ele supôs que, se ele se empenhasse em
compreendê-la, o triunfo de seu empreendimento
seria assegurado. Esse discernimento foi recompensado pelo sucesso. Então o abade L’Epée não
Educação a Distância
9 A língua de
sinais já existia
antes de ser
adotada como
linguagem para a
educação de
surdos pelo abade
L’Epée. Na análise
pós-estruturalista, a
linguagem passou a
ser considerada
como central na
teorização social. É
provável que sua
existência tenha se
verificado anteriormente - consideramos isso pelo fato
de L’Epée ser um
erudito, estando,
em tese, preparado para reconhecer
a relevância da
língua de sinais
entre surdos
pobres de Paris.
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54
HISTÓRIA DOS SURDOS
foi o inventor ou o criador dessa linguagem; pelo
contrário, ele a aprendeu com o surdo; ele somente reparou o que ele encontrou incompleto nela;
ele a ampliou e lhe deu regras metódicas
(DESLOGES, 1779/1984).
Desloges menciona que a língua de sinais já existia em Paris
antes de L’Epée e que, naquele tempo, a língua de sinais era uma
língua própria dos surdos, e eles a utilizavam em sua vida diária. Na
realidade, o que o abade L’Epée fez foi estudar a língua de sinais,
verificando o que faltava para que pudesse se constituir em uma
linguagem educacional semelhante à utilizada nas escolas daquele
tempo. Além disso, na época de L’Epée, os surdos foram introduzindo palavras e sinais que se adaptassem aos conhecimentos que
estavam sendo adquiridos.
A consideração formal da língua de sinais como língua é realmente recente e aconteceu com a pesquisa do norte-americano
William Stokoe, inicialmente publicada em Studies in Linguistics, comprovando que a língua de sinais tinha o mesmo status lingüístico que
uma língua oral-auditiva. A partir dessa pesquisa, outros pesquisadores passaram a comprovar que as línguas de sinais são línguas que
possuem todas as estruturas necessárias para o status de língua, possuindo inclusive uma estrutura independente das várias línguas orais.
Souza relata que Stokoe esforçou-se em tecer argumentos em defesa
da íntima relação da fala com os sinais, mas não o contrário, e se
contrapôs às idéias dos principais lingüistas de sua época.
Como se não lhe bastasse trafegar na contramão, Stokoe comportava-se como um herege ao
defender a existência de uma língua sem som,
base dos postulados bloomfieldianos, dos quais
se valeu, e aí soou como provocação, para demonstrar a gramaticidade dos sinais. Não por
acaso foi qualificado de insano por Landar
(1961) que, ao concluir a resenha que fez de Sign
Language Structure, pergunta ao lingüista leitor: quantos mais compartilhariam com Stokoe
as mesmas idéias? (SOUZA, 1998)
REPRESENTAÇÔES SURDAS HISTÓRICAS
55
E continua Souza:
Estudos lingüísticos realizados em diversas línguas de sinais, além de corroborarem a tese de
Stokoe de que o sistema de comunicação usado
pelos surdos americanos era, de fato, uma língua, ofereceram fortes argumentos em favor de
uma outra tese, essa sim com forte vinculação
política, a saber, a de que, do ponto de vista
sociolingüístico, surdos sinalizadores devem ser
considerados como pertencendo a uma minoria
lingüística. Do ponto de vista político, suas decorrências parecem óbvias e [a contribuição]
desses lingüistas à Educação confere um tom
‘militante’ ao âmbito dos estudos sobre as línguas de sinais (SOUZA, 1998).
Esses estudiosos da língua de sinais demonstraram que essa
língua tem o mesmo status lingüístico que uma língua oral. Dessa
forma, criaram os fundamentos para implantação de uma educação
bilíngüe para surdos.
ATIVIDADES
1.
A quem você atribui a origem da língua de sinais e por
quê?
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56
HISTÓRIA DOS SURDOS
2. É fundamental definir nossa compreensão sobre a origem da língua de sinais, buscando novos elementos e ampliando
nossos conhecimentos. Para acompanhar o desenrolar desse processo, busque as revistas da FENEIS e veja como estão a luta, a pesquisa, o esforço dos surdos para a evolução de conhecimentos da língua
dos sinais. Transcreva a seguir suas principais conclusões.
REPRESENTAÇÔES SURDAS HISTÓRICAS
57
FMS – UMA ORGANIZAÇÃO NÃOGOVERNAMENTAL.
Seção 4
Objetivos específicos:
definir e esclarecer a relevância da organização dos surdos em nível mundial;
š
conhecer a organização mundial de surdos
e os aspectos mais importantes que orientam a
sua existência.
š
A necessidade de uma organização de surdos em nível
internacional, em um dado momento histórico, fez-se urgente frente às
lutas já realizadas pelas Associações de Surdos. Dentre elas, as dos países
europeus foram de fundamental importância para a fundação da
Federação Mundial de Surdos - FMS, em 1951, em Roma, na Itália.
A FMS é uma organização não-governamental em nível internacional e representa as comunidades surdas. Suas atividades foram
crescendo através dos anos, e sua principal função é a de congregar as
Associações, Federações e outras Organizações Nacionais de Surdos.
Atualmente, no mundo, somos em torno de setecentos milhões e aproximadamente 80% dessas comunidades surdas vivem
em países onde as autoridades não são familiarizadas com nossas
necessidades e onde poucas crianças surdas têm o acesso ao sistema
de ensino. Somente 20% da população surda do mundo têm algum nível de escolarização, e apenas 1% recebe essa escolarização
na língua de sinais, mesmo que a maioria das comunidades surdas
utilize a língua de sinais em seu cotidiano, por isso a FMS tem
como prioridade o desenvolvimento de atividades para as comunidades surdas mais excluídas. Atualmente, a FMS representa aproximadamente setenta milhões de surdos em todo o mundo com organizações nacionais de comunidades surdas em 120 países.
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HISTÓRIA DOS SURDOS
Como órgão internacional, a FMS possui status consultivo nas
nações unidas, na organização científica e cultural (UNESCO), na
Organização Mundial da Saúde (OMS) e na Organização Internacional do Trabalho (OIT), além de ter representação no contexto
internacional na busca pela igualdade de oportunidades para as
pessoas consideradas “deficientes”.
Com o decorrer do tempo, a FMS foi enunciando as seguintes
prioridades:
Ò direitos humanos de comunidades surdas e trabalho
contra a discriminação das comunidades e da língua de sinais;
Ò educação dos surdos;
Ò representação das associações de comunidades surdas e
ajuda no estabelecimento das associações onde elas não existem
atualmente.
No transcurso de sua História, a FMS tem desenvolvido os
seguintes trabalhos:
Ò luta pela unificação de Associações nacionais, de Fede-
rações e de outras Organizações de surdos em níveis regionais e
internacionais;
Ò empenho por assegurar que o governo de cada país observe todas as declarações internacionais e recomendações de
Direitos Humanos dos surdos;
Ò promoção da criação e do desenvolvimento de organizações nacionais de comunidades surdas e organizações que fornecem serviços às comunidades surdas onde tais organizações não
existem;
Ò organização e estímulo da/à troca de informações e
experiências entre organizações de profissionalização do surdo e
de profissionais que atuam com surdos;
Ò fornecimento direto ou indireto de informações aos governos que solicitaram;
REPRESENTAÇÔES SURDAS HISTÓRICAS
59
Ò divulgação de materiais científicos e legais sobre o surdo
e sobre as necessidades atuais de comunidades surdas em publicações e por outros meios;
Ò discussão, com peritos interessados, sobre a relevância
desses materiais;
Ò facilitação dos esforços de comunidades surdas e contribuições ao enriquecimento cultural em cada país.
Todos esses pressupostos evidenciam a importância dessa organização internacional dos surdos. Além disso, a FMS patrocina
encontros, congressos e fóruns internacionais, bem como apóia encontros nacionais de surdos. Colabora, dessa forma, para divulgar e
para levar contribuições aos surdos que vivem de forma desprezível
e impedidos de lutar por seus direitos.
ATIVIDADES
1. Pegue a revista da FENEIS, ano II, nº 5, janeiro a março/
2000, e leia a página 22. Transcreva, no quadro a seguir, as prioridades atuais da FMS. A forma de apresentação pode ser através de
desenhos.
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2
Entre no site www.wfdnews.org da Federação Mundial
de Surdos e copie, a seguir, algumas das mais importantes atribuições dessa Federação.
REPRESENTAÇÔES SURDAS HISTÓRICAS
61
NO BILINGÜISMO, UM MÉTODO DE
MUDANÇAS.
Seção 5
Objetivos específicos:
introduzir as mudanças que o bilingüismo
impôs à educação dos surdos;
š
salientar a importância representativa que
esse método trouxe para a virada educacional e
social referente ao sujeito surdo.
š
Na década de 1960, do século passado, com a comprovação
do status da língua de sinais e a não-concretização dos ideais do
oralismo na educação de surdos nos Estados Unidos, instaurou-se
uma nova filosofia, denominada “comunicação total”. Essa concepção de ensino, entretanto, teve uma vida muito curta, pois tinha, em suas bases teóricas, os mesmos ideais do oralismo. Uma
constatação dessa afirmativa está no fato de utilizar apenas os sinais
da língua de sinais como instrumento facilitador na aprendizagem
da língua oral. Souza, entretanto, mostra que, contraditoriamente,
a continuidade do oralismo através da comunicação total também
trouxe as bases para o desenvolvimento do bilingüismo;
De fato, se o oralismo tivesse tido sucesso, crianças
surdas não colocariam à sociedade nenhum grande
problema e, possivelmente, a linguagem de sinais
não teria se constituído tão cedo em objeto de estudo para a Lingüística (SOUZA, 1998).
O bilingüismo surgiu nos meios lingüísticos, justamente após
a publicação da tese de Stokoe. Essa tese deixava em evidência o
fato de que o sistema de comunicação por sinais, utilizado pelos
surdos americanos (ASL) era, de fato, uma língua como outra qualquer. A proposta de Stokoe desencadeou várias pesquisas que, ape-
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HISTÓRIA DOS SURDOS
sar de suas diferenças no enfoque teórico e/ou metodológico, motivou a ampliação do espaço lingüístico, atingindo, inclusive, o espaço educacional e pedagógico.
Essa concepção de ensino - bilingüismo - que se estende até
nossos dias foi e é um método específico para a educação dos surdos, no entanto, no decorrer da História, ele não se mostrou homogêneo. Para discutir essa questão, Skliar (1998) apresenta quatro
dos diferentes projetos políticos – multiculturais – que sustentam e
subjazem à educação bilíngüe para surdos.
Ä
O conservador - Apresenta uma visão colonialista sobre a
surdez. Impera o ouvintismo e a identidade incompleta dos surdos.
Os professores continuam com sua formação nos modelos da educação com idéias clínicas. Esse tipo de bilingüismo tende à
globalização da cultura.
Ä O humanista e liberal - Considera a existência de uma
igualdade natural entre ouvintes e surdos. A desigualdade, no entanto, mostra a existência de uma limitação de oportunidade social
aos surdos. Isso se constitui numa pressão para aqueles que vivem a
situação de desigualdade histórica e são forçados a alcançar uma
certa igualdade.
Ä O liberal e progressista - Tende a aproximar-se e a enfatizar
a noção de diferença cultural que caracteriza a surdez, porém
essencializa e ignora a história e a cultura. Assim, seriam Surdos
(com S maiúsculo), porém não comprometidos com seus aspectos
políticos.
Ä O Crítico - Sublinha o papel “desempeñan la lengua y
las representaciones en la construcción de significados y de identidades sordas” (SKLIAR, 1998).
A meu ver, não descarto a hipótese da educação bilíngüe ser
uma proposta de grupos decorrente de movimentos articulados às
resistências político-culturais surdas, no entanto um dos perigos do
bilingüismo é ficar apenas no aspecto sociolingüístico. Precisamos
partir da idéia de que a educação de surdos é mais ampla do que uma
abordagem lingüística. A comunidade surda não é, e não será nunca,
prisioneira de uma dualidade; outras línguas correntes no Brasil, como
o espanhol e o inglês, também são necessárias. Um outro perigo é o
bilingüismo com vistas a um final feliz, isto é o monolingüismo, o
que novamente provocaria um gueto no sentido do fechamento da
comunidade surda ou uma esmagadora hegemonia ouvinte.
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ATIVIDADES
1. A partir desse texto de estudo, procure, com suas palavras, sintetizar as principais contribuições do método bilíngüe para
a educação dos surdos.
2. Tente elucidar aspectos relevantes para uma pedagogia
da diferença.
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Comentário
As suas respostas devem resgatar algumas contribuições do bilingüismo para a
educação dos surdos. Deve, inclusive, enfocar os princípios do Método.
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HISTÓRIA DOS SURDOS
PEDAGOGIA DO SURDO – MUDANÇA NA
REPRESENTAÇÃO.
Seção 6
Objetivos específicos:
introduzir, na história atual da Educação,
os caminhos da mudança pedagógica;
š
observar criticamente essa mudança pedagógica.
š
No ano de 1998, durante a realização do Pré-Congresso para o
V Congresso Latino-Americano de Educação Bilíngüe de Surdos,
em Porto Alegre, a comunidade surda interferiu, elaborando o documento intitulado “Que educação nós surdos queremos?” A partir
daí, o bilingüismo começou a ser “coisa” do passado. Os professores
surdos conscientes de seu papel junto às escolas de surdos estão às
voltas exigindo mudanças na pedagogia para surdos.
A representação do surdo, no bilingüismo, é ainda um conceito de continuidade da normalização, do ser incompleto, da impossibilidade de reconhecimento. Esse conceito continua situando o
surdo entre os deficientes e, em ambos os casos, a educação dos
surdos se fez presente e as experiências se tornaram redundantes
nessa área. Interpretando Yan Chambers (1995), podemos falar,
aqui, que, dentro desse conceito pedagógico da surdez, impera “o
retorno do reprimido, do subordinado e do esquecido” e acrescentamos que a impossibilidade de reconhecimento cultural a que o
surdo está submetido tem fundamentos nesses aspectos em que a
diferença não é admitida.
Nos anos subseqüentes, particularmente no ano de 2000, iniciou uma nova mudança no contexto educacional sobre o conceito
de surdez que o surdo alimentava sobre si mesmo. A realização do
REPRESENTAÇÔES SURDAS HISTÓRICAS
65
Seminário, em Caxias do Sul, com o tema: “Surdos: um olhar sobre
as práticas educacionais”, reforçou o reencontro com essa mudança
de conceito que foi introduzida pelos pedagogos surdos no sistema
de ensino. Esse conceito, no entanto, já existia nas comunidades
surdas como observamos na história dos movimentos surdos.
Essa representação refere-se a uma percepção que vem de dentro do surdo a partir da sua diferença. Skliar (2002) cita, em seu
livro: “¿Y si el otro no estuviera ahí ...? En el último caso - Todos
somos, en cierta medida, otros”. Esse novo conceito sobre surdez é
uma produção cultural, uma construção de identidades culturais:
significa o surdo na diferença, ou seja, aquilo que acontece na subjetividade surda.
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Seminário referente à pedagogia da diferença. Revista da Feneis, n°13 -2002.
A nova pedagogia para surdos é aquela presente no problema e
na identidade cultural. Podemos simplesmente fazer uma síntese
dessa pedagogia, que foi denominada “pedagogia da diferença”,
com o que é e o que não é identidade surda, o que é e o que não é
cultura surda. Um currículo e uma pedagogia da diferença deveriam ser capazes de abrir o campo da identidade. Uma boa estratégia
é nos perguntarmos: “Quais os sujeitos e as instituições que estão
ativamente envolvidos na criação da identidade e da diferença cultural surda e na sua fixação?” Feito isso, procuremos uma aproximação... Vejamos, a seguir, os pressupostos constantes dessa pedagogia.
Educação a Distância
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HISTÓRIA DOS SURDOS
Ò
A língua que deve perpassar essa pedagogia é a língua de
sinais como instrumento de transmissão de conhecimentos ou de
todas as informações necessárias ao processo curricular. O processo
de registro do conhecimento não tem de ser necessariamente em
português, ele pode se dar através de diferentes formas de registro.
Ò
O português, mais que status de segunda língua, é uma
língua estrangeira, que se apreende na modalidade de leitura de
significantes que conduzam à sua compreensão, mais que à sua gramática.
Ò
O espaço da cultura surda existe como ambiente da diferença e possibilita encontro com o surdo diferente.
Ò
Na comunidade escolar, o novo membro surdo, antes de
iniciar sua vida escolar, deve ser um usuário da língua de sinais,
bem como os profissionais devem ser proficientes na língua de sinais.
Na cultura surda, toda informação, quando feita pelo professor surdo,
é mais facilmente captada pelo aluno surdo daí porque é necessário
que seja a língua corrente da comunidade escolar. Funcionários
surdos sempre serão referenciais na escola de surdos.
Ò
A aprendizagem, através da visão, está incluída nesse
modelo; para tanto, utiliza recursos de visão e todo aparato que
facilita o desenvolvimento visual.
Para nossos dias, a pedagogia do surdo implica ver a identidade e a diferença como processos de produção social. Não é mais a
imposição da normalidade, é o processo para a diferença. A sua
implantação está em processo no que se refere à questão de converter em prática resultados de pesquisa, porém várias dificuldades
emergem. Uma delas é que já existem professores surdos, porém
ainda são poucos os surdos habilitados para atender a uma demanda tão ampla no sistema de ensino brasileiro. Do mesmo modo, são
poucos os professores de surdos ouvintes que, de fato, conhecem a
língua de sinais, no entanto são esses profissionais, em sua ampla
maioria, que atuam na educação de surdos.
REPRESENTAÇÔES SURDAS HISTÓRICAS
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ATIVIDADES
1. No seu entendimento, a pedagogia de surdos já entrou
para a história da Educação?
2. Servindo-se da leitura do texto, cite aspectos relevantes à
pedagogia de surdos.
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3. Observe o ensino que o professor surdo está introduzindo
na sala de aula e descreva como esse professor utiliza a pedagogia da
diferença.
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CAPÍTUL
O III
APÍTULO
AS REPRESENTAÇÕES
SURDAS NO BRASIL
Festa da Associação Alvorada nos anos 70. Revista da Feneis, n°11 - 2001.
O presente não pode mais ser encarado simplesmente
como uma ruptura ou como um vínculo com o
passado e o futuro, mas como uma presença de fatos
que se sucedem simultaneamente: nossa autopresença
mais imediata, nossa imagem pública, é revelada por
suas descontinuidades, suas desigualdades, suas
minorias. De forma diferente que a mão morta da
história que vai fazendo as contas do tempo
seqüencial como um rosário, buscando estabelecer
conexões seriais, causais, nos confrontamos, agora,
com o que Walter Benjamin descreve como a explosão
de um momento monódico desde o curso homogêneo
da história (BHABH, 1998).
AS REPRESENTAÇÔES SURDAS NO BRASIL
71
EDUARD HUET - EDUCADOR SURDO.
Seção 1
Objetivos específicos:
introduzir o contato com o educador surdo
e com sua atividade na educação dos surdos;
š
reconhecer a importância da presença do
educador surdo no sistema de ensino.
š
Eduard10 Huet nasceu em 1822, na França, e sua família
pertencia à nobreza daquele país, porém, aos doze
anos de idade, ficou surdo em conseqüência de
sarampo. Quando menino, falava francês, alemão e português e, bem mais tarde, aprendeu
o espanhol, além de ter estudado no Instituto
Nacional de Surdos de Paris, onde se formou
professor. Na França, Huet foi professor e diretor do Instituto de Surdos de Bourges.
Em 1855, Huet emigrou para o Brasil e, segundo Adalberto
Ribeiro – em uma reportagem publicada na Revista do Serviço Público em 1942, tinha como principal propósito a fundação de uma
escola de surdos, pois era “levado por sentimentos de solidariedade
humana, cogitou, por sua vez, a fundação de uma casa de ensino e
abrigo para seus companheiros surdo-mudos”.
Naquele tempo, no Brasil, não havia uma idéia pública acerca
da educação dos surdos e, inclusive, as famílias relutavam em educálos, dificultando a Huet concretizar seu propósito. Por ter trazido
uma carta de recomendação do Ministro de Instrução Pública da
França, no entanto, ele foi apresentado ao Reitor do Imperial Colégio Pedro II, que lhe abriu as portas para criar a primeira escola de
surdos no país, porém também não podemos nos esquecer de que,
para desenvolver o seu trabalho, o professor Huet contava com o
auxílio da nobreza ligada ao governo.
10 Recentemente foram feitas
descobertas no
México que atestam que o nome
de Ernest Huet era
na realidade Eduard
Huet (FENEIS,
2000).
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HISTÓRIA DOS SURDOS
Em janeiro de 1856, apresentou o programa para a educação
de surdos e, dois anos mais tarde, apresentou os seus sete alunos ao
imperador e realizou o exame público de seus alunos, de acordo
com os moldes daquela época, entusiasmando o público que assistiu, frente aos resultados que eles alcançaram.
Logo em seguida, em 1861, Huet, abalado em razão de haver
se separado de sua esposa, reconheceu que não podia continuar à
frente do Instituto de Surdos-Mudos e decidiu vender seus direitos
ao então Imperador D. Pedro II, sendo que, naquela época, já existiam dezessete alunos estudando no Instituto.
Parece evidente que a forma de ensinar surdos utilizada por
Huet era a “didática especial dos surdos-mudos”, como era chamado naquela ocasião essa modalidade de ensino. Tratava-se do mesmo processo utilizado por L’Epée e Sicard no Instituto de Surdos de
Paris. Huet também se interessou pela formação de professores surdos, porém o pouco tempo de permanência no Brasil não foi suficiente para que essa profissão pudesse se desenvolver.
Livro: Iconographia dos Signaes dos surdos-mudos, de autoria do aluno surdo - Francisco José da Gama Revista da FENEIS; n°10 - 2001.
Em 1965, Huet viajou para o México influenciado pelo convite para fundar uma nova escola de surdos naquele país. Ele aceitou o pedido e enviou seus filhos para estudarem na França; chegando lá, estruturou a nova Escola de Surdos, iniciando seus trabalhos
com apenas três crianças, da mesma forma que, no Brasil, em janeiro de 1867, essas crianças foram apresentadas para exames públicos
e também foram aprovadas com um ótimo aproveitamento.
AS REPRESENTAÇÔES SURDAS NO BRASIL
73
ATIVIDADE
1. Pegue livros de História e procure obter maiores informações sobre o período em que viveu Eduard Huet. Escreva um resumo no espaço a seguir, contemplando:
a) algum episódio significativo da História da França nos tempos de Huet.;
b) aspectos da História do Brasil na época em que Huet aqui
esteve;
c) aspectos da História do México no momento em que Huet
esteve lá.
2. Dentro de suas possibilidades, enumere algumas conseqüências que você observa com a presença do educador surdo na
escola de surdos.
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HISTÓRIA DOS SURDOS
O INES NA HISTÓRIA.
Seção 2
Objetivos específicos:
identificar o espaço educacional como um
espaço importante para a vida do surdo;
š
reconhecer o espaço que forjou as lideranças surdas do Brasil.
š
A história do Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES),
no Rio de Janeiro, está ligada diretamente à trajetória da história do
surdo no Brasil. O INES foi fundado em 26 de setembro de 1857
pelo professor Eduard Huet, com o apoio do Imperador D. Pedro
II. No início, esse Instituto foi denominado de o “Imperial Instituto
de Surdos-Mudos”, cuja matrícula inicial registrou sete alunos de
sexo masculino e cujo regime escolar era de internato.
Huet, ao se retirar do Imperial Instituto, em 1861, deixou a
sua guarda, de forma transitória, nas mãos do Frei João Carmelita e
só em 1862 o seu real sucessor, Dr. Manuel de Magalhães Couto,
habilitado pelo Instituto de Paris, assumiu a direção do Imperial
Instituto.
O Instituto, ao longo de sua história, funcionou nos seguintes
endereços:
a) na rua Municipal nº 8 (atual Rua Maryrink Veiga), no
Centro; na Ladeira do Livramento nº 29, no bairro da Saúde;
b) no prédio do Campo da Aclamação nº 49 (atual Praça da
República), também no Centro;
c) na rua Real Grandeza, s/nº (canto de São Joaquim), em
Botafogo;
d) e, finalmente, no prédio atual da Rua das Laranjeiras,
232.
AS REPRESENTAÇÔES SURDAS NO BRASIL
75
A proposta educacional de surdos usada pelo professor Huet
permaneceu por pouco tempo. Em 1871, houve tentativas para
introduzir o método oral sem grande resultados e, em 1873, iniciou-se o ensino profissionalizante naquela instituição.
Apesar de o Congresso de Milão, em 1880, ter decretado o
ensino oral puro, o método de L’Epée continuou no Brasil até 1901.
Nos anos seguintes, o Instituto caminhou para a concepção oralista
na educação de surdos e, em 1930, instaurou-se definitivamente a
visão clínica, quando o Instituto passou a fazer parte do Ministério
da Educação e Saúde.
Aula de Linguagem no INES, em 1933, com o professor Geraldo Lavalcante Revista da FENEIS; n°11 - 2001.
Em 1914, foi inaugurado o atual prédio do INES e, em 1957,
ele passou a denominar-se Instituto Nacional de Educação de Surdos. Naquele período, o INES implementou as atividades de
oralização dos surdos com a criação dos Centros de Logopedia e de
Diagnóstico e Adaptação de Prótese Otofônica, além de um laboratório de Fonética (atual Divisão de Audiologia).
Mesmo com essa concepção oralista, muitos alunos surdos narram que, em 1970, os professores desse Instituto continuavam apoiando o desenvolvimento das comunidades surdas e da educação de
surdos, principalmente os alunos de outros Estados. Segundo Antônio Campos (2001), muitos desses “alunos cobravam liberdade para
usar a LIBRAS” dentro e fora do INES.
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HISTÓRIA DOS SURDOS
ATIVIDADE
1. Entre no site www.ines.org.br e conheça mais sobre a história dessa instituição; transcreva a seguir o que você achou importante.
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MOVIMENTOS SURDOS: CONTORNO
POLÍTICO .
Seção 3
Objetivos específicos:
identificar as contribuições das Associações
de Surdos para a mudança nas representações
surdas;
š
reconhecer as Associações de Surdos como
espaços de lutas de afirmação do sujeito diferente;
š
š
identificar a introdução da política surda.
Em uma viagem ao exterior, o professor ouvinte Dr. Brasil
Silvado Júnior entrou em contato com as associações de surdos dos
países da Europa e trouxe a idéia de fundar a primeira associação de
surdos do Brasil, no Rio de Janeiro. Segundo a revista Ephphatha
(1915), a idéia foi bem acolhida entre os surdos. Na primeira reunião para a organização dessa associação de surdos, em 24 de maio
de 1913, foi registrada a presença de quase todos os surdos residentes no Rio. Dessa forma, iniciou a estruturação da Associação Brasileira de Surdos-Mudos. Nesse período, ao mesmo tempo em que os
surdos se organizavam, também surgia, no Distrito Federal (atualmente o Estado do Rio de Janeiro), com sua força avassaladora, as
idéias do oralismo, cujo resultado final culminou com o controle
dessa associação pelos ouvintes.
Em 16 de maio de 1953, uma outra associação denominada
“Associação Alvorada de Surdos” surgiu no Rio de Janeiro. Era uma
organização especial para um grupo de surdos oralizados da classe
alta, da qual os surdos pobres e sinalizantes não podiam participar.
A presidente dessa associação era a Sra. Ivete Vasconcelos, famosa
professora ouvinte e adepta do oralismo, entretanto essa professora,
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HISTÓRIA DOS SURDOS
bem mais tarde, aderiu às idéias da comunicação total e também
aos ideais de Gallaudet, porém, com a sua morte, assumiu a presidência dessa associação o Pe. Vicente de Paulo Penido Burnier que,
por quase dezoito anos, esteve à sua frente. Essa associação mantém
suas atividades até os dias de hoje, mas a grande diferença dos movimentos iniciados pelos surdos no Brasil está nas Associações de
Surdos fundadas por lideranças surdas, que inauguraram um novo
capítulo nas relações políticas entre surdos e ouvintes.
Em 1950, na cidade de São Paulo, alguns surdos que tinham
liderança e ex-alunos do INES, costumavam encontrar-se para um
bate-papo na praça da Matriz ou em alguma rua-ponto, independentemente de sua classe social. Essa prática teve sua origem com
os alunos do INES, que se reuniam para conversar quando saíam
das aulas. Tal comportamento se justificava principalmente pela
possibilidade de trocarem informações na sua própria língua, sem o
controle dos ouvintes e, também, pelo prazer de estarem juntos.
Sempre que um surdo tinha tempo disponível, ele procurava se
reunir com outros surdos em algum ponto de encontro.
Naquele período, também existiam as atividades de esporte,
porém elas eram realizadas em conjunto com ouvintes devido à
dificuldade que tinham para encontrar espaços para praticarem esportes entre si. Esses grupos, apesar de se reunirem permanentemente para um bom “bate-papo”, não tinham idéia da existência
das Associações de Surdos.
Essa reunião de surdos nas ruas de São Paulo não está distante
da história dos surdos de todas as capitais e cidades brasileiras. Quase
todas as Associações de Surdos, nos dias de hoje, têm o início de sua
história nas reuniões em algum ponto de encontro, tanto nas ruas
quanto nas praças. São raras as Associações de Surdos que iniciaram
suas atividades na casa de surdos ou de algum ouvinte.
Segundo Antônio Campos, o início da Associação de Surdos de
São Paulo deu-se devido a uma viagem de passeio a Buenos Aires
realizada por um surdo que participava de um desses grupos de encontro em Campinas, São Paulo. Nessa viagem, ele conheceu surdos
da Argentina que participavam de uma Associação que funcionava
em Buenos Aires. Convidado a conhecê-la, constatou que os surdos
tinham um espaço próprio para a associação. No retorno de sua viagem, esse surdo de Campinas relatou a sua experiência em Buenos
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79
Aires para os grupos de surdos que se encontravam nas ruas. Os surdos de São Paulo, ao mesmo tempo em que ficaram admirados com a
notícia, também tomaram a iniciativa de fazer contato com a diretoria dessa Associação, trazendo para o Brasil a sua forma de ver a organização dos surdos. Assim, os surdos de São Paulo construíram a primeira Associação realmente de surdos no Brasil.
Skliar (1997) menciona que a Associação de Surdos da Argentina se denominava Associación de Sordos de Ayuda Mutua de
Buenos Aires e foi fundada em 1912. Essa Associação de surdos,
além de ser a primeira da América Latina, também teve suas origens nas comunidades surdas da França, naquelas comunidades surdas citadas por Mottez (1993).
Ao ser fundada, em 19 de março de 1954, a Associação de
Surdos de São Paulo passou a ter com meta criar novas associações,
nos mesmos moldes, em outros Estados do país. Dessa forma, em
janeiro de 1955, foi fundada a Associação de Surdos do Rio de
Janeiro e, em 30 de abril de 1956, foi fundada outra Associação de
Surdos, em Minas Gerais.
Engajado nesse novo projeto de construção de Associações de
surdos pelo Brasil estava o professor Francisco de Lima Júnior, de
Santa Catarina que, a exemplo dos outros surdos, fundou, em 1955,
o Círculo dos Surdos em Florianópolis, além de colaborar com Salomão
Watnick na construção da Associação dos Surdos de Porto Alegre.
Segundo o surdo Delatore, “as Associações de Surdos, além de
funcionarem como ponto para encontro esportivo dos surdos, funcionavam também como divulgadoras da língua de sinais e como
identificadoras da capacidade do surdo como cidadão” (FENEIS, 2002).
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80
HISTÓRIA DOS SURDOS
ATIVIDADES
1. Em sua visão, a adoção de idéias das comunidades surdas
da França nas Associações nacionais foi concretizada? Caso a resposta for positiva, comente-a.
2. O que, em relação aos surdos, representou a fundação
dessas Associações?
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81
FEDERAÇÕES: O ALCANCE DA DIFERENÇA.
Seção 4
Objetivo específico:
reconhecer federações e organizações de lazer
como espaço para produzir momentos particulares de integração entre os surdos.
š
Em 20 de janeiro de 1959, surgia a Federação Carioca de
Surdos-Mudos – FCSM, mais tarde denominada Federação
Desportiva de Surdos do Estado do Rio de Janeiro. Seu início deveu-se à demanda constante das Associações de surdos pela criação
de espaços esportivos. Tanto assim que, para a sua fundação, contribuíram as seguintes associações: Sociedade dos Surdos-Mudos do
Distrito Federal (atual Associação dos Surdos do Rio de Janeiro),
Associação Cultural e Beneficente dos Surdos-Mudos e Associação
dos Surdos-Mudos da Guanabara.
Todo o incentivo despendido pelo Conselho Nacional de Desportos – CND, presidido na época pelo General Eloy Oliveira de
Menezes, foi importante para que essa Associação se concretizasse.
A FCSM também foi reconhecida por muitos anos pelo CND e
pela Confederação Brasileira de Desportos – CBD, hoje CBF.
Posteriormente, quando a FCSM já tinha se solidificado, obteve filiação internacional no Comitê Internacional des Sports des
Sourds. Desse modo, estava assegurada aos surdos brasileiros a participação em Jogos Mundiais para Surdos, que são realizados a cada
quatro anos e são sediados em diferentes países que participam do
Comitê Internacional. Além disso, a FDS/RJ promove e participa
dos Jogos Desportivos Silenciosos Latino-Americanos juntamente
com Federações da Argentina, do Uruguai, do Chile, da Venezuela,
da Colômbia e representantes do Comitê Internacional de Esportes
de Surdos – CISS dos Estados Unidos da América - USA e Peru,
conquistando muitos troféus em várias modalidades desportivas.
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Educação a Distância
82
HISTÓRIA DOS SURDOS
Em 1984, com a fundação da Confederação Brasileira de Desportos de Surdos – CBDS, a FDS/RJ precisou mudar sua denominação para Federação Desportiva de Surdos do Estado do Rio de
Janeiro.
ATIVIDADE
1. Reflita sobre a importância desses espaços de lazer na
vida dos surdos e transcreva o resultado de sua reflexão.
AS REPRESENTAÇÔES SURDAS NO BRASIL
83
FUNDAÇÃO DA FENEIS: A PRODUÇÃO SOCIAL
DA DIFERENÇA SURDA.
Seça 5
Objetivos específicos:
identificar a FENEIS como um movimento com base na posição da diferença social do
surdo;
š
conhecer os objetivos, a política e a identidade da organização nacional dos surdos.
š
Na década de 1970, houve a tentativa de organização dos profissionais de educação dos surdos no Brasil com a fundação, em 23
de junho de 1977, da Federação Nacional de Educação e Integração
de Deficientes Auditivos – FENEIDA. Ela era a concretização do
sonho de profissionais ouvintes para uma entidade federal representativa das demais associações de ouvintes que atendiam surdos.
Em 28 de novembro do mesmo ano, houve a congregação das entidades representativas de surdos e ouvintes.
No ano de 1983, um grupo de surdos formado por Antônio
Campos de Abreu, Ana Regina de Souza Campello e Fernando de
Miranda Valverde fundaram a Comissão de Luta pelos Direitos dos
Surdos. O principal objetivo desse grupo era informar a sociedade
brasileira sobre os direitos do surdo em todos os níveis, especialmente em relação à língua de sinais. Madalena Klein relata esse
momento de solidificação do poder surdo.
[...] um grupo de surdos organizou uma Comissão de Luta pelos Direitos dos Surdos, desenvolvendo um trabalho importante nessa área. O grupo ganhou força e legitimidade ao reivindicar,
junto à FENEIDA, espaço para seu trabalho, o
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84
HISTÓRIA DOS SURDOS
que foi negado naquele momento. Ao formar uma
chapa, o grupo de surdos foi vencedor nas eleições para diretoria da entidade, sendo que o primeiro passo foi a reestruturação do Estatuto da
entidade, que passou a ser denominada Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos. Essa mudança foi muito significativa, pois
não se referiu apenas a uma troca de nomes, mas
à busca de uma nova perspectiva de trabalho e de
olhar sobre os surdos (KLEIN, 1999).
A Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos –
FENEIS, anteriormente descrita por Klein, foi estruturada em maio
de 1987 por um grupo de surdos que já vinha discutindo a desativação
da FENEIDA e a criação de uma Associação Nacional para pensar a
educação, a língua de sinais e as políticas governamentais referente
aos surdos. Segundo Antônio Campos, os surdos tinham as Associações e tinham feito muita “coisa” nos esportes, mas onde estavam a
educação, os direitos e tudo mais relativo aos surdos? Esse processo
de consolidação da Entidade como movimento para a representação surda foi decisivo.
Antônio Campos fala para os surdo da Associação de Surdos de Casacas, Veneza Revista da FENEIS - n°09 -2001.
AS REPRESENTAÇÔES SURDAS NO BRASIL
85
Souza registra que
a apropriação dessa Federação pelos surdos é repleta de significados. Simboliza uma vitória contra os
ouvintes que consideravam a eles, surdos, incapazes
de opinar e decidir sobre seus próprios assuntos e,
entre eles, sublinha o papel da linguagem de sinais
na educação regular. Desnuda, ainda, uma mudança de perspectiva, ou de representação discursiva, a
respeito de si próprios: ao alterarem a denominação
“deficientes auditivos”, impressa na sigla FENEIDA,
para “Surdos”, em FENEIS, deixam claro que recusavam o atributo estereotipado que normalmente
os ouvintes ainda lhes conferem, isto é, o de serem
“deficientes” (SOUZA, 1998).
Desde o início, a FENEIS constituiu-se num espaço decisivo para
a vida dos movimentos surdos, apresentando objetivos que lhes permitissem afirmar a representação na diferença surda. Se as associações
tinham objetivos mais especificamente de lazer, a FENEIS buscava
outros valores que se traduziam pela diferença dos surdos tanto assim
que a língua de sinais foi uma de suas iniciativas de pesquisa e de lutas.
A diretoria da FENEIS, desde sua origem, sempre foi composta,
em sua maioria, por representantes surdos, com o objetivo de garantir a
diferença cultural dos surdos e evitar a predominância do poder ouvinte.
Com o passar dos anos, a FENEIS cresceu e expandiu seu
trabalho em nível nacional. Nas lutas pelos direitos surdos, pela
educação e pela diferença, foi surgindo e solidificando a consciência surda. A partir dessa tomada de consciência, a divergência com
profissionais ouvintes entrou num processo de trocas, de divulgação
de uma cultura diferente, processos estes que fizeram com que os
tipos de correção da surdez, processos de normalização, de
medicalização, de deficiência, fossem gradualmente substituídos pelo
conceito da diferença cultural.
Reunião na sede. Revista da FENEIS, n°05 - 2000.
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HISTÓRIA DOS SURDOS
O objeto principal de discurso da FENEIS continua sendo o
dos surdos, no entanto, ao longo dos últimos quinze anos, modificaram-se as estratégias de luta e os discursos que legitimavam as
ações dessa instituição. Os surdos passaram a defender abertamente
a língua de sinais que, até então, só podiam usar na clandestinidade. Em um dos relatórios da FENEIS, fica evidente que os surdos
não desejavam apenas que lhes fosse conferido o
direito de empregá-la [a língua de sinais] em contextos informais, mas, principalmente, que circulasse em cada sala de aula por ser o meio natural de Comunicação de pessoas surdas” (Relatório
da FENEIS, 1993).
Após quinze anos de fundação, a FENEIS conquistou um
nome, junto à sociedade, como entidade representativa dos surdos,
tanto nas questões a respeito das políticas públicas para surdos quanto na apresentação de sugestões e da prestação de assessorias aos
órgãos oficiais, aos poderes públicos e às próprias Associações de
Surdos, sempre pautada no reconhecimento da diferença surda.
Atualmente, está sediada em cinco Estados brasileiros e acompanha
o processo de despertar nas regiões em que se situa. Neste ano de
2002, um dos fatos mais importantes foi a conquista da oficialização
da língua de sinais em nível nacional, após quinze anos de lutas.
ATIVIDADES
1. Existe um site da FENEIS, assim identificado:
www.feneis.com.br. Visite-o e transcreva, no quadro a seguir, informações sobre sua organização interna.
AS REPRESENTAÇÔES SURDAS NO BRASIL
87
2. Agora, suponha que acontecesse uma “refundação” da
FENEIS. Que objetivos você colocaria para a nova fundação? Transcreva esses objetivos a seguir.
3. Utilizando as revistas da FENEIS, procure traçar um quadro em que apareçam aspectos históricos da evolução da FENEIS e,
em seguida, transcreva a seguir.
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HISTÓRIA DOS SURDOS
A HISTÓRIA DA ESCRITA EM SINAIS
Seção 6
Objetivos específicos:
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estabelecer um contato com a escrita de si-
nais;
introduzir a escrita de sinais como parte da
história dos surdos.
š
Em 1974, Valerie Sutton, coreógrafa americana, criou um sistema (Dance Writing) para escrever os movimentos das danças. Esse
sistema despertou o interesse de pesquisadores surdos da Universidade de Copenhague, Dinamarca, uma vez que havia a possibilidade de escrever os sinais a partir desse método. Tais pesquisadores,
então, pediram que Valerie Sutton registrasse a língua dos surdos
baseada no mesmo sistema.
Sutton começou a trabalhar com os surdos e suas notações gráficas evoluíram para um sistema que pudesse registrar qualquer língua
de sinais sem ter de submeter-se à tradução da língua falada, passando a ser denominado SignWriting. O fato de o sistema representar
unidades gestuais fez com que ele pudesse ser aplicado a qualquer
língua de sinais do mundo. Para usar o SignWriting, tornou-se necessário saber bem uma língua de sinais, uma vez que cada língua de
sinais precisa adaptar o sistema à sua própria ortografia.
No Brasil, os trabalhos foram iniciados em 1996 quando
Marianne Stumpf (surda) era orientada pelo Dr. Antônio Carlos da
Rocha Costa. Mais tarde, Gisele Rangel e Carolina Hessel (surdas)
aumentaram o grupo, que também já tinha alguns pesquisadores
ouvintes. Esse grupo iniciou os trabalhos para adequar esse sistema
à língua de sinais brasileira.
Em 1996, Marianne Stumpf relata sua primeira experiência
com a SignWriting:
AS REPRESENTAÇÔES SURDAS NO BRASIL
89
a primeira vez que eu vi SignWriting foi quando o
prof. Rocha mostrou o manual americano. O manual apresentava os símbolos que correspondiam
às configurações de mão, os movimentos e as expressões faciais das línguas de sinais. Cada símbolo trazia exemplos da língua de sinais americana,
na sua escrita em SignWriting. O professor Rocha
pegou um papel e escreveu, em SignWriting, um
sinal da língua de sinais brasileira e mostrou-o para
mim, aí comecei a entender.
O grupo começou a trabalhar traduzindo o material que estava em inglês e substituindo os exemplos que apareciam em língua
de sinais americana por exemplos em língua de sinais brasileira,
criando, para cada exemplo, uma ortografia em SignWriting. Esses
trabalhos se estenderam até o ano de 2000.
Nos anos de 1997 a 2001, Marianne deu aulas para crianças
surdas sobre o sistema SignWriting, e a última experiência que teve
foi com alunos da terceira e da quarta séries no Ensino Fundamental, na disciplina de informática. Em suas aulas, utilizou o programa SignWriting, colocando a cultura surda como foco de sua
metodologia. Nesse trabalho, os alunos surdos interagiram com o
programa da mesma forma que os alunos ouvintes interagem com o
Microsoft Word.
Atualmente, os professores surdos têm colocado em prática o
ensino de Sign Writer. Além disso, nossas pesquisas têm evidenciado
que a evolução da escrita da língua de sinais é mais rápida do que a
escrita de outras línguas orais para os surdos. A comunidade surda,
que sofreu por séculos com a discriminação de sua língua, começa a
dar passos concretos rumo à escrita da língua de sinais. O ato de
escrever nessa língua oportuniza uma nova conquista para a língua de
sinais e desloca o poder de conhecimento que sempre foi do ouvinte.
Em 1991, uma professora ouvinte, que é fluente em língua de
sinais, construiu, na terceira série do Ensino Fundamental, com
seus onze alunos surdos, um dicionário com três colunas. Na da
esquerda, colocou a palavra em português; na coluna do meio,
colocou o desenho do objeto e, na coluna da direita, colocou a
palavra a escrita na língua de sinais.
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Educação a Distância
90
HISTÓRIA DOS SURDOS
Outros projetos em nível nacional já foram pensados e atualmente existem estudos sobre a possibilidade de implementação de
projetos de alfabetização do surdo com o SignWriting.
ATIVIDADES
1. Entre no site www.signwriting.org, procure mais informações e transcreva-as para este espaço.
2. Veja os sinais abaixo e comente: isso evidencia uma mudança histórica?
CAPÍTUL
O IV
APÍTULO
SANTA CATARINA – UM
OLHAR SOBRE A
HISTÓRIA DE SURDOS.
O prof. Francisco e alguns de seus alunos no pátio da Escola Celso Ramos. Foto
cedida pela Associação e Surdos da Grande Florianópolis.
A enunciação da diferença cultural problematiza a
divisão binária de passado e presente, tradição e
modernidade, ao nível da representação cultural e de
sua interpelação autêntica. O problema é como, ao
significar o presente, algo vem a ser repetido, reposicionado e traduzido em nome da tradição, sobre
a aparência do passado que não é necessariamente
um signo fiel da memória histórica, mas uma
estratégia de representação da autoridade em
términos de artifício, de arcaico (BHABHA, 1998).
SANTA CATARINA - UM OLHAR SOBRE A HISTÓRIA DE SURDOS
INÍCIO E CONTINUIDADE DE UMA
TRAJETÓRIA: O CÍRCULO DE SURDOS EM
SANTA CATARINA.
Seção 1
Objetivo específico:
reconhecer os vínculos entre os movimentos surdos de Santa Catarina e do país.
š
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IV
Em 1954, foi fundada a Associação de Surdos de São Paulo,
cujo objetivo inicial era construir uma associação nos mesmos moldes das organizações de surdos francesas, porém, como vimos anteriormente, essa Associação de Surdos iniciou uma campanha em
nível nacional para fundar outras Associações em capitais brasileiras. Seus objetivos eram diversos; dentre eles, destacamos o esporte,
pois havia a crença de que, através dele, poderia acontecer a união
dos surdos, assim como poderia se dar o fortalecimento da língua
de sinais, evidenciando a capacidade surda tanto no trabalho e na
educação como na comunicação e na competência de dirigir uma
associação. Esse último objetivo era de fundamental importância,
pois, naquele tempo, o surdo era socialmente depreciado como cidadão. Dessa forma, ao eleger diretores surdos para as suas associações, os surdos contrapunham-se ao discurso dominante.
Foi aí que nasceu a idéia da fundação do Círculo de SurdosMudos de Santa Catarina, e isso se tornou realidade devido à presença do professor surdo Francisco Lima Júnior na organização e na
fundação da Associação de Surdos em São Paulo, bem como devido
à forte amizade que ele tinha com o presidente dessa Associação e
com o presidente da Associação do Rio de Janeiro.
Em 15 de agosto de 1955, a comunidade surda de Florianópolis
fundou o Círculo de Surdos-Mudos de Santa Catarina. Esse Círculo, como as outras Associações de surdos no país, também teve finalidades educacionais e esportivas. Esteve sempre à frente dessa As-
Educação a Distância
94
11 No arquivo do
professor Francisco
Lima Júnior, não
encontramos o
nome e a data do
jornal em que a
matéria foi
publicada.
HISTÓRIA DOS SURDOS
sociação o professor Francisco, tanto assim que ele foi eleito, pela
comunidade surda, naquele mesmo ano, como o primeiro presidente. De acordo com uma matéria de jornal11 daquele período, a
finalidade do Círculo de Surdos-Mudos de Santa Catarina era “proteger os surdos contra o analfabetismo e o desemprego”.
ATIVIDADE
1. Converse com alguns surdos que ajudaram a fundar o
Círculo de Surdos-Mudos de Santa Catarina e verifique, de forma
mais detalhada, com se deu a construção desse Círculo. Transcreva
a pesquisa a seguir.
SANTA CATARINA - UM OLHAR SOBRE A HISTÓRIA DE SURDOS
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FRANCISCO LIMA JÚNIOR: O PRIMEIRO EDUCADOR SURDO DE SANTA CATARINA.
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Seção 2
Objetivo específico:
conhecer alguns traços da trajetória do primeiro educador surdo de Santa Catarina.
š
IV
Silva (2001) entrevistou o professor Francisco e sintetiza em
poucas palavras alguns dados sobre ele.
Francisco é natural de Florianópolis, nasceu surdo em 01/6/28. Para ser professor, estudou no
Instituto Nacional de Surdos-Mudos no Rio de
Janeiro e no Instituto Paulista de Surdos, na cidade de São Paulo, de 1937 a 1946. A formação
que recebeu nesses Institutos corresponde, nos dias
atuais, ao ensino fundamental, com uma qualificação profissional na área de impressão. Durante
esses anos, ele habilitou-se para as disciplinas de
Desenho, Encadernação, Ginástica e Datilografia. Mais tarde, aprofundando seus conhecimentos, habilitou-se também em Contabilidade12.
Partícipe dos movimentos surdos pelo Brasil, o professor Francisco foi eleito, em São Paulo, delegado nacional para a organização dos
surdos na Região Sul, o que o levou a fundar, com seus colegas, em
Santa Catarina, o Círculo de Surdos-Mudos e a participar ativamente,
em parceria com seu conterrâneo e amigo Salomão Watnick, em 1954,
da organização da primeira Associação de Surdos em Porto Alegre.
Em 1961, articulou, com o então governador Celso Ramos, a criação, em Florianópolis, do primeiro espaço educacional para surdos em
Santa Catarina, o qual foi estruturado na Escola Celso Ramos. Para ensinar a seus quinze alunos, o professor Francisco elaborou uma proposta
pedagógica que tinha como objetivo principal ensinar a língua de sinais e
propiciar aos surdos o acesso à leitura e à escrita na língua portuguesa.
Educação a Distância
12 Entrevista
realizada pelo
professor Vilmar
Silva com o professor Francisco Lima
Júnior em 14/5/
2000.
96
HISTÓRIA DOS SURDOS
ATIVIDADE
1. Em sua opinião, que fatores impediram o desenvolvimento
da proposta educacional do professor Francisco, em Santa Catarina?
SANTA CATARINA - UM OLHAR SOBRE A HISTÓRIA DE SURDOS
O QUE O CIRCUILO REPRESENTOU NA VIDA
DOS SURDOS?
Seção 3
Objetivo específicos:
reconhecer a relevância do Círculo de Surdos na organização política dos movimentos surdos de Santa Catarina.
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Como já sabemos, o Círculo dos Surdos-Mudos de Santa
Catarina também teve, em seu início, objetivos que ligavam a lembranças nostálgicas da França. E, como o objetivo era duplo: educacional e desportivo, logo cedo, a comunidade surda presenciou
mudanças significativas decorrentes da introdução de intercâmbio
com outras Associações de Surdos do Brasil. Segundo o professor
Francisco de Lima Júnior, os surdos organizados tinham a possibilidade de desenvolver sinais e de se comunicar com proficiência com
os surdos filiados de qualquer associação do país.
Logo a nossa colônia de surdos-mudos entrou numa
fase de padronização mímica, nos moldes da escola
de São Paulo, abandonando os sinais peculiares a
cada um, freqüentemente bem diversos e
inesperados, para a designação de dado objeto.
Dessa forma, qualquer mudo filiado à associação
não terá dificuldade de entender-se com qualquer
outro do país, também associado (LIMA JÚNIOR
apud SILVA, 2001).
Numa matéria de jornal daquela época, registraram-se novas
informações, confirmando o que já “dissemos” anteriormente, mas,
agora, referindo-se à educação:
[...] pois só assim [os surdos] seriam mais bem percebidos, melhor poderiam se auxiliar, e todos poderiam alcançar uma condição social menos rigorosa
Educação a Distância
98
13
Conversa
com um surdomudo é o título da
entrevista que o
professor concedeu
a um jornal da
época da fundação
do Círculo de
Surdos-Mudos de
Santa Catarina. No
arquivo pessoal do
professor, no
entanto, não
encontramos o
nome do jornal e a
data de sua publicação.
HISTÓRIA DOS SURDOS
do que empunhar a pá e a picareta, a que se vêem
obrigados alguns, quase como escravos sem melhor
sorte a escolher [..]. Se, por qualquer fatalidade,
faltou quem lhe previsse as imposições de sua maioridade, e nenhum ofício lhe foi ensinado em criança, nada mais sobra [...] do que o trabalho braçal,
mal remunerado, extremamente humilde, inseguro, agourento de uma velhice desamparada13 .
A organização dos movimentos surdos no Brasil também repercutiu satisfatoriamente em Santa Catarina. Em agosto de 1973,
na festa do 18o aniversário de fundação do Círculo de Surdos-Mudos de Santa Catarina, houve uma articulação efetiva entre a Federação Brasileira de Surdos e as Associações de Surdos de Santa
Catarina e Curitiba. Até o início da década de 1980, o Círculo de
Surdos-Mudos de Santa Catarina se expandiu pelo Estado e criou
seus núcleos nos municípios de Blumenau, Joinville, Lages, Timbó,
Chapecó, Itajaí e Gaspar.
ATIVIDADE
1. Identifique as principais causas da expansão dos movimentos surdos por Santa Catarina, conversando com um ou mais
surdos que participaram desse processo. Após a pesquisa, transcreva
os resultados no espaço a seguir.
SANTA CATARINA - UM OLHAR SOBRE A HISTÓRIA DE SURDOS
ASSOCIAÇÕES DE SURDOS: AUFERINDO
NOVAS CONQUISTAS EM SANTA CATARINA.
Seção 4
Objetivos específicos:
identificar as principais conquistas dos movimentos dos surdos de Santa Catarina;
š
reconhecer, nessas conquistas, a relevância
da diferença cultural.
š
Nos anos posteriores - 1980 a 2002, os movimentos surdos de
Santa Catarina produziram novas frentes de lutas e foram expandindo suas conquistas. Dentre elas, podemos citar as mais significativas.
Aula inaugural de Pedagogia para Surdos em 2002, na UDESC.
Educação a Distância
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100
HISTÓRIA DOS SURDOS
√
A Associação de Surdos de São José foi fundada em 1990,
por discordar, na época, dos encaminhamentos do Círculo de Surdos-Mudos de Santa Catarina.
√
Em 1997, o Círculo de Surdos passou a chamar-se: Associação de Surdos de Florianópolis e, atualmente, em 2002, está
mudando (em fase de regulamentação) para Associação de Surdos
da Grande Florianópolis.
√
Criação do Fórum em Defesa dos Direitos dos Surdos de
Santa Catarina, reunindo surdos, professores, pais e intérpretes.
√
Conquista da aprovação da Lei 11.869/2001, que reconhece oficialmente o uso da Língua Brasileira de Sinais nas escolas
públicas de Santa Catarina.
√
Participação, em 2000, da criação da primeira escola pública para surdos em Chapecó.
√
E, em de 2002, em parceria com a UDESC, criação do
Curso de Pedagogia a Distância para Surdos, com habilitação em
Educação Infantil e Séries Iniciais.
ATIVIDADES
1. A partir dessa leitura, em poucas palavras, faça uma síntese da história dos surdos de Santa Catarina.
SANTA CATARINA - UM OLHAR SOBRE A HISTÓRIA DE SURDOS
2. Escolha um destes aspectos: educação, trabalho, lazer,
família, língua de sinais. A partir dele, elabore um pequeno
questionário para uma futura pesquisa sobre a história de surdos de
Santa Catarina.
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IV
3. O que tem contribuído para a sobrevivência do discurso
histórico dos surdos no Brasil e em Santa Catarina?
Comentário
De acordo com a História dos Surdos em Santa Catarina, que estudamos aqui, a
sua resposta deve fazer referências concretas a aspectos dessa caminhada histórica.
Educação a Distância
102
ATIVID
ADE DE CONCL
USÃO D
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TIVIDADE
CONCLUSÃO
DA
DISCIPLINA
Pensemos, neste momento, uma proposta final para esta disciplina. Considerando todas as atividades desenvolvidas: as aulas
expositivas, as reflexões, as pesquisas em sites da internet, livros,
revistas, entrevistas... Tudo favoreceu para a apropriação de material histórico, aqui e ali, enriquecendo o acervo sobre a história dos
surdos. Todo material que você registrou neste Caderno Pedagógico
é importante.
Agora, retorne à Seção IV (Associação de Surdos: auferindo novas
conquistas em Santa Catarina) do último capítulo deste Caderno
Pedagógico, na qual você fez um questionário sobre um determinado
tema. Como tarefa final, você poderá começar por colocar tal
questionário em prática. Desenvolva-o em cada uma de suas perguntas.
Faça uma introdução; monte a história (pode, inclusive, colocar
ilustrações) e entregue-o filmado ou digitado ao professor-tutor.
103
CONSIDERAÇÕES FINAIS: A HISTÓRIA
DOS SURDOS NOS DIAS A
TU
AIS.
ATU
TUAIS.
O desenrolar da história dos surdos no Brasil deixou
para os dias atuais uma herança com características significativas. Somos herdeiros de um passado recente em que a representação ouvinte imperou com toda sua força. Nossa história atual tem aspectos pós-coloniais que se caracterizam
por um discurso de prisioneiros, de escravizados. É nesse
processo que surgem os aspectos que permitem mostrar as
conquistas recentes e, ao mesmo tempo, buscar novos pontos de lutas e novas mudanças relativas ao desenvolvimento
cultural dos surdos.
O drama que subjaz a essas cenas dramáticas no cotidiano dos surdos brasileiros vem de um passado em que a
representação ouvinte, tida como única, atrapalhou o curso
natural da história. Estivemos muito tempo sob o domínio
do colonialismo do ouvinte. Ele tem sido responsável pelo
distanciamento de muitos surdos de suas comunidades e de
suas cultura e, igualmente, tem organizado redutos nos quais
a oralidade impera como norma, e o surdo não tem como
vivenciar sua cultura, correndo o perigo de rejeitá-la.
No contexto da representação surda, entra a tendência à
diferença cultural. Esse é o espaço da maioria dos surdos,
inclusive da quase totalidade dos surdos adultos. O poder
surdo é uma zona unificada, envolvendo lutas culturais. Essas lutas imperam nas questões educacionais, geográficas,
políticas culturais e lingüísticas. Na educação, entram lutas
pela escola de surdos, pelas classes de surdos, pelo não à
exclusão, pela presença de uma pedagogia da diferença, do
professor proficiente na língua de sinais. Instaura-se a luta
por uma formação de professores de forma diferenciada, por
inclusão nas faculdades, por núcleos onde se esclareça a diferença surda. No cinema, na televisão, no teatro, entraram
Educação a Distância
104
atores e atrizes surdos e se deu a conquista da legenda em
alguns programas de TV para um melhor contato com a realidade. Em Lingüística, há todo um esforço para desenvolver
a língua de sinais e a escrita de sinais. Dá-se a luta por leis
justas, por leis que acolham essa diferença, luta na qual entra, inicialmente, a língua de sinais como veículo condutor.
Por outro lado, os ouvintes começam a solidarizar-se com
tais diferenças. Dentre esses ouvinte, os intérpretes de língua de sinais buscam aperfeiçoar sua formação e os professores de surdos buscam proficiência em língua de sinais, além
de muitas outras lutas travadas em conjunto por surdos e
ouvintes.
O discurso surdo que acompanha a história dos surdos
do Brasil vem provocando mudanças e, hoje, congressos,
seminários, encontros são organizados pelos surdos, de forma autônoma, visando a revitalizar a cultura surda, não como
um lugar de subversão ou transgressão da ordem, ou,ainda,
como um gueto, como alguns temem, mas como um lugar
que prefigura como espécie de solidariedade e conflui para o
ponto de encontro da diferença da história dos surdos com a
História da humanidade.
105
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFIC
AS
BIBLIOGRÁFICAS
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Amorrortu. 1995.
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106
Revista FENEIS, ano 1, n 4, Rio de Janeiro, out/dez 1999.
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