XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012
PERSPECTIVAS DE PROFESSORES DO ENSINO MÉDIO SOBRE
IMPACTOS DO ENEM
PIUNTI, Juliana Cristina Perlotti (UFSCar)
OLIVEIRA, Rosa M. M. Anunciato de (UFSCar)
Resumo
O presente trabalho busca apresentar uma pesquisa que tem por objetivo geral
compreender a perspectiva de professores do Ensino Médio de São Carlos sobre os
impactos do Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM em suas práticas profissionais
docentes. Para tanto foram assumidos também como objetivos específicos da pesquisa:
compreender de que maneira o trabalho docente de professores do Ensino Médio da
cidade de São Carlos é impactado pelo Enem; (re) conhecer os saberes mobilizados
pelos professores frente às novas perspectivas e exigências expostas pela concepção de
“competências e habilidades” avaliadas pelo Enem; compreender, a partir de suas
práticas e saberes como professores compreendem e trabalham as noções de
competências e habilidades; conhecer o que sentem os professores frente a estes novos
desafios; conhecer como ocorre o desenvolvimento profissional neste contexto
(mudanças de rota impostas pelo Enem). Apresentamos também o plano de trabalho
previsto para o desenvolvimento da pesquisa, e os materiais e métodos necessários à sua
execução, numa abordagem qualitativa: aplicação de questionários, observação
participante, construção de diários de campo, e entrevistas semi-estruturadas com
professores do ensino médio em escola da rede estadual. Neste momento apresentamos
como eixo principal do trabalho alguns dados sobre o Exame Nacional do Ensino Médio
– ENEM, que tem por objetivo, além de ser uma política de avaliação, um poderoso
instrumento indutor de mudanças no trabalho docente, além de referenciais teóricos que
nos possibilitaram pensar sobre o impacto de políticas públicas nas escolas, e
principalmente, o trabalho, os saberes e o desenvolvimento profissional da docência tais
como Mizukami (1998), Tancredi (2009), Tardif (2010), Vaillant e Garcia (2009).
Palavras- chave: formação de professores, desenvolvimento profissional docente,
ensino médio, ENEM
Introdução
Toda ideia que pode dar origem a uma pesquisa tem por base uma seqüência de
experiências acumuladas pelo estudante/pesquisador, sejam elas pessoais, ou ligadas às
suas práticas escolares e acadêmicas. No caso deste projeto, a ideia é marcada pelas
experiências da doutoranda enquanto estudante, pesquisadora e professora. As
experiências que marcaram minhas práticas escolares foram fundamentais, enquanto
processo, para o delineamento deste projeto de pesquisa. São apresentadas a seguir,
partes desta trajetória de experiências, intrinsecamente ligadas aos atos de ensinar e
aprender em diferentes contextos e níveis de ensino.
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Segundo as minhas lembranças, desde os primeiros anos em que frequentei a
escola, a prática de ensinar e o exercício de aprendizagem me chamavam a atenção. Até
que nos momentos que antecederam o exame vestibular, ainda no Ensino Médio, tive a
certeza que o prazer da leitura e a vontade de aprofundar meus conhecimentos em
humanidades me levariam ao curso de Ciências Sociais. No ambiente familiar nunca
houve nenhum tipo de influência para esta escolha, pois eu seria da primeira geração da
minha família a poder escolher um curso em Universidade Pública e dedicar-me
exclusivamente aos estudos.
Durante o curso de graduação (bacharelado em Ciências Sociais) a inquietação,
o desejo de colocar em prática o que havia aprendido até então, fez com que eu
procurasse estágios em escolas e Cursos Pré-Vestibulares Comunitários, o que pouco
depois seria a fonte de meu anseio pela pesquisa em Educação. Os estudos ajudaram-me
a “tentar” desvendar as macrorelações que envolvem a Educação, porém, foi na prática
enquanto professora de Geografia em um Curso Pré-Vestibular Popular que muitas
questões sobre o processo de ensino e aprendizagem surgiram e me impulsionaram a
buscar complementar minha formação básica, cursando também a licenciatura em
Ciências Sociais em 2007 e 2008. Esses questionamentos também me levaram a realizar
o mestrado, paralelamente às disciplinas de licenciatura. Em fevereiro de 2009, houve a
conclusão do mestrado no Programa de Pós-Graduação em Educação da UFSCar com a
dissertação “Diferentes Aprendizagens na Perspectiva de alunos de um Curso PréVestibular Comunitário” (PIUNTI, 2009). Nos últimos anos, em minha prática
profissional como professora do Ensino Médio e Curso Pré-Vestibular na rede pública e
privada, além dos resultados da pesquisa de mestrado com estudantes de um Curso PréVestibular, pude perceber o quanto o papel do professor é fundamental nesta etapa final
de escolarização para os estudantes. É, por fim, a partir de nossas experiências
profissionais e de observações da atual conjuntura do Ensino Médio em São Carlos-SP
que temos percebido o contexto que envolve o trabalho docente nesta etapa de ensino,
especialmente o forte impacto que o Enem tem gerado enquanto política de avaliação e
indutora de mudanças no currículo e práticas docentes.
Objetivos
O objetivo geral da pesquisa é compreender a perspectiva de professores do
Ensino Médio de São Carlos sobre os impactos do Enem na sua prática profissional
docente. Assumimos também como objetivos específicos da pesquisa: compreender de
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que maneira o trabalho docente de professores do Ensino Médio da cidade de São
Carlos é impactado pelo Enem; (re) conhecer os saberes mobilizados pelos professores
frente às novas perspectivas e exigências expostas pela concepção de “competências e
habilidades” avaliadas pelo Enem; compreender, a partir de suas práticas e saberes
como professores compreendem e trabalham as noções de competências e habilidades;
conhecer o que sentem os professores frente a estes novos desafios; conhecer como
ocorre o desenvolvimento profissional neste contexto (mudanças de rota impostas pelo
Enem).
Materiais e Métodos
Como o objetivo da pesquisa é encontrar a perspectiva dos professores teremos
como participantes quatro professores do ensino médio de uma escola estadual do
município de São Carlos. Cada professor representará uma das quatro áreas definidas
pelo Exame Nacional do Ensino Médio: Linguagem, Códigos e suas categorias (1) /
Ciências da Natureza (1) / Matemática e suas tecnologias (1) / Ciências Humanas e suas
tecnologias (1). O método escolhido para a aproximação da perspectiva dos professores
é a Entrevista Semi-Estruturada. Segundo Colognese e Melo (1998, p.18), a entrevista
semi-estruturada é caracterizada pela “formulação da maioria das perguntas previstas
com antecedência e sua localização é provisoriamente determinada". Na entrevista
semi-estruturada o entrevistador tem uma participação ativa, apesar de observar um
roteiro, ele pode fazer perguntas adicionais para esclarecer questões e melhor
compreender o contexto.
Para um melhor reconhecimento dos sujeitos da pesquisa, ou seja, dos
professores de ensino médio que consentirem participar da pesquisa, utilizaremos
também Questionários. A partir destes será possível conhecer, de uma forma geral, o
gênero predominante, faixa etária, estado civil, escolaridade, anos de docência entre
outros. Os dados das entrevistas e observações serão analisados pela técnica de Análise
Temática com base nas indicações de Minayo (2004). Recorremos à Análise Temática,
pois acreditamos ser possível, a partir desta técnica, compreender os significados
contidos nos dados obtidos através das entrevistas e observações de campo (falas dos
sujeitos).
Segundo Mazzotti (1998, p.109): Hoje, a maioria dos cientistas admite que o
conhecimento nunca é inteiramente objetivo, que os valores do cientista podem
interferir no seu trabalho, que os conhecimentos gerados pela ciência não são infalíveis
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e que mesmo os critérios para distinguir o que é e o que não é ciência variam ao longo
da história. No âmbito das Ciências Humanas, mais especificamente na área da Pesquisa
em Educação, esta falta de objetividade não significa falta de rigor ou credibilidade.
Para Charlot (2006, p.9): “O que é específico da educação como área do saber é o fato
de ela ser uma área na qual circulam, ao mesmo tempo, conhecimentos (por vezes de
origens diversas), práticas e políticas”. A Educação, enquanto disciplina e área de
pesquisa, por ser especificamente marcada pela mestiçagem de saberes, práticas, fins
éticos e políticos, é por isso capaz de afrontar a complexidade e as contradições
características da contemporaneidade (CHARLOT, 2006).
O ENEM e o desenvolvimento profissional da docência
A cada ano, desde 1998, percebemos forte influência quer direta ou
indiretamente do Exame Nacional do Ensino Médio, o Enem em nossas escolas. O
Enem começou a ser aplicado em 1998 e apresenta desde então três objetivos básicos:
avaliação do sistema, auto-avaliação do aluno e utilização como parte do acesso às
universidades. Existe também a noção de que este Exame seria uma alternativa aos
vestibulares tradicionais e conteudistas. No site Artigonal.com especializado em temas
correlacionados ao Enem afirma:
(...) vê-se que o Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM foi
instituído em 1998 como "procedimento de avaliação do desempenho
do aluno" (art. 1º da Portaria Ministerial nº. 438, de 28 de maio),
atendendo ao artigo 9º, VI, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional vigente, que define claramente o objetivo do processo
nacional do rendimento escolar: "a definição de prioridades e a
melhoria da qualidade do ensino". Mas, segundo o Inep ao discorrer
sobre os objetivos do Enem, desde a sua concepção, ele "foi pensado
também como modalidade alternativa ou complementar aos exames de
acesso aos cursos profissionalizantes pós-médio e ao ensino superior".
Em relação ao alcance atual do Exame temos também que:
Hoje, além do objetivo primeiro, o Enem é utilizado para: certificação
do ensino médio para pessoas que não o cursaram ou não o
concluíram, seleção de alunos para as instituições de ensino superior,
seleção de candidatos a bolsas de estudo em instituições privadas de
ensino superior, seleção de candidatos a cursos profissionalizantes
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pós-médio e procedimento de avaliação do desempenho das escolas
públicas e privadas.
Num primeiro momento este exame parece não ter relações diretas com o
trabalho docente. No entanto, se verificamos os documentos relacionados a última
reforma do ensino médio em 1999, percebemos que há uma relação direta entre a
introdução do Enem e as mudanças visadas para a prática docente. Segundo Castro e
Tiezzi (2005, p.122) as reformas do Ensino Médio em 1999 no Brasil estão assentadas
sobre 4 eixos: Expansão do sistema visando a sua progressiva universalização;
Redefinição do papel do ensino médio no processo educacional; Melhoria das condições
de oferta; Melhoria da qualidade do ensino. Os autores destacam as demandas que
geraram esta reforma do ensino médio, passando pela LDB de 1996, as exigências do
mercado de trabalho, a expansão da oferta de vagas rumo à universalização do acesso e
afirmam a relação direta entre as políticas de avaliação como o Enem e a “ênfase em
programas de formação continuada de professores” (p.130). Ou seja, entre todas as
demandas necessárias a melhoria da qualidade do ensino ofertado pelas escolas públicas
estaduais de ensino médio fica também nítido o papel crucial do trabalho docente.
Castro e Tiezzi (2005, p.133) apontam o Enem como um poderoso instrumento
indutor de mudanças, na medida em que “expressa no que é avaliado aquilo que deveria
ter sido ensinado”. Este exame tem por objetivo final avaliar o indivíduo ao final da
educação básica. A prova é dividida em quatro grandes áreas: Linguagem, Códigos e
suas categorias / Ciências da Natureza / Matemática e suas tecnologias / Ciências
Humanas e suas tecnologias. Além desta divisão das áreas do conhecimento que
“supera” a clássica divisão das disciplinas do ensino médio, dois conceitos atrelados ao
Enem têm sido “popularizados” no ambiente escolar. São eles os conceitos de
competências e habilidades. Segundo o MEC as cinco competências cobradas pelo
Enem e que deveriam ter sido desenvolvidas ao longo da escolaridade do aluno são:
dominar linguagens; compreender fenômenos; enfrentar situações-problema; construir
argumentações; elaborar propostas de intervenção solidária. As vinte e uma habilidades
avaliadas cobradas estão apresentadas na Tabela 1 em anexo.
Sem nos determos no aprofundamento das definições conceituais de
competências e habilidades o que pretendemos neste momento é compreender os
impactos que estas noções trouxeram ao trabalho docente, já que o novo currículo para
o Ensino Médio no Estado de SP, bem como o material didático utilizado atualmente na
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rede estadual paulista buscam atingir as competências e habilidades a serem avaliadas
no Enem. Se como afirmam Castro e Tiezzi (2005) “o Enem surge como um poderoso
instrumento indutor de mudanças”, cabe entender qual o papel dos professores neste
processo. Quais mudanças são induzidas no trabalho docente?
A avaliação da educação no Brasil sem dúvidas desempenha papel central na
estratégia de reforma de nosso sistema de ensino e no processo de melhoria de sua
qualidade (Castro e Tiezzi, 2005). Diante do atual cenário, como ficam os professores
do Ensino Médio? Esta é, em linhas gerais, parte do contexto que deve ser considerado
no momento em que pretendemos compreender melhor a prática docente no Ensino
Médio. Ao observar este contexto de mudanças significativas para o Ensino Médio a
partir das políticas públicas que inauguram o Século XXI, bem como a necessidade de
(re) conhecer a prática de docentes que atuam neste cenário é que consideramos
relevante a realização da pesquisa.
Este cenário político que consideramos projeta-se sobre o professor na medida
em que consideramos a prática pedagógica uma prática profissional que reflete as
mudanças que envolvem o contexto social. Monteiro (2006, p.56) ao analisar
professoras alfabetizadoras bem-sucedidas considera que a ação pedagógica:
(...) recebe interferência de saberes obtidos e produzidos em diversas
nuances da vida e, consequentemente, depende de um momento
dinâmico que acompanha as mudanças e as transformações
educacionais, políticas sociais, econômicas e culturais do país e as
referentes à vida pessoal.
Neste mesmo sentido, Oja (2010, p.96) também aponta em pesquisa que
analisou a trajetória de uma professora bem-sucedida que, mesmo nesta carreira de
prática pedagógica de sucesso, “a profissional docente revela as dificuldades da
profissão em lidar com as mudanças impostas pelas políticas públicas de educação que,
muitas vezes, não preparam o professor para colocar em prática as novas propostas”.
Neste cenário de mudanças sociais que interferem na criação e execução de
políticas públicas Moraes (2011, p. 22) afirma que:
Os professores são convidados a mudar sua prática por variadas vezes
e por diferentes motivos ao longo do desenvolvimento profissional da
docência. Sua prática precisa adequar-se às necessidades da sociedade,
das políticas educacionais, das demandas apresentadas pelos seus
alunos, do contexto escolar, dentre outros. Assim, a docência é
caracterizada pela incerteza dos contextos práticos, pela rápida tomada
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de decisões em situações imprevistas e pela necessidade de realizar
julgamentos na ação.
Para compreender de que forma políticas públicas, como a introdução do Enem e
seus impactos na escola, promovem repercussão entre os profissionais docentes é
preciso repensar a forma como estes compreendem e interiorizam estas mudanças em
suas práticas pedagógicas. Mizukami et. al. (2000) sinalizam que, para que os
professores compreendam as novas tarefas impostas por novas políticas públicas, é
necessário tempo para testá-las, avaliar seus efeitos, realizar ajustes considerando a
maneira como são abordadas, avaliá-las novamente etc. As autoras também afirmam
que é preciso que os docentes tenham tempo para pensar em algumas questões como:
(...) o que as políticas públicas pedem que eles façam; como as novas
atuações se comparam às atuais e anteriores; quais mudanças devem
ser feitas, dentre as atividades que já realizam; quais atividades devem
manter;
quando
e
como
realizarão
as
mudanças
pretendidas/projetadas; o que seus colegas fazem e o que os
administradores e pais esperam que eles façam, por exemplo
(MIZUKAMI et.al., 2000, p.77).
Novamente salientamos: como os professores irão atuar diante das mudanças
pretendidas com a introdução do Enem? A partir da teoria educacional sobre o
desenvolvimento profissional da docência merece destaque a demonstração de que a
aprendizagem dos professores ocorre por meio de um processo, em um continuum.
Tancredi (2009) indica que em qualquer fase da carreira os professores precisam
aprender, por isso a adoção do termo desenvolvimento profissional para esse processo
de construção do ser professor que permeia a prática profissional e se fundamenta nos
modos de conhecimento pessoal e profissional do professor (MIZUKAMI, 2002).
Acreditamos que a partir da reflexão sobre a docência, situada em diferentes
contextos históricos, sociais e culturais, os professores adquirem novos conhecimentos e
(re) constroem e (re) significam sua prática. Nesta perspectiva de análise, consideramos
que as aprendizagens docentes advindas das experiências no contexto atual do Ensino
Médio ocupam papel de destaque, pois como afirma Mello (1998) o professor se define
como o profissional responsável por uma atividade complexa e sobre a qual tem que
refletir constantemente, pois a constituição da docência implica construir conhecimento
sobre seu trabalho, estar em constante transformação e interação. Mello (1998) ressalta,
inclusive, que a atividade docente caracteriza-se como uma função social específica,
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especializada e dotada de peculiaridades que fazem desse profissional um sujeito social.
A referida autora afirma que o ser professor faz parte de um processo que se delineia
por diferentes estados e condições e, ainda que a condição inicial para ser professor seja
a formação básica (o acesso a um corpo de saber, saber-fazer e normas e valores da
atividade docente), essa etapa é apenas o início de uma trajetória que implica “um
esforço constante para atualização dos conhecimentos, a adaptação a novas demandas, o
reconhecimento público do trabalho e a valorização da atividade” (MELLO, 1998, p.
17).
Neste mesmo sentido, Vaillant e Marcelo (2009) ao questionarem “em que
consiste a profissão docente?” afirmam que “El concepto de profesión es el resultado de
um marco sócio-cultural e ideológico que influye em uma práctica laboral, ya que las
profesiones son legitimadas por el contexto social em que se desarrollan” (p.25). Desta
forma, conhecer a prática de um grupo de professores do ensino médio que estão
experienciando as mudanças lançadas pela introdução do Enem significa reconhecer o
contexto peculiar que os legitima, mesmo porque se vive um marco sócio-cultural e
ideológico que define seu trabalho e legitima o ensino “para o Enem”.
Para Vaillant e Marcelo (2009) a identidade docente configura-se de forma
paulatina e pouco reflexiva por meio do que denominam “aprendizagem informal”. Por
meio dela os docentes vão recebendo modelos com os quais vão se identificando e em
cuja construção influenciam mais os aspectos emocionais do que os racionais. Knowles,
Cole e Presswood (1994, p.4) também apontam elementos da construção da profissão e
identidade docente ao afirmarem que “aprender a ensinar é um processo complexo, que
envolve fatores afetivos, cognitivos, éticos, de desempenho, dentre outros” e no qual “a
aprendizagem pela experiência ocupa papel de destaque”. A contribuição teórica destes
e demais autores apontam para a necessidade de se considerar o conhecimento dos
professores como fonte indispensável para compreensão dos processos constitutivos da
docência bem como a superação dos dilemas comuns a prática.
No sentido de “aprender a ensinar com objetivos peculiares e específicos”,
Mizukami et al (1998) indicam que o processo e os produtos dessa aprendizagem
docente têm um caráter particular – relacionado ao contexto – e pessoal, incluindo
interpretações e reflexões, escolhas, valores e comprometimentos.
Não há regras gerais, cada professor dependendo da disciplina que leciona, e de
outras inúmeras variáveis tais como gênero, idade, tempo de experiência, escolaridade
irá deixar explícito na sua prática características ligadas ao contexto e individuais. A
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forma como ensina está intrinsecamente relacionada à forma como aprende. E aprender
a ensinar segundo os critérios de competências e habilidades é um caso específico.
Em relação a este caso específico os questionamentos de Tardiff (2010, p.9) são
pertinentes: “Quais são os saberes que servem de base ao ofício de professor? Noutras
palavras, quais são os conhecimentos, o saber-fazer, as competências e habilidades que
os professores mobilizam diariamente, nas salas de aula e nas escolas, a fim de
concretizar as suas diversas tarefas?” Relacionando estes questionamentos de Tardiff
(2010) em relação às indagações que este projeto propõe sobre os saberes dos
professores diante da concepção do Enem também é válido ressaltar:
Qual é a natureza desses saberes? Trata-se, por exemplo, de
conhecimentos científicos, de saberes “eruditos” e codificados como
aqueles que encontramos nas disciplinas universitárias e nos
currículos escolares? Trata-se de conhecimentos técnicos, de saberes
da ação, de habilidades de natureza artesanal adquiridas através de
uma longa experiência de trabalho? Todos esses saberes são de caráter
estritamente cognitivo ou de caráter discursivo? Trata-se de
conhecimentos racionais, baseados em argumentos, ou se apóiam em
crenças implícitas, em valores e, em última análise, na subjetividade
dos professores? Como esses saberes são adquiridos? Através da
experiência pessoal, da formação recebida num instituto, numa escola
normal, numa universidade, através do contato com os professores
mais experientes ou através de outras fontes? (TARDIFF, 2010, p.9)
Neste sentido o autor afirma (Tardiff, 2010, p.11) que “Na realidade, no âmbito
dos ofícios e profissões, não creio que se possa falar do saber sem relacioná-lo com os
condicionantes e com o contexto do trabalho: o saber é sempre o saber de alguém que
trabalha alguma coisa no intuito de realizar um objetivo qualquer”. Se o trabalho de um
grupo de professores está relacionado a um exame, como é o caso do ENEM, há de se
considerar os diferentes saberes que estes professores disponibilizam sem desconsiderar
o contexto, tanto macro (A Reforma do Ensino Médio) como aquele mais próximo de
sua prática cotidiana. Como afirma Tardiff (2010, p.11):
O saber não é uma coisa que flutua no espaço: o saber dos professores
é o saber deles e está relacionado com a pessoa e a identidade deles,
com sua experiência de vida e com a sua história profissional, com as
suas relações com os alunos em sala de aula e com os outros atores
escolares na escola, etc. Por isso, é necessário estudá-lo relacionandoo com esses elementos constitutivos do trabalho docente.
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Segundo Moraes (2005), a partir de um estudo com professores de um Curso
Pré_Vestibular Popular, os professores utilizam-se de um conhecimento pedagógico
geral, conhecimento de princípios e técnicas pedagógicas. Frequentemente, usam seus
conhecimentos sobre outro conteúdo que não é o escopo da disciplina que ensinam.
Também são utilizados os conhecimentos sobre os estudantes, incluindo o
conhecimento sobre características, cognição dos estudantes, bem como conhecimentos
sobre motivação e aspectos do desenvolvimento sobre como os estudantes aprendem. É
neste sentido que Knouwles (apud Tancredi, 2009) assinala outras situações que
envolvem o ser professor, considerando que aprender a ensinar é diferente de tornar-se
professor. Para a autora ser professor não cessa com o término das aulas, o trabalho
docente caracteriza-se pela incerteza dos cotidianos da prática, exigindo decisões
rápidas e acertadas e não há conhecimento pronto disponível para todas as ações
inerentes ao exercício do professor.
É necessário também enfatizar, como sinaliza Apple (2006), que o conhecimento
não é neutro. O simples fato de existir uma seleção do que deve ser ensinado pressupõe
que “alguém” ou “um grupo” tenha feito essa seleção a partir de interesses específicos.
Definir o que será ensinado, quando, como e por quem são decisões que evidenciam
poder, controle e interesses, e muitas vezes interesses que vão além do âmbito da prática
docente. Estas questões também devem ser levadas em conta quando analisamos as
atividades docentes e os saberes que as envolve. Enfim, como afirma Moraes (2005) o
professor também está sempre reelaborando seus quadros referenciais e isso ocorre num
mediar entre a teoria e a prática, ou seja, o professor atribui novos significados à teoria e
adquire novas estratégias para a prática. E são exatamente estas estratégias para a
prática que acredito merecer destaque e a atenção do pesquisador.
Diante desta síntese da bibliografia que pretendemos utilizar como referencial
teórico e do contexto que envolve o atual Ensino Médio com a concepção do Enem é
que abordamos nossa problemática. O Enem, como uma política que visa além de
avaliar, criar um novo modelo de ingresso em Universidades, certificação, introdução
das noções de competências e habilidades entre outros elementos de mudança no Ensino
Médio têm gerado impactos sobre o trabalho docente. A perspectiva dos professores
pode apontar os reflexos de uma política pública avaliativa, como o Enem, no
desenvolvimento profissional docente. Este é nosso ponto de partida.
Referências
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Livro 1 - p.000659
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Livro 1 - p.000660
XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012
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Anexo
Tabela 1 – Habilidades Avaliadas pelo ENEM
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
21
Compreender e utilizar variáveis;
Compreender e utilizar gráficos;
Analisar dados estatísticos;
Inter-relacionar linguagens;
Contextualizar arte e literatura;
Compreender as variantes lingüísticas;
Compreender a geração e o uso de energia;
Compreender a utilização dos recursos naturais;
Compreender a água e sua importância;
Compreender as escalas de tempo;
Compreender a diversidade da vida;
Utilizar indicadores sociais;
Compreender a importância da biodiversidade;
Conhecer as formas geométricas;
Utilizar noções de probabilidade;
Compreender as causas e conseqüências da poluição ambiental;
Entender processos e implicações da produção de energia;
Valorizar a diversidade cultural;
Compreender diferentes pontos de vista;
Contextualizar processos históricos;
Compreender dados históricos e geográficos.
Fonte: INEP, 2005
Junqueira&Marin Editores
Livro 1 - p.000661
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