AS REFORMAS DO ENSINO MÉDIO E TÉCNICO E A IDEOLOGIA DA
EMPREGABILIDADE
Maria José Pires Barros Cardozo
1
Resumo: Este artigo analisa como as refomas do ensino médio e do
ensino técnico mediante documentos oficiais, em especial, as
Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio e para
Educação Técnica de Nível Medio e os Decreto 2.208/1997 e
5.154/2004 propõem a relação entre o Ensino Médio e a Educação
Profissional de Nível Técnico como estratégia de formação dos
jovens diante das transformções no mundo do trabalho e do aumento
dos índices desemprego os jovens. Enfoca também, como essas
reformas perpetuam, a dualidade que marca a histórica do ensino
médio brasileiro, mediante a separação entre a educação profissional
e a formação geral. Essa questão é abordada no âmbito das noções
de competência e de empregabilidade, da crescente precariedade do
mercado de trabalho e do crescimento do emprego precário e do
desemprego entre a população juvenil brasileira.
Palavras-chave:
Reforma
educacional,
empregabilidade,
desemprego.
Abstract: This article analyzes as refomas of secondary education
and professional education by means of official documents, in
special, the National Curricular Lines of direction for Average Ensino
and Education Technique of Secondary Education Level and Decree
2,208/1997 and 5,154/2004 consider the relation between Secondary
Education and the Professional Education of Level Technician as
strategy of formation of the young ahead of the transformations in the
world of the work and the increase of the indices unemployment the
young. It also focuses, as these reforms perpetuate, the dualism that
the historical one of Brazilian average education marks, by means of
the separation between the professional education and the general
formation. This question is boarded in the scope of the employability
and ability slight knowledge, of the increasing precariousness of the
market of work and the growth of employ precarious and the
unemployment between the Brazilian youthful population.
Key
words:
The
educational
reformation,
employability,
unemployment.
1
Universidade Federal do Maranhão. E-mail: [email protected]
1- CONTEXTUALIZANDO O ESTUDO
Estudos e pesquisas vêm demonstrando que a partir da década de 1980 a taxa de
desemprego dos jovens tem sido maior que a dos adultos. O crescimento do desemprego
da população entre 18 e 23 anos intensificou-se ainda mais a partir de 1990. Dados da
PNAD indicam que entre 1990 e 2002 a taxa de desemprego entre dos jovens entre 18 e 20
anos cresceu 14,9% e entre 21 a 23 anos 9,5%.
Os autores que estudam essa questão têm apontado vários determinantes: o
crescimento do desemprego dos jovens estaria associado à queda do nível das atividades
produtivas (REIS, CAMARGO 2005); a tendência à informalidade e ao subemprego para os
egressos do ensino médio (FILMUS, 2002); os filhos das famílias pobres ao ingressarem
muito cedo no mercado de trabalho, o fazem com baixa escolaridade, ocupando as vagas
de menor remuneração e de posição subordinada no interior da hierarquia do trabalho
(POCHMANN 2004); a inadequação da política educacional brasileira que separou a
educação geral da profissional (FRIGOTTO, 2005).
Corroborando com as análises citadas acima, pretende-se ampliar o debate acerca do
aumento do desemprego para a população jovem, dando ênfase à separação entre a
formação geral e a formação profissional, empreendida pela reforma do Ensino Médio e da
Educação Profissional pelo governo brasileiro a partir da década de 1990.
Temos como eixo de análise o fato de que a reforma dessas duas modalidades de
ensino carrega a marca do dualismo entre a classe dominante e dominada evidenciada no
ensino médio. Segundo Frigotto et all, (2005c), é
neste nível de ensino que podemos
evidenciar de forma mais marcante um dos elementos da contradição entre o capital e o
trabalho, expressada no falso dilema de sua identidade propedêutica ou preparação para o
trabalho, uma vez que na história da política educacional brasileira perdurou a diferenciação
educação geral para as elites e preparação para o trabalho para os pobres até a aprovação
da LDB nº 4.024/1961, que estabeleceu a equivalência plena entre o ensino secundário e o
técnico, pois até então, a legislação brasileira proibia o acesso ao ensino superior para os
concluintes dos cursos técnicos agrícolas e comerciais e limitava para os egressos dos
cursos técnicos industriais.
Com a aprovação da Lei nº 5.692/1971 foi instituída a profissionalização compulsória e
estabelecido que o segundo grau tivesse um caráter de terminalidade, uma vez que se
destinava à formação do adolescente e à habilitação profissional. Entretanto, as classes
média e alta e os empresários do ensino resistiram e levaram ao restabelecimento do
dualismo estrutural que marca a educação brasileira. Eles não aceitaram a concepção de
formação para o trabalho e a idéia de que as escolas que tradicionalmente preparavam seus
filhos para o ensino superior assumissem o caráter profissionalizante.
A classe trabalhadora também criticou essa proposta que se apresentava como formar
para o trabalho os filhos da classe trabalhadora. Eles ressentiam-se tanto da falta de
condições materiais e técnicas para uma profissionalização adequada como do
enfraquecimento da capacidade propedêutica do ensino médio que não lhes dava condições
de ingressarem no ensino superior.
Diante das pressões, MEC redefiniu a profissionalização. Inicialmente, o Parecer nº
45/1972 introduziu as habilitações básicas em substituição à habilitação profissional;
posteriormente, o Parecer n° 76/1975 permitiu uma flexibilidade curricular, previu uma
formação profissional genérica a ser completada nas empresas e, finalmente, a Lei nº
7.044/1982 revogou a obrigatoriedade da profissionalização no ensino médio - antigo
segundo grau.
2- AS REFORMAS EDUCACIONAIS NA DÉCADA DE 1990
Na década de 1990, a política educacional brasileira seguiu as diretrizes dos
organismos internacionais, em especial do Banco Mundial e da UNESCO cujos argumentos
defendiam que uma que a educação parcial e voltada exclusivamente para conteúdos
típicos de uma determinada profissão, adquiridos antes da entrada no mercado de trabalho,
conforme exigia o taylorismo/fordismo, não seria mais necessária. Nesse sentido, a
educação deveria preparar os indivíduos para adquirir competências que lhes garantissem
condições de empregabilidade.
Seguindo essa lógica, com a aprovação da LDB nº 9.394/1996 e do Decreto nº.
2.208/1997 a dualidade renasce: a educação profissional é separada da educação geral,
pois a LDB, no artigo 40 propõe uma educação profissional independente e ao mesmo
tempo articulada ao ensino médio, mas o Decreto nº 2.208, dispôs no artigo 3º que a
educação profissional é complemento da educação básica.
Em 2004 o Decreto nº 5.154 revogou o Decreto nº 2.208, porém, a questão da
separação entre a educação profissional e formação geral não foi resolvida, pois a única
novidade foi a proposta de simultaneidade, ou seja, que a educação técnica de nível médio
pode ser oferecida simultaneamente e ao longo do ensino médio, enquanto o decreto
anterior estabelecia que a educação “[...] profissional de nível técnico terá organização
curricular própria e independente do Ensino Médio, podendo ser oferecida de forma
concomitante ou seqüencial a este”. (BRASIL, 1997, p. 2).
Desse modo, infere-se que a revogação do Decreto nº 2.208/1997 não significou o
abandono dos seus princípios, “[...] haja vista que permitiu tanto a organização de cursos
integrando ensino médio e técnico quanto a estruturação de cursos completamente
separados [...]” ( OLIVEIRA E., 2005, p. 91). Assim, tentou-se resolver somente a questão
do impedimento da integração desses dois ensinos, sem, contudo, eliminar o modelo que os
torna independentes.
O Decreto 5.154/2004 reconhece que a forma integrada deve ter curso, matrículas e
conclusão únicas, entretanto, o Parecer CNE/CEB nº 39/2004 estabelece que os conteúdos
do ensino médio e os da educação profissional de nível técnico são de natureza diversas.
Desse modo, estimula-se a simultaneidade e a integração, mas confere-se ao currículo uma
dicotomia entre as concepções educacionais de uma formação para a cidadania e outra
para o mundo do trabalho, ou de um tipo de formação para o trabalho intelectual e de outro
tipo para o trabalho técnico-profissional (FRIGOTTO, et all 2005 c).
Ressaltamos também que, embora o Decreto nº 2.208/1997 tenha sido revogado, as
Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio- DCNEM e para Educação
Profissional aprovadas pelo CNE respectivamente em 1998 e 2000 continuam válidas,
portanto a integração proposta pelo Decreto nº 5.154/2004 não foge da lógica das
competências e da ideologia da empregabilidade que impregnam a educação brasileira
desde 1990.
Temos, portanto, o reforço à dualidade que marca a história do ensino médio no país,
pois o Decreto nº 2.208/1997 e posteriormente o Decreto nº 5.154/2004, tendo como
princípios subjacentes a idéia de que a educação geral possibilita a transferência de
aprendizagens, ou seja, dota o aluno da capacidade de usar conhecimentos em ações
práticas, enquanto o ensino técnico não o faz, estabeleceram que o nível técnico é
destinado a proporcionar habilitação profissional a alunos ou egressos do ensino médio,
porém dispõem que para a obtenção do diploma de técnico de nível médio o aluno deve
apresentar o certificado de conclusão do ensino médio.
As DCNEM previram a preparação básica para o trabalho poderia ser efetivada tanto
nos conteúdos da base nacional comum (75%) da carga horária mínima (organizada em
áreas de conhecimento - Linguagem, Códigos e suas Tecnologias, Ciências da Natureza,
Matemática e suas Tecnologias e Ciências Humanas e suas Tecnologias)-, como na parte
diversificada do currículo (25%), sendo que os conteúdos tratados no contexto do trabalho
poderiam ter caráter profissionalizante, ou seja, poderiam ser aproveitados em cursos de
habilitação profissional mesmo que cursados dentro da carga horária mínima prevista para o
ensino médio.
Entretanto, a preparação básica para o trabalho defendida pela reforma do ensino
médio não se concretiza na prática, pois a maioria das escolas ainda utiliza grades
curriculares de acordo com a Lei nº 5.692/1971 com as disciplinas Matemática, Física,
Biologia, Língua Portuguesa, Inglês, História, Geografia. A parte diversificada proposta na
reforma não é cumprida uma vez professores não têm tempo nem para cumprir os
conteúdos de suas respectivas disciplinas. (CARDOZO, 2007).
Identificamos também o aprofundamento da separação entre educação geral e a educação
profissional e o reforço do elitismo e da exclusão quando observamos nos dados do Censo
Escolar 2005 que das 747.892 matrículas na educação profissional 415.742 em
subseqüentes, 291.521 concomitante e apenas 40.629 integradas.
Essa separação é inclusive reconhecida pelas Diretrizes Curriculares do Ensino
Médio que, ao conferir a esse nível de ensino a função de desenvolver a pessoa humana
por meio da preparação básica para o trabalho e para o exercício da cidadania e delegar à
educação profissional de nível técnico a responsabilidade pela habilitação, tentou resolver a
questão apenas do ponto de vista pedagógico e com uma solução ideológica. O próprio
texto das DCNEM tenta explicar essa questão, conforme podemos evidenciar abaixo:
[...] a duplicidade de demanda continuará existindo porque a idade de conclusão do
ensino fundamental coincide com a definição de um projeto de vida, fortemente
determinado pelas condições econômicas da família e, em menor grau, pelas
características pessoais. Entre os que podem custear uma carreira profissional
mais longa, esse projeto abrigará um percurso que posterga o desafio da
sobrevivência material para depois do curso superior. Entre aqueles que precisam
arcar com sua subsistência precocemente, ele demandará a inserção no mercado
de trabalho logo após a conclusão do ensino médio obrigatório, durante o Ensino
Médio ou imediatamente depois da conclusão deste último. (BRASIL, 1999, p. 73).
Se os idealizadores da reforma reconhecem que para a maioria dos jovens a
conclusão do ensino médio já representa um avanço, como obrigar a disputa por duas
matrículas - uma na educação geral e outra no ensino técnico -, ou então fazer com que o
aluno passe quatro ou cinco anos para concluir os dois níveis de ensino ou ainda esperar
que eles possam cursá-lo em dois turnos? Essa separação provoca nos jovens das classes
populares o seguinte dilema: matricular-se no ensino médio ou buscar no mercado da
educação privada alguma certificação técnica de nível básico, que de imediato possibilite a
disputa por alguma vaga no mercado de trabalho, considerando que a falta de qualificação é
apontada como uma das causas de aumento do desemprego juvenil.
Registramos ainda dois aspectos: O primeiro é a questão da extensão do tempo de
escolaridade, haja vista o crescimento do desemprego entre os jovens, e o segundo é o
caráter irreal da promessa de que a educação geral para todos significaria o aumento do
potencial de empregabilidade, pois pesquisa desenvolvida por Oliveira J. (2000) constatou a
preferência clara dos empresários por ex-alunos do SENAI.
Dessa forma, constatamos que a pretensa integração entre a educação geral (ensino
médio) e a educação profissional (ensino técnico), presente nos documentos oficiais, é
desmentida na prática, pois esses dois níveis estão separados e encobrem a distância entre
o mercado de trabalho e os jovens, principalmente os oriundos das classes populares, cuja
possibilidade de conciliar o ensino médio com o ensino técnico está extremamente distante
das condições reais de existência o que marca uma situação de instabilidade no presente e
de muitas incertezas frente ao futuro.
Ressaltamos ainda, que o ensino pós-médio (subseqüente), a concomitância ou a
integração podem representar para os alunos pobres um mecanismo que esvai a procura
pelo ensino superior, principalmente, se considerarmos que segundo dados divulgados em
2005 pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais-INEP 44% dos
estudantes do ensino médio, estudam no turno noturno; que a defasagem série/idade é em
torno de 60%; e que a maioria tem pressa em inserir-se no mercado de trabalho embora em
condições precárias.
Diante do exposto, concordamos com a tese defendida por Sanchis (1997) - da
escola ao desemprego-, cuja pesquisa sobre a relação entre o desemprego juvenil e a
escola constatou que, à medida que escasseiam as oportunidades de emprego, o sistema
educativo procura formas de prolongar a permanência dos jovens na escola, a fim de conter
a demanda por empregos. Portanto, a retórica oficial sobre a centralidade da educação,
apresentada como antídoto ao problema do crescimento do desemprego, não condiz com a
realidade, ou melhor, corresponde à inserção dos jovens no mundo do trabalho precário ou
à condição de força de trabalho supérflua.
Além dos aspectos apontados acima, concordamos com a análise desenvolvida por
Oliveira E. (2005), quando aponta que essa estratégia de separação entre a educação geral
e a profissional reflete a busca de redução dos gastos públicos. A reforma procurou baratear
a educação básica, tendo em vista o crescimento do número de concluintes do ensino
fundamental, das recomendações dos organismos internacionais e da exigência dos
empregadores para aumentar dos anos de escolaridade da força de trabalho.
Em 2005, de acordo com a pesquisa realizada nas seis regiões metropolitanas pelo
Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Econômico- DIEESE, a maioria dos
jovens das classes populares tem que optar pelo trabalho ou estudo, e os que permanecem
no sistema tentam conciliar o trabalho com o estudo. Isso é bastante evidente no ensino
médio, pois dados do Censo Escolar de 2005 indicavam que 44% dos alunos desse nível de
ensino estudavam no turno noturno, e esse índice aumenta ainda mais quando
consideramos apenas os alunos da rede pública (49,3%). Do total de alunos matriculados na
rede privada, apenas 27% estudavam no noturno.
Os dados censitários registram um crescimento da escolarização dos jovens, tanto no
ensino médio como no superior, entretanto, as perspectivas de inserção no mercado de
trabalho afunilam-se cada vez mais, haja vista o ingresso dos jovens no mercado de
trabalho ser menor que a dos adultos e, quando eles têm a possibilidade dessa inserção,
geralmente assumem funções inferiores, recebem menores salários e têm jornadas mais
intensas.
3-CONCLUSÃO
Em relação ao ensino médio, os reformadores presumiram que apenas com as
competências gerais os alunos estariam aptos para ingressarem no mercado de trabalho.
Contudo, o mercado de trabalho continua a exigir trabalhadores com habilitações técnicas e
o setor privado da educação já atentou para mais essa possibilidade de lucro, basta,
observarmos o grande número e a variedade de cursos técnicos de nível médio que surgem
a cada dia em todas as cidades brasileiras.
Consideramos, portanto, que a reforma do ensino médio e do ensino técnico de nível
médio é profundamente marcada por uma racionalidade econômica que diminui o
investimento público na educação profissional de nível técnico e tenta impor para a maioria
uma educação básica, fragmentada, de qualidade questionável e esvaziada de conteúdos,
que formaria para a empregabilidade num mercado de trabalho cada vez mais incerto e
precário.
A ideologia da empregabilidade coloca a responsabilidade para adquirir as
competências, procurar emprego e manter-se empregado sobre o indivíduo que, poderá até
deter todas as condições de empregabilidade, mas mesmo assim pode permanecer
desempregado, empregar-se em condições precárias, ou ainda criar alternativas de trabalho
por conta própria para garantir a renda que o reproduza enquanto força de trabalho mesmo
que seja na condição de sobrante.
Em síntese podemos, inferir a lógica da competência e o discurso da empregabilidade
expressam no plano pedagógico e cultural a ideologia neoliberal e os paradigmas da
produção flexível que tenta se configurar como uma nova hegemonia do capital baseada
no aumento da produção e diminuição do número de trabalhadores necessários à
produção.estratégia utilizada pelo capital para aumentar a exploração do trabalhador e
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