PRÉDICA NA EST – 12.06.13 Texto:Lucas 7.1-10 Irmãs e irmãos em Cristo, comunidade EST. Muito obrigado pelo convite de fazer a reflexão no culto de hoje. Embora minha formatura já esteja 49 anos no passado, a EST é um pouco a minha casa. Cumprimento especialmente os namorados e namoradas, fazendo votos de que esta fase bonita da vida esteja marcada também pela responsabilidade e pela solidariedade, que não busca apenas a si mesmo, mas também - e muito-o outro. Mas não quero parar só nos jovens, cumprimento também os velhos namorados e namoradas, aqueles que depois de muito tempo de casados, décadas talvez, não perderam o carinho, não esqueceram gestos de amor e partilham a vida em cumplicidade. Namoro é âmbito de relação muito próxima e não deveria ser levado na brincadeira, porque na brincadeira certamente haverá pessoaslesadas em corpo e alma. Acho que vale a pena ouvir uma palavra emprestada do “Pequeno Príncipe”: Você é eternamente responsável por quemcativa! Parabéns a namorados e namoradas em todas as idades. Osevangelhos do Novo Testamento relatam muitas cenas do cotidiano de Jesus no meio de sua gente. O que o diferencia é o jeito de lidar com o cotidiano e com as pessoas. Um bom judeu, por exemplo, manteria um pouco de distância de pessoas estranhas ou de outros costumes. Samaritanos, romanos, leprosos estão entre as categorias de gente com quem não se quer contato, ou porque flertavam com outras divindades, ou porque pertenciam à força de ocupação, ou porque estavam acometidas de uma doença incurável e perigosa, certamente fruto de castigo divino. Jesus atropela literalmente esses conceitos e preconceitos: Ele conversa junto ao poço com uma samaritana e louva a atitude de um samaritano como expressão de fé, ele se aproxima de leprosos e os cura apenas por ouvir o seu clamor,ele dá atenção ao pedido de um soldado romano! O trecho do Evangelho de Lucas para a nossa reflexão de hoje enfoca o envolvimento de Jesus com um soldado romano. Ouçamos,do capítulo 7, os versículos 1 a 10. Em princípio os soldados romanos eram mal vistos. Eles representavam um poder externo, que governava com mão de ferro e cobrava impostos, em outras palavras, eles colhiam onde não tinham plantado. Não bastasse isso, eles traziam também suas divindades e todo tipo de costumes diferentes. Pois é justamente um soldado romanoque se lembra de Jesus quando um empregado (em outro lugar se lê escravo) seu está com a vida em risco. Ele ouvira falar de Jesus. Mas o texto dá mais uma informação importante: esse centurião pede a intervenção dos anciãos judeus! A explicação: O centurião tinha um relacionamento no mínimo amistoso com os judeus. Ele granjeara especial simpatia por ter ajudado na construção da sinagoga. O texto, aliás, é mais enfático, sugerindo que o centurião construíra (mandara construir a sinagoga). Pode atéser que esse centurião não era de nacionalidade romana, mas um legionário gentio. É muito provável que ele participava das celebrações judaicas, sem ter assumido plenamente a fé judaica e, portanto, sem ter os direitos todos. Por isso ele tem consciência de que – aos olhos dos judeus – ele era uma pessoa impura. Não bastasse isso, ele era homem de guerra, fato que contrariava a pregação de Jesus. Os anciãos expõem o caso a Jesus, não sem elogiar a postura do centurião em relação aos judeusJesus vai com os anciãos em direção à casa do soldado. Aí, porém, acontece uma cena no mínimo intrigante. O centurião envia alguns amigos para impedir Jesus de entrar na sua casa, com o argumento de que ele era indignode recebê-lo. Apesar disso ele deseja a cura do seu empregado. A sua confiança no poder de Jesus é tão grande que ele pede apenas uma palavra! Como comparação ao poder da palavra de Jesus, ele fala douso da palavra que ele mesmo faz com seus comandados e o efeito que estas têm. O cenário descrito no texto tem três movimentos que vão se entrelaçando. Sem que a ordem seja hierárquica eu começaria destacando a movimento dos anciãos. Ainda que o centurião tenha ajudado na construção da sinagoga, ele não deixa de ser um soldado, representante do opressor e que estava ali entre outros, para cobrar impostos. Em última análise, ele não é judeu, ele não pertence ao povo. Aos olhos das pessoas, o gesto dos anciãos poderia até parecer traição ou ao menos infidelidade ao próprio povo e religião. Entrando na brecha em favor de um centurião, esses anciãos punham em risco a si mesmos. Como é que nós lidamos com os diferentes e suas dores? Como são nossas atitudese ações? Aqui valem pequenos gestos e valem grandes gestos, em ações individuais e ações coletivas. Jesus ouve o pedido dos anciãos e se põe a caminho. Eu suspeito que ele não deu muita bola para a informação do papel solidário do centurião para com o povo.. Também não importava se o moribundo era escravo ou empregado. É interessante que a parte mais concisa do texto é a informação de que Jesus ouve e se coloca a caminho, sem perguntas e sem considerações de qualquer espécie. O foco é um doente que precisa de ajuda urgente. Isso me lembra uma cena na vida de Dietrich Bonhoeffer, quando ele era pastor de comunidade e professor universitário. Uma manhãele entrou atrasado na sala de aula, algo mais ou menos impensável naquele ambiente. Entrou, cumprimentou e disse: um dos meus confirmandos está muito doente; eu tive de visitá-lo. Começou a aula. Na nossa vida, aqui na EST, em nossas comunidades, na IECLB temos muitas tarefas. Quais sãoos critérios para fazer uma coisa e deixar de fazer outra? Até que ponto somos capazes de redirecionar os nossos afazeres e, quem sabe, nossos mais nobres costumes porque alguém está precisando de nós? Sabemos do próprio Jesus que ele não ficou nas questões individuais! Os desafios podem ir bem além acontecimentos mais restritos! A cena mais impressionante é a que segue: O centurião manda dizer que não é digno que Jesus entre em sua casa. Uma palavra bastaria. Como argumento ele usa a relação de comandante e comandados. A palavra dita acontece. Isso nos remete ao início da Bíblia, ao relato da criação: Deus fala e as coisas são criadas. Teríamos muito a recuperar num mundo inflacionado de palavras vazias e sem qualquer compromisso. Com que facilidade e descompromisso, por exemplo,se fazem juras de amor – e não é só nas novelas! -, com que descompromisso políticos fazem promessas grandiosas! Como são as palavras na igreja? Que palavras nós usamos? Elas são palavras de autoridade (não autoritarismo!)? Elas são confiáveis? Mais surpreendente, porém, é a reação de Jesus: Ele louva e destaca a fé de um estrangeiro! Não bastasse isso, ele ousa dizer que não encontrou fé assim no seu próprio povo. Embora o texto não o diga, essas palavrasde Jesus devem ter soado como heresia aos ouvidos de seus conterrâneos. Os caminhos da igreja em dois milênios estão marcados por preconceitos e discriminações; as cruzadas são apenas uma das expressões concretas disso. No entanto, também a nossa igreja carrega marcas de discriminação de diferentes, de arrogância em relaçãoa outros povos. Não nos iludamos: Esses fantasmas ainda aparecem volta e meia em uma ou outra comunidade. Jesus é muito claro: O amore a presença de Deus não se deixam barrar por fronteiras criadas pelos seres humanos. Mas a cristandade e suas igrejas amiúde esqueceram a radicalidade do amor de Deus e de sua condescendência. Um exemplo de como se tenta limitar a ação e o amor de Deus a um povo, sob exclusão dos demais, aconteceuquando igrejas e cristãos em particular embarcaram na ideologia nazista que discriminava e matava judeus e deficientes entre outros. Sabemos que houve oposição, também de jovens, mas sabemos também para onde essa ideologia levou. Um dos cristãos – não o único! que se opôs frontalmente foi Dietrich Bonhoeffer. Na prisão, de onde ele não mais sairia, ele compôs a seguinte poesia: 1. Pessoas buscam a Deus na sua necessidade, Imploram auxílio, pedem felicidade e pão, Libertação de doença, culpa e morte. Assim fazem todas, todas, cristãs e pagãs. 2. Pessoas buscam a Deus na Sua necessidade. Acham-no pobre, insultado, sem abrigo e sem pão. Vêem-no envolto em pecado, fraqueza e morte. Cristãos ficam com Deus na Sua paixão. 3. Deus busca todas as pessoas na sua necessidade Satisfaz o corpo e a alma com o Seu pão, Sofre por cristãos e pagãos a morte na cruz E a ambos concede perdão. (Resistência e Submissão, p. 469-470). Peçamos a Deus que ele nos dê olhos, ouvidos e corações abertos para identificarmos as dores dentro e fora de nossas fronteiras. Amém. Harald Malschitzky, P.em. São Leopoldo - RS