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ANÁLISE CRÍTICA DA MÚSICA:
Pra não dizer que não falei das flores
Patrícia de Paula Padilha1
1968
Aquele foi um ano de grandes manifestações e marcos para a história, não só no
Brasil, mas também na Europa, nos Estados Unidos, Tchecoslováquia e México. Tudo
acontecia quase que ao mesmo tempo: a Guerra no Vietnã, a Primavera de Praga, o
assassinato de Martin Luther King e Robert Kennedy, o decreto do AI-5, a Tropicália, o
Festival de Cinema de Cannes, etc.
A luta pela liberdade, pelo fim da censura e por um país democrático, o ano de
1968 foi além, foi um ano em que tudo mudava, a televisão crescia espantosamente e foi
uma grande personagem na Guerra do Vietnã (primeira guerra transmitida pela TV). Época
dos grandes ídolos como: Jimi Hendrix, The Beatles, Rolling Stone e de grandes
pensadores e intelectuais. Os hippies tomavam o seu lugar na história e frases como:
“Faça amor e não faça a guerra” eram os slogans de paz. O sexo não era mais visto como
“um horror” e ”pecado” e as mulheres não queriam mais ser um objeto do homem, surgia a
minissaia. Os negros, os homossexuais e as mulheres começaram a mostrar que não
eram “bichos” e muito menos sofriam de doenças como era alegado para os
homossexuais, depois 1968 eles ganharam uma importância que até então lhes era
negada, mostraram que não eram uma minoria e que tinham tantos direitos quanto
homens, heterossexuais e brancos.
Depois do golpe militar de 1964, o Brasil vê-se diante de 10 anos de censura,
repressões, torturas, exílios e passeatas, mas nenhum desses anos foi tão intenso quanto
o de 1968, depois da morte do estudante Edson Luís que foi assassinado por policiais, os
estudantes se revoltaram e foram para as ruas pedir por mais liberdade, democracia,
melhores condições de estudo e principalmente pelo fim da ditadura. Entre as
manifestações surgiu um movimento chamado Tropicalismo, que além de seus principais
representantes Caetano Veloso e Gilberto Gil, contavam também com artistas como: Gal
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Aluna do 2º período do curso de Comunicação Social da Faculdade Pitágoras, Unidade Metropolitana de
Londrina-PR. Trabalho apresentado à disciplina de Educação, Mídia e Conhecimento, ministrada pelo Prof.
Ms. Celso Mattos.
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Costa, Tom Zé, Mutantes, Nara Leão, etc. Os tropicalistas mudaram o conceito de bossa
nova e surgiram com uma nova linguagem de MPB, incorporaram instrumentos nas
composições e as letras das músicas agora eram cheias de protestos, críticas e
desabafos, misturaram gêneros, cores, estilos e foram essenciais para caracterizar a
história do País daquela década. Infelizmente, o Tropicalismo não durou muito, depois da
morte do estudante Edson Luís, surgiram grandes manifestações ao decorrer do ano como
é o caso da Passeata dos Cem Mil, que reuniu aproximadamente 100 mil pessoas, entre
elas: artistas, padres, mães, intelectuais, estudantes.
Mas no fim do ano, quando os estudantes se reuniram em um congresso em Ibiúna
– SP, os policiais deram fim a tudo aquilo prendendo os grandes líderes estudantis, ferindo
vários estudantes e aliados. Logo depois, Caetano Veloso e Gilberto Gil, também foram
presos e logo se exilaram, era o fim do Tropicalismo, era o começo do silêncio da UNE
(que durante alguns anos, não teve grandes manifestações) e também era o início de uma
fase muito mais severa, do que a que se vivia até o momento: foi decretado em dezembro
de 1968 o Ato Institucional nº. 5, pelo presidente Costa e Silva.
Entre tantas músicas, que de uma forma ou de outra nos conta os longos 20 anos
de ditadura, existe uma em especial: “Pra não dizer que não falei das flores”. Composta
por Geraldo Vandré, um homem paraibano, que depois de 1968 sumiu e ficou durante
anos em silêncio, mas que deixou como herança para as novas gerações, uma
composição que por muitos é considerada um hino contra a ditadura, alguns ainda dizem
que é a Marselhesa brasileira. Marselhesa foi um canto de guerra revolucionário que
acompanhava a maior parte das manifestações francesas, e em 1975 tornou-se hino
nacional da França.
PRA NÃO DIZER QUE NÃO FALEI DAS FLORES – GERALDO VANDRÉ
Caminhando e cantando e seguindo a canção
Somos todos iguais braços dados ou não
Nas escolas nas ruas, campos, construções
Caminhando e cantando e seguindo a canção
Vem, vamos embora, que esperar não é saber,
Quem sabe faz a hora, não espera acontecer
Vem, vamos embora, que esperar não é saber,
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Quem sabe faz a hora, não espera acontecer
Pelos campos há fome em grandes plantações
Pelas ruas marchando indecisos cordões
Ainda fazem da flor seu mais forte refrão
E acreditam nas flores vencendo o canhão
Vem, vamos embora, que esperar não é saber,
Quem sabe faz a hora, não espera acontecer.
Há soldados armados, amados ou não
Quase todos perdidos de armas na mão
Nos quartéis lhes ensinam antigas lições
De morrer pela pátria e viver sem razão
Vem, vamos embora, que esperar não é saber,
Quem sabe faz a hora, não espera acontecer.
Vem, vamos embora, que esperar não é saber,
Quem sabe faz a hora, não espera acontecer.
Nas escolas, nas ruas, campos, construções
Somos todos soldados, armados ou não
Caminhando e cantando e seguindo a canção
Somos todos iguais braços dados ou não
Os amores na mente, as flores no chão
A certeza na frente, a história na mão
Caminhando e cantando e seguindo a canção
Aprendendo e ensinando uma nova lição
Vem, vamos embora, que esperar não é saber,
Quem sabe faz a hora, não espera acontecer.
Vem, vamos embora, que esperar não é saber,
Quem sabe faz a hora, não espera acontecer.
Caminhando e cantando e seguindo a canção / Somos todos iguais braços dados ou
não: representa as passeatas que reuniam, em sua maioria, jovens que tinham consigo
um desejo de mudança, ambições e sonhos, eram movidas a cartazes de protestos, a
vozes gritantes que entoavam hinos e músicas. Essa frase também nos mostra que
independente de crenças e idéias, as pessoas são iguais, estando elas do mesmo lado ou
não.
Nas escolas nas ruas, campos, construções: as manifestações eram compostas de
pessoas de diversos ambientes, mas que possuíam o desejo de mudança em comum:
agricultores,
operários,
camponeses,
mulheres,
jovens,
professores,
jornalistas,
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intelectuais, padres e bispos. No caso de professores, jornalistas e intelectuais eles eram
censurados e vigiados, o que depois de AI-5 ocorreu com maior intensidade, os
professores não podiam lecionar e mencionar nada referente ao golpe, os jornalistas
tinham seus artigos e matérias cortadas pela censura e os intelectuais eram proibidos de
disseminar suas idéias e também de publicá-las. Nas universidades não havia vagas e
muitos jovens não conseguiam estudar, mulheres eram descriminadas e impedidas de
trabalhar, os operários sofriam com os baixos salários, agricultores e camponeses tinham
suas terras ocupadas e os padres e bispos eram ameaçados, presos e muitas vezes
expulsos do país. Então a maneira encontrada para protestarem pelos seus direitos, era
juntar-se aqueles que também possuíam idéias de mudança e desejo por um país melhor.
Vem, vamos embora, que esperar não é saber: esse trecho contesta sobre aqueles que
sofriam o momento na pele e não faziam nada, afinal não se muda um país, ficando
parado. Quem sabe faz a hora, não espera acontecer: refere-se também a essas
pessoas que preferiam ficar em silêncio em vez de tentar alcançar a mudança junto aos
estudantes e aos demais.
Pelos campos há fome em grandes plantações: as pessoas que trabalhavam nos
campos, ou que eram agricultores, também sofriam com a ditadura, os poucos que
possuíam um pedaço de terra a mesma lhe era tomada, os camponeses muitas vezes
eram despejados e acabavam por passar fome.
Pelas ruas marchando indecisos cordões: cordões é como ficou conhecido os grupos
de foliões que tomavam as ruas durante o carnaval, o nome refere-se a característica dos
grupos serem formados de forma que as pessoas se sucedem. Assim era composta
algumas das manifestações, como foi o caso da Passeata dos Cem Mil, que parecia ser
dividida em blocos: artistas, mães, padres, intelectuais e entre outros, que em muitos
casos, caminhavam indecisos ou com medo dos militares.
Ainda fazem da flor seu mais forte refrão / E acreditam nas flores vencendo o
canhão: enquanto os militares reprimiam os protestantes com canhões, bombas de gás, e
armas, a população saia nas ruas com cartazes e com a força de suas vozes, muitos
atirando pedras e tudo o que se estivesse ao alcance, mas nada parecia ser tão forte e
provocante quanto os gritos, as palavras de ordem dos movimentos estudantis, frases e
músicas daquele ano, essas sim eram suas verdadeiras flores. Mas começaram a surgir
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grupos que não acreditavam mais em democracia sem a violência, alguns grupos de
radicais se formavam e gritavam em coro: “Só o povo armado derruba a ditadura”,
enquanto do outro lado um grupo militante gritava: “Só o povo organizado conquista o
poder”.
Há soldados armados, amados ou não / Quase todos perdidos de armas na mão: os
soldados estavam sempre armados e dispostos a prender os manifestantes e levá-los para
as salas do DOPS, porém, muitos pareciam alienados, não sabiam direito o que acontecia
ou fingiam não saber, para quem sabe assim se redimir da culpa de tantas mortes e
“desaparecimentos” da época. Mas tinham famílias, namoradas, mãe, irmãos podiam sim
ser amados por alguém ou então odiados por todos. Muitas manifestações foram,
sobretudo contra a violência dos policiais.
Nos quartéis lhes ensinam antigas lições / De morrer pela pátria e viver sem razão:
Os soldados aprendiam lições e como se houvesse uma lavagem cerebral aceitavam
cumprir as ordens do governo, mas acredito que em sua maioria muitos sabiam
exatamente o que faziam e concordavam com os planos e métodos. Como diz a frase eles
aceitavam morrer pelo seu país, mesmo que para isso eles fossem recriminados pela
população e tivessem que viver sem anseios e sem razão, afinal de contas eles só serviam
para fazer o trabalho pesado para os governantes.
Somos todos soldados, armados ou não: na contradição de ser ou não soldados, todos
eram, a diferença esta nas armas e na motivação.
Os amores na mente, as flores no chão / A certeza na frente, a história na mão: a
maioria, se não todas as pessoas que participavam ativamente dos manifestos eram
motivados pelas perdas que sofriam, pelas mortes de amigos, parentes, conhecidos, pela
dúvida do que aconteciam com as pessoas que eram levadas. Alguns dos jovens quando
crianças viram seus pais serem levados por policiais e nunca mais tiveram noticias, muitos
viram seus amigos morrerem e o corpo simplesmente desaparecer e acabavam por não
ter direito ao enterro, alguns poucos voltavam e de outros nunca mais se ouvira, eram
guiados pela certeza de que poderiam mudar o mundo e pela história que cada um deles
possuía.
Aprendendo e ensinando uma nova lição:
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Grande parcela dos jovens brasileiros de hoje, desconhecem o período de 10 anos
desde o golpe militar até o fim da ditadura, o desejo de mudança, a fome por liberdade e a
coragem de lutar não está entre as principais prioridades do jovem do século XXI. O
conformismo, a tecnologia, e várias outras novidades que surgiram após 1968, impedem
que estudantes despertem em si os mesmos desejos de mudança. Muitos jovens não
conseguem imaginar que existiu um tempo em que não havia internet, raves, DVD, CD, TV
em cores e muito menos TV a cabo, shopping centers, big brother, MSN, orkut, entre
outras coisas.
Os jovens são movidos a saciar seus desejos e vontades muitas vezes supérfluas
e estão mais preocupados com o próprio bem-estar, muitos desperdiçam o direito de voto,
que infelizmente só foi conquistado após ditadura, direito esse que tanto foi motivo de luta
dos jovens que almejavam garantir sua opinião e participar da história do próprio país.
Insatisfação contra a corrupção, violência, injustiça, leis, governos, escolas, mas
não passam de apenas reclamações. A música de Geraldo Vandré é clara, nos
conscientiza e informa sobre o ano de 1968 e os demais que se seguiram de ditadura
militar, nos faz repensar sobre atitudes e ideais, sobre o velho e o novo, e de como o
ditado “um por todos, e todos contra um” foi tão intenso durante aqueles anos, os
estudantes podem não ter derrubado a ditadura, mas foram vistos e foram parte
importante e indispensável da história. É decepcionante saber de que nos tempos atuais,
aceitamos o que nos é imposto, fazemos parte de uma massa que cada vez mais parece
alienada e movida às tecnologias. Não conseguimos nos separar de bens materiais e
tampouco lutar contra isso, nos conformamos e ficamos aprisionados, o ano de 1968 ficou
apenas como exemplo de uma geração de jovens com ideais, alguns alienados sim, mas a
maioria com esperança de um país melhor e capaz de lutar pela liberdade e por aquilo que
era lhes eram imposto.
Mesmo depois de 40 anos essa composição ainda pode nos expor a importância
da luta pelos nossos objetivos, desejos e ideais, mas principalmente de como o
conhecimento dos próprios direitos e deveres é imprescindível para que se construa uma
sociedade melhor e democrática, além de ser o nosso principal dever como cidadão.
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