Portugueses, boa noite. Não preciso de vos dizer que vivemos momentos da maior gravidade. Todos os Portugueses estão a sentir nas suas vidas os efeitos de um terrível estrangulamento financeiro da nossa economia. O Estado depende em absoluto da assistência externa para cumprir as suas funções básicas, desde o pagamento de salários a enfermeiros, professores ou polícias, até à realização das mais variadas prestações sociais. Também o sector privado sofre cada vez mais com a escassez de crédito, do crédito de que precisa para financiar a aquisição de matérias-primas e de equipamento, para financiar o pagamento de salários e preservar o emprego. Vivemos um momento de emergência nacional. Quando no ano passado ajudei a viabilizar o orçamento para 2011, fiz questão que nele estivessem contidas reduções significativas da despesa pública. Foi esse o compromisso que estabeleci com o Governo de então, porque sem essas reduções seria impossível resolvermos os nossos problemas. Quando tomei posse sensivelmente a meio do ano, eu esperava que metade desse orçamento tivesse sido devidamente executado. Porém, tal como foi recentemente mostrado pelo INE, nesses primeiros meses que antecederam a minha posse no Governo, 70 por cento do défice permitido para a totalidade do ano fora já esgotado. É preciso que os Portugueses compreendam todos os contornos da situação actual. No passado, habituámo-nos a tolerar as derrapagens orçamentais. Tornou-se num hábito político que é urgente reparar. Mas este ano todos tinham a obrigação de já ter aprendido a lição. 1 As derrapagens orçamentais num País que enfrenta a perda da credibilidade externa e a vê secar as suas fontes de financiamento têm consequências muito mais gravosas do que é habitual. Temos de acrescentar a tudo isto uma contracção económica prevista para 2012 maior do que foi antecipado e uma deterioração severa das circunstâncias externas à economia portuguesa. E é preciso sublinhar que se agravou substancialmente o peso dos prejuízos e do endividamento do Sector Público Empresarial, o que vai obrigar a uma profunda reestruturação do sector. Como sabem, elegemos um número de medidas temporárias que nos permitem compensar a situação negativa que encontrámos. Mas no próximo ano essa compensação já não poderá ser temporária. O ajustamento terá de ser muito profundo. Isso implica um esforço adicional aos objectivos já exigentes a que estávamos comprometidos para 2012. E significa que neste orçamento que será apresentado aos Portugueses nos próximos dias teremos de fazer um esforço redobrado de consolidação. Para atingir o mesmo resultado de contas públicas a que nos obrigámos externamente temos agora de fazer mais do que estava inicialmente previsto. Perante as actuais dificuldades, é compreensível que cresça a tentação de abandonarmos o caminho que foi traçado até agora. Mas por essa razão é imprescindível que estejamos bem conscientes dos terríveis perigos que tal opção necessariamente materializaria. 2 Se nos víssemos privados da assistência externa, e sem a possibilidade de nos financiarmos no exterior, teríamos de enfrentar o imediato encerramento de muitas actividades do Estado, o não pagamento de salários, incumprimentos em cadeia pela economia que conduziriam a falências em massa, o prolongamento indefinido da nossa falta de competitividade, a incapacidade instantânea de importar bens que neste momento são absolutamente necessários para o nosso modo de vida, como os alimentos e os medicamentos. Com a concretização dum cenário deste tipo, as pressões para abandonarmos a zona euro seriam imensas. Nada disto é aceitável e eu nunca permitirei que tal aconteça. Daí que seja, e tenha de ser, inabalável o compromisso deste Governo com o processo de consolidação orçamental associado à agenda de competitividade e transformação estrutural da nossa economia. Temos objectivos para cumprir e iremos cumpri-los. Não tenho dúvidas de que dou voz ao País quando recuso o cenário negro que resultaria das nossas eventuais hesitações. Por tudo isto, o orçamento para 2012 é absolutamente decisivo e coincide com o momento em que muito duramente enfrentamos a realidade. Em tempos de emergência, o tempo é ainda mais precioso, o rigor ainda mais indispensável, a coesão interna ainda mais necessária. Mas não há emergência que dispense o dever de procurar as soluções mais equilibradas, que não coloquem em causa os compromissos do Estado, nem sacrifiquem os nossos objectivos de médio e longo prazo. As medidas que constam do orçamento que vamos apresentar são as respostas mais prudentes e eficazes às ameaças reais de uma espiral económica descendente e da paralisia de algumas das funções centrais do Estado. 3 Permitam-me que vos explique agora com mais algum detalhe a nossa rejeição de ambos os riscos. Para contrariar o risco da deterioração económica, incluindo uma contracção profunda e prolongada do nosso produto e do nosso tecido empresarial, o Governo decidiu permitir a expansão do horário de trabalho no sector privado em meia hora por dia durante os próximos dois anos, e ajustar o calendário dos feriados. Estas medidas respondem directamente à necessidade de recuperar a competitividade da nossa economia e evitam o desemprego exponencial que a degradação da situação das nossas empresas produziria. Este é o modo mais eficaz e mais seguro de operar um efeito de competitividade. Substitui a descida da TSU, que requer condições orçamentais particulares que neste momento o País não reúne. Estou confiante que esta decisão terá um efeito sensível no abrandamento da recessão económica prevista para o próximo ano e contribuirá significativamente para relançar o crescimento em 2013. Quero dizer aos Portugueses que conto sobretudo com a sua capacidade e ambição. Este Governo não se limita a pedir sacrifícios e a impor limites. Queremos resolver os nossos problemas com mais trabalho, mais ideias, mais espírito de entreajuda e cooperação entre todos. Este é o meio mais adequado para, no meio de tantas restrições, ampliarmos a nossa capacidade económica de criação de riqueza. Já no sector público as consequências de um incumprimento, ou de uma vacilação na realização dos objectivos para o défice que pusesse em causa a assistência externa, seriam fáceis de prever. Se nos víssemos privados dessa assistência, e sem a possibilidade de nos financiarmos no exterior, o Estado seria forçado, em desespero, a proceder a medidas intoleráveis como os despedimentos indiscriminados de funcionários públicos ou medidas 4 comparáveis, o que de resto já sucedeu noutros países da zona euro. Ora, o Estado tem compromissos a que não deve renunciar, nem mesmo numa situação de emergência. Não nos devemos permitir decisões de último recurso. Temos de salvaguardar o emprego. É a pensar na conjugação das necessidades financeiras com a prioridade do emprego que o orçamento para 2012 prevê a eliminação dos subsídios de férias e de Natal para todos os vencimentos dos funcionários da Administração Pública e das Empresas Públicas acima de 1000 euros por mês. Os vencimentos situados entre o salário mínimo e os 1000 euros serão sujeitos a uma taxa de redução progressiva, que corresponderá em média a um só destes subsídios. Como explicaremos em breve aos partidos políticos, aos sindicatos e aos parceiros sociais, esta medida é temporária e vigorará apenas durante a vigência do Programa de Assistência Económica e Financeira. Mas estes não são os únicos compromissos inquebráveis do Estado. É preciso evitar também o colapso da estrutura básica do Estado social. Para este efeito estavam já previstas algumas medidas no Memorando de Entendimento assinado com a União Europeia e o FMI. Contudo, foi necessário reforçá-las. Foi necessário porque os desvios na execução orçamental de 2011 relativamente ao que estava previsto no Programa de Assistência são superiores a 3000 milhões de euros. No orçamento para 2012 haverá cortes muito substanciais nos sectores da Saúde e da Educação. Neste aspecto, fomos até onde pudemos ir – no combate ao desperdício, nos ganhos de eficiência. 5 Não podemos ir mais longe nestes cortes sem pôr em causa a qualidade dos serviços públicos, sem pôr em causa o acesso dos cidadãos a estes serviços. E isso não faremos. Uma vez mais de acordo com o Memorando de Entendimento, serão eliminadas as deduções fiscais em sede de IRS para os dois escalões mais elevados, e os restantes verão reduzidos os limites existentes. Mas serão salvaguardadas majorações por cada filho do agregado familiar. E. ao contrário do que estava previsto no Programa de Assistência, acautelaremos a fiscalidade das Instituições Públicas de Solidariedade Social e isentaremos de tributação em sede de IRS a maioria das prestações sociais, como, por exemplo, o subsídio de desemprego, de doença ou de maternidade. No caso do IVA, teremos de obter mais receitas do que o que estava desenhado no Memorando de Entendimento. Para este efeito, o orçamento para 2012 reduz consideravelmente o âmbito de bens da taxa intermédia do IVA, embora assegure a sua manutenção para um conjunto limitado de bens cruciais para sectores de produção nacional, como a vinicultura, a agricultura e as pescas. Como garantia aos Portugueses, não haverá alterações na taxa normal do IVA e mantemos os bens essenciais na taxa reduzida, com a preocupação de proteger os mais vulneráveis. Como sabem, a redução das pensões de reforma era uma medida prevista no Memorando de Entendimento. Tal como para os salários da Administração Pública e das Empresas Públicas, teremos de eliminar os subsídios de férias e de Natal para quem tem pensões superiores a 1000 euros por mês. As pensões abaixo deste valor e acima do salário mínimo sofrerão em média a eliminação de um só destes subsídios. 6 Esta redução é também ela evidentemente temporária e vigorará durante a vigência do Programa de Assistência. Mas não prescindimos do nosso compromisso de descongelar as pensões mínimas e actualizá-las. Nunca nos deveríamos ter permitido chegar a este ponto. Quando fui eleito PrimeiroMinistro nunca pensei que tivesse de anunciar ao País medidas tão severas e tão difíceis de aceitar. Sei muito bem que a obediência ao meu dever e a necessidade da tomada destas decisões não as tornam menos custosas, nem aligeiram os sacrifícios. Compreendo muito bem a frustração de todos os Portugueses que olham para trás, para estes últimos anos, e se perguntam como foi possível acumular tantos erros e somar tantos excessos. Tivemos tantas oportunidades para inverter o rumo e limitámo-nos a encolher os ombros. Uma coisa é certa: não sairemos deste vale de dificuldades com fugas à realidade, nem com excessos retóricos, mas apenas com decisões tomadas com determinação, responsabilidade e método. Um orçamento do Estado é muito mais do que um simples exercício de contabilidade. Nele estão vertidas escolhas políticas fundamentais. Escolhas para o nosso presente e para o nosso futuro. Num momento como aquele que estamos a viver é ainda mais importante que façamos escolhas consequentes e resolutas: para reparar as escolhas do passado de muitos anos que nos conduziram até ao difícil estado actual de coisas; para enfrentar os graves problemas do presente; e para preparar um futuro mais livre, com mais escolhas e com novos horizontes. 7 Nas rubricas deste orçamento não estão inscritos apenas números. Está inscrita a rejeição do colapso do País. Estão inscritos os laços europeus de um País que quer honrar os seus compromissos, a sua história e a sua democracia. Está inscrito um novo rigor no respeito pela lei e pelo Estado de Direito, pelo princípio da responsabilidade social, o que significa que seremos implacáveis com a evasão fiscal e agravaremos a tributação das transferências para off-shores e paraísos fiscais. No nosso País existe como sabemos um coro de vozes sempre pronto a dizer que não seremos capazes, que os obstáculos são demasiado grandes, que a resignação é o melhor caminho, ou que outros devem ser chamados a resolver os nossos problemas. Muitas vezes no passado foram estas vozes que impediram qualquer esforço sério de renovação das nossas capacidades. Ora, é precisamente porque este esforço de renovação nunca foi feito que podemos acreditar que desta vez seremos capazes. Seremos capazes de pôr um fim definitivo aos nossos problemas e dificuldades. É aqui que começamos a reconquistar a nossa credibilidade, e em breve conheceremos os efeitos benéficos dos nossos sacrifícios. Temos de olhar para os exemplos recentes de países que, optando por fazer os seus processos de ajustamento com inteligência e responsabilidade, souberam ultrapassar as suas dificuldades bem mais rapidamente do que diziam as previsões e abriram um período de prosperidade que seria impossível de outro modo. Não adiar o mais difícil e inevitável pode custar muito, mas custa seguramente menos do que se teria de fazer mais à frente no futuro. Assim que o Governo assumiu funções tratou de inverter as perigosas tendências que vinham de trás. Agimos preventivamente com medidas que hoje, depois de serem 8 revelados problemas adicionais nas nossas contas públicas, todos reconhecem que foram absolutamente necessárias para nos manter em linha com os nossos compromissos. Foram igualmente decisivas para retomar o caminho da credibilidade e confiança externas. As últimas semanas foram pródigas em sinais do exterior que credibilizam a estratégia e as decisões do Governo. Da parte dos nossos parceiros europeus e das instituições internacionais recebemos numerosas manifestações públicas e privadas de apoio e de confiança na nossa estratégia de estabilização da economia. Precisamos de ver este apoio como um bem precioso, que é difícil e demorado de adquirir, que tem de ser reconquistado todos os dias, mas que as hesitações e o laxismo podem rapidamente desbaratar. Mais do que isso, nós já sabemos que podemos contar com os nossos parceiros internacionais para além do actual Programa de Ajustamento, desde que o cumpramos, o que nos deve dar um estímulo e uma segurança adicionais para os nossos esforços. Quis nesta ocasião falar a todos os Portugueses porque mais do que nunca o cumprimento dos objectivos nacionais, a cabal execução do orçamento para 2012, a superação da emergência nacional depende em absoluto do contributo de todos. Depende da competência e liderança do Governo, da diligência e dedicação das Administrações Públicas, da inovação e criatividade dos empresários, da confiança e serenidade dos investidores, do profissionalismo e energia dos trabalhadores. Depende da cooperação dos parceiros sociais, do dinamismo das instituições da sociedade civil, do diálogo construtivo com os partidos da oposição, em particular com o maior partido da oposição que tem nesta matéria uma oportunidade de evidenciar um elevado sentido de responsabilidade e de serviço ao País. 9 A eficácia deste orçamento dependerá de todos. A gravidade da situação assim o exige. Mas também o exige a grandeza do propósito. Perante um mundo cheio de riscos e de incertezas, nós temos um programa que responde a todos os riscos e a certeza de que seremos bem-sucedidos. 10