Elogio público
do
Comandante Eduardo Henrique Serra Brandão
Comunicação apresentada na Academia
de Marinha pelo Académico João Abel
da Fonseca, Secretário da Classe de
História Marítima, na Sessão Solene de
28 de Fevereiro de 2012
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Excelentíssimo Senhor Almirante Chefe do Estado Maior da Armada,
Excelentíssimo Senhor Presidente da Academia de Marinha,
Excelentíssima Senhora D. Maria Isabel Junqueiro Sarmento Gomes Mota
e demais Familiares do Senhor Almirante Sarmento Rodrigues,
Doutos e Preclaros Confrades, com especial distinção aos Confrades
Elogiados, aos membros do Júri do Prémio Almirante Sarmento Rodrigues,
aos membros do Conselho Académico e aos Elogiadores,
Excelentíssimo Senhor Engenheiro Senos da Fonseca, que desde já felicito,
Excelentíssimos Familiares dos Académicos Honorários e do vencedor do
Prémio,
Excelentíssimos Convidados,
Minhas Senhoras e Meus Senhores.
A feliz coincidência, de na mesma Sessão Solene, na presença do
mais alto representante da Armada, se realizarem os Elogios de três
Membros Eméritos, elevados pela vontade dos seus pares, à distinção de
Honorários, bem como a entrega do prémio que leva o nome do fundador
da Academia de Marinha e seu primeiro Presidente, torna ímpar o momento
que vivemos.
Honrosa e grata foi a incumbência que recebi do Senhor Presidente
da Academia para realizar o Elogio de consagração do Confrade Eduardo
Henrique Serra Brandão, como o seria também para um dos outros dois.
Tratando-se dum eminente professor de Direito, falando agora em
termos afins a este ramo da Ciência, que lhe é familiar, direi que todos
somos reus debitores do muito que consigo aprendemos e do muito que
ainda esperamos e desejamos poder aprender. Jamais por animus nocendi
em consilium fraudis, mas talvez por temermos, quiçá, um eventus damni,
nos apressámos a entregar-lhe os louros desta palma académica.
A acreditar nos pressupostos do pensamento do conhecido filósofo
alemão Arthur Schopenhauer, que dissertou nos seus Aforismos para a
Sabedoria de Vida, sobre a Honra e a Glória, e passo a citar: “A honra
possui, em certo sentido, um carácter negativo, a saber, em oposição à
glória, que tem um carácter positivo. Pois a honra não é a opinião sobre as
qualidades especiais pertencentes a um único sujeito, mas só sobre aquelas
que, via de regra, deve-se pressupor que não lhe faltem. Por conseguinte,
ela só assevera que este sujeito não é nenhuma excepção, enquanto a
glória afirma que ele o é. A glória, portanto, tem primeiro de ser
conquistada; a honra, pelo contrário, precisa apenas de não ser perdida.”
Então, fica para nós a honra, Senhor Comandante Serra Brandão, a glória é,
desde já, sua.
Membro Efectivo em 28 de Agosto de 1970, decorridos portanto
quase 42 anos, Emérito em 5 de Março de 1992 e Honorário, no passado
dia 14 de Dezembro de 2011, o nosso Laureado recebeu o Elogio de
recipiendário na Sessão Solene Plenária, do então recém criado Centro de
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Elogio público do Comandante Eduardo Henriques Serra Brandão
Estudos de Marinha, na presença do Ministro da tutela, Almirante Manuel
Pereira Crespo, no dia 25 de Novembro de 1970. Sabemos como se trata
duma prerrogativa De Consuetudine Praesidentum, ipso facto, regularis
concordia, que não raro assume a sua Delegata potestas. Mas o Almirante
Sarmento Rodrigues não abdicou desse seu direito e tomou a palavra. Passo
a citar, lendo directamente da Acta da Sessão, oportunamente publicada, já
no ano de 1971:
“Vai agora o nosso confrade comandante Serra Brandão apresentar
a sua comunicação acerca de «Novos Conceitos de Agressão e Legítima
Defesa em Direito Internacional». É a primeira comunicação que o Centro
nos oferece. Com ela se inauguram os seus trabalhos. Lógico, seria,
portanto, considerá-la como padrão através do qual se pudessem aferir as
capacidades e possibilidades do novo instituto. E esse aspecto fica ainda
mais caracterizado, sabendo-se que essa honrosa responsabilidade foi
justamente cometida à Secção recém-criada de Artes, Letras e Ciências.
Pois bem. Estou certo de não correr o menor risco ao assegurar que
o estudo que vamos ouvir corresponderá em tudo ao alto nível que
desejamos para o Centro. E isto simplesmente porque o conhecimento que
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tenho da envergadura intelectual, da vasta cultura, da capacidade
realizadora do nosso eminente confrade constitui garantia bastante do
mérito da comunicação.
Oficial dos mais distintos da nossa Armada, licenciou-se ainda em
Ciências Económicas e Financeiras, onde mereceu o prémio de melhor
aluno do seu ano, desenvolvendo ainda esses conhecimentos com os
estudos pós-universitários da Escola de Economia e Ciências Políticas de
Londres e no Instituto de Estudos Jurídicos da Universidade de Londres,
no Palácio de Justiça Internacional da Haia e no Naval War College, de
Newport.
Foi aluno distinto e depois professor ilustre, tanto no Instituto
Superior de Ciências Económicas e Financeiras como na Escola Naval.
Consagrou-se especialmente às atraentes e complexas questões do Direito
Internacional, nomeadamente no seu ramo marítimo, tendo sido muito
vasta a sua actividade nesse sector. São numerosos os estudos publicados e
as conferências em que participou, as consultas a que respondeu. Nos
Ministérios da Marinha, dos Negócios Estrangeiros, do Exército e do
Ultramar e no Departamento da Defesa Nacional.
Em grande número de congressos, em Angola, em Lisboa, em
Londres, em Roma, em Madrid, foi sempre um qualificado representante de
Portugal na defesa do Direito e da nossa razão.
De toda esta notável actividade nos dão conta os já numerosos
trabalhos publicados, em lições, em conferências e em livros.
Além disso, a sua acção tem sido ainda superiormente qualificada e
eficiente na direcção de empresas no Ultramar, com grandes benefícios
para a economia nacional.
Por todas estas razões e ainda pela valiosa e inesquecível
colaboração que prestou na Escola Naval – quando eu tive a honra de a
dirigir – será para mim muito grato ouvir hoje a sua erudita
comunicação”.
Afinal o elogio da consagração foi proferido logo no primeiro dia em
que Serra Brandão o recebeu pela palavra do Presidente. Mas não foi este
um dia qualquer, como vimos, foi o primeiro da vida de uma nova
instituição, de uma nova Classe que a passou a integrar e da primeira
comunicação com que se iniciaram os trabalhos. Por isso representa esta
uma excepção, a que aludia Schopenhauer no texto acima referido.
Resta-me, por conseguinte, juntar breves apontamentos que acrescem
à glória do nosso Confrade, já então conquistada. Aproveito o ensejo de
também hoje aqui se ter realizado o elogio do Confrade Joaquim Veríssimo
Serrão, para recordar uma judiciosa advertência que o meu querido Mestre,
da Faculdade de Letras de Lisboa, costumava fazer aos aprendizes da
História: “perseguir na personalidade do sujeito, nas coisas mais simples,
aquilo em que era diferente”. Há já uns anos, ouvi, pela boca do Confrade
José Cyrne de Castro, o relato do facto do Comandante Serra Brandão, na
camarinha da vedeta que fazia a travessia do Tejo, ser o único oficial que,
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na mais das vezes, aproveitando o tempo da viagem para ler os jornais, o
fazia … mas lendo jornais ingleses. Estávamos nos primeiros anos da
década de 50 do século passado. Interrogo-me eu, se não estamos de novo
na presença de mais uma excepção!
Ensinou, como bem sabemos Direito Internacional na Escola Naval,
mas também, convém não esquecer, História Marítima, enquanto Avelino
Teixeira da Mota não assumiu, a regência da Cadeira.
Encontramos aqui a explicação para ter sido o nosso Confrade, o
escolhido por Sarmento Rodrigues, então Director da Escola e Comissário
pela Marinha, das Comemorações Henriquinas, em 1960, ao nomeá-lo
responsável pela organização do Congresso de História Marítima que na
altura decorreu.
Recuemos, contudo, aos anos de 1945, 46 e 47. Vamos encontrar
Serra Brandão na Escola de Alunos Marinheiros, em Vila Franca de Xira.
Foi exactamente aqui, que, deu as suas primeiras aulas, durante três anos
lectivos. Mas aulas de quê? De Instrução Militar e de Matemática. Nada
que nos possa suscitar admiração. Só que, também lhe foi cometida a
incumbência das aulas de Português. Se consultarmos as matérias
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curriculares do Programa, ou até os registos de Sumários, aí está o Mestre a
ensinar Fonética (vogais, consoantes, ditongos, sílabas, acentuação,
pronúncia); Ortografia (acentos gráficos, regras de acentuação, sinais
gráficos); Morfologia (artigos, substantivos, adjectivos, pronomes,
advérbios, preposições); Sintaxe – tipos de frase, formas de frase, período e
oração, elementos essenciais da oração ... E ainda, Breve Antologia da
Literatura Portuguesa: Cantigas de Amigo de D. Dinis; Gil Vicente;
Camões; Padre António Vieira; Bocage; Herculano; Garrett; Camilo; Eça…
Também neste caso se solidificam os alicerces da excepção. Aliás,
talvez seja conveniente alertar para o facto de ser este o étimo de
excepcional.
Foi na Sagres que ensinou aos cadetes Navegação e Cinemática
Naval, como leccionou Estatística matemática e Geografia económica no
Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras. Direito
internacional foi contudo a sua cadeira de referência, já no Instituto
Superior Naval de Guerra, já no seu equivalente da Força Aérea, bem como
no Instituto dos Altos Estudos Militares.
Atentemos agora a uma notícia publicada num jornal diário de há uns
anos: “A Marinha, através da Escola Naval, vai homenagear o
Comandante Serra Brandão, amanhã, dia 22 de Janeiro de 2008. A
homenagem, que consistirá na atribuição do seu nome à Sala nº. 2 da
instituição, pretende consagrar uma carreira de excelência dedicada ao
mar e à formação. Desta forma o seu nome será uma presença e um
exemplo na formação dos futuros oficiais da Marinha, nomeadamente
durante a sua estada na Escola Naval”. E permitam-me Vossas
Excelências que mais uma vez me interrogue: – Quantos Professores
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Elogio público do Comandante Eduardo Henriques Serra Brandão
tiveram, em vida, o seu nome atribuído a uma Sala de Aulas, na instituição
onde leccionaram? E estamos de novo em presença de uma excepção.
Li um dia, já sem me recordar onde e por quem, que “A experiência
não é o que acontece a um homem, mas sim o que um homem faz ao que
lhe acontece”. Foi assim que o Professor brilhante, e não menos brilhante
gestor de Empresas, certamente se acolheu a uma conhecida frase do guru
da Ciência da Administração, o austríaco, naturalizado americano, Peter
Drucker: “A melhor maneira de prever o futuro é sermos nós a criá-lo”.
Entre nós, aqui na Academia de Marinha, desde 1970 e até ainda há
bem poucas semanas, apresentou quase 40 comunicações, de que respiguei
em depósito, uns vinte títulos ainda disponíveis em Separata, que passarão
nas imagens, a par da sua presença assinalada nas sessões. Dispensar-me-ão
de me tornar a interrogar, mas não poderei, mesmo assim, deixar de
assinalar a vitalidade patenteada, perto de atingir as 90 Primaveras, ontem
cumpridas. Cinco foram as Conferências com que nos brindou desde
meados de 2010: “O que é afinal a pirataria?”; “O Congresso de História
Marítima de 1960”; “O meu testemunho”, aquando da Homenagem ao
Almirante Pereira Crespo; “ A situação política internacional por ocasião
da Invasão de Goa” e, recentemente, “Uma reflexão sobre o Euro”. Mas
ainda na Sociedade de Geografia de Lisboa, de que foi Presidente e é
Presidente Honorário, uma outra sobre o conhecido “Assalto ao Santa
Maria”.
Não me deterei em enumerar mais passagens do seu extensíssimo
currículo, aqui exemplarmente apresentado na comunicação proferida em 7
de Dezembro de 2010, pelo Confrade Luís Aires-Barros, disponível no sítio
da Academia de Marinha.
Um episódio, contudo, não me atrevo a ignorar, por consistir também
ele, um exemplo excepcional. Pouco tempo depois de Portugal ter aderido à
então Comunidade Económica Europeia, realizando-se em Bruxelas uma
reunião dos Ministros da Economia, entendeu o então Primeiro-Ministro
belga juntá-los numa recepção de boas-vindas, enviando também convites
para todos os Países que integravam a organização, extensivos a um
representante de notória proeminência do ramo empresarial. Serra Brandão,
chamado ao Ministério em apreço, foi informado no Gabinete que
integraria a comitiva portuguesa nessa deslocação ministerial. Nada mais
lhe comunicaram, senão pormenores burocráticos inerentes à viagem. E
também de nada mais se apercebeu senão já naquela capital e durante a
referida recepção. E ali estava ele, um por país, e ele por Portugal – o tal
gestor proeminente, de reputada competência.
Daquilo que conheço, dum já longo convívio de mais de vinte anos
com o nosso Confrade, tenho para mim que sempre deve ter posto em
prática uma consagrada frase que é vulgarmente ensinada nas aulas de
Gestão: “Se queres chegar depressa, corre sozinho, se queres chegar
longe, corre com outros”!
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Teve a arte de não se tornar estátua, de resistir delicadamente a todas
as consagrações, e nunca se deixou academizar, porque jamais confundiu
erudição com sabedoria, que são coisas bem distintas.
Terei eu a capacidade de adjectivar ainda a sua fulgurante
personalidade? Se aqui for parco, me perdoe o visado, por mais esta figura
jurídica de ilícito concorrencial, com dano. Tentarei, mesmo assim, ao
dizer que Serra Brandão é rápido a responder, sagaz a adivinhar, subtil a
pensar, inteligente a argumentar e fluente a imaginar, a ousar, a escrever e a
agir.
Resta-me pouco tempo, mas ainda se me impõe que partilhe com
Vossas Excelências o que amiúde me ocorre ao ler os textos que saiem da
sua pena elegante, aquele verso de um monge medieval, registado num
pequeno pergaminho emoldurado e pendurado na parede de um scriptorium
monástico: “É preciso ir além da banal perfeição”.
O período quaresmal da quadra que atravessamos recomenda à
reflexão, nessa mesma travessia do deserto, em que a tentação da Glória,
pode fazer esquecer que na Terra se mede ela pela Obra, mas no Céu, pela
Vida, como nos esclareceu Paulo de Tarso.
Aquele antigo aluno que atravessa a rua para nos vir falar, quantas
vezes já casado, acompanhado por sua mulher, e até por seus filhos, e
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depois de nos saudar, virando-se para os familiares dilectos nos apresenta:
– Foi meu professor, foi um dos melhores professores que tive.
Estou em crer, que me acompanha Senhor Comandante, ao aceitar
que é esta uma das suas condecorações, in pectore, anónima no sujeito
activo, mas viva no seu coração de Homem Bom.
Já nada mais tenho para lhe dizer, senão o de ser intérprete dum
sentimento que proclamamos em uníssono: – Gostamos muito de si!
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