DIREITOS HUMANOS, A CONSTITUIÇÃO DO SUJEITO, E O PROCESSO DE
REPRESENTAÇÃO DO SUJEITO NA LINGUAGEM DA ARTE E DA CRIATIVIDADE
ELIANE APARECIDA ANDREOLI
Núcleo de Estudos e Pesquisas: Práticas Educativas e Processos de Interação - Doutoranda
Orientadora: Profa. Dra. Maria Inês Bacellar Monteiro
Introdução
O interesse por estudar o papel das artes visuais na constituição de alunos com
deficiência intelectual se deu quando recebi no Programa Arte e Inclusão – Belas Artes1,
programa social e cultural, da central de extensão universitária do Centro Universitário Belas
Artes uma turma para a oficina história e criação com 08 alunos deficientes intelectuais, que
não apresentavam comunicação com os monitores e entre si.
O programa extensionista Arte e Inclusão já completara 12 anos, poderíamos considerar
que tínhamos já algum conhecimento que poderia favorecer o contato com o grupo. Mas a
junção2 destas pessoas na mesma oficina provocava muitas indagações, dúvidas e
questionamentos.
O primeiro questionamento se referia à questão da comunicação, por que eles não se
comunicavam? Por que não respondiam quando solicitado? Por que a exemplo de outras
turmas não manifestavam interesse em narrar algum episódio cotidiano? E ainda, por que não
estavam mobilizados a desenhar, pintar ou executar as atividades propostas pelos
professores? Se não havia interesse, por que eles estavam ali?
Em busca dessas respostas dava-se início a este estudo, inicialmente de forma empírica,
para posteriormente ser conduzido pelos estudos acadêmicos do PPGE/UNIMEP3.
O trabalho fundamenta-se na perspectiva histórico-cultural de desenvolvimento humano
proposta por Vigotski e na ideia de que a produção e apreciação artística são essenciais para o
desenvolvimento mental superior.
Encontro na teoria do Materialismo Histórico e Dialético alicerces para a minha pesquisa.
Para Marx o existir humano é uma decorrência da sua ação do agir, da sua produção, do seu
trabalho. No meu entender, o grupo, sujeitos da pesquisa, pessoas com deficiência intelectual,
tem uma experiência de vida muito restritiva, a atuação social deles é quase como se não
existissem. São sujeitos de uma história social marcada pela desinformação e pela ausência de
luta pela garantia de seus direitos.
Vigotski acreditava em uma sociedade que fosse mais justa, sem conflitos sociais e
exploração. Seus pressupostos estão baseados no desenvolvimento do indivíduo como
resposta de um processo sócio-histórico e dialético. A linguagem e a aprendizagem são
agentes desse processo. Bem como, os conceitos de mediação semiótica, zona de
1
Programa Arte e Inclusão – Belas Artes. Programa desenvolvido de 1997-2013. Atividade extensionista do Centro Universitário Belas Artes de São Paulo.
De 1997 a 2007 a parceria foi formalizada com a Estação Especial da Lapa – EEL unidade do Fundo Social de Solidariedade do Estado de São Paulo; em 2007 a
EEL foi extinta e assumiu a Divisão de Medicina e Reabilitação – FFM/HC/USP em 2011 a divisão passa a ser o Instituto de Medicina Física e Reabilitação –
FFM/HC/USP e a parceria foi renovando-se conforme as respectivas alterações. Sendo que em 2013 a Central de Extensão do Centro Universitário Belas
Artes de São Paulo extingue o respectivo o programa.
2
As oficinas são organizadas de acordo com o interesse dos candidatos. Não existe seleção. Existe orientação de acordo com as vagas disponíveis e levando
em consideração interesse e habilidades do candidato.
3
Programa de pós-graduação em Educação- Universidade Metodista de Piracicaba.
desenvolvimento proximal, funções psicológicas superiores, interação e signos. Estes conceitos
compreendem a teoria de Vigotski, que sofreu influência do filósofo Karl Marx.
Karl Marx é uma das bases filosóficas da teoria de Vigotski, que acreditava que a teoria
marxiana, para a psicologia, seria um processo de constituição de uma psicologia
verdadeiramente científica. Vigotski entendia ser necessária uma teoria que realizasse a
mediação entre o materialismo dialético e os estudos sobre os fenômenos psíquicos
concretos e fazia um paralelo entre a teoria psicológica mediadora e o materialismo
histórico, pois este último tem o papel de estabelecer as mediações necessárias entre o
materialismo dialético e a análise das questões concretas (histórias das sociedades e de
cada formação social). Vigotski acreditava ser necessária uma teoria que, para a psicologia,
desempenhasse o papel que “O Capital” de Marx desempenhou para analisar o capitalismo.
Ele criticou aqueles que achavam que estava criando ou construindo uma psicologia
marxista, adicionando dados psicológicos empíricos às citações clássicas do marxismo,
sem questionar ou utilizar idéias marxistas sobrepondo teorias psicológicas estranhas ao
universo marxista e incompatíveis com o mesmo (Fassbender, 2003, p. 1-2).
Neste estudo parto de algumas premissas que orientam o meu olhar. São elas:
1. Todo ser humano se constitui nas relações sociais;
2. A arte, a criação e a imaginação são processos que poderão promover a formação das
funções mentais superiores;
3. As pessoas com deficiência intelectual têm pouca oportunidade de vivenciar experiências de
contato com a arte.
A Partir daí suponho que:
Se as pessoas com deficiência intelectual puderem vivenciar experiências sociais com arte
poderão desenvolver uma maior autonomia que permitam o avanço no conhecimento e o
acesso aos direitos garantidos a todos os seres humanos.
Para isso olho para uma situação concreta de aulas de arte e procuro os indícios de como
as situações vividas estão sendo internalizadas pelos alunos com deficiência intelectual.
PROCESSO METODOLÓGICO
A aluna “Rê” foi escolhida para participar desta pesquisa porque apresentava maior
resistência em comunicar-se e grande dificuldade em participar das atividades oferecidas na
oficina História e Criação de arte para um grupo de 08 alunos com deficiência.
A oficina História e criação tinha como propósito a associação entre a narrativa de uma
história e a construção correspondente de uma ilustração. E ainda a amplificação da
linguagem por meio da interpretação dos signos narrados nas historias e dos conceitos básicos
artísticos; Leitura de imagem e a criação. Para isso eram necessárias quatro etapas: 1º) a
narrativa de uma historia (o professor ou um dos alunos) e/ou a leitura de imagem apresentada;
2º) Comentários a respeito do entendimento da história ou imagem; 3º) Criação de uma
ilustração a partir do entendimento já discutido e; 4º) depois de realizado a ilustração os alunos
deverão fazer a sua defesa de criação.
As atividades propostas na oficina não conseguem estimular, envolver a participação do
grupo. Os alunos não falam, não manifestam compreensão, emoções. Sem ter clareza, de qual
razão estes aspectos acontecem. Será necessária uma mudança pedagógica, uma construção
de uma linguagem especifica para reverter essa situação “... porque a linguagem organiza a
expressão e a expressão organiza a linguagem, numa inter-relação e interdependência que
são básicas” 4.
A linguagem escolhida para essa mediação foi o gesto e o movimento. Opção por um jogo
de bola. Uma pequena bola de plástico leve. A Professora joga a bola para cada aluno. E o
aluno deve retribuir devolvendo a bola. O exercício é realizado com cada um dos cinco alunos;
eles estão motivados, querem participar. Porém, quando iniciamos a atividade tive o cuidado de
permanecer no mesmo espaço da oficina (não é o melhor espaço, mas é prudente para que
não haja grandes mudanças iniciais) Ressalto a questão do espaço para justificar que não é o
melhor lugar para uma atividade lúdica, e, posteriormente iremos desenhar posteriormente.
O registro das atividades foi feito inicialmente através de diário de campo, ao qual foi
posteriormente acrescentado o registro das transcrições das videogravações realizadas. As
videogravações foram autorizadas pelas famílias dos alunos e a família de “Rê” participou de
entrevista aberta em sua residência.
Por dois anos o grupo teve acesso a diferentes jogos, dinâmicas, desenhos e pinturas.
Naturalmente foram adquirindo a cultura de desenhar, colar, pintar. E para demonstrar as
transformações passo a descrever um episódio que foi videogravado.
Apresento a seguir um episódio em que a aluna “Re” demonstra elaborar, criar uma
composição artística. A fim de localizar o leitor, informo que no início da oficina, a aluna “Rê”
apresentava uma postura corporal que deixava claro o seu desinteresse pela aula. Sentava-se
de costas para os professores e ou debruçava seu corpo sob a mesa. Quando permitia a
intervenção do professor, recebia o material com indiferença e desta forma o seu desenho
correspondia com a sua postura. O traço era simples e sem propósito. Passados os dois anos
mencionados a postura da “Rê” estava completamente diferente. E que passo a relatar na
sequência:
A aula foi iniciada por um “aquecimento” a aluna “Rê” deveria montar um quebra cabeça. O
objetivo é proporcionar concentração, estimular a cognição. Após o aquecimento a aluna foi
convidada a desenhar. Em particular nessa aula o desenho deveria ser livre. A “Rê” tinha
acesso ao lápis de cor, giz de cera e papel sulfite branco. A aluna tem preferência por giz de
cera. Essa atividade merece destaque porque a “Rê” demonstra muita autonomia na sua
criação. Ela escolhe o giz de cor rosa. Ela pinta a folha inteira, enquanto pinta com uma mão
segura a folha com a outra, girando a folha até vê-la totalmente preenchida. Reforça o traço em
alguns pontos. Hesita por alguns segundos, observa o trabalho, em seguida retoma
escolhendo o local no qual irá pintar, vira a folha e pinta no verso da folha mantendo a mesma
postura construtiva.
CAMINHO CONCEITUAL - Arte – Processo de Criação
A humanidade é expressa por linguagens. São as várias linguagens construídas por
signos culturais que revela os sentidos e os sentimentos. Dentro desta ótica surge a arte.
Imediatamente poderíamos dizer que arte é uma linguagem. De certo, é. Mas apenas afirmar
que é uma linguagem, e somente simplificar. Mesmo a linguagem constituída por signos,
informações culturais possibilita a comunicação, a informação. Mas, não consegue dimensionar
o sentimento, a emoção causada pela vivência da arte.
4
Padilha, 2007 p. 05
A arte é tão singular e ao mesmo tempo plural que faz diversas cisões e a cada pessoa
ela poderá tocar de determinado jeito. Esses conceitos apresentados têm o propósito de
reforçar que ter uma vivência com arte para qualquer pessoa tanto na condição de produtor
(artista) ou apreciador possibilita experiências engrandecedoras, realizadora, de
autoconhecimento e de conhecimento do mundo.
E os aprendizados, resultados da vivência com a arte são dirigidos para quaisquer pessoas,
para todas as pessoas. Sendo que todas as pessoas com deficiência estão naturalmente
incluídas.
ARTE/EDUCAÇÃO
O mundo moderno fundamentou-se na racionalidade. Daquilo que é possível comprovar
pela razão. Na contramão da racionalidade está a arte. A imaginação, criação, emoção
possibilitam reais conhecimentos que são impossíveis quantificar ou estabelecer valores.
Porém, é facilmente identificável a construção de formas, linhas, texturas que são nomeadas
por quem as produziu ou por quem as aprecia. Ter oportunidade de estimular a sua imaginação
e dar vazão à criação é ter a oportunidade de entrar em contato com outras dimensões de
conhecimento de si e do mundo.
O ser humano que não conhece arte tem uma experiência de aprendizagem limitada,
escapa-lhe a dimensão do sonho, da força comunicativa dos objetos à sua volta, da
sonoridade instigante da poesia, das criações musicais, das cores e formas, dos gestos e
luzes que buscam o sentido da vida. (PCN, p. 19, 1997).
O caminho da arte como já dissemos, parece ser o ideal contra a burocratização, o
trabalho excessivo e a alienação. Em qualquer situação e contexto a experiência com a arte
possibilita o contato com outro tipo de emoção que parte do interior de cada indivíduo. Ela
oferece uma dimensão que aproxima os indivíduos de forma singular e plural. Dada à
relevância que se tem, sendo assim, por que não iniciar as experiências estéticas a partir do
espaço escolar? Ou como enfatiza Duarte Jr.
Por que não se entender a educação, ela mesma, como algo lúdico e estético? Porque, ao
invés de fundá-la na criação de sentidos a partir da situação existencial concreta dos
educandos? Por que não uma arte-educação? (Duarte Jr.p.64 1994).
CONCLUSÃO
Entender que a confluência das áreas estudadas abre perspectivas que podem produzir
no indivíduo a compreensão do seu processo de sentir, de conceber e dimensionar a emoção.
A relevância desse conhecimento é oportunizar o acesso ao mundo simbólico.
O acesso ao mundo simbólico e os resultados como significações implicam nos indivíduos, o
desenvolvimento da subjetividade, da consciência, da autonomia.
Segundo Lowenfeld & Brittain:
“A arte permite a construção do conhecimento de forma imagética e criativa, respeitando as
diferenças individuais, culturais e sociais, estimulando a sensibilidade na construção da
personalidade do indivíduo... recursos estes indispensáveis para compreender outras áreas
do desenvolvimento humano, numa relação interdisciplinar” (1977 16-17).
Pode-se constatar diversas mudanças na aluna “Rê”, tanto na sua produção artística, no seu
relacionamento com o grupo e professores. Muito mais interativa e participativa de quando do
inicio da pesquisa. Assim concluo que as mudanças são possíveis de acontecer basta que a
pessoa com deficiência, tenha acesso aos bens culturais, como um direito que lhe é assistido,
por ser membro da família humana.
REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: Arte.
Brasília: MEC/SEF, 1997.
DUARTE JR. João Francisco. Por que Arte Educação. Campinas, Papirus, 1994.
FASSBINDER, Patricia Bonow. A influência de Karl Marx na teoria de Lev Semenovich
Vygotsky. Disponível: http://w3.ufsm.br/senafe/trabalhos/eixo2/eixo2
LOWENFELD & BRITTAIN. O Desenvolvimento da Capacidade Criadora. São Paulo: Mestre
Jou, 1977.
PADILHA. Anna Maria. Praticas Pedagógica na Educação Especial: a capacidade de significar
o mundo e a inserção cultural do deficiente mental. Campinas: Editores Associados, 2007. 3ª
edição.
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