CARACTERIZAÇÃO MOLECULAR DE VÍRUS DA RAIVA
(Lyssavirus – Rhabdoviridae) ISOLADOS DE ESPÉCIMES CLÍNICOS
DE MORCEGOS HEMATÓFAGOS Desmodus rotundus NO NORTE E
NOROESTE FLUMINENSE
LUIZ FERNANDO PEREIRA VIEIRA
UNIVERSIDADE ESTADUAL DO NORTE FLUMINENSE
DARCY RIBEIRO
CAMPOS DOS GOYTACAZES - RJ
FEVEREIRO – 2007
CARACTERIZAÇÃO MOLECULAR DE VÍRUS DA RAIVA
(Lyssavirus – Rhabdoviridae) ISOLADOS DE ESPÉCIMES CLÍNICOS
DE MORCEGOS HEMATÓFAGOS Desmodus rotundus NO NORTE E
NOROESTE FLUMINENSE
LUIZ FERNANDO PEREIRA VIEIRA
Tese apresentada ao Centro de Ciências
e
Tecnologias
Agropecuárias
da
Universidade
Estadual
do
Norte
Fluminense
Darcy
Ribeiro,
como
parte das exigências para a obtenção
do título de Mestre em Produção Animal.
Orientadora: Profª. Sílvia Regina Ferreira Gonçalves Pereira
CAMPOS DOS GOYTACAZES - RJ
FEVEREIRO – 2007
CARACTERIZAÇÃO MOLECULAR DE VÍRUS DA RAIVA
(Lyssavirus – Rhabdoviridae) ISOLADOS DE ESPÉCIMES CLÍNICOS
DE MORCEGOS HEMATÓFAGOS Desmodus rotundus NO NORTE E
NOROESTE FLUMINENSE
LUIZ FERNANDO PEREIRA VIEIRA
Tese apresentada ao Centro de Ciências e
Tecnologias Agropecuárias da Universidade
Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro,
como parte das exigências para a obtenção
do título de Mestre em Produção Animal.
Aprovada em 26 de fevereiro de 2007
Comissão Examinadora:
__________________________________________________________________
Drª. Juliana Galera Castilho (Doutora, Microbiologia) - Instituto Pasteur
___________________________________________________________________
Prof. Fernando Portela Câmara (Doutor, Biofísica) - UFRJ
___________________________________________________________________
Prof. Márcio Manhães Folly (Doutor, Medicina Veterinária) - UENF
__________________________________________________________________
Profª. Sílvia Regina Ferreira Gonçalves Pereira (Doutora, Microbiologia) - UENF
(Orientadora)
Aos meus pais,
Emílio Augusto Vieira Filho
e
Sônia Pereira Vieira
DEDICO
ii
BIOGRAFIA
Luiz Fernando Pereira Vieira, filho de Emílio Augusto Vieira Filho e Sônia
Pereira Vieira, nasceu no dia 4 de janeiro de 1980, na cidade de Cachoeiro de
Itapemirim – ES, onde cursou o ensino fundamental no Colégio Jesus Cristo Rei.
Em 1995, quando completou quinze anos, foi estudar em regime de internato
na Escola Agrotécnica Federal de Alegre, concluindo o Curso Técnico em 1997.
Em março de 1999, ingressou na Universidade Estadual do Norte
Fluminense (UENF), em Campos dos Goytacazes – RJ, onde cursou Medicina
Veterinária. Ainda nesse ano, foi selecionado para a Iniciação Científica, pelo
Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC), no Laboratório de
Sanidade Animal (LSA) do Centro de Ciências e Tecnologias Agropecuárias (CCTA)
da UENF. No LSA, como bolsista do Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPq), trabalhou com Bacteriologia e Virologia.
Em fevereiro de 2004, defendeu a Monografia intitulada “Avaliação da
sensibilidade da impressão de tecido encefálico em lâmina, corado pela rotina da
hematoxilina e eosina, como método para o diagnóstico da raiva”, e concluiu o Curso
de Graduação em Medicina Veterinária.
Ainda em 2004, ingressou no Mestrado do Curso de Pós-Graduação em
Produção Animal, Sanidade Animal, do CCTA – UENF. Submeteu-se à defesa de
Tese para conclusão do referido Curso em fevereiro de 2007 e foi selecionado para
o nível de Doutorado no mesmo Curso de Pós-Graduação da UENF.
iii
AGRADECIMENTOS
Primeiramente, agradeço à Universidade Estadual do Norte Fluminense
Darcy Ribeiro (UENF) por me permitir realizar este trabalho e poder concluir meu
Curso de Mestrado em Produção Animal.
À minha, não somente Orientadora, mas muito mais do que isso, uma
grande amiga e conselheira, Sílvia Regina Ferreira Gonçalves Pereira, que há
muitos anos vem me conduzindo nesse árduo e, ao mesmo tempo, maravilhoso
caminho da Pesquisa Científica.
Ao Instituto Pasteur de São Paulo, onde realizei as técnicas de diagnóstico
do vírus. Agradeço a Drª. Ivanete Kotait, Drª. Neide Yumie Takaoka, Drª. Maria Luiza
Carrieri, Samira Maria Achar, Drª. Juliana Galera Castilho, Drª. Zélia., Pedro Carnieli
Junior, Rafael de Novaes Oliveira, Echaterine e Wilian.
Ao Prof. Paulo Eduardo Brandão, que tive a grande satisfação de tê-lo como
meu Co-Orientador, um pesquisador extremamente inteligente, mas dotado de
simplicidade, o que permitiu o trabalho ser prazeroso.
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES)
pela bolsa de Mestrado concedida.
Ao Centro de Controle de Zoonoses e Vigilância Ambiental Dr. Arnaldo Rosa
Vianna - Campos dos Goytacazes/RJ (CCZ - Campos / RJ), em especial à equipe
responsável pelo controle da raiva no município de Campos dos Goytacazes
e ao diretor dessa entidade, Luiz José de Souza.
iv
À Fundação Estadual do Norte Fluminense (FENORTE), ao Parque de Alta
Tecnologia do Norte Fluminense (TECNORTE) e à Fundação Carlos Chagas Filho
de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ), pelo apoio financeiro
ao trabalho.
Aos amigos que saíram a campo em busca de morcegos: Mônica do
Nascimento Brito, Andrea Cecília Sicotti Maas, Sérgio Fernandes Bonadiman e Carla
Nascimento Chicarino.
Aos Médicos Veterinários: Antônio Márcio e Phyllis Romijn, do Núcleo de
Defesa Sanitária de Miracema, e Antônio Carlos, do Núcleo de Defesa Sanitária de
Bom Jesus do Itabapoana.
Ao Marlon Vicente da Silva, do Instituto Municipal de Medicina Veterinária
Jorge Vaitsman – Rio de Janeiro/RJ (IJV/RJ).
Ao colega Rafael dos Santos Costa que nos abriu as portas do Matadouro
Frigorífico Guarus Ltda., para que pudéssemos alimentar os morcegos com
o sangue bovino ali colhido.
Aos colegas e amigos que, direta ou indiretamente, acompanharam as
dificuldades e conquistas do meu trabalho: Roberto Machado Carneiro, Bethânia
Vieira Lopes, Letícia Cazes, Ive Santos Luzitano, Rachel Siqueira Simões de
Queirós Marins e Prof. Márcio Manhães Folly.
Agradeço ao meu amigo Weber Feitosa e seus colegas de república que me
acolheram em sua casa na cidade de São Paulo durante mais de dois meses.
Aos meus pais e irmãos, que sempre foram a minha sustentação emocional.
Ao meu pai, pela construção de uma gaiola onde foram alojados os morcegos.
Ao meu irmão Emílio e minha cunhada Sabina, pelas conversas de alto nível
científico e filosófico sempre acompanhadas de um bom café.
Agradeço especialmente aos dois bolsistas de Iniciação Científica, alunos de
Graduação em Medicina Veterinária, que me ajudaram muito neste trabalho, sem
os quais seria impraticável a manutenção dos morcegos no Morcegário, Aline
Carvalho Galante e Leonardo de Barros Peres Souza.
v
CONTEÚDO
LISTA DE TABELAS ................................................................................................. IX
LISTA DE FIGURAS ................................................................................................. XI
RESUMO ................................................................................................................ XIII
ABSTRACT .............................................................................................................. XV
1.
INTRODUÇÃO .....................................................................................................1
2.
REVISÃO DE LITERATURA ................................................................................4
2.1. Histórico........................................................................................................4
2.2. Taxonomia viral ............................................................................................6
2.3. Estrutura e propriedades do vírus da raiva...................................................7
2.4. Genoma viral ................................................................................................9
2.5. Ciclo de replicação viral..............................................................................11
2.5.1. Adsorção ...........................................................................................11
2.5.2. Penetração e desnudamento ............................................................11
2.5.3. Transcrição e tradução......................................................................12
2.5.4. Replicação do genoma viral ..............................................................12
2.5.5. Montagem e brotamento ...................................................................13
2.6. Patogenia ...................................................................................................13
2.7. Patologia.....................................................................................................14
2.8. Resposta imune e vacinas..........................................................................16
2.9. Sinais clínicos.............................................................................................18
2.10. Colheita e envio de material clínico ao laboratório .....................................20
vi
2.11. Métodos diagnósticos .................................................................................20
2.12. Epidemiologia .............................................................................................22
2.13. Tratamento e profilaxia ...............................................................................24
2.13.1. Atuação em focos de raiva................................................................25
2.13.2. Ações permanentes em áreas epidêmicas .......................................26
2.13.3. Ações permanentes em áreas endêmicas ........................................27
2.13.4. Atendimento a focos em áreas esporádicas .....................................27
2.14. Biologia do Desmodus rotundus (Morcego Vampiro Comum)....................27
3.
MATERIAL E MÉTODOS ...................................................................................30
3.1. Animais.......................................................................................................30
3.1.1. Morcegos hematófagos.....................................................................30
3.1.2. Camundongos ...................................................................................30
3.2. Célula .........................................................................................................31
3.3. Captura de morcegos e sua manutenção em cativeiro...............................31
3.4. Colheita e processamento das amostras....................................................35
3.5. Imunofluorescência direta...........................................................................35
3.6. Isolamento viral ..........................................................................................37
3.6.1. Inoculação em célula de neuroblastoma murino ...............................37
3.6.2. Inoculação em camundongo .............................................................38
3.7. Amplificação das regiões específicas do genoma viral ..............................38
3.7.1. Extração de RNA total.......................................................................40
3.7.2. Transcrição reversa...........................................................................41
3.7.3. Reação em cadeia pela polimerase ..................................................42
3.7.4. Hemi-nested......................................................................................42
3.7.5. Avaliação do resultado da amplificação ............................................43
3.8. Seqüenciamento do DNA ...........................................................................43
3.8.1. Purificação do c-DNA ........................................................................43
3.8.2. Reação de seqüenciamento..............................................................44
3.9. Análise filogenética.....................................................................................45
4.
RESULTADOS ...................................................................................................49
4.1. Resultados da imunofluorescência direta e isolamento viral ......................51
4.2. Resultado da amplificação..........................................................................53
4.3. Seqüenciamento e análise filogenética ......................................................56
5.
DISCUSSÃO ......................................................................................................60
vii
5.1. Morcegos....................................................................................................60
5.2. Resultado das técnicas diagnósticas e a presença do vírus nos diferentes
órgãos do D. rotundus .........................................................................................63
5.3. Análise filogenética.....................................................................................65
6.
CONCLUSÕES ..................................................................................................74
7.
RECOMENDAÇÕES ..........................................................................................75
8.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................76
viii
LISTA DE TABELAS
Tabela 1. Descrição dos abrigos do Norte e Noroeste Fluminense e Sul do Espírito
Santo onde foram realizadas as capturas de Desmodus rotundus ..........33
Tabela 2. Descrição das colônias de Desmodus rotundus capturadas nas Regiões
Norte e Noroeste do Rio de Janeiro e Sul do Espírito Santo....................33
Tabela 3. Oligonucleotídeos
iniciadores
(primers)
utilizados
nas
reações
de
transcrição reversa (RT), reação em cadeia da polimerase (PCR), heminested e seqüenciamento de parte do genoma do vírus da raiva ............39
Tabela 4. Primers utilizados em cada etapa de amplificação de regiões específicas
do genoma viral, para cada tipo de amostra, e os respectivos tamanhos
de fragmento de DNA amplificado ............................................................39
Tabela 5. Amostras obtidas no GenBank utilizadas na análise filogenética, por
identificação no mapa número de acesso, local e ano de isolamento das
amostras...................................................................................................46
Tabela 6. Número de acesso no GenBank das amostras de vírus da raiva isoladas
de Desmodus rotundus capturados nas regiões Norte e Noroeste
Fluminense ...............................................................................................48
Tabela 7. Número de morcegos mantidos em cativeiro, proporção entre machos
e fêmeas cativos, médias de consumo de sangue e mortalidade dos
mesmos 7, 15 e 30 dias após a captura ...................................................50
ix
Tabela 8. Amostras de cérebro de morcegos capturados nas Regiões Norte
e Noroeste Fluminense analisadas por técnicas de imunofluorescência
direta
(IFD)
e
isolamento
viral
por
inoculação
em
células
de
neuroblastoma murino (N2A)....................................................................53
Tabela 9. Resultado da RT-PCR dos órgãos e hemi-nested RT-PCR de saliva dos
morcegos que apresentaram cérebros positivos para a raiva na IFD e
isolamento viral.........................................................................................55
Tabela 10. Resultado da RT-PCR de glândula salivar e hemi-nested RT-PCR de
saliva dos morcegos que apresentaram cérebros negativos para a raiva
na IFD e isolamento viral ........................................................................55
Tabela 11. Matriz de identidade das amostras dos grupos 1, 2, 3, 4 e 5 presentes na
árvore filogenética. As células da tabela em cinza representam a
identidade das amostras dentro do grupo e o cruzamento entre linhas e
colunas representa o grau de identidade entre os grupos......................58
Tabela 12. Matriz de identidade das amostras dos subgrupos 1.1, 1.2, 1.3, 1.4, 1.5,
e 1.6 presentes na árvore filogenética. As células da tabela em cinza
representam a identidade das amostras dentro do subgrupo e o
cruzamento entre linhas e colunas representa o grau de identidade entre
os subgrupos ..........................................................................................59
x
LISTA DE FIGURAS
Figura 1. Casos
de
raiva
humana
no
Brasil,
transmitida
pelos
principais
reservatórios do vírus (cão e morcego). No eixo do X, estão representados
os anos desde 1986 até 2006: e eixo do Y representa o número de casos
de raiva humana (COVEV/CGDT/DEVEP/SVS/MS. *Dados parciais do ano
de 2006). ...................................................................................................23
Figura 2. Captura
e
manutenção
de
morcegos
hematófagos
em
cativeiro
(Morcegário do Setor de Virologia – LSA/CCTA/UENF. A) Abrigo artificial
de Desmodus rotundus. B) Morcego hematófago D. rotundus preso à rede
de neblina. C) Gaiola onde foram mantidos os morcegos no cativeiro. D) D.
rotundus dentro da caixinha removível pertencente à gaiola. E) D.
rotundus, vista ventral e de cabeça para baixo, posicionado para se
alimentar com o sangue oferecido em pote preso à gaiola. F) Fêmea de D.
rotundus com um filhote que nasceu no cativeiro (VIEIRA, 2006).............34
Figura 3. Esquema representativo do genoma mostrando as regiões amplificadas do
vírus da raiva. Colchete 1: região amplificada utilizando-se os primers 21g
e 304. Colchete 2: região amplificada utilizando-se os primers 504 e 304.
A região do genoma que codifica as proteínas N, P, M. G e L estão
representadas por suas respectivas letras e o número de nucleotídeos de
cada uma delas está logo acima da barra (DE MATTOS et al., 2001)......40
Figura 4. Abrigos diurnos dos Desmodus rotundus (morcego-vampiro-comum) onde
foram realizadas as capturas. RJ (FUNDAÇÂO CIDE, 2006). Os abrigos
foram plotados no mapa do Rio de Janeiro com o software MapSource do
GPS Garmin modelo E-Trex Vista C. ........................................................52
Figura 5. Gel de agarose mostrando segmentos de DNA amplificados (1478bp) pela
técnica de RT-PCR, a partir das amostras isoladas de Desmodus
xi
rotundus, utilizando os primers para o vírus da raiva 21g e 304. 1) 100bp
Ladder. 2) 16/06; 3) 24/06. 4) 25/06. 5) 26/06. 6) 27/06. 7) 31/06. 8) 0399.
9) controle positivo CVS............................................................................54
Figura 6. Gel de agarose mostrando segmentos de DNA amplificados (248bp) pela
técnica de RT-PCR, a partir das amostras isoladas de Desmodus
rotundus, utilizando os primers para o vírus da raiva 504 e 304. 1) 100bp
Ladder. 2) CVS. 3) H2O. 4) Língua-24/06. 5) Glândula Salivar-24/06.
6) Língua-25/06. 7) CVS. 8) Coração-25/06. 9) Fígado-25/06. 10) Língua26/06. ........................................................................................................54
Figura 7. Árvore filogenética de distância para uma região de 1360 nucleotídeos do
gene N do vírus da raiva. As amostras isoladas nesse trabalho estão
identificadas com o número em negrito, as amostras obtidas no GenBank
estão identificadas pelo número de acesso, seguido da espécie de
isolamento, estado e ano. Os valores de bootstrap acima de 50% são
mostrados acima dos nós e a escala representa o número de substituição
de nucleotídeos pelo número total no alinhamento. ..................................57
Figura 8. Casos de raiva no Brasil. Os números representam as cidades, onde
foram isoladas as amostras do GenBank. Os números com fundo em azul
representam as amostras do grupo 1 da árvore filogenética; em laranja,
representam o grupo 2; em vermelho, o grupo 3; em amarelo, o grupo 4; e
em cinza, o grupo 5. O símbolo
representa o abrigo onde foi
encontrado Desmodus rotundus positivos para a raiva no presente
trabalho. ....................................................................................................71
xii
RESUMO
VIEIRA, Luiz Fernando Pereira, Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy
Ribeiro; fevereiro de 2007; Caracterização molecular de vírus da raiva (Lyssavirus –
Rhabdoviridae) isolados de espécimes clínicos de morcegos hematófagos
Desmodus rotundus no Norte e Noroeste Fluminense; Professora Orientadora: Sílvia
Regina Ferreira Gonçalves Pereira. Professores Conselheiros: Carlos Eduardo
Lustosa Esbérad, Fernando Portela Câmara, Paulo Eduardo Brandão.
No presente trabalho, objetivou-se avaliar a ocorrência do vírus da raiva em
Desmodus rotundus, verificar a dispersão do vírus nos diversos órgãos dos
morcegos positivos para a raiva e realizar um estudo filogenético dos isolados de
D. rotundus
no
Norte
e
Noroeste
Fluminense.
Foram
testadas,
pela
imunofluorescência direta e isolamento viral em células N2A, 199 amostras de
D. rotundus. Sete morcegos (3,52%), de um mesmo abrigo, foram positivos para
a raiva. As amostras de cérebro, língua, coração, pulmão, fígado, rim e glândula
salivar dos morcegos positivos foram submetidas à técnica de RT-PCR. Os produtos
da PCR dos isolados de cérebro foram seqüenciados e a análise filogenética das
amostras isoladas foi realizada por comparação com seqüências obtidas no
GenBank. Foi encontrado vírus da raiva em todos os órgãos dos morcegos, mas
com diferentes freqüências: 100% no coração, 100% na língua, 80% no rim, 40% na
glândula salivar, 40% no pulmão e 20% no fígado. A árvore filogenética formou cinco
grupos principais: o grupo 1, relacionado à raiva do D. rotundus; os grupos 2, 3 e 4,
relacionados à raiva de morcegos insetívoros; e o grupo 5, relacionado à raiva
canina. O grupo 1 ainda pôde ser dividido em seis subgrupos e um destes foi
formado, exclusivamente, pelas amostras isoladas de morcego hematófago, no
presente trabalho, no município de Quissamã. Seqüências de vírus isoladas de
bovinos em Porciúncula e Miracema apresentaram alta identidade de nucleotídeos
quando comparadas com as de Quissamã. Os resultados indicam que o vírus
xiii
circulante em D. rotundus no Norte e Noroeste Fluminense apresenta uma
característica regional de agrupamento filogenético e que os D. rotundus são os
transmissores da raiva aos bovinos.
Palavras-chave: raiva, morcego hematófago, Desmodus rotundus, filogenética de
Lyssavirus, Rio de Janeiro.
xiv
ABSTRACT
VIEIRA, Luiz Fernando Pereira, Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy
Ribeiro; February of 2007; Molecular characterization of rabies virus (Lyssavirus –
Rhabdoviridae) isolated of clinical specimens of vampire bats Desmodus rotundus
from North and Northwest of Rio de Janeiro State. Advisor: Sílvia Regina Ferreira
Gonçalves Pereira. Counselors: Carlos Eduardo Lustosa Esbérad, Fernando Portela
Câmara, Paulo Eduardo Brandão.
In the present study, objectified evaluate the occurrence of rabies virus in
vampire bats; assess the dispersion of virus in several positive bats organs; and
perform a phylogenetic study of rabies virus isolated of Desmodus rotundus from
North and Northwest regions of Rio de Janeiro State. It was tried, by direct
immunofluorescence and virus isolation in cell N2A, 199 samples of D. rotundus.
Seven bats (3,52%) from the same shelters were positive to rabies virus.
The samples of brain, tongue, hearth, lung, liver, kidney and salivary gland from
positive bats were submitted to RT-PCR. The PCR product isolated of brain was
sequenced and the phylogenetic analyze was performed contrasting the samples
isolated with sequences obtained in GeneBank. It was encountered rabies virus in all
organs of bats, but the frequency it was different among the organs: 100% in hearth,
100% in tongue, 80% in kidney, 40% in salivary gland, 40% in lung, and 20% in liver.
The phylogenetic tree formed five main clusters, the cluster 1 was related to
D. rotundus rabies, the clusters 2, 3 and 4 were related to insectivorous bat rabies
and the cluster 5 was related to dog rabies. The cluster 1 was divided in six
subclusters, one of these was exclusively formed by isolated samples of vampire bat
xv
rabies samples, isolated in present work, from Quissamã county. Virus sequences
isolated in Porciúncula and Miracema showed high nucleotide identity when they
were compared with Quissamã samples. The results showed that the rabies virus of
D. rotundus from North and Northwest of Rio de Janeiro State presented
geographical clustering characteristics, and the vampire bats are the transmitter of
rabies to cattle.
Key words: rabies, vampire bat, Desmodus rotundus, Lyssavirus phylogenetic, Rio
de Janeiro.
xvi
1
1. INTRODUÇÃO
A raiva é uma doença conhecida há milhares de anos, havendo relatos de
doença com mesma sintomatologia há 2.300 a.C. no Antigo Egito e é citada em
código de lei da Mesopotâmia. Contudo, ainda hoje, esta é uma enfermidade que
mata animais e humanos em todo o mundo.
É uma doença infecciosa de caráter antropozoonótico e cosmopolita.
Seu agente etiológico é um vírus RNA (ácido ribonucléico) de fita simples e sentido
negativo. Possui nucleocapsídeo helicoidal envolto por envelope lipoprotéico.
O vírus é classificado na ordem Mononegavirales, família Rhabdoviridae e gênero
Lyssavirus.
O gênero Lyssavirus é dividido em sete espécies, de acordo com suas
características imunovirológicas: Rabies virus (RABV), Lagos bat virus (LBV),
Mokola virus (MOKV), Duvenhage virus (DUVV), European bat lyssavirus tipo 1
(EBLV-1), European bat lyssavirus tipo 2 (EBLV-2) e Australian bat lyssavirus
(ABLV). O primeiro vírus citado (RABV) é o vírus clássico da raiva, enquanto
os demais são denominados vírus relacionados à raiva (“rabies-related viruses”
ou “rabies-like viruses”).
O vírus clássico da raiva pode ser distinguido em variantes virais, as quais
estão relacionadas com a espécie animal transmissora e a região de isolamento da
mesma. No Brasil, as principais variantes são a variante 3, da qual o Desmodus
rotundus é o principal transmissor; e a variante 2, da qual o cão é o principal
reservatório.
2
Clinicamente, a raiva apresenta-se com distúrbios neuromusculares,
expressos por mudança no comportamento e dificuldade locomotora. Há duas
formas básicas de apresentação da virose: a forma excitativa ou “raiva furiosa”,
transmitida principalmente pelo cão, quando o animal acometido passa por um
período de intensa agitação e agressividade, seguido por um estágio de paralisia;
e a forma paralítica ou “raiva muda”, transmitida principalmente pelo morcego
hematófago aos bovinos e eqüinos, cuja fase de agitação pode ser breve ou mesmo
ausente e logo advém o estágio de paralisia e apatia.
O vírus da raiva é transmitido, principalmente, por meio da saliva de um
animal infectado, quando este agride outro, sadio. Tipicamente, dois ciclos
epidemiológicos mantêm o agente infeccioso na natureza: o ciclo da raiva urbana
e o ciclo da raiva silvestre. No ciclo da raiva urbana, o cão é o principal transmissor;
enquanto no ciclo da raiva silvestre, diversos animais como a raposa, o macaco
e o morcego podem estar envolvidos na manutenção do vírus.
O principal transmissor da raiva aos herbívoros é o morcego hematófago
Desmodus rotundus, também conhecido como “morcego-vampiro-comum”. Esta
espécie de morcego habita a América Latina desde o México até a região central da
Argentina. Sabe-se que mudanças no ambiente dos morcegos e a introdução de
animais domésticos, principalmente bovinos e eqüinos, após a colonização européia,
proporcionaram o aumento populacional desses quirópteros.
A pecuária da América Latina é fortemente afetada pela raiva, os prejuízos
estimados são de 30 milhões de dólares anualmente. Só no Brasil, os prejuízos
diretos são estimados na ordem de 15 milhões de dólares, com a morte de cerca de
40 mil cabeças bovinas, e os prejuízos indiretos giram em torno de 22,5 milhões de
dólares por ano.
Nas regiões Norte e Noroeste do Estado do Rio de Janeiro, bovinos
e eqüinos são constantemente agredidos por D. rotundus e conseqüentemente, todo
o ano ocorrem casos de raiva em herbívoros domésticos nessas regiões.
No Brasil, a variante viral que circula em morcegos pode ser diferenciada do
vírus que circula no ciclo epidemiológico de cães. Inicialmente foram utilizados
anticorpos monoclonais para determinar as diferenças antigênicas; depois, vieram
as técnicas moleculares que trouxeram maior precisão às análises filogenéticas.
Nessas análises, a principal região seqüenciada do genoma corresponde ao gene
da nucleoproteína do vírus. Estudos das variantes virais, sob uma perspectiva
3
epidemiológica, concluíram que as amostras de vírus da raiva estão relacionadas
à espécie reservatório e à região geográfica de isolamento da cepa.
São poucos os trabalhos dedicados à filogenia do vírus da raiva em bovinos
nas regiões do Norte e Noroeste do Estado Rio de Janeiro, menores ainda são
os estudos da raiva em D. rotundus na região.
Portanto, o objetivo desse estudo foi: 1) verificar a freqüência de ocorrência
do vírus da raiva em populações de morcegos hematófagos nas regiões Norte
e Noroeste do Estado do Rio de Janeiro, mediante técnicas de imunofluorescência
direta e isolamento viral; 2) realizar a caracterização molecular das amostras de
vírus da raiva detectadas com base no seqüenciamento parcial do gene da
nucleoproteína viral; e 3) verificar a dispersão do vírus da raiva entre os diversos
órgãos dos morcegos Desmodus rotundus através da RT-PCR (transcrição reversa reação em cadeia da polimerase).
4
2. REVISÃO DE LITERATURA
2.1.
Histórico
A raiva é a mais antiga doença reconhecidamente infecciosa. Embora graves
doenças tenham aparecido como a varíola, a influenza e, mais recentemente, a
síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS), a preocupação com a raiva ainda
persiste, por causa de sua progressão quase sempre fatal e pelos grandes prejuízos
que traz à pecuária (DE MATTOS et al., 2001).
Na Mesopotâmia, há cerca de 2.300 a.C, determinava-se o seguinte: “Se um
cão é louco e as autoridades tomam conhecimento do fato e de seu dono; se ele não
o prende e o cão morde um homem e causa a sua morte, seu dono deve pagar 2/3
de uma mina (40 shekels) de prata. Se o cão morde um escravo
e causa a sua
morte, o dono do cão deve pagar 15 shekels de prata” (DE MATTOS et al., 2001).
Muitas civilizações antigas foram bastante familiares da raiva. Na Ilíada
(700 a.C.), Hector foi comparado a um cão raivoso. Escolas chinesas advertiam
sobre o perigo de cães raivosos em 500 a.C. Aristóteles (400 a.C.) associou a
doença aos animais, mas erroneamente excetuou os humanos de contraírem a raiva
de cães. Celsus inventou o termo hidrofobia e descreveu um caso clínico de raiva
humana (KOPROWSKI, 1996a). Em Roma, Cordamus supôs que o veneno (i.e. o
vírus) estava presente na saliva (DE MATTOS et al., 2001).
Muita superstição havia acerca da raiva e sua possível cura, até se iniciarem
os estudos e experimentações sobre a doença no final da idade média e início da
renascença (DE MATTOS et al., 2001). Girolamo Fracastoro, em 1546, escreveu um
5
tratado “A Ferida Incurável”, onde detalhou a doença, inclusive com relato de caso
clínico humano desde a mordida até o óbito do paciente. Fracastoro acompanhou
diversos casos de raiva e pôde concluir que a doença não tem cura após terem
aparecidos os sinais clínicos (KOPROWSKI, 1996a).
No Velho Mundo, a raiva é conhecida há milhares de anos, mas, nas
Américas, é difícil precisar se havia o vírus antes da chegada dos europeus.
É possível que já houvesse a enfermidade antes da chegada de Colombo, pois, logo
após a colonização, o bispo Petrus Martyr-Anglerius escreveu sobre morcegos que,
com suas mordidas venenosas, levavam à morte os homens atacados por esses.
Contudo, somente 200 anos após a invasão espanhola, casos de raiva foram
relatados nas Américas. No México, em 1709, houve relatos de casos e, na América
do Norte, em 1753, a raiva foi descrita em cães e mais tarde em raposas (DE
MATTOS et al., 2001).
Por muitos anos, a mordida de um animal raivoso foi considerada a possível
fonte de infecção da raiva, mas somente em 1804 Zinke usou a saliva de um cão
raivoso para a transmissão da doença (DE MATTOS et al., 2001).
O estudo mais metódico da raiva iniciou-se com Louis Pasteur que em
colaboração com Thuillier, Roux e Chamberland concluíram, em 1881, que a sede
do vírus da raiva era o sistema nervoso central e que a inoculação intracerebral era
a melhor forma para a transmissão da doença. Em 1885, Pasteur descobriu como
atenuar o vírus, o que permitiu a tentativa de vacinação. A atenuação foi realizada
através de passagens, seriadas em cérebros de coelhos. Após várias passagens o
vírus perde o tropismo pelo sistema nervoso central (FERREIRA, 1976).
O dia 6 de julho de 1885 é um marco para a história da raiva: Um menino de
nove anos de idade, agredido por um cão raivoso em várias regiões do corpo,
recebeu a primeira profilaxia pós-exposição com a vacina de Pasteur, constituída de
material dissecado da medula espinhal de coelhos, previamente, inoculados com
vírus “fixo” (DE MATTOS et al., 2001).
Contudo, a técnica de vacinação não foi aceita por toda a comunidade
médica e Louis Pasteur encontrou um problema quando um menino vacinado contra
a raiva morreu da doença. O médico da família, George Clemenceau, aconselhou os
pais a processar Pasteur, afirmando que a morte da criança fora causada pelo vírus
utilizado na vacina. Hoje se sabe que a vacina de Pasteur realmente não é
totalmente segura e pode levar o paciente a óbito (KOPROWSKI, 1996).
6
Negri, em 1903, detectou inclusões intracitoplasmática em neurônios de
animais raivosos. Em 1913, estas inclusões tiveram reconhecido valor diagnóstico
(FERREIRA, 1976; LIEBERMANN, 1988; DE MATTOS et al., 2001). A composição
química dos corpúsculos de Negri só foi desvendada após a invenção do
microscópio eletrônico (DE MATTOS et al., 2001).
A transmissibilidade da raiva por meio de morcegos hematófagos foi
sugerida, em 1935, por Sílvio Torres, e confirmada em 1936 por Pawan, com a
relevância de também ser transmitida aos humanos (MAIR e GUERREIRO, 1972).
Segundo Malaga Alba em 1965, citado por MAIR e GUERREIRO (1972), já se
conhecia mais de 60 espécies de morcegos não hematófagos com importância na
disseminação da virose.
No Brasil, em 1973, instituía-se o Programa Nacional de Profilaxia da Raiva
(PNPR), com o objetivo de promover atividades sistemáticas de combate à raiva
humana, mediante o controle da antropozoonose nos animais domésticos e o
tratamento específico das pessoas agredidas. Em uma análise realizada entre 1980
e 2003, pôde-se observar que o número de casos diminuiu desde a implantação do
PNPR, porém percebeu-se que, a partir de 1996, houve uma queda brusca no
número de casos nos países americanos, enquanto no Brasil o número de casos
manteve-se no mesmo patamar (WADA et al., 2004).
Em dezembro 2004, realizou-se o Encontro Nacional do Programa de
Controle da Raiva dos Herbívoros, cujo principal objetivo foi harmonizar e padronizar
as ações dos diversos atores do processo de combate à raiva dos herbívoros.
Assim, caracterizaram-se as competências nas ações sanitárias frente ao Programa
Nacional de Controle da Raiva dos Herbívoros (PNCRH). Este programa funcionava,
até então, orientado pela Portaria Ministerial Nº. 126, de 18 de março de 1976,
revogada por estar defasada e ainda abranger aspectos ligados ao combate da raiva
canina / felina, hoje, a cargo do Ministério da Saúde (CRMV-RJ, 2005).
2.2.
Taxonomia viral
A família Rhabdoviridae é composta pelos vírus RNA de sentido negativo, da
grande ordem Mononegavirales. A organização genética dos vírus da família
Rhabdoviridae é similar a dos vírus das famílias Paramyxoviridae, Filoviridae e
Bornaviridae classificadas na mesma ordem. São vírus envelopados que se replicam
7
no citoplasma das células, com exceção de alguns rhabdovírus de plantas que se
replicam no núcleo (ICTV, 2006; ROSE e WHITT, 2001; WAGNER e ROSE, 1996).
Os rhabdovírus são amplamente distribuídos na natureza, onde infectam
vertebrados, invertebrados e muitas espécies de plantas. Os rhabdovírus que
causam a raiva e outros que causam doenças em peixes parecem ter seu ciclo
confinado exclusivamente aos vertebrados. Os demais rhabdovírus são transmitidos
aos vertebrados e plantas por um vetor artrópode (ROSE e WHITT, 2001).
Mais de 70 rhabdovírus de vertebrados foram identificados e classificados.
Os vírus que infectam mamíferos são separados em três gêneros: Vesiculovirus,
Ephemerovirus e Lyssavirus (ICTV, 2006).
O gênero Lyssavirus, cujo nome deriva do Grego lyssa: “agir com violência,
fúria, loucura canina”, contém o vírus clássico da raiva: Rabies virus (RABV) e os
vírus relacionados à raiva (rabies-like virus ou rabies-related virus): Lagos bat virus
(LBV), Mokola virus (MOKV) e Duvenhage virus (DUVV), originários da África;
European bat lyssavirus tipo 1 (EBLV-1) e European bat lyssavirus tipo 2 (EBLV-2),
originários da Europa; e Australian bat lyssavirus (ABLV), originário da Austrália
(ICTV, 2006; ROSE e WHITT, 2001; MURPHY et al., 1999).
2.3.
Estrutura e propriedades do vírus da raiva
O vírus da raiva possui capsídeo com simetria helicoidal (LIEBERMANN,
1988), tem a forma de “bala de revólver” e apresenta variação no tamanho das
partículas, com 60 a 80nm de diâmetro por 120 a 300nm de comprimento
(FERREIRA, 1976).
Os rhabdovírus são compostos por uma membrana externa (envelope viral)
derivada da célula infectada, e por um cerne de ribonucleoproteína (RNP). A partir
do envelope para o exterior, projetam-se espículas de glicoproteína (G), arranjadas
em trímeros, e moléculas de proteína da matriz (M), dentro do envelope viral, entre a
membrana externa e o nucleocapsídeo (ROSE e WHITT, 2001).
O nucleocapsídeo é composto pelo genoma viral e pelas proteínas N
(nucleoproteína), L (large) e P (fosfoproteína). O RNA possui entre 11 e 12Kb de
tamanho e é altamente compactado, com o auxílio da proteína N, formando uma
estrutura helicoidal com aproximadamente 35 voltas. Associadas à nucleoproteína
estão as proteínas L e P, que juntas formam a RNA-polimerase RNA-dependente do
8
vírus. As proteínas L e P estão em número aproximado de 50 e 500 por vírion,
respectivamente (ROSE e WHITT, 2001).
O empacotamento do genoma, feito pela proteína N, produz um cerne
resistente
a
RNase.
Cada
proteína
N
participa
do
empacotamento
de
aproximadamente nove nucleotídeos, totalizando cerca de 1.200 proteínas N no
vírion. O complexo N–RNA interage com o complexo polimerase P–L durante a
transcrição e a replicação; e com a proteína M na condensação do nucleocapsídeo,
na união do cerne com a membrana, e no brotamento (ROSE e WHITT, 2001).
A proteína P possui diferentes locais com domínios para a fosforilação, os
quais têm a função de regular a transcrição e a replicação. A proteína P forma
trímeros após a fosforilação e dessa forma, torna-se apta a unir-se à proteína L e ao
complexo N–RNA. Portanto, o complexo polimerase completo é o seguinte:
N-L-P3-RNA. A fosforilação em pontos diferentes da proteína P pode estar
relacionada à formação de dois complexos polimerase distintos: um que funciona
como transcriptase e outro que funciona como replicase. A proteína P não possui
nenhuma atividade enzimática conhecida, mas funciona como co-fator que pode
modificar o funcionamento da proteína L (ROSE e WHITT, 2001).
A proteína L, além de formar junto com a proteína P o complexo polimerase
que faz a transcrição do genoma viral em mRNA e a replicação do genoma no
sentido positivo (antigenoma) e negativo (genoma), promove a adição da estrutura
quepe (cap) no mRNA, a metilação das estruturas cap e poliadenilação. O grande
tamanho da proteína L (a maior proteína dos rhabdovírus) é justificado pela
complexidade das reações que catalisa e a multifuncionalidade que ela apresenta
(ROSE e WHITT, 2001).
A menor e mais abundante proteína do vírion é a proteína da matriz (M), que
participa de numerosas funções, tais como a condensação do nucleocapsídeo
durante a montagem, a união do envelope ao nucleocapsídeo, a degradação do
citoesqueleto, e a inibição de funções na célula hospedeira. A proteína M expressa
sozinha em células é capaz de causar brotamento de vesículas, o que permite supor
que
esta
proteína
seja
importante
no
processo
de
brotamento
viral
(ROSE e WHITT, 2001).
No envelope viral estão as proteínas G, que possuem glicosilações na sua
estrutura de 505 aminoácidos. Possuem três domínios: o C-terminal citoplasmático,
com 44 resíduos de aminoácidos; o domínio transmembrana hidrofóbico com
9
22 aminoácidos; e o domínio externo antigênico que se estende do domínio
transmembrana ao resíduo N-terminal. A proteína G é responsável pela adsorção do
vírus à célula hospedeira, auxilia o desnudamento viral, catalisa a fusão da
membrana endocítica e é o principal antígeno dos rhabdovírus. Portanto, quase
todas as vacinas, humanas e veterinárias, são produzidas com base nas reações
imunológicas contra essa proteína (DE MATTOS et al., 2001).
O vírus da raiva é sensível aos ácidos, aos solventes orgânicos,
à temperatura de 80ºC por dois min, aos raios ultravioletas e ao formaldeído
(LIEBERMANN, 1988). Pode manter-se ativo por semanas à temperatura de 4°C,
por meses quando acondicionados abaixo de 0°C ou em tecidos infectados quando
colocados em glicerina neutra a 4°C, e podem perman ecer ativos por anos quando
liofilizados (MAIR e GUERREIRO, 1972).
2.4.
Genoma viral
Os rhabdovírus possuem como genoma uma única fita (não segmentada) de
RNA com sentido negativo (sentido complementar ao do mRNA) e que contém no
mínimo cinco genes na ordem 3’ N–P–M–G–L 5’ (as letras fazem correspondência
às proteínas codificadas pelo RNA genômico) (ROSE e WHITT, 2001).
Para alguns autores, os Lyssavirus possuem um pseudogene entre os genes
G e L. (WAGNER e ROSE, 1996). Tordo et al. (1986) descreveram uma longa região
intergênica entre os genes G e L. Dentro dessa região foram observadas duas
seqüências interessantes. A primeira, parecida com a seqüência consenso de início
de transcrição, localizada 10 nucleotídeos à jusante (downstream) do sinal de
parada do mRNA da proteína G. A outra seqüência, parecida com o sinal de
poliadenilação (sinal de parada da transcrição), encontrada no final de cada gene, foi
localizada 25 nucleotídeos a montante (upstream) do gene L. Nenhum mRNA que
correspondesse à região do genoma viral entre os sinais de início e parada de
transcrição foi encontrado, portando a região intergênica pode ser um pseudogene.
Nos Vesiculovirus, a região entre os genes G e L, é de apenas dois
nucleotídeos, já, em alguns Rhabdovirus de peixe, é encontrado um gene adicional
entre as regiões que codificam as proteínas G e L. Portanto, os sinais de início e
parada de transcrição encontrados nessa região dos Lyssavirus podem ser
resquícios de um gene perdido no processo evolutivo do vírus (TORDO et al., 1986).
10
É possível que a região intergênica G–L se apresente de três formas
diferentes em cepas virais distintas: presença de pseudogene na região intergênica,
proposto por TORDO et al. (1986); ou incorporação da região intergênica à
proteína G, proposto por RAVAKOV, SMITH e NICHOL (1995); ou ausência de
pseudogêne e não incorporação da região intergênica G–L à proteína G, proposto
por MORIMOTO, OHKUBO e KAWAI (1989).
A região intergênica G–L não é essencial para a replicação viral, como se
pôde perceber em um trabalho onde se substituiu o intergene G–L do Lyssavirus
pelos
genes
das
cadeias
leve
e
pesada
da
imunoglobulina
G
(IgG)
(MORIMOTO et al., 2001).
Os rhabdovírus possuem um genoma bastante simples e compacto, com
pouco desperdício de espaço. Há somente dois nucleotídeos separando as regiões
intergênicas de todos os genes dos Vesiculovirus (ROSE e WHITT, 2001), enquanto,
entre os Lyssavirus, as regiões intergênicas não são iguais para todos os genes.
Entre o gene N–P, há dois nucleotídeos; entre os genes P–M e M–G, há cinco
nucleotídeos; e entre os genes G–L, há 423 nucleotídeos, quando se considera a
região intergênica G–L como não-codificante (TORDO et al., 1986).
Tordo et al. (1986) analisaram o DNA complementar ao genoma do vírus da
raiva e observaram que a seqüência de nucleotídeos consenso do iniciador da
transcrição é composta por nove nucleotídeos localizados entre 12 e 30
nucleotídeos à montante do códon de início de transcrição. Os quatro primeiros
(AACA) e dois últimos (CT) nucleotídeos da seqüência consenso são invariáveis.
Nas posições cinco e seis, há dois resíduos de pirimidina, mas a citosina é mais
freqüente que a timina; e finalmente, a sétima posição que é variável. Esta
organização é relatada para o vírus Sendai (Sendai virus – SeV, família
Paramyxoviridae, gênero Respirovirus) e no vírus da estomatite vesicular (Vesicular
stomatitis virus – VSV), onde há um ou dois nucleotídeos variáveis, respectivamente,
separados por duas regiões conservadas. A seqüência de iniciação do vírus da raiva
e do VSV compartilham cinco posições de nucleotídeos invariáveis, o que demonstra
a proximidade genética entre os dois.
Analisando o DNA complementar do genoma do vírus da raiva, pôde-se
observar uma seqüência consenso após o códon de parada de transcrição de todos
os genes. A seqüência consenso é uma região contendo sete adeninas (com
11
exceção do gene G que possui oito adeninas), cuja região no genoma promove a
poliadenilação da molécula de mRNA (TORDO et al., 1986).
2.5.
Ciclo de replicação viral
A replicação do vírus da raiva ocorre no citoplasma da célula infectada.
Apesar de várias etapas do processo de replicação ocorrerem ao mesmo tempo, é
interessante estudá-las sob uma perspectiva linear. Desta forma, pode-se dividir o
ciclo em oito etapas: adsorção, penetração, desnudamento, transcrição, tradução,
replicação completa do genoma, montagem e brotamento (ROSE e WHITT, 2001;
WAGNER e ROSE, 1996).
2.5.1.
Adsorção
A adsorção é o processo pelo qual o vírus se liga à membrana da célula
hospedeira. A glicoproteína G promove a união entre o vírus e o receptor da
membrana celular. Os receptores nicotínicos de acetilcolina permitem a adsorção do
vírus da raiva. Há também outros receptores que podem estar envolvidos na
adsorção (ROSE e WHITT, 2001; WAGNER e ROSE, 1996).
2.5.2.
Penetração e desnudamento
A penetração ocorre por endocitose mediada por receptores, através de
vesículas revestidas com clatrina (ROSE e WHITT, 2001). Uma subseqüente
redução do pH no compartimento endocítico conduz a fusão do envelope viral com a
membrana do endossoma. Essa fusão é catalisada pela proteína G, e resulta na
liberação do cerne de ribonucleoproteína (RNP) no citoplasma da célula
(ROSE e WHITT, 2001; WAGNER e ROSE, 1996). Concomitante ou logo após a
fusão, a proteína M se dissocia da RNP. Os processos de liberação do
nucleocapsídeo e a dissociação da proteína M constituem o desnudamento ou
descapsidação viral (ROSE e WHITT, 2001).
12
2.5.3.
Transcrição e tradução
Logo após a entrada do vírus no citoplasma celular, o genoma viral não é
capaz de codificar proteínas, para isso deve ser transcrito em sentido positivo na
forma de mRNA. Este processo de transcrição primária pode ocorrer na ausência da
síntese de proteínas, pois o vírion carrega consigo, para dentro da célula, sua
própria RNA-polimerase. A transcrição se inicia, obrigatoriamente, na terminação 3’
do genoma produzindo um RNA líder com 48 nucleotídeos, seguida, em ordem, pela
transcrição dos mRNAs individuais que codificam as proteínas N, P, M, G e L
(ROSE e WHITT, 2001; WAGNER e ROSE, 1996).
A cada junção gênica, a transcriptase faz uma pausa e a transcrição é
atenuada cerca de 20 a 30%, o que resulta num gradiente de mRNA e,
conseqüentemente, num gradiente de proteína decrescente em relação à ordem
gênica: N>P>M>G>L (ROSE e WHITT, 2001; WAGNER e ROSE, 1996).
Nos mRNAs individuais, são adicionadas uma estrutura “quepe” (cap) na
extremidade 5’, e uma cauda poli A na extremidade 3’. Essa ultima adição,
aparentemente, ocorre pela cópia repetitiva da seqüência U7, presente no final de
cada gene (ROSE e WHITT, 2001; WAGNER e ROSE, 1996).
A tradução dos mRNAs ocorre nos ribossomas. Todas as proteínas são
codificadas pelos ribossomas livres no citoplasma, exceto a proteína G que é
codificada
pelos
ribossomas
do
retículo
endoplasmático
rugoso
(RER)
(ROSE e WHITT, 2001; WAGNER e ROSE, 1996).
2.5.4.
Replicação do genoma viral
Diferente da transcrição, a replicação depende da síntese ativa de proteínas
vírus-codificadas, principalmente N e P. A replicação do genoma viral ocorre em
duas etapas. A primeira utiliza o genoma infeccioso como molde para produzir fitas
de RNA de sentido positivo. Na segunda etapa, a polimerase produz uma fita de
RNA de sentido negativo, que serão as fitas da progênie viral. Para tal procedimento,
a polimerase utiliza como molde a fita de RNA de sentido positivo, produzida na
primeira etapa do processo (ROSE e WHITT, 2001; WAGNER e ROSE, 1996).
Ainda não está bem explicado como funciona a chave que determina ao
complexo polimerase quando realizar a transcrição ou a replicação do genoma.
Um modelo aceito é que o RNA líder funcione como sinal para que se realize a
13
transcrição em mRNA, porém esse sinal não é mais reconhecido quando o RNA
líder se une ao complexo das proteínas N–P e então a polimerase realiza a
replicação completa do genoma viral. Esse modelo é aceito porque, logo após a
entrada do vírus na célula, não ocorre síntese de proteínas virais, o que permite a
transcrição. Mas à medida que a concentração das proteínas N–P aumenta o sinal
do RNA líder, este é subjugado, o que permite a replicação completa do genoma
(ROSE e WHITT, 2001; WAGNER e ROSE, 1996).
2.5.5.
Montagem e brotamento
A montagem dos rhabdovírus inicia-se quando o RNA da progênie se une às
proteínas N, P e L, para formar o cerne de RNP ou nucleocapsídeo. Em seguida, o
nucleocapsídeo se liga à membrana plasmática e, posteriormente, é compactado
pela proteína M. No processo de brotamento, ocorre a união entre o nucleocapsídeo
e a membrana da célula, o que culmina com a liberação da partícula viral que leva
consigo parte da membrana onde se ancora a proteína G (ROSE e WHITT, 2001;
WAGNER e ROSE, 1996).
2.6.
Patogenia
A forma mais comum de infecção pelo vírus da raiva é por meio da mordida
de um animal infectado. O vírus replica-se no tecido muscular no local da mordida e
depois infecta os nervos periféricos, ou pode infectar diretamente os nervos
periféricos (MURPHY et al., 1999; DE MATTOS et al., 2001).
A infecção se direciona ao sistema nervoso central (SNC), em uma
movimentação chamada centrípeta, que ocorre através de infecção neuronal ativa e
por movimentação passiva do genoma viral dentro dos axônios, principalmente os da
medula espinhal e através do líquido cefalorraquidiano (MURPHY et al., 1999;
DE MATTOS et al., 2001). Em seguida, ocorre uma seqüência ascendente de
infecção e disfunção neuronal. O vírus chega ao sistema límbico do cérebro, onde
há intensa replicação, o que explica os acessos de fúria vistos clinicamente.
A replicação em outras partes do cérebro continua e, quando o vírus atinge o
neocórtex, ocorre a fase paralítica ou “muda” da doença. Segue-se um quadro de
depressão, coma e morte por parada respiratória (MURPHY et al., 1999).
14
A partir do SNC, a infecção atinge outros órgãos, através dos nervos
periféricos, em uma movimentação chamada centrífuga. Os órgãos afetados podem
ser o córtex adrenal, pâncreas, terminações nervosas sensoriais das cavidades
nasal e oral, papila gustativa, rim, músculo cardíaco, gordura, folículo piloso, retina,
córnea e glândula salivar (DE MATTOS et al., 2001). É interessante observar que,
na replicação do vírus da raiva em células nervosas, o brotamento ocorre nas
membranas intracitoplasmáticas, enquanto, na glândula salivar, o vírus é formado na
membrana plasmática da superfície apical (lumenal) das células da mucosa, e,
portanto, liberados em grande quantidade na saliva de animais infectados
(MURPHY et al., 1999).
Em infecções com “vírus de rua”, é comum encontrar o vírion na saliva antes
que os primeiros sintomas apareçam, em média três dias para os cães e um dia para
gatos. Em cães, o vírus já foi encontrado até 14 dias antes que aparecessem os
primeiros sintomas. O sangue e a urina raramente são fontes de infecção. Todos os
órgãos internos, incluindo os nódulos linfáticos, podem apresentar infecciosidade.
No
cérebro,
a
substância
cinzenta
é
mais
infecciosa
que
a
branca
(FERREIRA, 1976).
Além do tecido muscular e nervos periféricos, as vias aerógena, digestiva e
a pele lesionada em contato com saliva podem servir de porta de entrada para o
agente etiológico da raiva. A gravidade da infecção está relacionada a vários fatores
como a virulência, a extensão e profundidade da ferida, a riqueza da inervação e
vasos linfáticos no local da lesão, a proximidade da lesão em relação ao sistema
nervoso central (FERREIRA, 1976) e a espécie animal envolvida tanto a agressora
quanto a agredida (MURPHY et al., 1999).
2.7.
Patologia
Apesar de ser uma doença grave e fatal, as lesões macroscópicas e
microscópicas,
na
raiva,
são
pouco
aparentes
(MURPHY
et
al.,
1999;
DE MATTOS et al., 2001). Os achados histopatológicos são de natureza e
intensidade variáveis, distribuindo-se principalmente no tronco encefálico, cerebelo e
medula espinhal. Em bovinos, observa-se nas meninges e no parênquima nervoso
do encéfalo e da medula espinhal, manguitos perivasculares e infiltrados celular
intramural, consistindo primariamente de linfócitos e, em menor grau, de macrófagos
15
e plasmócitos. Os manguitos são mais proeminentes (até nove camadas de células)
e os pequenos vasos são mais freqüentemente afetados na substância cinzenta e
nos núcleos do tronco encefálico. No telencéfalo, é mais comum encontrar os
manguitos na substância branca subcortical.
Hemorragias restritas ao espaço perivascular são observadas na medula
espinhal, pedúnculos cerebelares, colículos e tálamo. Observa-se também necrose
das células neuronais, incluindo células de Purkinje do cerebelo, células piramidais
do hipocampo e núcleos do tronco encefálico e da substância cinzenta da medula
espinhal. (LANGOHR et al., 2003). A gravidade da lesão inflamatória pode estar
relacionada à cepa viral, e a supressão imunológica reduz as lesões inflamatórias,
mas aumenta a replicação viral (DE MATTOS et al., 2001).
São encontrados, nas células do sistema nervoso central, os corpúsculos de
Babés, as lesões de Van Gehuchten e Nélis e os corpúsculos de Negri.
Os corpúsculos de Negri são inclusões intracitoplasmática arredondadas ou
irregularmente trianguladas, medindo de 1 a 27 µm. Coram-se de vermelho vivo pelo
método de Mann, e rosado-forte pelo método de Giemsa. São constituídos de
proteína principalmente, mas há também RNA viral (LIEBERMANN, 1988). Durante
muitos anos, os corpúsculos de Negri foram a principal ferramenta de diagnóstico da
raiva, porém sua importância tem sido diminuída com o advento das técnicas de
imunofluorescência direta e imunoistoquímica (DE MATTOS et al., 2001).
As lesões de caráter macroscópico são: paralisia dos esfíncteres da vesícula
urinária e anal (principalmente na raiva paralítica, transmitida por morcegos aos
bovinos). A bexiga dos bovinos necropsiados mostra-se cheia de urina, e a ampola
retal repleta de fezes (SANTOS, 1975).
As características das infecções por vírus “fixo” e “de rua” são diferentes.
Geralmente as infecções com vírus “fixo” deixam intactos os neurônios e, nessas
infecções, quase não aparecem os corpúsculos de Negri. Já em infecções com vírus
“de rua”, os corpúsculos de Negri apresentam-se grandes e numerosos.
Diferentemente do vírus “de rua”, o vírus “fixo” não apresenta neurotropismo
(DE MATTOS et al., 2001).
Apesar da limitada mudança anatômica, as funções neurológicas são
gravemente afetadas. O vírus da raiva causa mudanças na atividade elétrica dos
neurônios que induzem alterações no sono e na expressão dos genes. A apoptose
16
pode ser um resposta eficaz do hospedeiro, mas pode piorar o quadro clínico
quando as células afetadas são os neurônios (DE MATTOS et al., 2001).
2.8.
Resposta imune e vacinas
O vírus da raiva induz resposta imune humoral e celular. Os anticorpos
neutralizantes são direcionados principalmente a dois grupos de proteínas
antigênicas: a proteína N, específica para o grupo viral, e a glicoproteína G,
específica para o tipo viral (WAGNER e ROSE, 1996).
A glicoproteína é a principal responsável pela indução da produção de
anticorpos neutralizantes de vírus (VNA). A habilidade em induzir a produção de
anticorpos depende da conformação estrutural secundária e terciária da proteína.
A proteína G associada ao vírion confere maior produção de anticorpos que a
proteína solúvel. Os anticorpos neutralizantes exercem seu efeito de proteção pela
neutralização do vírus extracelular, pela lise de células infectadas mediada pelo
sistema complemento e por citotoxicidade anticorpo dependente. Os VNAs são
capazes de mediar a eliminação viral, sem nenhum outro mecanismo imunológico
(DE MATTOS et al., 2001).
A ribonucleoproteína (RNP) é o principal complexo antigênico que induz a
resposta de anticorpos vírus-específicos. Os anticorpos contra este complexo podem
auxiliar na proteção contra a infecção, embora ainda não esteja completamente
elucidado o mecanismo pelo qual os anticorpos anti-RNP atuam na inibição da
replicação viral (DE MATTOS et al., 2001). O gene que codifica a proteína N é muito
pouco variável entre as cepas virais, por este motivo essa proteína poderia ser um
ótimo adjuvante na produção de vacinas recombinantes. Contudo, as pesquisas
realizadas, nesse sentido, até agora, mostraram-se controversas quanto ao potencial
adjuvante da proteína N (DRINGS et al., 1999).
A infecção pelo vírus da raiva resulta em uma geração de células T CD4+ e
CD8+ vírus-específicas. A proteína G é um dos antígenos que induzem a resposta
de Linfócitos T citotóxicos (CTL). Alguns camundongos também desenvolvem CTL
contra a proteína P. O papel das células T CD8+ na imunidade do hospedeiro ainda
não está claro. Alguns pesquisadores reportaram a eliminação do vírus da raiva
após a transferência de células T específicas contra o vírus e a proteção contra a
raiva por clone de CTL. Ao passo que outros pesquisadores mostraram que as CTLs
17
são insuficientes para a proteção contra o desafio do vírus e a depleção in vivo das
células T CD8+ não apresenta diferença na resistência à infecção viral.
Por outro
lado, as CTLs podem estar envolvidas na imunopatologia da raiva e têm sido
implicadas em paralisia neuronal. Já as células T CD4+ participam ativamente na
defesa imunológica contra o vírus da raiva. A eliminação das células T CD4+ anula a
produção de IgG na resposta à infecção. A RNP contém os principais epitopos que
induzem a resposta das células T CD4+, e a maioria dessas células T faz reação
cruzada com outros Lyssavirus (DE MATTOS et al., 2001).
Apesar de as proteínas do vírus da raiva serem altamente imunogênicas,
nenhuma resposta humoral ou celular pode ser observada durante o estágio de
movimentação viral do local de entrada até o SNC, provavelmente porque muito
pouco antígeno é liberado para o sistema imune, a maioria fica seqüestrada nas
células musculares ou nos axônios. Apesar de o organismo, naturalmente, não
produzir anticorpos neste estágio inicial da infecção, os vírus são sensíveis a
anticorpos exógenos ou aos previamente produzidos por vacinação pré-exposição,
ou até mesmo, por pós-exposição. A vacinação e a administração de soro antirábico, após a exposição do indivíduo ao vírus, são eficazes porque o período de
incubação do vírus é longo, havendo uma demora entre a replicação inicial nas
células
musculares
e
a
chegada
do
vírus
ao
sistema
nervoso
(MURPHY et al., 1999).
Desde a primeira vacinação feita por Pasteur, as formas de produção das
vacinas modificaram e tornaram-nas mais eficazes e seguras. As vacinas mais
comuns são obtidas de tecido cerebral infectado com vírus provenientes de
replicação em pintos jovens, embriões de galinha e culturas celulares de diversas
origens (LIEBERMANN, 1988). As vacinas obtidas de tecido cerebral apresentam
algumas reações adversas como a desmielinização, acidentes neuroparalíticos e
choque anafilático. As vacinas provenientes de cultivo celular são mais seguras, pois
são produzidas em culturas de células diplóides humanas ou de células renais de
macaco verde africano (VERO), e não de tecido nervoso de camundongo
(FUNASA, 2001).
A atenuação do vírus da raiva e a técnica de recombinância de vírus
permitiram a produção de vacinas de administração oral, utilizadas na Europa e EUA
para o controle da raiva em raposas e raccoons. Os vírus vetores utilizados nessas
vacinas
recombinantes
são
os
poxvírus:
vacínia
ou
canarypoxvirus
18
(MURPHY et al., 1999). Pesquisas na área de vacinas de DNA obtiveram bons
resultados na imunização de cães (PERRIN, 2000) e cavalos (FISHER, 2003).
2.9.
Sinais clínicos
Os
sinais
clínicos
da
raiva
são
variados
e
inespecíficos
(LANGOHR et al, 2003). O lapso entre a inoculação viral em camundongos e a sua
morte pode variar quanto à cepa viral utilizada e à idade do animal. Animais mais
jovens são mais susceptíveis ao vírus (GERMANO et al., 1988)
O período de incubação (PI) nos cães varia entre 15 e 90 dias, com
extremos de oito dias e 13 meses. Nos eqüinos, o PI varia entre 21 e 90 dias,
podendo prolongar-se até quatro meses. Nos ovinos, caprinos e suínos, o PI varia
entre 21 e 60 dias. Nos bovinos, o PI varia entre 20 e 80 dias. Nos felinos, o PI varia
entre 14 e 60 dias (FERREIRA, 1976).
Há três formas de apresentação da raiva, a excitativa ou “furiosa”, a
paralítica ou “muda” e a atípica (FERREIRA, 1976).
Na “raiva furiosa”, o curso total da doença é de aproximadamente quatro a
sete dias em cães, dois a seis dias em gatos, seis dias em eqüinos e; em ruminantes
e suínos, cinco a nove dias. Nessa apresentação clínica da raiva, são observados
três períodos básicos: o melancólico, o de excitação e o de depressão. No primeiro,
com duração de um a três dias, o animal mostra-se triste, exaltado, com
hipersensibilidade à luz e ao som, isola-se em lugares tranqüilos e semi-obscuros, e
responde
ao
chamado do
dono com
menor
vivacidade
que
o habitual
(FERREIRA, 1976).
No período de excitação que, em geral, dura de três a quatro dias, a
inquietação inicial se transforma em acessos de fúria, que alternam com períodos de
calma. Pode haver prurido intenso. O animal raivoso tenta atacar tudo o que está à
sua volta e, às vezes, deglute parte de objetos dilacerados por ele. A voz torna-se
rouca, devido à paralisia da faringe, o que leva a uma deficiência e dor na
deglutição. Com o avançar desta fase, os acessos de fúria são cada vez mais
espaçados, dando início ao período de depressão (FERREIRA, 1976).
O período de depressão vem com o aumento das fases de abatimento entre
cada acesso de fúria. Com o progresso degenerativo da medula, a marcha torna-se
cambaleante, segue-se a paresia, a paraplegia ou paralisia, micção e defecação
19
involuntárias. A cauda torna-se pendente e posicionada entre as pernas. A paralisia
progride de forma ascendente e acentuada, o que torna a fonação e a deglutição
cada vez mais difíceis. A língua mostra-se pendente, o maxilar descaído e a saliva
escorre “em fios”. Ocorre estrabismo convergente, aprofundamento dos globos
oculares nas órbitas e as córneas turvam-se. Ao final da doença, os animais caem
em decúbito lateral, há hipotermia, entram em coma e morrem ao final de poucas
horas (FERREIRA, 1976).
Na “raiva muda”, o período melancólico e de excitação são reduzidos ou não
ocorrem, antecipando assim a fase paralítica (FERREIRA, 1976). Esta forma de
apresentação clínica da raiva é a predominante em bovinos. Nesses casos, os sinais
mais freqüentemente observados são a incoordenação dos membros pélvicos,
seguida de paresia e paralisia flácida. Outros sinais nervosos incluem a paralisia da
cauda e do esfíncter anal, hipoestesia na região pélvica, sialorréia, cegueira,
bruxismo, tremores musculares na região da cabeça e opistótono. No final do curso
clínico médio de 5 dias, que pode variar entre dois e 10 dias, o animal posiciona-se
em decúbito esternal, seguido por decúbito lateral e morte após realizar movimentos
de pedalagem. Em raros casos, pode ocorrer a “raiva furiosa” em bovinos, que então
apresentam agressividade e mugidos freqüentes (LANGOHR et al, 2003).
Desmodus rotundus inoculados experimentalmente com o vírus da raiva
morrem em média 12 dias após a inoculação, com extremos de sete e 30 dias. Os
sinais clínicos são anorexia, alteração do reflexo, tremor, paralisia, ansiedade
(AGUILAR-SÉTIEN et al., 1998), irritabilidade à luz e a sons, prostração, conjuntivite
purulenta, incontinência urinária, desidratação, perda de peso (ALMEIDA et al.,
2005) e isolamento do restante da colônia (AGUILAR-SÉTIEN, 2005). O surgimento
dos sinais clínicos se dá 24 a 72 horas antes da morte (AGUILAR-SÉTIEN et al.,
2002). Mas alguns morcegos também morrem sem apresentar qualquer sinal clínico
aparente (ALMEIDA et al., 2005).
A raiva também pode apresentar cursos atípicos, nos quais podem ocorrer
prolongamento do PI, paralisia limitada a certos músculos, manifestações de
gastrenterite hemorrágica, da qual o animal se cura, mas morre poucos dias depois
(FERREIRA, 1976).
20
2.10. Colheita e envio de material clínico ao laboratório
Para a remoção do encéfalo da caixa craniana, primeiramente desarticula-se
a cabeça, depois se faz um corte a partir do forame magno de forma que os ossos
occipital e temporal sejam cortados dos lados direito e esquerdo. Outro corte é
realizado traçando-se uma linha imaginária imediatamente após as apófises supraorbitárias dos ossos frontais, unindo-se o extremo caudal de um olho ao outro. Em
seguida, retira-se a calota craniana. Com auxílio de tesoura e pinça, cortam-se as
meninges longitudinalmente, rebate-se a dura-máter lateralmente e remove-se o
cérebro juntamente com o cerebelo (GUIMARÃES e LEMOS, 1999). Em bovinos,
quando não é possível abrir a caixa craniana, pode-se retirar fragmentos do cerebelo
através do forame magno, após a desarticulação do occipital com o atlas
(SANTOS, 1976).
As regiões de eleição para a colheita são o cerebelo, o bulbo, a ponte e o
corno de Ammon. Para a realização do isolamento viral e imunofluorescência, utilizase a amostra fresca, refrigerada ou congelada. As amostras devem ser embaladas
em saco plástico duplo, etiquetado com o número do animal, a espécie, a data da
colheita, o sexo, a idade e a procedência. Para o exame histopatológico, utiliza-se a
amostra fixada em formol tamponado a 10% (SANTOS, 1976).
Para animais de pequeno porte, como cães e gatos, pode-se enviar a
cabeça inteira e sem conservante, desde que não ultrapasse o período de três horas
a partir da morte do animal até seu destino. Se demorar mais que três horas, devese enviar a cabeça refrigerada. Morcegos podem ser enviados inteiros e refrigerados
(SANTOS, 1976; GUIMARÃES e LEMOS, 1999).
2.11. Métodos diagnósticos
O diagnóstico clínico da raiva pode ser feito se houver uma boa
documentação da exposição do indivíduo ao vírus e, subseqüentemente, os
sintomas e sinais compatíveis com a doença. Contudo, nem sempre é possível
assegurar se houve exposição ao vírus. Nesses casos, qualquer doença neurológica
aguda, que progrida para a morte, deve ser considerada como suspeita de raiva.
(DE MATTOS, et al., 2001).
O diagnóstico laboratorial deve ser realizado para confirmar uma suspeita
clínica de raiva (LIEBERMANN, 1988). Os métodos diagnósticos para a raiva são:
21
imunofluorescência direta (IFD), exame histopatológico, isolamento viral em
camundongos, neutralização viral, microscopia eletrônica (LIEBERMANN, 1988;
DE MATTOS et al., 2001), isolamento viral em cultivo celular, imunoistoquímica,
reconhecimento de epitopos específicos com anticorpos monoclonais (MAbs) e
transcrição reversa seguida da reação em cadeia da polimerase (RT-PCR)
(DE MATTOS et al., 2001).
O diagnóstico por IFD de impressão da córnea, o exame histopatológico da
pele da região occipital da cabeça (folículo piloso) e a inoculação de amostra salivar,
por via intracerebral em camundongos, podem fornecer o diagnóstico ante-morten.
O isolamento viral, a partir de amostra encefálica ou salivar, pode ser tentado por
inoculação intracerebral em camundongos ou pela inoculação em culturas de células
de neuroblastoma. As técnicas de RT-PCR e MAbs não só fornecem diagnóstico,
mas
também permitem
identificar a variante viral
envolvida na infecção
(DE MATTOS et al., 2001).
O exame histopatológico pode ser realizado através de cortes histológicos,
impressões teciduais e distensão (esfregaço) de tecido macerado. As colorações
utilizadas podem ser a hematoxilina & eosina, Sellers e Giemsa (SMITH, 1962).
Na técnica de Faraco, é utilizada a coloração de Mann (SANTOS, 1976). Nestes
métodos, a estrutura que indica resultado positivo para a raiva são os corpúsculos
de Negri, porém os mesmos não estão presentes em 10 a 25% das amostras
positivas. Os corpúsculos de Negri são encontrados, principalmente, no corno de
Ammon (hipocampo cerebral), mas também são encontrados no córtex cerebral, no
tronco
encefálico,
na
medula
oblonga
e
em
outras
partes
do
SNC
(LIEBERMANN, 1988). Esses corpúsculos são encontrados com freqüência nas
células de Purkinje (no cerebelo) e nas células piramidais (corno de Ammon)
(SANTOS, 1975). Os corpúsculos de Negri podem ser encontrados, fora do SNC,
nas glândulas salivares (LIEBERMANN, 1988), nas células ganglionares da retina,
nos gânglios simpáticos satélites do nervo óptico e nos neurônios da retina
(RAVISSE, 1981).
A IFD é hoje o método mais utilizado para realizar diagnóstico de raiva, pois é
um teste rápido e tão seguro quanto o isolamento viral, e possibilita o diagnóstico
mesmo nos casos em que na histopatologia não se encontra corpúsculo de Negri
(LIEBERMANN, 1988). Permite a utilização de amostra fresca, congelada ou fixada
22
em
formol,
desde
que
seja
respeitado
o
período
de
conservação
(WHITFIELD, 2001).
2.12. Epidemiologia
O vírus da raiva está presente em quase todos os continentes, com exceção
na Oceania. Países como o Uruguai, Barbados, Jamaica, Ilhas do Caribe, Japão e
alguns países europeus estão livres do ciclo urbano da doença (FUNASA, 1998).
Pode-se dividir o ciclo epidemiológico da raiva em urbano e silvestre
(FUNASA, 1998b). O ciclo epidemiológico é mantido por uma espécie hospedeira
principal, a qual pode transmitir o vírus para animais dessa mesma espécie, ou
infectar animais de outra espécie que normalmente não desempenham papel
epidemiológico importante (LIEBERMANN, 1988).
O cão é o principal reservatório da raiva urbana, já o ciclo silvestre pode ser
mantido por algumas espécies hospedeiras como macacos, morcegos e raposas
(FUNASA, 1998b). O principal transmissor da raiva silvestre no Brasil é o morcego
hematófago Desmodus rotundus, responsável pela morte de 40 mil cabeças de gado
anualmente (KOTAIT et al., 1998). A raiva transmitida pelo Desmodus rotundus
também é conhecida como “raiva desmodina”, e o ciclo epidemiológico da raiva
entre morcegos e bovinos é conhecido como raiva dos herbívoros ou “raiva rural”.
Em áreas urbanas e rurais, os morcegos frugívoros e insetívoros também
podem transmitir acidentalmente a raiva aos humanos. Há relatos de morcegos
infectados com o vírus da raiva em algumas cidades do Estado de São Paulo
(ALMEIDA, 1994; MARTORELLI, 1995 e 1996; SILVA, 1999).
Em um estudo realizado entre 1986 e 1996, observou-se que a raiva humana
é endêmica no Brasil e que há uma disparidade entre o número de casos nas
regiões brasileiras: Nordeste, 61,50%; Norte, 18,38%; Sudeste, 11,21%; CentroOeste, 8,71%; e o Sul, 0,20%. A região Sul não apresenta casos de raiva humana
desde 1981, exceto um caso no Paraná, em 1987, transmitido acidentalmente por
morcego hematófago (FUNASA, 1998).
Entre 1980 e 1990, houve uma queda no número de casos de raiva em todo
o país, principalmente na primeira metade do período. A raiva humana reduziu 78%
e a canina em torno de 90%. Nesse período analisado, o cão foi o maior transmissor
da raiva aos humanos, com quase 80% dos casos, seguido pelo morcego que, em
23
1990, foi o causador de 15,1% desses casos (SCHNEIDER, 1996). Na segunda
metade desse período, houve aumento do número de casos de raiva no país, devido
aos casos transmitidos por morcegos na região Nordeste (SCHNEIDER, 1996).
O número de casos de raiva humana transmitida por morcegos ultrapassou os
transmitidos por cães em 2004. Nesse ano, 22 pessoas morreram de raiva
transmitida por quirópteros, enquanto cinco foram vítimas da raiva transmitida por
cães (Figura 1) (SECRETARIA DE VIGILÂNCIA EM SAÚDE, 2006). Só no estado do
Pará, foram reportados 21 casos de raiva transmitida pelo D. rotundus, sendo 15 no
município de Portel (WADA et al., 2004; ROSA et al., 2006) e seis em Viseu
(ROSA et al., 2006). Em 2005, o número de casos de raiva humana transmitida por
quirópteros foi ainda maior, 42 casos relatados (SECRETARIA DE VIGILÂNCIA EM
SAÚDE, 2006).
Casos de Raiva Humana Transmitidas Pelos Principais
Animais Reservatórios (Cão e Morcego) entre 1986 e 2006*
60
Nº. de Casos de Raiva Humana
Cão
Morcegos
50
Outros
40
30
20
10
0
86
87
88
89
90
91
92
93
94
95
96
97
98
99
00
01
02
03
04
05
06*
Anos
Figura 1. Casos de raiva humana no Brasil, transmitida pelos principais
reservatórios do vírus (cão e morcego). No eixo do X, estão
representados os anos desde 1986 até 2006: e eixo do Y representa o
número de casos de raiva humana (COVEV/CGDT/DEVEP/SVS/MS.
*Dados parciais do ano de 2006).
24
O foco de raiva em bovinos desloca-se cerca de 20km por mês e os morcegos
hematófagos infectados estão sempre à frente do foco no gado (TADEI et al., 1991).
A raiva se difunde rapidamente entre os D. rotundus, o que causa a mortalidade de
cerca de 50% da população desse quiróptero. Posteriormente, o número de
indivíduos na colônia demora a se restabelecer devido à baixa taxa de natalidade
entre os D. rotundus. Isto explica o comportamento do surto de raiva em bovinos,
que leva à morte um grande número de animais em um curto espaço de tempo
(DELPIETRO e RUSSO, 1996).
Casos de raiva transmitidos ao gado por morcegos hematófagos ocorrem ao
longo de todo o ano, sem a presença de sazonalidade em relação à estação do ano
ou ao regime de chuvas. Isto se deve ao fato de este morcego se manter ativo o ano
inteiro, visto que os D. rotundus não hibernam (DELPIETRO e RUSSO, 1996).
No Norte e Noroeste Fluminense, nos anos 1995 e 1996, foram verificados 57
casos de doença com sintomatologia neuromuscular, dos quais 46 (80,70%) foram
diagnosticados positivos para a raiva (SALES, 1997).
No município de Campos dos Goytacazes, entre 2000 e 2003, foram
confrontados os dados de diagnósticos laboratoriais positivos para a raiva com
dados de relatos de animais que morreram com sintomatologia semelhante
os
à da
raiva, fornecidos por fazendeiros e tratadores. Os casos de raiva bovina confirmados
por diagnóstico laboratorial, nos anos de 2000, 2001, 2002 e 2003, foram,
respectivamente, cinco, quatro, três e três. Ao passo que os casos suspeitos foram
em cinco animais em 2000; 65, em 2001: 35, em 2002 e; 40 até julho de 2003
(CHICARINO et al., 2003). Portanto, a raiva bovina nessa região é um problema
para os pecuaristas, por levar à morte muitas cabeças de gado. Para a Saúde
Pública, um grande problema está no subenvio de amostras suspeitas de raiva a fim
de se proceder à confirmação do diagnóstico pelas técnicas laboratoriais
preconizadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS).
2.13. Tratamento e profilaxia
Não há tratamento para a raiva depois de estabelecido o quadro clínico, com
raríssimas exceções alguns indivíduos sobreviveram à doença (DE MATTOS et al.,
2001; LIERBERMAN, 1988). Portanto, o combate à doença deve ser realizado por
meio de medidas profiláticas.
25
2.13.1. Atuação em focos de raiva
Quando há a comunicação de um caso suspeito de raiva, procede-se da
seguinte forma: anamnese detalhada sobre o caso, exame clínico, necropsia,
colheita de material do SNC para diagnóstico e envio ao laboratório. Deve-se realizar
a coleta de dados epidemiológicos, os quais consistem em: data de início do foco;
número total de indivíduos (mamíferos) susceptíveis ao vírus; quantidade de
indivíduos expostos por espécie; quantidade de animais doentes por espécie;
quantidade de mortos por espécie; data da última vacinação, tipo de vacina
(atenuada ou inativada), laboratório produtor da vacina, data de validade e número
da partida; data de ingresso e egresso dos animais, por espécie, na fazenda;
condições clínicas dos animais; e caracterização da espécie transmissora (KOTAIT,
1998).
Se o resultado para a raiva for negativo nos exames laboratoriais, deve-se
realizar o diagnóstico diferencial para outras doenças. Quando o resultado for
positivo, e o transmissor for um cão ou um gato, deve-se rastrear seu trajeto, a fim
de identificar as fazendas por onde passou e os animais com quem teve contado,
para que sejam vacinados. O animal agressor deve ser sacrificado e os agredidos
devem ficar isolados e sob observação por 60 dias (KOTAIT, 1998).
Quando o agressor for um animal selvagem, deve-se comunicar o fato à
Vigilância Epidemiológica, à Direção Regional de Saúde (DIR) e/ou à Prefeitura, e ao
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA)
(KOTAIT, 1998).
Os humanos que entrarem em contato com o animal agressor devem ser
encaminhados ao posto de Saúde mais próximo, levando consigo uma carta do
Médico Veterinário que atendeu o caso, e o fato deve ser comunicado à Vigilância
Epidemiológica, à DIR e/ ou à Prefeitura, e ao Centro de Controle de Zoonoses
(CCZ) da região (KOTAIT, 1998).
26
2.13.2. Ações permanentes em áreas epidêmicas
Em regiões epizoóticas/epidêmicas, a vacinação dos herbívoros domésticos
deve ser realizada de seis em seis meses. Os primovacinados devem receber um
reforço 30 dias após a primeira dose, os recém-nascidos devem ser vacinados aos
três meses e revacinados aos quatro meses. Recomenda-se a utilização de vacina
inativada e de boa procedência (KOTAIT, 1998).
Área epizoótica/epidêmica é normalmente de topografia acidentada, com
muitos abrigos naturais para os morcegos hematófagos, o que ajuda na manutenção
do número elevado de quirópteros na região. Nestas áreas, o controle da população
de D. rotundus deve ser constante, a fim de reduzir a circulação do vírus da raiva
nessa espécie. Para se conduzir com eficácia o controle dos morcegos, deve-se
proceder a um levantamento dos abrigos naturais e artificiais destes quirópteros, a
situação dos ataques por morcegos hematófagos, a quantidade de animais
agredidos, e o número de lesões por animal. Nas fazendas onde mais que 5% do
gado apresentam mordedura pelo morcego hematófago, é recomendável realizar a
captura do D. rotundus e se fazer o uso da “pasta vampiricida” (Warfarina) nestes
morcegos. Quando menos que 5% do rebanho for acometido, o controle dos
hematófagos deve ser feito apenas com o uso tópico da “pasta vampiricida” nas
mordeduras. O trabalho educacional deve ser realizado de forma a conscientizar os
proprietários e tratadores de animais sobre a importância de se inviabilizar os
abrigos artificiais, identificar e comunicar a existência de novos abrigos, a
importância da vacinação, e a revacinação dos primovacinados 30 dias após a
primeira dose (KOTAIT, 1998).
Complementarmente ao controle dos morcegos hematófagos, deve-se
proceder às ações de vigilância epidemiológica que são: o levantamento do índice
de mordedura por D. rotundus de dois em dois meses, a verificação do
repovoamento oito dias após a captura, a inspeção de abrigos, o atendimento de
casos
suspeitos,
a
realização
de
exames
laboratoriais,
o
levantamento
epidemiológico da doença, além de ações permanentes de educação que
mantenham a população, a prefeitura e os CCZs (Centros de Controle de Zoonoses)
alertas para as questões relativas à raiva. (KOTAIT, 1998).
27
2.13.3. Ações permanentes em áreas endêmicas
A vacinação em áreas endêmicas deve ser realizada uma vez por ano, com
vacina inativada. Os primovacinados devem receber duas doses da vacina, com
intervalo de 30 dias entre as aplicações e, os animais recém-nascidos devem ser
vacinados aos três meses e receber a segunda dose 30 dias após a primeira.
Os métodos utilizados para o controle da população de morcegos hematófagos são
os mesmos das áreas epizoóticas/epidêmicas (KOTAIT, 1998).
Além do controle dos morcegos, deve-se proceder às ações de vigilância
epidemiológica, que serão conduzidas da mesma forma que em regiões epidêmicas,
exceto pelo levantamento do índice de mordedura por Desmodus rotundus, que será
realizado de quatro em quatro meses ao invés de dois em dois meses
(KOTAIT, 1998).
2.13.4. Atendimento a focos em áreas esporádicas
Nestas regiões, a maior ênfase deve ser ao atendimento do caso suspeito e
todos os esforços deverão ser despendidos para o controle de cada episódio, de
forma a impedir a disseminação dos mesmos para outras propriedades da área de
influência do foco. A área de influência do foco compreende toda a área até 5 km de
raio de distância do mesmo. As medidas de controle do foco são as mesmas
adotadas nas regiões endêmicas e epidêmicas (KOTAIT, 1998).
Em
áreas
esporádicas,
depois
de
controlado
o
foco
(“silêncio
sintomatológico”), as ações de vigilância devem perdurar por 12 meses. Deve-se
fazer o levantamento do índice de mordedura de morcego nos rebanhos, por
amostragem, com intervalos de quatro meses. É importante verificar as condições de
re-povoamento das colônias dos hematófagos, e inspecionar os novos abrigos
naturais e artificiais encontrados, a fim de verificar a presença do Desmodus
rotundus (KOTAIT, 1998).
2.14. Biologia do Desmodus rotundus (Morcego Vampiro Comum)
Morcegos pertencem à ordem Chiroptera, o termo origina-se dos radicais
chiro que significa mão e ptera que significa asa. Ou seja, animais com as mãos
transformadas em asas. É a segunda ordem em número de espécies, com cerca de
28
987 formas descritas, cujo número só é superado pela ordem Rodentia
(ESBÉRARD, 2004). São os únicos mamíferos com capacidade de vôo verdadeiro,
a maioria das espécies é de tamanho pequeno (STORER et al., 2002), não
ultrapassando 100g de peso (ESBÉRARD, 2004). Os membros anteriores e os 2º a
5º dedos são longos e sustentam uma fina membrana do tegumento que forma a
asa, que em algumas espécies inclui os membros posteriores e a cauda.
Nos membros anteriores apenas o 1º dedo (e o 2º em algumas espécies de
frugívoros) possui garra. Os pés são pequenos e todos os dedos possuem garras
afiadas e curvas (STORER et al., 2002).
Exceto as regiões polares, os quirópteros são encontrados em todos os
continentes (ESBÉRARD, 2004). São divididos em 16 famílias distribuídas em duas
subordens, a Megachiroptera e a Microchiroptera. A primeira compreende morcegos
frugívoros de grande porte que habitam a Ásia e a África, a maior espécie chega a
30cm de cabeça e corpo, e 1,5m de envergadura. A subordem Microchiroptera
contém 15 famílias com cerca de 135 gêneros e diversas espécies de morcegos de
pequeno porte. Dentre as espécies, vários são os hábitos alimentares dos
quirópteros, insetívoros, frugívoros, hematófagos, etc. (STORER et al., 2002).
São animais de hábito crepuscular e noturno, grande parte das espécies
orienta-se por ecolocalização, emitindo sons, inaudíveis aos humanos e, quando se
chocam com objetos, retornam para o animal sob forma de eco (ESBÉRARD, 2004).
Há três espécies de morcegos hematófagos, Desmodus rotundus, Diphylla
ecaudata e Diaemus youngi. As três espécies fazem parte da família Phyllostomidae
e subfamília Desmodontinae. A espécie D. rotundus é mais comum e mais
amplamente distribuída, as duas outras são menos distribuídas e não constituem um
grande problema na epidemiologia da raiva. Essas espécies alimentam-se
exclusivamente de sangue, sendo que a preferência do D. rotundus é pelo sangue
de mamíferos, mas também pode alimentar-se de sangue de aves. Os Diaemus
youngi e D. ecaudata alimentam-se basicamente de sangue de aves, mas podem
alimentar-se também de sangue de mamíferos (TADEI et al., 1991).
O D. rotundus é um animal basicamente cavernícola, mas pode colonizar
outros abrigos como oco de árvores e abrigos naturais. Em áreas de cavernas, onde
o alimento não é fator de restrição para o D. rotundus, pode ocorrer desequilíbrio na
população de morcegos, quando o número de indivíduos de D. rotundus cresce
exageradamente e essas populações desalojam outras espécies de morcegos do
29
abrigo. Até a década de 80, quando se iniciou o combate ao D. rotundus, os abrigos
em região cárstica eram dominados por essa espécie. Após esse período, a
população de D. rotundus não voltou ao seu tamanho original e, em algumas
cavernas, são observadas espécies de quirópteros que antes não ocorriam naquele
abrigo (TRAJANO, 1995).
Os D. rotundus adultos pesam entre 39,5 e 56,7g, os antebraços variam de
61,7 e 71mm de comprimento, com as fêmeas ligeiramente maiores e mais pesadas
que os machos. A maior parte dos nascimentos entre os D. rotundus ocorre na
primavera e no verão, com o nascimento de apenas um filhote, e o tempo de
gestação é de aproximadamente 165 a 180 dias (DELPIETRO e RUSSO, 2002).
A estrutura social dos D. rotundus é organizada em dois tipos de colônias, a
colônia principal ou harém, composta de várias fêmeas com seus filhotes e poucos
machos adultos; e outra colônia composta apenas de machos, esses últimos podem
ser aceitos na colônia principal quando a temperatura ambiente é reduzida
(DELPIETRO e RUSSO, 2002). Quirópteros dessa espécie são considerados
agressivos e constantemente são encontrados morcegos com cicatrizes provocadas
por briga entre eles (ROCHA, 2005).
Em regiões de criação de gado, os D. rotundus vivem como um animal
sinantrópico, suas populações são grandes, a alimentação depende quase que
exclusivamente
do
gado
e
os
ataques
aos
humanos
são
esporádicos.
No ecossistema com escassa produção de gado, as populações de D. rotundus são
muito menores, a alimentação depende de diferentes espécies animais e os ataques
a humanos são mais freqüentes (DELPIETRO e RUSSO, 1996).
30
3. MATERIAL E MÉTODOS
3.1.
3.1.1.
Animais
Morcegos hematófagos
Desmodus rotundus de ambos os sexos e idades variadas, capturados nas
regiões Norte e Noroeste Fluminense, foram utilizados na colheita das amostras
clínicas. Os morcegos capturados foram mantidos no Morcegário do Setor de
Virologia – Laboratório de Sanidade Animal (LSA) – Centro de Ciências e
Tecnologias Agropecuárias (CCTA) da Universidade Estadual do Norte Fluminense
Darcy Ribeiro (UENF).
3.1.2.
Camundongos
Foram utilizados camundongos albinos suíços com 21 dias de idade, para a
inoculação do material encefálico dos morcegos por via intracerebral, a fim de isolar
o vírus. Os camundongos foram obtidos no Biotério do Instituto Pasteur de São
Paulo e mantidos depois de inoculados no Infectório do mesmo.
31
3.2.
Célula
As células de neuroblastoma murino (N2A) foram utilizadas para o isolamento
viral. Sua manutenção era feita em garrafas de 25cm2, cultivadas em meio de cultivo
celular MEM (Minimum Essential Medium Eagle, 9,5g/L - Sigma), com a adição de
10% de soro fetal bovino (proveniente do Instituto Adolfo Lutz) e 10µL de
aminoácidos (a.a.) não-essenciais ([ ] 100x - Cultilab) para cada 10 mL de meio,
como descrito por WEBSTER E CASEY (1996).
As células eram repicadas a cada três dias. Para tal procedimento,
desprezava-se o meio da garrafa, adicionava-se 2,5mL de tripsina ao tapete célular,
e desprezava-se a mesma para retirar o resquício de meio (o soro fetal bovino
inativa a tripsina). Adicionava-se mais 2,5mL de tripsina que agia por 30s,
desprezava-se a tripsina e ressuspendia-se as células em 5mL de meio. Em
seguida, acrescentava-se 1mL da suspensão celular em 9mL do meio de cultivo
celular e as garrafas eram incubadas a 37°C em estu fa de CO2. Após três dias, o
tapete celular apresentava-se confluente e um novo repique era realizado para o
isolamento viral ou manutenção celular.
3.3.
Captura de morcegos e sua manutenção em cativeiro
Os D. rotundus estudados foram provenientes de nove capturas realizadas
durante o experimento, nos municípios de Italva, Miracema, Bom Jesus do Norte,
Campos dos Goytacazes e Quissamã (Tabela 2). A localização dos abrigos, onde
foram feitas as capturas, foi marcada com aparelho de GPS (sistema de
posicionamento global – Gramin, eTrex VistaC). A localização dos abrigos e sua
descrição estão na Tabela 1.
As capturas eram realizadas, como descrito por BREDT (1998), com redes
de neblina (mist nets), com dimensões de 7 x 2,5m, malhas de 2cm em fios de nylon,
com quatro cordões longitudinais que, em suas extremidades, formam punhos para
a fixação da rede em estacas. A amarração da rede era feita esticando-se os
cordões longitudinais e soltando-se a malha, para que se formassem saculações
(“barrigas”), onde ficavam presos os morcegos que se chocavam com a rede.
Os morcegos presos à rede eram retirados com auxílio de duas pessoas,
uma, calçando luva de raspa de couro, segurava o animal, enquanto a outra prendia
a cabeça do morcego com uma pinça de Colin (18cm). Com a cabeça do morcego
32
imobilizada, desemaranhava-se o animal da rede e então os morcegos eram
alocados em gaiolas, para serem transportados.
As capturas foram realizadas com o acompanhamento de agentes do Núcleo
de DSA ou do CCZ de cada município. Em contrapartida ao auxílio desses agentes,
era realizado o controle da população do D. rotundus com a utilização da “pasta
vampiricida” (Warfarina sódica a 2% - Valleé®) aplicada no dorso de algumas
fêmeas de hematófagos capturadas, que em seguida eram soltas para voltarem ao
abrigo.
No Morcegário, os animais permaneciam nas gaiolas de transporte e,
somente no dia seguinte, eram manipulados. Cada morcego foi pesado, medido seu
antebraço e marcado com uma coleira numerada e alojados nas gaiolas definitivas.
As gaiolas são confeccionadas em madeira e revestidas por fórmica, nas
dimensões de 70 x 70 x 90cm (largura x comprimento x altura). Dentro da gaiola há
uma caixinha removível, acoplada pela parte superior da mesma. No teto da
caixinha, uma tela de arame, onde os morcegos se fixavam praticamente o dia todo.
Com uma porta em forma de guilhotina, era possível fechar os morcegos dentro da
caixinha para se realizar os procedimentos de limpeza das gaiolas. A caixinha possui
as seguintes dimensões 33 x 33 x 31,5cm (largura x comprimento x altura).
As gaiolas com os morcegos alojados ficaram em um recinto dentro do
Morcegário. Um cômodo com 6 x 3 x 3m (comprimento x altura x largura), construído
em alvenaria e pintado de preto. A temperatura do recinto foi mantida com ar
condicionado a 21°C e a umidade do recinto era mant ida molhando-se o chão todos
os dias pela manhã, no momento da limpeza.
Os morcegos eram alimentados com 20mL de sangue bovino por dia,
colhido em matadouro e armazenado congelado ou refrigerado. Foi oferecido
sangue desfibrinado ou sangue com adição de citrato de sódio a 3,8% (na proporção
de uma parte do anticoagulante para nove de sangue). O sangue era aquecido em
banho-maria à temperatura de 37°C e oferecido aos morcegos em cochos plásticos
para passarinho, presos às grades das portas das gaiolas.
33
Tabela 1. Descrição dos abrigos do Norte e Noroeste Fluminense e Sul do Espírito
Santo onde foram realizadas as capturas de Desmodus rotundus
Local da Captura
Identificação do
Abrigo
Tipo de
Abrigo
Cidade /
Localidade
Posicionamento
Geográfico
1
Italva /
Ponte de Táboa
S 21° 27' 06,4''
W 041° 43' 34,2''
Natural
2
Miracema /
Paraíso do Tobias
S 21° 23' 39,3''
W 042° 04' 32,4''
Natural
3
Bom Jesus do Norte /
Volta Fria
S 21° 06' 45,8''
W 041° 40' 55,6''
Artificial
4
Campos do
Goytacazes/ Serrinha
S 22° 00' 26,4''
W 041° 40' 00,3''
Artificial
5
Quissamã / BR 101
km 118
S 22° 05' 15,7''
W 041° 41' 20,2''
Artificial
Tabela 2. Descrição das colônias de Desmodus rotundus capturadas nas Regiões
Norte e Noroeste do Rio de Janeiro e Sul do Espírito Santo
Captura
Data
da Captura
1
2
3
4
5
6
7
8
9
25/08/05
20/10/05
29/10/05
14/03/06
16/03/06
21/03/06
26/07/06
30/08/06
29/09/06
Total
1
- Machos
2
- Fêmeas
Identificação
do Abrigo
1
2
3
2
4
5
5
5
2
Período
da Captura
Diurno
Diurno
Noturno
Diurno
Diurno
Diurno
Diurno
Diurno
Diurno
Nº de
D. rotundus
1
Total
2
M
1
13
26
15
4
10
46
3
5
F
13
22
46
0
0
21
37
0
1
14
35
72
15
4
31
83
3
6
123
140
263
34
Figura 2. Captura e manutenção de morcegos hematófagos em cativeiro
(Morcegário do Setor de Virologia – LSA/CCTA/UENF. A) Abrigo
artificial de Desmodus rotundus. B) Morcego hematófago D. rotundus
preso à rede de neblina. C) Gaiola onde foram mantidos os morcegos
no cativeiro. D) D. rotundus dentro da caixinha removível pertencente à
gaiola. E) D. rotundus, vista ventral e de cabeça para baixo,
posicionado para se alimentar com o sangue oferecido em pote preso à
gaiola. F) Fêmea de D. rotundus com um filhote que nasceu no cativeiro
(VIEIRA, 2006).
35
3.4.
Colheita e processamento das amostras
No dia seguinte às capturas, foram colhidas de alguns morcegos duas
amostras de saliva introduzindo um swab de algodão seco na orofaringe. Após
a colheita, cada swab era colocado em um tubo contendo 750µL de Trizol reagent
(Invitrogen™) e estocado a –20°C até o momento do u so.
Os morcegos que morreram durante o experimento foram necropsiados
assim que sua morte foi detectada. Os encéfalos destes animais foram
acondicionados em potes de filme fotográfico e congelados a –20°C. A verificação
do estado clínico dos morcegos e as mortes eram avaliadas duas vezes ao dia, pela
manhã e à tarde. Os morcegos que permaneceram vivos até o final do experimento
foram eutanasiados e necropsiados assim como os anteriormente relatados.
Foram colhidas amostras de coração, pulmão, fígado, rim, glândula salivar
parótida e língua. Cada amostra era colhida com tesoura e pinça estéreis individual
para não haver contaminação (inclusive, de um órgão para outro). De dois morcegos
positivos para a raiva no cérebro, não foi possível colher os órgãos por problemas
ocorridos no armazenamento dos corpos.
As amostras obtidas foram testadas no Instituto Pasteur de São Paulo,
considerado de Referência Nacional e laboratório consorciado da Organização
Panamericana de Saúde (OPAS) – Organização Mundial de Saúde (OMS).
3.5.
Imunofluorescência direta
As
amostras
encefálicas
colhidas
dos
animais
necropsiados
foram
submetidas ao teste de imunofluorescência direta (IFD), de acordo com as normas
e protocolos utilizados pelo Instituto Pasteur de São Paulo, descritas por DEAN,
ABELSETH E ATANASIU (1996).
Para cada amostra, eram preparadas quatro lâminas, com fragmentos
encefálicos diferentes para cada repetição. Eram realizadas duas impressões
teciduais em cada lâmina, uma próxima e outra distante da etiqueta de identificação.
As impressões eram realizadas em lâmina de vidro e, com papel de filtro, retirava-se
o excesso de tecido.
Duas lâminas eram utilizadas na realização da IFD e duas eram guardadas
em freezer a –20°C, para serem usadas, caso fosse necessário repetir alguma
leitura.
36
A cada conjunto de 15 amostras processadas, eram inseridas uma lâmina
controle positivo (cérebro de camundongo infectado com o vírus CVS “Challenge
virus standard”) e outra lâmina controle negativo (cérebro de camundongo normal).
As lâminas eram secas à temperatura ambiente (TA) por 20min, em seguida
eram imersas em acetona a –20°C e deixadas no freez er por 45min para fixar
o tecido. Retirava-se então a acetona do coplin, frasco onde estavam as lâminas que
foram colocadas em estufa a 37°C para secarem por c erca de 5 a 10min.
Sobre cada uma das duas impressões realizadas em lâminas, eram
adicionados 25µL de solução de conjugado e, em seguida, eram levadas para estufa
a 37°C, em câmara úmida, por 30min. Na impressão pr óxima à etiqueta, a solução
de conjugado era preparada com a adição de cérebro de camundongo normal,
enquanto, na impressão distante da etiqueta, o conjugado era preparado com
a adição de cérebro de camundongo infectado.
As lâminas eram retiradas da estufa e com auxílio de uma pisseta,
dispensava-se o excesso de conjugado rinsando-se com tampão salina-fosfato
(PBS) pH 7,4. As lâminas eram imersas em PBS e, após 10min, o mesmo era
dispensado e então se repetia a imersão por mais 10min. Em seguida, as lâminas
eram lavadas duas vezes com água destilada, deixando-as imersas por 5min em
cada lavagem.
Após dispensar a água destilada, as lâminas voltavam à estufa a 37°C para
secarem. Em seguida, uma gota de glicerina tamponada (pH 8,5) era colocada sobre
cada uma das impressões e uma lamínula era colocada sobre a glicerina.
As lâminas eram lidas em microscópio epifluorescente (Zeiss) em aumento de 400x.
O conjugado utilizado na IFD é produzido pelo Instituto Pasteur de São Paulo
(“conjugado IP”) e apenas nas repetições utilizou-se o conjugado produzido pela
Bio-Rad. O título do “conjugado IP” utilizado estava a 1:100. Para se chegar a esta
concentração, foram feitas duas diluições; na primeira, dilui-se o conjugado 1:10 em
PBS pH 7,4 (50µL de “conjugado IP” em 450µL de PBS); e na segunda, preparou-se
duas soluções de conjugado diferentes, uma com cérebro de camundongo normal
(não infectado) e outra com cérebro de camundongo infectado com o vírus CVS.
Essa diluição foi realizada com suspensão de cérebro a 20% (100µL da 1ª diluição
em 900µL de solução cerebral). O conjugado da Bio-Rad foi diluído a 1:20
diretamente em solução cerebral a 20% (25µL do conjugado Bio-Rad em 475µL de
solução de cérebro normal ou infectado).
37
3.6.
Isolamento viral
Para a realização do isolamento viral, foram utilizadas duas técnicas:
inoculação em células e inoculação intracerebral em camundongos. As amostras
foram primeiramente submetidas à inoculação em cultivo de células, seguindo
os protocolos descritos por WEBSTER E CASEY (1996). As amostras positivas
foram inoculadas em camundongo, como descrito por KOPROWSKI (1996b).
O material encefálico analisado era preparado da mesma forma para os dois
testes. O encéfalo era pesado, macerado com auxílio de grau e pistilo e adicionavase o diluente para obtenção de uma suspensão de cérebro a 20%. Deixava-se
a solução a 5°C por 30min. para os antibióticos atuarem. Centrifugava-se o material
durante 30min a 1.400g, a fim de eliminar as partículas mais grosseiras
e o sobrenadante era separado para ser utilizado como inóculo.
O diluente era preparado com 20mL de soro fetal bovino, 1mL de garamicina
(gentamicina 20mg), 8,5g de cloreto de sódio e q.s.p. 1.000mL de água destilada.
3.6.1.
Inoculação em célula de neuroblastoma murino
No procedimento de inoculação em células, foi utilizada a linhagem contínua
de neuroblastoma murino (N2A). Preparou-se uma suspensão celular realizada da
mesma forma que para um repique normal (descrito no item 3.2), exceto pelo meio
de cultivo. Para cada 10 mL de meio MEM, eram adicionados 30µL de a.a.
não-essenciais, 30µL de sulfato de gentamicina (50mg/mL – Cultilab) e 10% de soro
fetal bovino (Instituto Adolfo Lutz).
As amostras eram testadas em triplicata, em placa de microtitulação com
96 poços. As suspensões cerebrais a 20% eram homogeneizadas em vórtex e, em
seguida, para cada um dos três poços, eram adicionados 40µL da suspensão
cerebral, 160µL de meio de cultivo e 100µL da suspensão celular.
As placas eram incubadas a 37°C, em câmara úmida, com 5% de CO2 por 72
a 96 h. Após esse tempo retirava-se o meio dos poços utilizando-se uma bomba de
sucção.
As células eram fixadas com 200µL/poço de acetona a 80%, gelada a -20°C
e incubadas por 15min em banho de gelo. Em seguida, desprezava-se a acetona
e secava-se a placa.
38
Para promover um melhor contraste e facilitar a leitura, era utilizado o Azul de
Evans, primeiramente diluído a 5% em água destilada e, em seguida, adicionava-se
100µL da primeira diluição em 200mL de PBS, o que resultava em uma diluição de
1:40.000. Esta solução final era utilizada para diluir o conjugado. O conjugado
é produzido pelo Instituto Pasteur de São Paulo e seu título estava em 1:160. Eram
adicionados 40µL de “conjugado IP” por poço e as placas eram incubadas, em
câmara úmida, a 37°C por 1h.
Após retirar a placa da estufa, o “conjugado IP” era desprezado e, em
seguida, eram realizadas três lavagens com PBS e três com água destilada.
Secava-se a placa e adicionava-se 50µL de glicerina tamponada pH 8,5 em cada
poço. As placas eram examinadas ao microscópio óptico de luz ultravioleta invertido
(Zeiss), com aumento de 400x.
3.6.2.
Inoculação em camundongo
Os camundongos foram inoculados por via intracerebral com 0,03mL da
suspensão cerebral a 20%, utilizando-se seringas de insulina de 1mL.
Os camundongos inoculados foram mantidos em gaiolas com água e ração
e supervisionados três vezes ao dia, para a observação do aparecimento dos sinais
clínicos da raiva e morte, por no mínimo 21 dias. As mortes com menos de 48 h
pós-inoculação (p.i.) foram consideradas acidentes de inoculação; as mortes após
três dias p.i. foram consideradas suspeitas de raiva e os cérebros desses animais
foram colhidos para a IFD. Os animais que não apresentaram sintomas em 21 dias
p.i. foram eutanasiados e considerados negativos.
3.7.
Amplificação das regiões específicas do genoma viral
As amostras de cérebro e dos demais órgãos foram submetidas à transcrição
reversa seguida da reação em cadeia pela polimerase (RT-PCR, reverse
transcription – polymerase chain reaction). E as amostras de saliva foram
submetidas a hemi-nested RT-PCR, segundo descrito por ORCIARI et al. (2001).
A descrição dos primers está na Tabela 3. Os pares de primers utilizados em cada
reação pelo tipo de amostra está na Tabela 4, e a representação da região
amplificada por cada par de primers está na Figura 3.
39
Tabela 3. Oligonucleotídeos iniciadores (primers) utilizados nas reações de
transcrição reversa (RT), reação em cadeia da polimerase (PCR),
hemi-nested e seqüenciamento de parte do genoma do vírus da raiva
Primer Polaridade
Posição no
Genoma
Seqüência
(Sentido 5’ → 3’)
21g
Senso
55 -73
ATGTAACACCTCTACAATG
304
Anti-senso
1514-1533
TTGACGAAGATCTTGCTCAT
504
Senso
1286 -1317 TATACTCGAATCATGATGAATGGAGGTCGACT
Tabela 4. Primers utilizados em cada etapa de amplificação de regiões específicas
do genoma viral, para cada tipo de amostra, e os respectivos tamanhos
de fragmento de DNA amplificado
Tipo de
Amostra
Cérebro
Pares de Primers utilizados
RT
PCR
Hemi-nested
Fragmento
Amplificado
21g - 304
21g - 304
-
1479bp
504 - 304
504 - 304
-
248bp
21g - 304
21g - 304
504 - 304
248bp
Órgãos
(exceto o
cérebro)
Saliva
40
Figura 3. Esquema representativo do genoma mostrando as regiões amplificadas do
vírus da raiva. Colchete 1: região amplificada utilizando-se os primers 21g
e 304. Colchete 2: região amplificada utilizando-se os primers 504 e 304.
A região do genoma que codifica as proteínas N, P, M. G e L estão
representadas por suas respectivas letras e o número de nucleotídeos de
cada uma delas está logo acima da barra (DE MATTOS et al., 2001).
3.7.1.
Extração de RNA total
Com o Trizol Reagent (Invitrogen™), foram extraídos RNA de amostras de
cérebro, glândula salivar, língua, coração, pulmão, fígado, rim e saliva, seguindo
as recomendações do fabricante, com pequenas modificações.
Todos os reagentes utilizados, exceto a água, foram mantidos em gelo.
Depois da adição de cada reagente nos tubos, era feita uma homogeneização de
15s em vórtex. Todas as centrifugações foram realizadas a 12.000g, a 4°C, variando
apenas no tempo de centrifugação.
Para a extração do RNA dos órgãos, eram utilizados, no isolamento viral,
aproximadamente 100mg de tecido ou 300 µL da suspensão cerebral a 20%.
O tecido era picotado com bisturi estéril antes de ser colocado em microtubo livre de
RNAse e DNAse. Adicionava-se às amostras 1mL de Trizol Reagent (Invitrogen™),
homogeneizado em vórtex. Os swabs com as amostras de saliva eram
descongelados e homogeneizados em vórtex por 15s.
As amostras eram incubadas à temperatura ambiente (TA) por 5min.
Em seguida, adicionava-se 200µL de clorofórmio, era feita a homogeneização,
incubando-a por 3min à TA. Em seguida, realizava-se a centrifugação por 15min.
Retirava-se então a fase aquosa (sobrenadante) e a transferia para outro microtubo.
Eram adicionados a esse tubo 500µL de álcool isopropílico e novamente
41
homogeneizava-se a amostra. Após uma incubação por 10min à TA, a amostra era
centrifugada por 10min.
Ao final da centrifugação, formava-se um pellet no fundo do tubo.
O sobrenadante era desprezado, permanecendo apenas o pellet. Feito isso,
adicionava-se 1mL de etanol a 75%, homogeneizava-se em vórtex e centrifugava-se
por 5 min. Novamente, vertia-se o tubo para desprezar o etanol e secava-se o tubo.
Adicionavam-se 25µL de água livre de RNAse e DNAse ao tubo, pipetava-se
50 vezes para ressuspender o pellet, levava-se ao vórtex por 15s, fazia-se uma
centrifugação rápida e colocava-se o tubo em banho a 56°C por 10min. Em seguida,
as amostras eram estocadas a –20°C até o momento do uso.
3.7.2.
Transcrição reversa
Na transcrição reversa (RT) preparou-se para cada amostra uma solução
(MIX) contendo 12µL de água ultra-pura, 8µL de tampão (5x First-Strand Buffer,
Invitrogen™; 250mM de Tris-HCl, pH 8,3; 375mM de KCl; 15mM de MgCl2), 6µL
de dNTPs (desoxinucleotídoes trifosfato - dATP, dTTP, dCTP e dGTP – 10mM), 4µL
de DTT (Dithiothreitol 0,1M, Invitrogen™), 5µL do primer senso (10mM) e 5µL
do primer anti-senso (10mM).
Após a adição destes componentes, homogeneizava-se em vórtex
rapidamente e submetia-se a uma rápida centrifugação (spin). Em seguida,
adicionavam-se 1µL (40 unidades/µL) de RNaseOUT™ (Invitrogen™) e 1µL
(200 unidades/µL) de SuperScript™ II RT (Invitogen™). Homogeneizava-se
levemente,
submetia-se
novamente
a
uma
centrifugação
rápida
e
então
colocavam-se 42µL do MIX para cada microtubo, a esse tubo eram adicionados 5µL
de RNA total obtido na etapa de extração.
Para evitar contaminação, o MIX era preparado em fluxo destinado apenas
ao trabalho com material não contaminado. Depois de preparado, levava-se ao outro
fluxo para a adição do RNA total. Todas as etapas de preparação do MIX e adição
do RNA eram feitas com os tubos mantidos em gelo.
Os tubos eram levados ao termociclador (Mastercycler Gradient – Eppendorf)
à temperatura de 42°C por 1h.
42
3.7.3.
Reação em cadeia pela polimerase
Para a realização da reação em cadeia da polimerase (PCR), era preparado
outro MIX. Para cada amostra, eram utilizados 50,5µL de água ultra-pura, 10µL
de tampão (10x PCR Buffer – Invitrogen™ ; 200mM de Tris-HCl, pH 8,4; 500mM kCl,
16µL de dNTPs (1,25mM), 5µL de primer senso (10mM), 5µL de primer anti-senso
(10mM) e 5µL de MgCl2 (50mM).
Os
reagentes
eram
homogeneizados
em
vórtex
e
centrifugados
rapidamente. Em seguida, eram adicionados 0,5µL (5 unidades/µL) de Taq DNA
polimerase
(Invitrogen™)
e
homogeneizava-se
levemente.
Dessa
solução,
resultavam 92µL de MIX para cada amostra, a ele adicionavam-se 10µL do c-DNA
obtidos na reação de RT.
O mesmo cuidado foi observado em relação à contaminação das amostras
e quanto ao resfriamento do MIX em gelo.
Os tubos eram levados ao termociclador (Mastercycler Gradient – Eppendorf).
A amplificação do DNA era realizada com os seguintes ciclos: 1º ciclo,
de desnaturação, 95°C por 5min; 2º ciclo, de desnat uração, 94°C por 30s; 3º ciclo,
de anelamento, 55°C por 45s; 4° ciclo, de extensão, 72°C por 2min. Repetia-se do 2º
ao 4º ciclo 35 vezes e, em seguida, terminava-se com o ciclo de extensão final
a 72°C por 10min. Ao final dos ciclos, as amostras estavam prontas para serem
visualizadas em gel ou armazenadas a –20°C até o mo mento do uso.
3.7.4.
Hemi-nested
Nos casos em que foi necessário aumentar a sensibilidade da técnica,
realizou-se o hemi-nested RT-PCR. Para isso, foi feita uma RT-PCR normal com
os primers 21g e 304 que resultaram em um fragmento de DNA de 1479bp.
Preparava-se então um MIX com os mesmos reagentes utilizados na PCR,
exceto pela mudança do primer 21g pelo primer 504, e então, adicionavam-se 10µL
do produto da PCR.
As amostras eram submetidas aos seguintes ciclos: 1º ciclo, de desnaturação,
95°C por 1min; 2º ciclo, de desnaturação, 94°C por 30s; 3º ciclo, de anelamento,
37°C por 30s; 4° ciclo, de extensão, 72°C por 1min, Repetia-se do 2º ao 4º ciclo 40
vezes, em seguida terminava-se com uma extensão final a 72°C por 7min.
43
3.7.5.
Avaliação do resultado da amplificação
Os produtos das amostras, tanto as submetidas à RT-PCR ou a hemi-nested
RT-PCR, eram aplicados em gel de agarose a 1% e submetidos à eletroforese.
O gel de agarose a 1% era preparado com 50mL de água ultra-pura e 0,5g
de agarose, fundida aquecendo-se a água por 2min em microondas. A agarose
líquida era colocada em uma forma com um pente. Após a solidificação, o gel era
colocado dentro da cuba com tampão de corrida TBE 1x (Invitrogen™), o pente
retirado; e as amostras aplicadas nos poços formados.
Adicionava-se 1µL de corante (10x BlueJuice – Invitrogen™) a 10µL
da amostra que, depois de homogeneizada, era aplicada no gel de agarose. O DNA
presente nas amostras era corado por brometo de etídeo adicionado ao tampão de
corrida na concentração de 1µg/mL. No primeiro e no último poço, aplicavam-se 5µL
do marcador de peso molecular (100bp DNA Ladder – Invitrogen™). As amostras
eram visualizadas em transluminador de luz ultravioleta (UV). As amostras positivas
apresentavam no gel as bandas do tamanho esperado e os resultados eram
documentados digitalmente.
3.8.
Seqüenciamento do DNA
3.8.1.
Purificação do c-DNA
A purificação do c-DNA das amostras foi feita de duas maneiras: as amostras
dos morcegos 24/06, 25/06, 26/06, 27/06 e 31/06 que não apresentaram bandas
inespecíficas no gel foram purificadas direto do produto da PCR. As amostras 16/06
e 0399 que apresentaram uma banda inespecífica de aproximadamente 400bp
foram purificadas a partir do gel. As duas técnicas foram realizadas com o Kit GFX
(Amersham Biosciences), seguindo as recomendações do fabricante.
Para a purificação, direto do produto da PCR, foram adicionados 90µL
do produto da PCR em um microtubo de 1,5mL, no qual adicionaram-se 500µL de
Capture
Buffer
(“tampão
de
captura”),
pipetando-se
para
homogeneizar.
O homogeneizado foi adicionado a uma coluna dentro do tubo coletor e, então,
levado à centrífuga por 30s a 14.000g.
Para as amostras purificadas a partir do gel, foi realizada uma eletroforese
com 90µL do produto da PCR em dois poços do gel de agarose a 1% para separar
44
as bandas. Com transluminador UV, foi possível visualizar e, então, cortar, com
estilete estéril, o gel com a banda específica, da qual foi purificado o DNA. O gel
cortado foi pesado, colocado em um microtubo de 1,5mL e, em seguida,
adicionou-se
100µL
de “tampão de
captura” para cada 100mg de gel.
Homogeneizou-se em vórtex e os tubos foram levados ao bloco aquecido a 60°C por
5 a 10min para liquefazer o gel.
Depois, transferiu-se o material do tubo para a coluna dentro do tubo coletor
e centrifugou-se a 14.000g por 30s Desta etapa em diante, o procedimento foi
o mesmo para os dois tipos de purificação.
Descartou-se o material no fundo do tubo coletor, devolveu a coluna para
o tubo e acrescentaram-se a ela 500µL de Wash Buffer (“tampão de lavagem”).
Centrifugou-se por 30s a 14.000g e, em seguida, descartou-se o tubo coletor
e a coluna foi transferida para um novo microtubo de 1,5mL.
Para eluir o DNA da coluna, adicionaram-se 30µL de tampão EB (Eluitor
Buffer), incubou-se por 1min à TA e centrifugou-se por 1min a 14.000g. Em seguida,
a coluna foi descartada e a amostra permaneceu no tubo.
Para quantificar o DNA, 4µL da amostra foram adicionado a 1µL de corante
(10x BlueJuice – Invitrogen™) e, em seguida, foi aplicado em gel de agarose a 2%
e submetido à eletroforese.
A quantificação do DNA das amostras em ng/µL foi dada pela comparação
com o padrão de quantificação de massa (Mass Ladder – Invitrogen™), corrido na
mesma eletroforese.
3.8.2.
Reação de seqüenciamento
A
reação
de
seqüenciamento
foi
realizada
com
ddNTPs
(didesoxinucleotídeos) marcados com fluorocromos específicos e o resultado lido em
seqüenciador automático. Seguiu-se o protocolo do Kit BigDye®Terminator v3.1
Cycle Sequencing (Applyed Biosystems). O Kit apresentava um Mix pronto para uso,
ao qual foi adicionado apenas a amostra e o primer. Como controle, utilizou-se uma
amostra de DNA de fita dupla, pGEM®-3Zf(+), com seu respectivo primer senso,
-21 M13.
Para cada amostra, eram realizadas duas reações, uma com o primer senso
21g e outra com o anti-senso 304. Foi preparada uma solução com o produto
da purificação do DNA (de 12,5 a 60ng de DNA, dependendo da quantificação
45
na amostra), 4µL de Mix, 1µL de primer (senso ou anti-senso a 3,2mM) e água
ultra-pura q.s.p. 10µL.
Os reagentes eram levados ao termociclador e submetidos aos seguintes
ciclos de temperatura: 1º ciclo, de desnaturação, 96°C por 1min; 2º ciclo,
de desnaturação, 96°C por 10s; 3º ciclo, de anelame nto, 50°C por 5s; 4º ciclo,
de extensão, 60°C por 4min. Repetia-se do 2º ao 4º ciclo 35 vezes. E por fim,
o 5° ciclo de manutenção, 4°C até a retirada dos tu bos do termociclador. Em todas
as mudanças de ciclos, era necessária uma rampa rápida de temperatura, de 1°C/s.
Em seguida, o produto do seqüenciamento foi purificado utilizando-se
Sephadex com o Kit da Amersham Biosciences, seguindo as recomendações
do fabricante. Adicionava-se Sephadex™ G-50 à placa Multiscreen HV, com auxílio
de medidor próprio. Adicionavam-se 300µL de água ultra-pura por orifício,
incubando-se por 3h.
Uma placa coletora era colocada debaixo da placa Multiscreen HV
e centrifugava-se a 710g por 10min Descartava-se a água da placa coletora
e colocavam-se mais 140µL de água ultra-pura em cada orifício e, em seguida,
centrifugava-se por 10min a 710g. Descartava-se a água da placa coletora e fazia-se
uma nova centrifugação por 10min a 710g. Trocava-se a placa coletora por uma
outra placa de PCR, coloca-se o produto do seqüenciamento em cima do Sephadex
e
centrifugava-se
por
10min
a
710g.
Transferia-se o
produto
resultante
da centrifugação em tubos de 0,2mL e levava-se os tubos para o termociclador
a 95°C por 15min para evaporar todo o líquido.
As
amostras
eram
ressuspensas
em
10µL
de
formamida
Hi-Di
(Apllied Biosystens), homogeneizadas em vórtex, transferidas para a placa
de seqüenciamento e centrifugadas rapidamente (spin). A placa era levada ao
termociclador a 95°C por 5min e, em seguida, coloca da em gelo por mais 5min
Depois, era feita uma nova centrifugação rápida. Então, a placa era colocada no
seqüenciador automático ABI-3100 da Applied Biosystems.
3.9.
Análise filogenética
O
seqüenciador
automático
exibiu o
resultado no formato de um
cromatograma. Para cada isolado viral, foram produzidas duas seqüências, uma
senso e outra anti-senso. No programa Cromas 2.24, foram excluídas as regiões
46
onde o cromatograma não apresentou boa definição do seqüenciamento.
Em seguida, a seqüência completa era obtida a partir das seqüências senso
e anti-senso, com a função CAP (contig assembly program) do programa BioEdit
versão 7.0.0 (©1997-2004 Tom Hall).
As seqüências produzidas eram alinhadas com amostras obtidas no GenBank
(http://www.ncbi.nlm.nih.gov/) pelo método ClustalW, utilizando o software BioEdit.
As extremidades das seqüências eram eliminadas de forma que todas as amostras
ficassem do mesmo tamanho, o que resultou em seqüências homólogas de 1360
nucleotídeos. A árvore filogenética foi construída a partir dessas seqüências
alinhadas por meio do software Mega2 (KUMAR et al. 2001), utilizando o método de
distância com o algoritmo neighbor-joining e modelo evolutivo kimura-2-parâmetros,
com 1.000 repetições de bootstrap. A descrição das amostras obtidas no GenBank
estão na Tabela 5.
As amostras de vírus da raiva isoladas a partir dos D. rotundus capturados
neste estudo foram publicadas no GenBank (Tabela 6).
Tabela 5. Amostras obtidas no GenBank utilizadas na análise filogenética, por
identificação no mapa número de acesso, local e ano de isolamento das
amostras
Amostra
Nº.
no Mapa (Nº GenBank)
M13215
D42112
1
AB083810
2
AB083809
3
AB083811
DQ640250*
4
DQ640251*
5
AB083814
6
AB083804
7
AB083798
Cidade
Estado
Espécie
Araguanã
Nova Olinda
Colinas do Tocantins
TO
TO
TO
Palmas
TO
Cáceres
Iporá
Anápolis
MT
GO
GO
Bovino
Bovino
Bovino
Bovina
Bovina
Bovino
Eqüino
Cão
Ano de
Isolamento
1999
1998
1999
2003
2003
1999
1998
1999
47
Tabela 5. Continuação
Goiânia
GO
9
10
11
12
13
AB083801
AB083795
AB083794
AB083793
DQ640244*
AB083813
AB083818
AB201816
AB201815
AB201809
Alto taquari
Corumbaíba
Ilha Solteira
Jales
Américo de Campos
MT
GO
SP
SP
SP
14
AB201808
Nova Granada
SP
8
AB117972
AB117970
AB201811
15
AB201807
São José do Rio
Preto
SP
AB201806
16
17
18
19
20
21
22
23
24
25
26
27
28
29
30
31
AB201814
AB117971
AB201802
AB083817
AB083808
AB083805
AB117969
AB201818
AB201804
AB201803
AB083796
AB083797
AB083806
AB083807
AB201805
DQ640242*
DQ640246*
DQ640247*
DQ640248*
DQ640249*
DQ640252*
DQ640254*
DQ640245*
DQ640243*
Catanduva
Novo Horizonte
Dracena
Pijurá
Apiaí
São Roque
SP
SP
SP
SP
SP
SP
Itapira
SP
Lindóia
SP
Poços de Caldas
MG
Taubaté
Pindamonhangaba
São José do Barreiro
Miracema
SP
SP
SP
RJ
Porciúncula
RJ
Arapotí
Jaguariaíva
PR
PR
Humano
Humano
Gato
Gato
Humano
Bovino
Bovino
Molossus molossus
Molossus molossus
Eumops auripendulus
Nyctinomops
laticaudatus
Artibeus planirostris
Artibeus lituratus
Eptesicus furinalis
Nyctinomops
laticaudatus
Nyctinomops
laticaudatus
Eptesicus furinalis
Artibeus lituratus
Artibeus. lituratus
Bovino
Ovino
Bovino
Artibeus lituratus
Molossus abrasus
Desmodus rotundus
Desmodus rotundus
Cão
Cão
Desmodus rotundus
Desmodus rotundus
Desmodus rotundus
Bovina
Bovina
Bovina
Bovina
Bovina
Bovina
Bovina
Bovina
Desmodus rotundus
1999
1999
1999
1999
1992
1999
1999
2002
1999
1998
2001
1998
1998
1999
1999
2002
1998
2002
1989
1992
1994
1998
2000
2000
2000
1987
1989
1998
2001
2002
2003
2003
2003
2003
2003
2003
2003
2003
* Amostras de KIMURA (2006) não inseridas na árvore filogenética (Figura 7) em função do
pequeno tamanho das seqüências referentes às mesmas.
48
Tabela 6. Número de acesso no GenBank das amostras de vírus da raiva isoladas
de Desmodus rotundus capturados nas regiões Norte e Noroeste
Fluminense
Captura Amostra Nº de Acesso no GenBank
7
8
0399
EF428576
16/06
EF428577
24/06
EF428578
25/06
EF428579
26/06
EF428580
27/06
EF428581
31/06
EF428582
49
4. RESULTADOS
Foram apanhados 263 Desmodus rotundus em nove capturas realizadas no
período de 25/08/05 a 29/09/06, em cidades do Norte e Noroeste Fluminense: Italva,
Miracema, Campos dos Goytacazes e Quissamã, e no município de Bom Jesus do
Norte, no sul do Espírito Santo. Os abrigos estão representados na Figura 4. Todas
as capturas foram realizadas com o acompanhamento de agente do Núcleo de
Defesa Sanitária Animal do município ou do Centro de Controle de Zoonoses.
Do total de D. rotundus capturados, 123 (46,77%) eram machos e 140
(53,23%), fêmeas. Na captura 1, houve a predominância de fêmeas sobre o número
de machos; já nas capturas 4, 5, 8 e 9, houve a predominância de machos sobre
o número de fêmeas.
Com a finalidade de se realizar o controle populacional de Desmodus
rotundus, foram soltas 64 fêmeas com pasta Vampiricida Vallé (Warfarina Sódica
2%) em seu dorso; quatro morcegos na segunda captura; 25 morcegos na terceira;
cinco morcegos na sexta; e 30 morcegos na sétima captura. Em dois abrigos, um em
Quissamã e outro em Bom Jesus do Norte, foi realizada mais de uma captura
e pôde-se perceber uma redução do número de Desmodus rotundus nos abrigos,
após o uso da pasta vampiricida.
Foram levados para o morcegário 199 D. rotundus, dos quais 90 foram
mantidos no cativeiro e os demais foram eutanasiados assim que chegaram
ao morcegário.
50
A média de consumo de sangue dos morcegos no cativeiro foi de 17,4mL
diariamente (Tabela 7). A média de peso corporal foi de 32,4g ± 6,5dp
(desvio padrão) e a medida de antebraço foi em média de 62 mm ± 2,9dp.
Foi observado que, até 15 dias após a captura, morreram em média 40% dos
morcegos mantidos cativos. Depois desse período, o número de morcegos se
estabilizou nas colônias (Tabela 7). Alguns morcegos foram mantidos, de acordo
com a rotina de diagnóstico, por até cinco meses sem que apresentassem qualquer
sinal clínico de doença.
Tabela 7. Número de morcegos mantidos em cativeiro, proporção entre machos
e fêmeas cativos, médias de consumo de sangue e mortalidade dos
mesmos 7, 15 e 30 dias após a captura
Captura
Nº. de
Morcegos
Mantidos
em
Cativeiro
Machos/
Fêmeas
1
2
3
4
5
6
7
8
9
Total
13
14
21
15
15
12
90
1 / 12
5/9
3 / 18
15 / 0
2 / 13
12 / 0
38 / 52
Média de
Consumo
de Sangue
mL
(±
± desvio
padrão)
16,7 (± 2,3)
16,8 (± 4,04)
16,5 (± 2,38)
18,5 (± 4,77)
18,7 (± 2,29)
17,6 (± 2,36)
17,4 (± 3,34)
Morcegos
Vivos 7
dias após
a Captura
(%)
100
50
76
53
73
50
67
Morcegos
Morcegos
Vivos 30
Vivos 15
dias após a dias após a
Captura
Captura
(%)
(%)
100
42
57
47
73
50
61
100
42
57
47
73
42
60
Foram encontrados sete morcegos positivos do total de 199 analisados, o que
resultou numa freqüência de ocorrência do vírus da raiva de 3,52% (7/199). Havia
morcegos infectados pelo vírus da raiva nas capturas 7 e 8, foram realizadas no
mesmo abrigo, com aproximadamente um mês de intervalo. Os morcegos infectados
da captura 7 foram 0399, 16/06, 24/06, 25/06, 26/06 e 27/06, e o da captura 8, foi
o 31/06. Da captura 7, foram levados para o laboratório 53 morcegos e, desse total,
51
foram positivos seis animais (11,32%). Já na captura 8, foi positivo para a raiva um
morcego do total de três capturados, o que representa 33,3%.
Os morcegos 0399 e 16/06 foram eutanasiados no dia seguinte à captura,
e o morcego 24/06 morreu sete dias após a captura. O morcego 25/06 morreu sem
apresentar sintomas 23 dias após a captura. O 26/06 morreu 34 dias após a captura,
mas alguns dias antes houve uma intensa vocalização na gaiola onde ele estava
alojado. Quatro dias depois desse último, morreu o morcego 27/06. Nos dois dias
que antecederam a morte desse morcego, foi observado que ele permanecia na
grade da porta da gaiola no período diurno. Também foi observada intensa
vocalização dias antes desse morcego morrer. As vocalizações cessaram logo após
a morte desses dois últimos morcegos. Três morcegos dessa mesma captura
(28/06; 29/06 e 30/06) não foram infectados pelo vírus da raiva e permaneceram
vivos por mais 30 dias, após a morte do último morcego infectado, quando foram
eutanasiados.
4.1.
Resultados da imunofluorescência direta e isolamento viral
Foram analisadas, pela imunofluorescência direta e isolamento viral por
inoculação em células de neuroblastoma murino (N2A), 199 amostras de cérebro de
D. rotundus provenientes das regiões Norte e Noroeste Fluminense, as quais sete
foram positivas e 192 foram negativas (Tabela 8).
Os resultados de ambas as técnicas foram concordantes em 100% das
amostras analisadas. Todas as sete amostras positivas para a raiva, nas duas
primeiras técnicas, também o foram no isolamento viral por inoculação intracerebral
em camundongos.
52
Figura 4. Abrigos diurnos dos Desmodus rotundus (morcego-vampiro-comum) onde
foram realizadas as capturas. RJ (FUNDAÇÂO CIDE, 2006). Os abrigos
foram plotados no mapa do Rio de Janeiro com o software MapSource do
GPS Garmin modelo E-Trex Vista C.
53
Tabela 8. Amostras de cérebro de morcegos capturados nas Regiões Norte
e Noroeste Fluminense analisadas por técnicas de imunofluorescência
direta (IFD) e isolamento viral por inoculação em células de
neuroblastoma murino (N2A)
Captura
1
2
3
4
5
6
7
8
9
Total
4.2.
Nº. de Morcegos
Nº. de
Analisados
Positivos/Negativos
14
0/14
35
0/35
47
0/47
11
0/11
4
0/4
26
0/26
53
6/47
3
1/2
6
0/6
199
7/192
Resultado da amplificação
Todas as amostras de cérebros, positivas na IFD e no isolamento viral,
também foram positivas na RT-PCR. Outros órgãos foram analisados por RT-PCR,
coração, pulmão, fígado, rim e glândula salivar dos morcegos positivos 24/06, 25/06,
26/06, 27/06 e 31/06. As amostras dos órgãos dos morcegos 16/06 e 0399 foram
perdidas.
Dos órgãos pesquisados, além do cérebro, o coração e a língua foram os que
apresentaram maior número de positivos, seguidos do rim, glândula salivar, pulmão,
e fígado, respectivamente. As amostras de saliva dos morcegos 26/06 e 27/06,
testadas por hemi-nested RT-PCR, resultaram negativas para a raiva (Tabela 9).
Amostras de saliva e glândula salivar dos morcegos, 116, 119, 21/06, 22/06,
23/06, 28/06, 29/06, 32/06 e 33/06, que apresentaram resultados negativos na IFD
do cérebro, foram analisadas por hemi-nested RT-PCR, e as demais amostras
também foram negativas (Tabela 10).
A
54
1 22 33 44 55 66 77 88 99
1
1500bp
1500pb
300
200
B
Figura 5. Gel de agarose mostrando segmentos de
DNA amplificados (1478bp) pela técnica de
RT-PCR, a partir das amostras isoladas de
Desmodus rotundus, utilizando os primers
para o vírus da raiva 21g e 304.
1) 100bp Ladder. 2) 16/06; 3) 24/06.
4) 25/06. 5) 26/06. 6) 27/06. 7) 31/06.
8) 0399. 9) controle positivo CVS.
11 223
3
44 55 66 7
7
8 9
9
8
10
300300bp
pb
200200bp
pb
Figura 6. Gel de agarose mostrando segmentos de
DNA amplificados (248bp) pela técnica de
RT-PCR, a partir das amostras isoladas de
Desmodus rotundus, utilizando os primers
para o vírus da raiva 504 e 304.
1) 100bp Ladder. 2) CVS. 3) H2O. 4) Língua24/06. 5) Glândula Salivar-24/06. 6) Língua25/06. 7) CVS. 8) Coração-25/06. 9) Fígado25/06. 10) Língua-26/06.
55
Tabela 9. Resultado da RT-PCR dos órgãos e hemi-nested RT-PCR de saliva dos
morcegos que apresentaram cérebros positivos para a raiva na IFD
e isolamento viral
Captura
7
8
Morcego Cérebro
16/06
24/06
25/06
26/06
27/06
0399
31/06
(+) Positivo
+
+
+
+
+
+
+
Glândula
Língua Coração Pulmão Rim Fígado Saliva
Salivar
NA
+
+
NA
-
NA
+
+
+
+
NA
+
(-) Negativo
NA
+
+
+
+
NA
+
NA
+
+
NA
-
NA
+
+
+
NA
+
NA
+
NA
-
NA
NA
NA
NA
NA
(NA) Não analisado
Tabela 10. Resultado da RT-PCR de glândula salivar e hemi-nested RT-PCR de
saliva dos morcegos que apresentaram cérebros negativos para a raiva
na IFD e isolamento viral
Captura Morcego
4
7
8
116
119
21/06
22/06
23/06
28/06
29/06
32/06
33/06
(-) Negativo
Glândula
Saliva
Salivar
-
56
4.3.
Seqüenciamento e análise filogenética
As sete amostras positivas para a raiva foram seqüenciadas, o tamanho das
seqüências variou de 1360 a 1364 nucleotídeos. O menor fragmento compreende do
nucleotídeo 101 ao 1460, quando alinhado com a seqüência completa do vírus fixo
PV – Pasteur Vírus – (M13215). Esse fragmento alinha-se com o 11º aminoácido do
PV, inclui o códon de parada do gene N, mas não alcança a região do poliA. Cada
seqüência obtida foi submetida a BALST/n (www.ncbi.nlm.nih.gov/BLAST), tendo
sido confirmada a homologia com o gene N de vírus da raiva.
A árvore filogenética (Figura 7) formou quatro grupos principais. O grupo 1
reuniu amostras de bovino, eqüino, ovino, Artibeus lituratus, Artibeus planirostris
e D. rotundus. As amostras (0399, 16/06, 24/06, 25/06, 26/06, 27/06 e 31/06)
isoladas de D. rotundus, no município de Quissamã/RJ, no presente trabalho,
também estão agrupadas no grupo 1.
Os grupos 2, 3 e 4 agruparam amostras de morcegos insetívoros: no grupo 2
as amostras foram isoladas de Eumops auripendulus, Nyctinomops laticaudatus
e Eptesicus furinalis; no grupo 3, as amostras foram isoladas de Nyctinomops
laticaudatus; e no grupo 4, foram de Molossus molossus e M. abrasus.
O grupo 5 reuniu amostras isoladas de cão, gato e humano. Todas
as amostras desse grupo foram relacionadas com a raiva canina brasileira.
A identidade de nucleotídeos inter e intra-grupo está resumida na Tabela 11.
57
81
70
100
64
16/06
24/06
26/06
99
25/06 1.1
27/06
100
31/06
0399
88
88 AB083807 D.rotundus SP 1998
1.2
AB083806 D.rotundus SP
55
AB083808 Ovino SP 1992
AB083811 Bovino TO 1999
100
95 AB083810 Bovino TO 1999 1.3
AB083809 Bovino TO 1998
Grupo 1
86 AB117972 A.planirostris SP 1998
AB117970 A.lituratus SP 1998
AB117969 A.lituratus SP 1998
75
AB083818 Bovino GO 1999
99
1.4
AB117971 A.lituratus SP 1998
100
AB083805 Bovino SP 1994
AB201805 D.rotundus SP 2001
AB083817 Bovino SP 1989
AB083814 Bovino MT 1999
100
1.5
AB083813 Bovino MT 1999
AB201802 A.lituratus SP 2002
65
AB083804 Eqüino GO 1998
75
100 AB201804 D.rotundus SP 2000
1.6
AB201803 D.rotundus SP 2000
AB201811 E.furinalis SP
74
90
AB201807 N.laticaudatus SP 1999
Grupo 2
100
AB201814 E.furinalis SP 2002
AB201809 E.auripendulus SP 1998
AB201808
N.laticaudatus SP 2001
100
Grupo 3
AB201806 N.laticaudatus SP 1999
AB201816 M.molossus SP 2002
100
AB201818
M.abrasus SP 2000
Grupo 4
99
AB201815 M.molossus SP 1999
M13215 PV
D42112 CVS
100 AB083797 Cão MG 1989
AB083796 Cão MG 1987
100
AB083793 Gato GO 1999
6375
AB083801 Humano GO 1999 Grupo 5
AB083798 Cão GO 1999
67 AB083795 Humano GO 1999
AB083794 Gato GO 1999
0.02
Figura 7. Árvore filogenética de distância para uma região de 1360 nucleotídeos do
gene N do vírus da raiva. As amostras isoladas nesse trabalho estão
identificadas com o número em negrito, as amostras obtidas no GenBank
estão identificadas pelo número de acesso, seguido da espécie de
isolamento, estado e ano. Os valores de bootstrap acima de 50% são
mostrados acima dos nós e a escala representa o número de substituição
de nucleotídeos pelo número total no alinhamento.
58
Tabela 11. Matriz de identidade das amostras dos grupos 1, 2, 3, 4 e 5 presentes na
árvore filogenética. As células da tabela em cinza representam a
identidade das amostras dentro do grupo e o cruzamento entre linhas e
colunas representa o grau de identidade entre os grupos
Grupo
1
2
3
4
5
1
0,9776
0,8723
0,8814
0,8808
0,8346
2
0,8723
0,9918
0,8864
0,8812
0,8254
3
0,8814
0,8864
0,996
0,9028
0,8261
4
0,8808
0,8812
0,9028
0,9833
0,8397
5
0,8346
0,8254
0,8261
0,8397
0,9930
Em uma análise mais detalhada do grupo 1, foi possível observar a formação
de seis subgrupos. As amostras isoladas em Quissamã durante o experimento
agruparam-se no único subgrupo 1.1, que apresentou um valor de bootstrap de
99%. A identidade entre essas amostras foi de 99,97%. Todos os 1360 nucleotídeos
foram idênticos entre as amostras, exceto para a amostra 24/06 que apresentou uma
única substituição não sinônima (G→A) no nucleotídeo 1123.
O subgrupo 1.2 agregou duas amostras de D. rotundus isoladas em São
Paulo. O subgrupo 1.3 agregou três isolados de bovino do Tocantins. O subgrupo
1.4 possui sete amostras isoladas em São Paulo e uma em Goiás, esta isolada de
bovino, e aquelas isoladas de três A. lituratus, uma de A. planirostris, uma de
D. rotundus e duas de bovino. O subgrupo 1.5 possui duas amostras isoladas de
bovino no Mato Grosso. O subgrupo 1.6 agrupou duas amostras de D. rotundus
isoladas em São Paulo. A matriz de identidade entre os subgrupos está na Tabela
12.
59
Tabela 12. Matriz de identidade das amostras dos subgrupos 1.1, 1.2, 1.3, 1.4, 1.5,
e 1.6 presentes na árvore filogenética. As células da tabela em cinza
representam a identidade das amostras dentro do subgrupo e o
cruzamento entre linhas e colunas representa o grau de identidade entre
os subgrupos
Subgrupo
1.1
1.2
1.3
1.4
1.5
1.6
1.1
0,9997
0,9939
0,9736
0,9750
0,9674
0,9690
1.2
0,9939
0,9980
0,9757
0,9769
0,9698
0,9715
1.3
0,9736
0,9757
0,9980
0,9736
0,9712
0,9657
1.4
0,9750
0,9769
0,9736
0,9892
0,9722
0,9712
1.5
0,9674
0,9698
0,9712
0,9722
0,9920
0,9695
1.6
0,9690
0,9715
0,9657
0,9712
0,9695
1,0000
60
5. DISCUSSÃO
5.1.
Morcegos
A ocorrência de morcegos infectados foi de 3,52% (7/199). Em um trabalho de
âmbito nacional, foi encontrado oito Desmodus rotundus positivos de um total de
1062 capturados, esses valores resultam em uma freqüência de ocorrência da raiva
no morcego vampiro-comum de 0,75% (SILVA et al., 1967).
É difícil determinar a freqüência de ocorrência da raiva em D. rotundus por
diversos fatores, entre eles: não se sabe o tamanho da população dessa espécie na
região, poucos abrigos são mapeados, o foco da raiva desloca-se no espaço em
relação ao tempo, a morbidade e mortalidade da raiva são iguais a 100%. Então
para se avaliar a presença do vírus da raiva em uma colônia, é preciso que a captura
seja realizada no momento em que o caso de raiva esteja acontecendo numa
população de morcegos.
Há morcegos hematófagos dispersos por toda a região do Norte e Noroeste
do Estado do Rio de Janeiro. Em Italva, Miracema e Bom Jesus do Norte há muitas
grutas que podem servir de abrigo aos quirópteros, já na região de Campos dos
Goytacazes e Quissamã são mais raros esses tipos de abrigo. No entanto,
os abrigos artificiais formados pelos túneis debaixo da BR101, por onde cruzam
alguns córregos, são utilizados pelos morcegos hematófagos e outras espécies de
morcegos não-hematófagos.
O uso da pasta Vampiricida Vallé (Warfarina sódica 2%) aplicada no dorso
do morcego hematófago reduziu sua população dentro do abrigo. O método
61
é seletivo quanto à espécie, pois, em abrigos onde uma espécie de morcego
frugívoro coabitava com os D. rotundus, não foi observada redução no número de
indivíduos daquela espécie pelo uso da pasta vampiricida nos D. rotundus. Além da
especificidade da técnica de controle populacional do D. rotundus, também foi
descrita, por ALMEIDA et al. (2002), a redução na incidência de mordedura de
bovinos e eqüinos em uma região após a utilização da Warfarina.
Os primeiros métodos desenvolvidos para o controle da população de
morcegos hematófagos não eram seletivos quanto a espécie. A utilização de gases
tóxicos (FORNES et al., 1974), ou a explosão de abrigos com dinamite
(THORNTON et al., 1980) exterminavam além do morcego hematófago, animais de
outras espécies. As técnicas seletivas vieram com os anticoagulantes, um método
sistêmico, não mais utilizado hoje em dia, que administrava o anticoagulante
difenadiona por via intraruminal que, em doses certas, mantinha o efeito tóxico para
os morcegos, mas não para os bovinos (THORNTON et al., 1980). Atualmente,
a Warfarina, fármaco utilizado no controle da população do morcego hematófago, é
aplicada sob a forma de pasta em morcegos capturados ou no local da ferida do
bovino.
Os morcegos 26/06 e 27/06 que morreram infectados pelo vírus da raiva
apresentaram sintomas de incoordenação motora e impossibilidade de vôo.
Aparentemente não houve aumento da agressividade desses morcegos, assim como
foi observado por AGUILAR-SÉTIEN et al. (1998), entretanto, foi observada uma
intensa vocalização precedida de sons comuns do manejo, como o simples ato de
abrir o cadeado do morcegário, que sugere um caráter excitável da doença no
D. rotundus.
Os morcegos da captura 7 (Quissamã-26/07/06) foram mantidos em gaiolas
de transporte de um dia para o outro, após a captura. No dia seguinte, foram
eutanasiados e apenas 13 morcegos foram mantidos no morcegário. Entre
os morcegos eutanasiados, estavam os 16/06 e 0399, que foram positivos para
a raiva. Esses dois morcegos com certeza já estavam infectados quando chegaram
ao morcegário e muito provavelmente também estava o 24/06 que morreu apenas
sete dias após a captura. Não é possível fazer a mesma afirmação quanto aos três
últimos morcegos dessa captura que morreram de raiva (25/06, 26/06 e 27/06),
porque eles poderiam ter se infectado dentro do morcegário pelos morcegos 0399,
62
16/06 e 24/06, portanto, não é possível avaliar o período de incubação do vírus
nesses morcegos.
A
captura
8
(Quissamã-30/08/06)
foi
realizada
no
mesmo
abrigo,
aproximadamente um mês depois da anterior. Nessa captura, a população do
hematófago diminuiu vertiginosamente, devido ao uso da pasta vampiricida, por isso
somente três espécimes foram capturados, mas ainda foi encontrado o vírus da raiva
em um dos três morcegos (31/06). Esse morcego já estaria infectado na ocasião da
captura 7? Não é possível responder a essa pergunta, mas, de qualquer forma,
tem-se com esse dado a informação de que o vírus permanece em uma colônia por
pelo menos um mês. Provavelmente, o vírus circula em uma colônia por mais tempo,
pois os indivíduos não se infectam todos simultaneamente, inclusive entre os 13
morcegos da captura 7 mantidos em cativeiro, três não foram infectados pelo vírus
da raiva, mesmo tendo passado todo o período junto com os morcegos
contaminados.
O manejo de manutenção dos quirópteros em cativeiro apresentou uma alta
mortalidade dos morcegos entre a primeira e segunda semana depois da captura.
As mortes foram atribuídas ao estresse da captura e pós-captura, já que esses
morcegos foram negativos para a raiva. A mortalidade dos quirópteros foi a mesma
tanto para machos quanto para fêmeas, no entanto, as fêmeas lactantes quando
capturadas abandonavam seus filhotes após a entrada no cativeiro.
Depois de passado o período de adaptação, a manutenção dos morcegos em
gaiolas mostrou-se eficiente, visto que os D. rotundus permaneceram por até cinco
meses sem apresentar qualquer sintoma de doença e somente foram eutanasiados
para que pudesse ser feita a pesquisa de vírus da raiva no cérebro. Outro ponto que
indica a boa adaptação dos quirópteros foi o nascimento de três morcegos durante
o experimento, esses permaneceram vivos por até dois meses dependendo da rotina
de diagnóstico.
A caixa onde foram mantidos os quirópteros permitiu um fácil manejo de
limpeza e manipulação dos animais, além de isolar os D. rotundus provenientes de
abrigos diferentes, de forma que os morcegos infectados de uma colônia não
transmitiram o vírus aos indivíduos de outra. O reduzido espaço da gaiola não
permitiu a visualização do comportamento de vôo dos quirópteros.
63
5.2.
Resultado das técnicas diagnósticas e a presença do vírus nos
diferentes órgãos do D. rotundus
Foi feito o diagnóstico pelas técnicas de IFD e inoculação em células de todas
as 199 amostras de cérebro dos morcegos, entre as quais 192 foram negativas
e sete foram positivas para a raiva. O resultado do isolamento viral em cultivo celular
foi obtido em três ou quatro dias após a inoculação, intervalo de tempo
sensivelmente menor quando comparado com o isolamento viral por inoculação em
camundongos, que pode demorar até 21 dias. A concordância do diagnóstico do
isolamento viral em células N2A com a imunofluorescência em diferentes trabalhos
variou desde 83% (SCHEFFER, 2005), 90% (NOGUEIRA, 2004) até 99,26%
(BOUHRY et al., 1989).
As sete amostras positivas pela IFD e cultivo celular foram inoculadas em
camundongo e os resultados foram concordantes. As amostras de cérebros originais
e a primeira passagem em camundongo foram submetidas à RT-PCR, obtendo-se
resultado positivo para todos os cérebros testados. As bandas visualizadas na
eletroforese em gel de agarose foram mais intensas nas amostras da primeira
passagem em camundongo do que nas amostras originais, provavelmente pelo
aumento da carga viral depois da passagem em camundongo.
A imunofluorescência direta é considerada a técnica padrão ouro para
o diagnóstico da raiva, já a RT-PCR não é normalmente recomendada como método
diagnóstico, embora essa técnica possa ser aplicada em estudo epidemiológico
(WHO, 2004). Apesar de não ser recomendada pela Organização Mundial de Saúde,
diversos autores relatam a alta sensibilidade e especificidade da RT-PCR
(SACRAMENTO; BOURHY; TORDO, 1991; HEATON,1997; BORDIGNON, 2003),
inclusive é possível detectar RNA viral em amostras autolisadas, onde normalmente
não se consegue bons resultados na IFD (KIMURA, 2006).
ITO et al. (2001a) observaram que, dependendo do par de primer utilizado na
RT-PCR, pode ocorrer falso positivo no diagnóstico da raiva de determinadas
variantes,
contudo,
com
a
utilização
dos
primers
adequados,
a
técnica
apresentou-se concordante em 100% com as técnicas clássicas de IFD e isolamento
viral.
Maiores informações acerca da amostra analisada podem ser obtidas
combinando-se a RT-PCR com a RFLP (polimorfismo do tamanho do fragmento de
restrição). O material da amplificação foi submetido a cortes com enzimas de
64
restrição, a fim de se discriminar amostras oriundas de cães ou morcegos
(ITO et al., 2003; SCHAEFER et al., 2005).
Cepas virais distintas disseminam-se de forma diferentes entre os órgãos de
camundongos. No cérebro e medula, o vírus é encontrado em 100% das análises
independentemente da cepa envolvida na infecção. Nos outros órgãos dos
camundongos inoculados com a cepa de morcego DR19, a maior freqüência de
positivos para a raiva foi na língua (81,5%), seguida do pulmão (51,8%), coração
(48,1%), fígado (37%) e rim (22,2%). Nos camundongos inoculados com a cepa de
cão Nigéria, o vírus foi mais freqüentemente encontrado na língua e no coração
(100%), depois foi o rim (90,6%), pulmão (78,1%) e fígado (43,8%). A glândula
salivar não foi avaliada em nenhum dos casos (GERMANO et al., 1988).
Os resultados encontrados com a cepa de cão Nigéria foram mais parecidos
com os encontrados no presente trabalho, quando analisado o vírus nos diferentes
órgãos dos morcegos. A RT-PCR foi positiva em 100% (5/5) das amostras de
coração e língua; 80% (4/5) no rim; 40% (2/5) na glândula salivar e no pulmão;
e 20% (1/5) no fígado.
Amostras de glândula salivar de nove morcegos com resultados negativos
para a raiva no cérebro (sete do abrigo de Quissamã, onde foi isolado o vírus da
raiva e duas de abrigos onde não foi encontrado morcego positivo) foram testadas
pela RT-PCR, e nenhuma foi positiva. Também foram negativas as amostras de
saliva desses morcegos pela técnica de hemi-nested RT-PCR.
Duas amostras de saliva dos morcegos 26/06 e 27/06, com cérebros positivos
para a raiva, foram testadas, mas os resultados também foram negativos. A glândula
salivar do morcego 26/06 foi negativa, contudo, a do 27/06 foi positiva para a raiva
na RT-PCR, o que já era esperado.
É de fundamental importância uma melhor padronização da pesquisa de vírus
da raiva na saliva dos quirópteros, especialmente nos casos dos morcegos
não-hematófagos. Com o estabelecimento dessa técnica, é possível fazer análises
epidemiológicas da raiva nos morcegos sem que seja necessário o sacrifício do
animal.
Além do sistema nervoso central, já foram encontrados vírus nas glândulas
parotídeas, língua, bexiga, coração, pulmão, rim, trato genital, estômago e músculo
peitoral de morcegos (SCHEFFER, 2005), glândulas sublingual, submandibular,
zigomática e mucosa nasal de skunks (CHARLTON, CASEY E WEBSTER, 1984).
65
Dentro de uma lógica de infecção, o vírus deveria entrar com a saliva através
de uma ferida, ir em direção ao cérebro para causar alterações de comportamento,
seguir para as glândulas salivares para ser eliminado na saliva e infectar outro
indivíduo recomeçando o ciclo. Nesse esquema, não seria necessário a infecção de
outros órgãos na patogênese da raiva. Então por que ocorre replicação viral, em
maior ou menor grau, em todos os órgãos de animais infectados?
A replicação do vírus na glândula salivar ocorre nas células acinares
mucogênicas, então, o vírus é liberado na saliva pelo fluxo secretor normal
(DE MATTOS et al., 2003). Por outro lado a replicação do vírus nos pulmões ocorre
provavelmente nos neurônios presentes nesse órgão e não no tecido pulmonar
(BOURHY et al,. 1992).
5.3.
Análise filogenética
A árvore filogenética formada, pelas amostras isoladas neste trabalho
e as seqüências obtidas no GenBank, dividiu-se em cinco grandes grupos.
A formação de grupos geneticamente mais próximos tem sido descrita por diversos
autores.
Primeiramente, a utilização de anticorpos monoclonais pôde determinar
padrões antigênicos para os isolados virais de diversos continentes e dos diferentes
animais reservatório (SMITH et al., 1980; WIKTOR e KOPROWSKI, 1980;
BOURHI el al., 1992; YUNG, FAVI e FERNANDEZ, 2002; FAVORETO et al., 2002).
O desenvolvimento das técnicas de genética molecular, posteriormente, veio para
ratificar a formação de muitos grupos antigenicamente semelhantes e ainda
incrementar maiores informações entre as diferenças genéticas das variantes virais
(KISSI et al., 1995; ARAI et al., 1997; ITO et al 2001b).
Os grupos 1, 2, 3 e 4 da árvore filogenética foram isolados de amostras
relacionadas a morcegos, enquanto o grupo 5 compreendeu amostras relacionadas
a cães.
No Canadá, foi encontrado um padrão semelhante de agrupamento das
amostras, no qual houve a formação de diferentes grupos de isolados de morcegos
e
apenas
um
agrupamento
das
amostras
do
ciclo
terrestre
da
raiva
(NADIN-DAVIS et al., 2001). Contudo, a análise de amostras de vírus isoladas de
diferentes espécies de canídeos silvestre e doméstico no Brasil mostrou que
as
amostras
do
ciclo
terrestre
também
apresentam
grande
variação
66
(SATO et al., 2006). Outra semelhança no comportamento de formação dos grupos,
entre as amostras do Canadá e as amostras analisadas nesse estudo, foi que
os grupos relacionados aos morcegos são mais próximos entre si do que entre
quirópteros e o ciclo terrestre (NADIN-DAVIS et al., 2001).
Um dos primeiros a sugerir a diferença genética entre amostras isoladas de
cães e morcegos hematófagos no Brasil foi KISSI et al. (1995), contudo, analisaram
poucas amostras. Posteriormente, ITO et al. (2001b) analisaram 50 amostras de
vírus isoladas de diferentes espécies animais e perceberam uma divisão entre dois
grandes grupos de animais reservatórios do vírus da raiva no Brasil, os cães
e os D. rotundus. Os autores observaram que os hospedeiros principais são capazes
de infectar animais de espécies que normalmente estão envolvidas em outro ciclo
epidemiológico. Contudo, a raiva urbana tem o cão como o principal reservatório
enquanto a raiva silvestre (ou “raiva rural”, pelo grande acometimento de bovinos)
tem como reservatório o D. rotundus. Diversos outros autores descrevem a diferença
entre as duas variantes de morcegos hematófagos e cão em várias regiões do Brasil
(ITO
et
al.,
2003;
ROMIJN
et
al.,
2003;
GOMES
et
al.,
2004;
SCHAEFER et al., 2005; SATO et al., 2004, 2005 e 2006).
O grupo 1 da árvore filogenética corresponde aos genótipos de vírus da raiva
normalmente encontrados nos animais envolvidos com o ciclo epidemiológico da
raiva rural. Nesse grupo, estão as amostras de D. rotundus e animais de produção
(bovino, eqüino e ovino), ainda nesse grupo estão as amostras de morcegos
frugívoros do gênero Artibeus spp. (Artibeus lituratus e Artibeus planirostris).
A participação do gênero Artibeus spp. no ciclo epidemiológico da raiva rural já havia
sido descrita por SHOJI et al. (2004), quando demonstraram um alto grau de
identidade genética entre os isolados de D. rotundus e Artibeus spp., que variou de
97,6 a 99,4%.
Dentre os cinco abrigos onde ocorreram as capturas, foi encontrado
morcegos frugívoros em quatro deles. Nos abrigos de Campos dos Goytacazes
e Quissamã, o número de quirópteros frugívoros foi bastante grande. A espécie
frugívora encontrada nesses dois abrigos foi o Carollia perspicillata, no entanto não
foi visto nenhum quiróptero do gênero Artibeus spp. Em cada um dos abrigos de
Italva e Miracema, foi encontrado um exemplar do morcego hematófago Diphylla
ecaudata. Nenhuma dessas espécies foi analisada quanto à presença do vírus da
67
raiva, visto que a licença do Ibama concedida foi para a captura e manutenção
apenas do D. rotundus.
Amostras de morcegos hematófagos do Brasil e de outros países da América
Latina são muito semelhantes, isso indica a formação de um ciclo epidemiológico
espécie-específica do Desmodus rotundus. Contudo, amostras isoladas de regiões
geográficas próximas, tendem a formar subgrupos na árvore filogenética. Outro fator
que corrobora com a idéia de que os ciclos sejam independentes é que foram
isoladas amostras de vírus relacionadas à raiva dos cães e dos morcegos numa
mesma região e em períodos próximos, o que indica que os dois ciclos
epidemiológicos não exercem influência um sobre o outro (ITO et al., 2001b).
Uma análise antigênica de amostras brasileiras com painel de anticorpos
monoclonais detectou as variantes antigências 2 (que têm como reservatório o cão),
variante
3
(D.
rotundus),
variante
4
(Tadarida
brasiliensis),
variante
5
(morcego hematófago da Venezuela) e variante 6 (Lasiurus cinereus). Ainda foram
encontrados seis perfis não compatíveis com o painel de anticorpos, quatro deles
entre
morcegos
não-hematófagos. O
primeiro foi
isolado de Nictinomops
laticaudatus; o segundo de Lasiurus borealis e Myotis albecens; o terceiro de
Eptesicus furinalis, Eptesicus diminutus e Eumops auripendulus; e o quarto de
Histiotus velatus (FAVORETO et al., 2002).
Alguns trabalhos de análise do seqüenciamento do vírus da raiva no Brasil
também demonstraram a formação de grupos distintos entre amostras isoladas de
morcegos hematófagos e insetívoros (ROMIJN et al., 2003; GOMES et al., 2004).
Quatro variantes de morcegos sugerem ser espécies-específicas, relacionadas
aos ciclos epidemiológicos da raiva do morcego hematófago Desmodus rotundus,
e dos morcegos insetívoros Eptesicus furinalis, Molossus spp e Nyctinomops
laticaudatus (KOBAYASHI et al., 2005). As amostras de morcegos insetívoros
descrita por esses autores foram obtidas no GenBank para compor a árvore
filogenética, e elas agregaram-se aos grupos 2, 3 e 4.
A média de identidade dos nucleotídeos entre todos os grupos relacionados
aos quirópteros (1x2, 1x3, 1x4, 2x3 e 2x4) girou em torno de 88%, exceto entre
os grupos 3 e 4 (3x4) que apresentaram uma identidade de 90,28%, o que
demonstra maior aproximação entre esses dois grupos. Os grupo 3 e 4 agregam
amostras isoladas de N. laticaudatus e Molossus spp. Respectivamente. Esses dois
gêneros pertencem à mesma família Molossídea.
68
A plotagem das cidades de onde foram isoladas as amostras dos cinco
grupos, no mapa do Brasil (Figura 8), nos dá indícios de que cada ciclo
epidemiológico ocorre de forma independente, visto que amostras de ciclos
epidemiológicos diferentes são isoladas no mesmo espaço e no mesmo período.
As cidades representadas no mapa com os números de 11 a 18 no estado de São
Paulo estão em um raio de aproximadamente 150 km, nas quais foi observada uma
grande diversidade de variantes, com representantes de todos os grupos de
amostras do ciclo aéreo da raiva (grupos 1, 2, 3 e 4). Só no município de São José
do Rio Preto (nº. 15 no mapa), foram isoladas amostras dos grupos 1, 2 e 3.
O grupo 1 da árvore filogenética dividiu-se em seis subgrupos com
características regionais. O subgrupo 1.1 compreendeu as amostras isoladas em
Quissamã no presente trabalho, a formação desse grupo foi sustentada por um valor
de bootstrap de 99%. As amostras que formaram o subgrupo 1.2 (bootstrap 88%)
foram as que apresentaram maior identidade com os isolados de Quissamã, 99,39%.
As duas amostras foram isoladas de D. rotundus em Taubaté (AB083806)
e Pindamonhangaba (AB083807) a aproximadamente 400 km das amostras do
subgrupo 1.1.
O subgrupo 1.3 agregou as amostras do estado do Tocantins isoladas de
bovinos. Essas amostras em relação às de Quissamã foram as mais distantes
geograficamente, contudo não foram as mais distantes geneticamente.
O subgrupo 1.4 (bootstrap 99%) compreendem sete amostras do estado de
São Paulo e uma de Goiás, este foi o agrupamento mais heterogêneo com relação
às espécies envolvidas, onde nele os isolados foram provenientes de D. rotundus,
A. lituratus, A. planirostris e bovino. Esse subgrupo ainda possui duas ramificações,
uma que agrega três amostras do estado de São Paulo, isoladas de Artibeus spp.
(AB117972, AB117970, AB117969), e uma amostra de bovino de Goiás
(AB083818). No outro ramo, estão juntas quatro amostras do estado de São Paulo,
duas de bovino (AB083805, AB083817), uma de Artibeus spp. (AB117971) e uma de
D. rotundus (AB201805). Esses dois ramos não foram separados em subgrupos
distintos devido ao baixo valor de bootstrap, 46 e 41% para o primeiro e o segundo,
respectivamente.
O subgrupo 1.5 (bootstrap 100%) agregou duas amostras de bovino isoladas
no estado do Mato Grosso (AB083813, AB083814). Essas amostras estão distantes
uma da outra por aproximadamente 500 km. O subgrupo 1.6 (bootstrap 100%)
69
agrupou duas amostras de D. rotundus isoladas no estado de São Paulo em uma
mesma cidade.
No Estado de São Paulo, foram encontradas amostras de todos os grupos
relacionados à raiva dos morcegos. A formação de diferentes grupos principais de
vírus, um relacionado aos morcegos hematófagos e os outros relacionados
aos insetívoros, provavelmente ocorrem apenas por um isolamento determinado
pelo comportamento das espécies, mas não um isolamento geográfico.
Os D. rotundus repousam em contato ventral com o substrato, já os morcegos
frugívoros Carollia perscipilata repousam dependurados. Esse comportamento pôde
ser facilmente visualizado em abrigos artificiais, onde o teto e a parede formam
ângulo de 90 graus. Nesses casos, os hematófagos ficam encostados na parede
e os frugívoros ficam dependurados no teto do abrigo. Esses comportamentos
aproximam essas duas espécies que podem conviver em um mesmo abrigo, o que
facilitaria a transmissão do vírus da raiva entre elas.
Morcegos insetívoros da família Molossidae também repousam em contanto
com o substrato (BREDT et al., 2002), talvez esse comportamento seja um dos
motivos do isolamento entre os D. rotundus e molossídeos, que precisariam disputar
por um mesmo substrato dentro do abrigo. De fato, não são encontrados
molossídeos em cavernas (TRAJANO, 1995). No entanto, o morcego Artibeus
lituratus também é raramente encontrado em cavernas, que são os abrigos de
predileção dos D. rotundus (TRAJANO, 1995), mas, apesar disso os vírus da raiva
isolados dessas duas espécies são muito proximamente relacionados.
Amostras isoladas no estado de São Paulo também estiveram presente em
diversos subgrupos do grupo 1 (subgrupos 1.2, 1.4 e 1.6). Nesse caso, a formação
dos subgrupos relacionados à raiva rural deve ter ocorrido por outros fatores.
O estado de São Paulo possui grande extensão territorial, mas só isso não justifica
a grande variedade de amostras encontradas. Dois fatores podem estar envolvidos
nesse achado; primeiro, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia
e Estaística - IBGE (2007), no território desse estado, são encontrados dois tipos de
biomas, o bioma do cerrado e o da mata atlântica, contudo, outros estados também
são perpassados por mais de um tipo de bioma, inclusive o estado de Minas Gerais,
divisa com São Paulo, que possui os mesmos tipos de bioma e ainda tem maior
extensão territorial. Outro fator que pode dar a impressão de que o estado possui
maior variedade de cepas é que os dois maiores centros de pesquisa do vírus da
70
raiva estão localizados na cidade de São Paulo, são eles o Instituto Pasteur de São
Paulo e a Universidade de São Paulo (USP), portanto, a epidemiologia da raiva
nesse estado é melhor estudada que em outras regiões do Brasil.
As amostras de Quissamã, isoladas de D. rotundus, e as amostras isoladas
de bovinos em Porciúncula e Miracema no Rio de Janeiro por KIMURA (2006) foram
alinhadas, resultando em fragmentos homólogos de 143 nucleotídeos. Devido
ao reduzido tamanho, essas amostras não entraram na árvore filogenética (Figura
7), no entanto, a matriz de identidade entre elas foi gerada. Entre as amostras de
Quissamã e Porciúncula, a identidade foi de 100%, e a amostra de Miracema diferiu
em apenas um nucleotídeo das demais, o que resultou em uma identidade de
99,3%.
Amostras de vírus relacionadas à raiva do D. rotundus, isoladas em diversas
regiões do estado do Rio de Janeiro, apresentaram um padrão de agrupamento em
relação às diferentes bacias hidrográficas (ROMIJN et al., 2003). Todavia, Quissamã
está em uma bacia hidrográfica diferente das bacias de Porciúncula e Miracema.
Infelizmente no trabalho de ROMIJN et al. (2003) não há nenhuma menção
à publicação das seqüências das amostras no GenBank, ou em qualquer outro
banco de dados.
Talvez o surto de raiva bovina que aconteceu em Miracema e Porciúncula em
2003 tenha se deslocado até alcançar Quissamã. Em São Paulo, a expansão média
da epizootia da raiva bovina foi de 16 a 21 km por mês, que resultam em média 200
km por ano, embora tudo indique que o surto tem caráter autolimitante determinado
pela redução dos morcegos mortos pela doença, disponibilidade de abrigos
e alimentos para os morcegos hematófagos, número e tamanho das colônias
(TADEI et al., 1991). A distância entre Quissamã e os municípios de Miracema
e Porciúncula é de 90 e 130 km respectivamente. Se for utilizado como parâmetro
o deslocamento médio proposto de 200 km anualmente, em menos de um ano
a raiva em herbívoros chegaria a Quissamã, entretanto, o lapso de tempo entre
as epizootias foi de três anos.
71
Figura 8. Casos de raiva no Brasil. Os números representam as cidades, onde
foram isoladas as amostras do GenBank. Os números com fundo em azul
representam as amostras do grupo 1 da árvore filogenética; em laranja,
representam o grupo 2; em vermelho, o grupo 3; em amarelo, o grupo 4;
e em cinza, o grupo 5. O símbolo
representa o abrigo onde foi
encontrado Desmodus rotundus positivos para a raiva no presente
trabalho.
Uma análise epidemiológica utilizando parâmetros diferentes conseguiu
identificar outro padrão de agrupamento genético entre as amostras de vírus
relacionados à raiva rural. Os isolados mais próximos geneticamente são mantidos
em
regiões
geográficas
circundadas
por
grandes
montanhas
(KOBAYASHI et al., 2006). Esse modelo epidemiológico é condizente com
o resultado encontrado entre as amostras isoladas no trabalho atual e as amostras
de Porciúncula e Miracema, já que as cidades estão na faixa de altitude entre 0
e 200m.
72
KOBAYASHI et al. (2006) ainda perceberam uma acentuada diferença entre
as amostras das regiões de planícies em relação às amostras de regiões das altas
altitudes. Os subgrupos formados por amostras das regiões montanhosas
correlacionaram com as altitudes de onde foram isoladas. O trabalho indica que
a raiva bovina tem origem a partir de grupos virais distintos, geograficamente bem
definidos, visto que os D. rotundus vivem em colônias com pequeno alcance de
migração. No Canadá, foi observado que os quirópteros com hábito não migratório
também conservam grupamento de variantes geograficamente bem definidas,
enquanto os isolados de morcegos com hábito migratório dispersam esses grupos
de variantes em diversas áreas (NADIN-DAVIS et al, 2001).
Para avaliar a confiança da análise de apenas 143 nucleotídeos,
as seqüências das amostras utilizadas na árvore foram cortadas na sua extremidade
3’ a fim de formar seqüências com os respectivos tamanhos de 1350, 850, 650, 450,
250 e 140 nucleotídeos, a partir das quais foram geradas as árvores filogenéticas.
A formação dos grupos principais foi observada em todas as árvores, já
os subgrupos foram exatamente os mesmos, utilizando-se os fragmentos de 1350
até 450 nucleotídeos. Na árvore de 250 nucleotídeos, o subgrupo 1.4 foi
desorganizado, e maiores alterações foram observadas na árvore de 140
nucleotídeos, sobretudo, quanto aos valores de bootstrap, que foram reduzidos.
Contudo, mesmo nessa árvore, o subgrupo com as amostras colhidas no presente
trabalho foi mantido isolado dos demais, com valor de bootstrap de 64%.
A discriminação entre os vírus relacionados a cães e D. rotundus no Brasil foi
a mesma utilizando-se 203 ou 1332 nucleotídeos, embora uma quantidade maior de
nucleotídeos possa prover maiores informações (ITO et al., 2003). Uma análise de
400 nucleotídeos da região codificante do gene N ou 93 nucleotídeos da região
não-codificante do final do gene N e início do P concluiu que os principais grupos
formaram-se de forma semelhante, apesar de os valores de bootstrap terem sido
mais baixos para as amostras do fragmento menor (KISSI et al., 1995).
A matriz de identidade de nucleotídeos, gerada com os fragmentos de 1350
e 140 nucleotídeos, apontou 11 amostras com identidade de 100% na primeira
árvore, enquanto a última apresentou 34 amostras idênticas, o que demonstra
a perda de informação quando se reduz o tamanho da seqüência analisada.
Observou-se que, apesar de se perder informação quando são utilizadas
seqüências pequenas para a análise filogenética, é possível diferenciar os principais
73
grupos filogenéticos do vírus da raiva. Outro problema encontrado no uso desse tipo
seqüência é que alguns laboratórios amplificam a região inicial do gene da proteína
N, enquanto outros amplificam a porção final do gene, então, não é possível realizar
o alinhamento das seqüências para que se possam comparar as amostras.
Isso ocorreu quando se tentou alinhar as seqüências provenientes de isoladas de
D. rotundus do Pará (ROSA et al., 2006) com os isolados de bovino do Rio de
Janeiro (KIMURA, 2006), portanto, sempre que possível, deve-se seqüenciar o maior
número de nucleotídeos do gene N.
74
6. CONCLUSÕES
Das 199 amostras de morcegos analisados quanto à presença do vírus da
raiva, sete foram positivas, resultando em uma ocorrência de 3,52% de Desmodus
rotundus infectados pelo vírus da raiva nesse estudo.
O
vírus
da
raiva
disseminou-se
por
todos
os
órgãos
analisados.
Utilizando-se o cérebro como parâmetro, a freqüência de infecção dos demais
órgãos foi de 100% (5/5) no coração; 100% (5/5) na língua; 80% (4/5) no rim; 40%
(2/5) na glândula salivar; 40% (2/5) no pulmão; e 20% (1/5) no fígado.
A análise filogenética diferenciou cinco grupos principais de vírus circulantes
no Brasil, são eles: o grupo 1 relacionado à raiva do D. rotundus; os grupos 2, 3 e 4
relacionados à raiva em morcegos insetívoros; e o grupo 5 relacionado à raiva em
canídeos. O vírus da raiva que circula em D. rotundus no Norte e Noroeste do
estado do Rio de Janeiro relaciona-se filogeneticamente com amostras oriundas do
ciclo epidemiológico da raiva em D. rotundus de diferentes regiões do país.
O D. rotundus é o transmissor da raiva aos bovinos nas regiões Norte
e Noroeste Fluminense. O vírus encontrado em D. rotundus no município de
Quissamã, Norte do estado do Rio de Janeiro, foi o mesmo isolada por KIMURA
(2006) em bovinos dos municípios de Miracema e Porciúncula no Noroeste do
Estado.
75
7. RECOMENDAÇÕES
Para se traçar o perfil epidemiológico da raiva em Desmodus rotundus
e bovinos nas regiões Norte e Noroeste Fluminense fazem-se necessárias maiores
pesquisas a este respeito. Para tanto, é preciso que os órgãos de Defesa Sanitária
atuem em conjunto com os Centros de Pesquisas.
O controle populacional de morcegos hematófagos, o controle da raiva por
meio de campanhas de vacinação e a vigilância epidemiológica da virose devem
ficar a cargo dos Núcleos de Defesa Sanitária ou Centros de Controle de Zoonoses.
Ao passo que os Centros de Pesquisas e as Universidades devem atuar dando
suporte técnico a esses órgãos, além de analisar com maiores detalhes os dados
obtidos.
Os dados epidemiológicos da “raiva rural” aliados às análises filogenéticas
do vírus permitirão uma maior compreensão da dinâmica de propagação da raiva em
morcegos e o conseqüente acometimento dos herbívoros.
76
8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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CARACTERIZAÇÃO MOLECULAR DE VÍRUS DA RAIVA