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Capítulo 23
Eficácia de uma vacina contra a leucemia felina com vetor do vírus
da bouba de canário
H. Poulet, S. Brunet, C. Boularand, A. L. Guiot, V. Leroy, J. Tartaglia, J. Minke,J. C. Audonnet, P. Desmettre
As vacinas recombinantes com vetor do vírus de bouba de canário
H. Poulet, DVM,
S. Brunet, PhD,
C. Boularand, DVM,
A. L. Guiot, DVM, PhD,
V. Leroy, BSc,
J. Minke, DVM, PhD,
J. C. Audonnet, DVM, PhD,
P. Desmettre, DVM,
Merial
Laboratoire de Lyon Gerland
254 rue Marcel Merieux, 69007
Lyon, França
apresentam um perfil exclusivo de segurança e eficácia para o
hospedeiro vacinado, pois esse vírus não se replica em hospedeiros
mamíferas. Após a vacinação de espécies de mamíferos, os vírus
recombinantes da bouba de canário expressam os genes inseridos,
mas não conseguem se multiplicar no hospedeiro. Eles estimulam
uma forte resposta imune na ausência de qualquer amplificação de
vírus no hospedeiro ou qualquer disseminação viral no ambiente.
Uma nova vacina recombinante desse tipo é a contra o vírus da
leucemia felina em vetor de bouba de canário (FeLV) (EURIFEL FeLV;
J. Tartaglia, PhD
Aventis Pasteur
1755 Steeles Avenue West
Merial), que expressa os genes protetores env e gag do FeLV. Esse
artigo descreve os experimentos que demonstram sua eficácia
Toronto, Ontario
M2R 3T4, Canadá
contra qualquer desafio com FeLV pela via oronasal. Foi demonstrado
que sua proteção é concreta contra o desafio oronasal um ano após a
vacinação inicial, tendo sido também eficaz contra um desafio
bastante grave “de contato.” Além disso, a vacina contra o FeLV em
vírus da bouba de canário foi eficaz sem o uso de adjuvante.
O vírus da leucemia FELINA (FeLV) é uma infecção comum em gatos domésticos
em todo o mundo, sendo responsável por significativa morbidade e mortalidade.
A prevalência da antigenemia pode variar de 1 a 5% em gatos saudáveis até 15 a
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Dados Importantes
• O Vírus da Leucemia Felina (FeLV) é um dos principais agentes
causadores de doença em gatos.
• Este estudo foi elaborado para se comparar a eficácia de uma
vacina recombinante contra FeLV com vetor do vírus de bouba
de canário à de uma vacina convencional disponível no
mercado diante de um potente desafio.
• Como alguns gatos apresentam resistência natural à infecção
pelo FeLV, a eficácia da proteção é expressa como uma fração
prevenível (PF).
• As vacinas em questão conferiram uma boa proteção contra o
desafio, cuja gravidade foi confirmada por um índice de 78% de
infecção persistente entre os controles:
- vacina recombinante com PF de 79% (com índice de 17% de
infecção persistente)
- vacina convencional com PF de 68% (com índice de 25% de
infecção persistente)
30% em gatos doentes (Hosie e colaboradores, 1989; Braley,
induzem uma resposta imune mais ampla. No entanto, uma
1994; Malik e colaboradores,1997; Arjona e colaboradores, 2000).
vacina com FeLV vivo-atenuado levantaria questões de
O vírus pode estabelecer uma longa infecção caracterizada por
segurança, sobretudo a possibilidade de recombinações com
viremia persistente e resultado fatal. A maioria das doenças
seqüências endógenas semelhantes ao FeLV.
associadas ao FeLV ocorre em animais com infecção
O uso de vetores virais vivos é uma alternativa, sendo o vetor
persistente, são sempre graves e, na maioria das vezes, fatais.
do vírus da bouba de canário (ALVAC) um dos mais pesquisados.
Entre as doenças diagnosticadas com maior freqüência se
Ele deriva de uma cepa vacinal atenuada do vírus da bouba de
incluem os linfomas, as leucemias mielóides, imunossupressão e
canário em uma vacina que foi largamente empregada na
as anemias não regenerativas. A infecção pode ser controlada
prevenção de infecções pelo poxvírus em canários. Uma
pela identificação e isolamento dos gatos com viremia
característica natural do ALVAC é que ele é capaz de se
persistente, que são a fonte de infecção, sendo que as vacinas
multiplicar somente em espécies aviárias. Porém, embora não se
também ajudam a prevenir a disseminação do vírus. São
multiplique em mamíferos (vetor não replicativo), ele pode
comercializadas diversas vacinas contra o FeLV, sendo que
expressar imunogenes inseridos, induzindo assim uma resposta
todas contêm o vírus inativado ou subunidades recombinantes.
imune protetora (Plotkin e colaboradores, 1995). Ao impedir a
Sua eficácia é controversa (Sparkes, 1997) e pouco se sabe
replicação do vírus no animal vacinado ou a disseminação para
sobre sua eficácia a campo. Foram observadas falhas vacinais,
os animais de contato ou para o ambiente, um vetor não
sendo necessário melhorar sua eficácia e principalmente
replicativo é uma garantia de biossegurança para o animal
fornecer mais evidências de proteção em condições de campo.
vacinado e seu ambiente. A segurança e a eficácia do vetor do
Uma forma de melhorar a eficácia seria utilizar vacinas contendo
vírus da bouba de canário foram demonstradas em experimentos
o vírus vivo-atenuado. As vacinas contendo vírus vivo
em diversas espécies, inclusive seres humanos, e confirmadas
apresentam algumas vantagens em relação às inativadas, pois
por vários anos de uso de vacinas comerciais para animais de
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estimação (vacina recombinante anti-rábica-bouba de canário
Gatos
para gatos e vacina recombinante contra a cinomose-bouba de
Foram utilizados filhotes de gatos com 7 a 9 semanas de idade,
canário para cães) nos Estados Unidos.
livres de patógenos específicos (SPF). Eles foram submetidos a
O ALVAC-FeLV (EURIFEL FeLV; Merial) expressa os
imunogenes env e gag do FeLV tipo A. Foi constatado que ambos
teste para antigenemia p27 e anticorpos anti-gp70. Somente os
filhotes soronegativos e livres do FeLV foram inclusos nos estudos.
os componentes são alvos importantes das células T citotóxicas
responsáveis pela destruição das células infectadas pelo FeLV
Desafio e detecção de infecção
de modo restrito pelo complexo de histocompatibilidade principal
A cepa Glasgow-1 do FeLV tipo A foi inoculada pela via
de classe I (Flynn e colaboradores, 2000, 2002). Além disso, a
oronasal com título de 104 a 105 DICC50 por gato. Para verificar
glicoproteína envelope induz a produção de anticorpos
a presença de infecção pelo FeLV, os filhotes foram
neutralizantes contra o FeLV, que provavelmente estão
submetidos a testes de imunodifusão (Witness FeLV) para o
envolvidos na eliminação das partículas virais livres (Hoover e
antígeno p27 no soro ou isolamento do FeLV no plasma em
colaboradores,1977). Esse estudo descreve uma avaliação da
células QN10. Essas células foram derivadas de um clone de
eficácia do ALVAC-FeLV em gatos.
fibroblastos felinos AH927 (Rasheed e Gardner, 1980) em que
foi introduzido o pro-vírus do vírus do sarcoma murino de
Materiais e Métodos
Moloney. Em resumo, 30.000 células QN10 por cavidade foram
Vacina
incubadas durante a noite a 37°C em placas com 24 cavidades
Trata-se de uma vacina viva não adjuvada contra a leucemia
em meio mínimo essencial de Dulbecco (DMEM)
felina com vetor vivo da bouba de canário. O vetor da bouba de
suplementado com soro fetal bovino a 5% (FCS), numa
canário ALVAC-FeLV (vCP97) expressa os componentes env e
atmosfera contendo dióxido de carbono a 5%. As células
gag do FeLV A e a parte do gene pol (1272 bp) que codifica a
foram então inoculadas com 200 µl do plasma a ser testado.
protease 14 kD (Tartaglia e colaboradores, 1993) (Figuras 1, 2). Os
Para um melhor contato entre as células e o vírus, as placas
genes env e gag codificam a glicoproteína envelope (gp70) e as
foram centrifugadas suavemente e incubadas por duas horas
proteínas capsídiais, respectivamente. A protease é responsável
a 37°C. Em seguida, o meio de cultura foi substituído por outro
pelo processamento da poliproteína codificada do gene gag. A
DMEM com FCS a 5% e as placas foram incubadas por sete
potência da vacina foi determinada pela titulação do vetor do
dias a 37°C numa atmosfera contendo dióxido de carbono a
vírus da bouba de canário em células de embrião de galinha e
5%. A presença do FeLV foi determinada pela observação de
expressa como dose mediana infectante em cultura de células
focos de células QN10 transformadas.
(DICC50) por dose. Os gatos receberam duas injeções da vacina
pela via subcutânea, com intervalo de 3 a 4 semanas.
De acordo com cada um dos estudos, os gatos eram testados
semanalmente ou a cada três semanas, durante 12 semanas, a
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partir da 3ª após o desafio. No primeiro caso, a infecção
Envelope
persistente foi definida de acordo com os critérios da monografia
da Farmacopéia Européia, ou seja, como três amostras
Membrana
Core
ou mais amostras de sangue positivas para p27.
Duas moléculas
de RNA (+tRNA)
Anticorpos anti-FeLV
Pol/pro
Protease (p14)
Transcriptase
Reversa
(p80)
consecutivas de sangue ou cinco amostras não consecutivas
positivas para p27. No segundo caso, ela foi definida como duas
Glicoproteína Env
SU (gp70)
TM (p15E)
Integrase (p46)
Proteínas Gag
Matriz (p12)
Capsídeo (p27)
Nucleoproteína
(p10)
p15
Os anticorpos anti-gp70 foram determinados pelo método de
ELISA. Diluições seriadas dos soros testados, na potência 3,
F i g . 1 : O gene env gene codifica as glicoproteínas de superfície e
transmembrana, os genes gag e pro codificam as proteínas do capsídeo e a
protease, respectivamente.
foram incubadas com os antígenos purificados do FeLV
durante 18 horas a 4°C; 100 µl do “soro antigênico” foram
transferidos para placas revestidas com anticorpos
monoclonais anti-gp70 de captura (mAb). Após a incubação a
4°C durante a noite, as placas foram lavadas e acrescidas
com 100 µl de mAb anti-gp70 conjugado com peroxidase de
rábano. Após incubação por uma hora a 37°C, as placas foram
lavadas e incubadas com substrato de tetrametilbenzidina
3,3´,5,5´ (Synbiotics) durante 30 minutos à temperatura
ambiente. Foram feitas leituras das densidades ópticas (DO) a
450 nm e 630 nm após a interrupção da reação,
acrescentando-se 25 µl de ácido sulfúrico 2N. As análises
foram validadas com anti-soros positivos e negativos de
referência. O título de anticorpos foi o inverso da diluição do
soro correspondente a uma DO igual a 50% da DO máxima,
tendo sido expresso em log10.
F i g . 2 : O gene env do vírus da leucemia felina tipo A que codifica a
glicoproteína de envelope foi inserido no locos C5 do ALVAC, sob o controle
do vírus promotor precoce/tardio da vaccínia H6. O gene env codifica a
glicoproteína precursora do envelope que é então clivada proteoliticamente
nas glicoproteínas maturas de superfície gp70 e transmembrana P15E. Os
genes gag/pro foram inseridos no locos C3 sob o controle do elemento
promotor H6. O gene gag codifica as proteínas capsidiais, inclusive a proteína
core p27. O gene pro codifica a protease necessária para o amadurecimento
da poliproteína precursora do gag.
Detecção da latência
Ao final do acompanhamento da antigenemia, foi colhido
material da medula óssea (0,5 ml) dos gatos p27-negativos,
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F i g 3 : Relação dose-resposta entre proteção contra
infecção persistente pós-desafio e dose vacinal
por meio do osso femural, em um tubo heparinizado com 5 ml
de DMEM. As células da medula óssea foram cultivadas em
placas com 24 cavidades em meio DMEM suplementado com
1.0
antibióticos e soro de cavalo a 10%, usando várias diluições na
Protection
0.8
potência 3 da suspensão de células da medula óssea. As
0.6
culturas foram alimentadas duas vezes por semana, durante
0.4
seis semanas, com meia parte do meio renovado com hemi0.2
succinato de hidrocortisona (10 µg/ml). Uma vez por semana, o
0
6.0
6.4
6.8
7.2
7.6
8.0
8.4
Dose (log10 CCID50)
Relação dose-resposta entre proteção contra infecção persistente pósdesafio (de 0 a 1) e dose vacinal (em log10 DICC50 por dose). As doses
vacinais de 108,2, 108,0, 107,2, 107,0 e 106,0 protegeram 6 de 6, 5 de 6, 6 de 6, 3 de 6
e 3 de 6 gatos, respectivamente, enquanto que 15 de 18 (83%) controles
apresentaram infecção persistente. A vacina de uso comercial protegeu 3
dos 5 gatos (60%).
sobrenadante era armazenado a –20°C após a adição de 1% de
um detergente não iônico (Mulgofen; GAF). O sobrenadante
colhido era então testado para p27 pelo método ELISA de
captura. As placas eram revestidas com anticorpos p27 antiFeLV policlonais de carneiro (Biodesign International). A
presença da p27 foi detectada com um anticorpo anti-p27
monoclonal revelador conjugado à peroxidase. A DO da reação
é diretamente relacionada à concentração de p27 na amostra.
A latência também foi detectada pela técnica de nested PCR
Fig 4:
Imunidade Protetora Induzida
descrita por Miyazawa e Jarrett (1997). Foram elaborados
primers para amplificar uma seqüência de DNA na região U3 de
uma repetição terminal longa que distingue as seqüências
Gatos Infectados (%)
100
endógenas das exógenas do FeLV. Foi extraído DNA das células
80
da medula óssea com o DNeasy Tissue Kit (Qiagen), tendo sido
60
congelado a –70°C e quantificado. A primeira reação PCR foi
40
processada com 10 µl de DNA extraído e 2-5 µl do produto
20
amplificado foram utilizados na segunda. Os segmentos
0
ALVAC
FeLV
Associação Controles Controles
Adultos Filhotes
amplificados 770 bp (PCR externa) e 600 bp (PCR interna) foram
separados por eletroforese em gel de agarose a 1-5% e
A imunidade protetora induzida pelo ALVAC-FeLV administrado, seja como
vacina monovalente (grupo ALVAC-FeLV), seja associado a outras vacinas
felinas contra rinotraqueíte felina, calicivirose, clamidiose e panleucopenia
infecciosa (grupo da associação). Os gatos foram desafiados um ano após
terem sido vacinados.
detectados por coloração com o brometo de etídio.
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Análises estatísticas
Quadro 1:
Anticorpos anti-gp70 nos gatos vacinados
e controles
A relação dose-resposta entre o título vacinal e o índice de
Número de gatos soropositivos
Grupo
Momento
do desafio
Final do período de
acompanhamento
(título médio
de anticorpos)
Número de
gatos com
infecção
persistente
ALVAC-FeLV
(monovalente
ou associada)
0/12
9/12 (1.5 log10)
0/12
Controles
0/6
1/6* (0.7 log10)
5/6
proteção foi determinada com um modelo de regressão logística.
Em seguida, o modelo foi validado pelo teste de adequação do
qui-quadrado. Os títulos médios de anticorpos foram
comparados entre os grupos. Devido ao aspecto de medições
repetitivas desse critério e ao efeito randomizado individual, os
*O único gato que soroconverteu foi o com resistência natural.
títulos de anticorpos foram analisados pelo modelo linear geral
do software Statgraphics 3.1.
Resultados
Eficácia da vCP97
A eficácia da vacina foi testada por meio de desafio de
filhotes vacinados e não vacinados 2 a 3 semanas após a
Q u a d r o 2 : Proteção induzida por ALVAC-FeLV contra
infecção latente em células da medula óssea de gatos
Gato
segunda injeção. Para se determinar a dose-resposta da
antigenemia DNA extraído Culturas
Nested PCR
(µg DNA
de
PCR
PCR
p27
após 154 dias utilizado na PCR) células† Externa Interna
vCP97, foram compilados os resultados de 3 estudos
validados. Cinco grupos com 6 filhotes foram vacinados com
vCP97 com títulos de 106,0 a 108,2 DICC50 por dose e 18 filhotes,
pareados por idade, não foram vacinados ou receberam um
placebo (cepa parental ALVAC), sendo mantidos como
controles. Um grupo com 6 filhotes foi vacinado com uma
vacina disponível no mercado.
O desafio com FeLV foi validado por uma taxa total de
infecção de 83 por cento (15 dos 18) no grupo-controle. O
Vacinados
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
+
-
desempenho da vacina disponível no mercado foi conforme o
esperado (Sparkes 1997), tendo protegido 3 dos 5 filhotes (um
infectado morreu antes do final do estudo, tendo sido
excluído, pois sua condição não pôde ser determinada). Nos
grupos vacinados com vCP97, o nível de proteção dependeu
0,78
0,76
2,36
1,59
0,72
0,91
1,02
0,99
1,04
*
*
0,81
0,98
0,5
1,25
+
+
-
+
-
+
+
+/+
-
+
+
+
+
+
+
Controles
16
17
18
+
+
0,82
1,03
0,83
* Não pôde ser quantificado.
† Latência na medula óssea foi avaliada por detecção do antígeno p27 em
sobrenadante de cultura.
+ Infecção latente pelo vírus da leucemia felina. – Infecção latente
não detectável
do título da vacina, sendo que a dose-resposta foi definida de
6
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acordo com a seguinte equação: ln (p/[1–p]) = 1·27 x dose –
pareados por idade. Os gatos foram desafiados com uma
7·79 onde ln é o logaritmo natural, p é a taxa de proteção em
amostra virulenta de FeLV mais de um ano após a segunda
percentual e dose é o título da vCP97 em log10 DICC50 por dose
vacinação. Como se sabe que se desenvolve uma resistência
(Fig 3). Esse modelo mostra que a ALVAC-FeLV conferiu uma
associada à idade, foram inclusos mais 10 filhotes de 12
boa proteção com uma ampla variação de títulos do vetor do
semanas no momento do desafio.
vírus da bouba de canário. Um título vicinal de 107,2 DICC50 por
O desafio foi grave o suficiente para provocar uma infecção
dose, que está abaixo do título-padrão comercial, protegeria
persistente em todos os 10 filhotes de 12 semanas de idade. Oito
80% dos gatos contra um desafio altamente virulento que
dos 12 controles adultos apresentaram infecção persistente, o
infecta persistentemente 80% dos controles, em conformidade
que demonstra que a resistência associada à idade em gatos
com a monografia da Farmacopéia Européia 1321 (1999)
adultos é apenas parcial. A vCP97 protegeu 81% (13 de 16) dos
recém-publicada.
gatos quando administrada como vacina monovalente e 80% (8
A proteção induzida pela vacina foi obtida na ausência de
de 10) quando associada a outras vacinas para uso em felinos
anticorpos anti-gp70. O Quadro 1 mostra que os gatos
(Fig 4). Esses resultados mostram que a imunidade induzida pelos
vacinados eram soronegativos quando foram desafiados. Os
componentes da bouba de canário-FeLV duraram no mínimo um
gatos que estavam protegidos soroconverteram algumas
ano e que os componentes das outras vacinas felinas não
semanas após o desafio. Alguns gatos podem ficar protegidos
interferiram na eficácia da vCP97.
na ausência de anticorpos detectáveis, mas nenhum dos gatos
com infecção persistente apresentou anticorpos anti-gp70.
Todos os gatos vacinados eram soronegativos para
anticorpos anti-gp70 no teste ELISA, quando foram desafiados.
Todos, com exceção de 2 deles, soroconverteram para anti-
Duração da Imunidade
gp70 nesse mesmo teste após o desafio.
Quarenta e dois filhotes de 7 a 8 semanas de idade foram
randomicamente alocados em 3 grupos. O primeiro grupo com
Proteção contra latência
18 animais foi vacinado com vCP97 com título de 107,5 DICC50 por
Vinte filhotes de 7 a 9 semanas de idade foram vacinados duas
dose e o segundo com 12 filhotes foi vacinado com vCP97 com
vezes pela via subcutânea com um intervalo de 28 dias com 107,3
o mesmo título, junto com vacinas inativadas contra
DICC50 da vCP97 e 14 gatos foram mantidos como controles não
rinotraqueíte felina (herpesvírus felino [FHV]), calicivirose felina
vacinados. Três semanas após a segunda inoculação, os gatos
e uma vacina viva-modificada contra a panleucopenia
foram desafiados e observados por 16 semanas. Ao final desse
infecciosa felina (parvovírus felino). O terceiro grupo, com 12
período, os gatos que haviam eliminado a antigenemia ou que
filhotes, recebeu apenas vacinas contra rinotraqueíte,
nunca a haviam apresentado foram submetidos a testes de
calicivirose e panleucopenia, tendo atuado como controles
latência (foram testados 3 gatos p27-positivos, além dos
7
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controles positivos). O desafio foi especialmente grave, pois
92% (12 de 13) dos controles apresentaram infecção
persistente. Setenta por cento dos gatos vacinados foram
protegidos contra a infecção persistente.
Entre os gatos não antigenêmicos, apenas o no. 11
apresentou infecção latente pela técnica-padrão (cultura de
células da medula óssea e detecção do antígeno do capsídeo
F i g . 5 : Títulos de anticorpos neutralizantes contra herpesvírus felino (FHV)
após vacinação com vacina associada
Anticorpos neutralizantes
anti-FHV (log10)
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1.8
1.6
1.4
1.2
1.0
0.8
0.6
0.4
0.2
0
Vacina com ALVAC-FelV
Vacina sem ALVAC-FelV
0
50
100
150
p27 no sobrenadante da cultura). Com exceção dos gatos com
200
250
300
350
400
Dia
infecção persistente utilizados como controles positivos,
nenhuma das células da medula óssea dos gatos testados
gato no. 11 apresentou resultado positivo após 3 semanas de
cultivo, o que comprova a infecção latente.
Com o uso da técnica de nested PCR, os gatos no. 1 e 2
foram identificados como portadores de infecção latente e o
no. 3 foi considerado suspeito. O gato no. 11 que apresentou
resultado positivo pela técnica convencional, foi negativ pelo
PCR, mas essa discrepância pode ter sido decorrente a uma
F i g . 6 : Títulos de anticorpos neutralizantes contra calicivírus felino (FCV)
após vacinação com vacina associada
Anticorpos neutralizantes
anti-FCV (log10)
apresentou resultado positivo para p27 no início do cultivo. O
2.5
Vacina com ALVAC-FelV
Vacina sem ALVAC-FelV
2.0
1.5
1.0
0.5
0
0
50
100
150
quantidade inadequada de DNA extraído (o DNA não pôde ser
200
250
300
350
400
Dia
quantificado nos gatos 10 e 11). Quanto à infecção latente
identificada pelo PCR, todas as amostras foram negativas após
Dez dos gatos vacinados testados não apresentaram infecção
latente detectável na medula óssea. Entre os 4 gatos que
apresentaram infecção latente, apenas um pôde ser identificado
pela técnica convencional, sendo que foi necessária a técnica de
nested PCR para detectar infecção latente nos outros animais.
Compatibilidade com outras vacinas para uso em felinos
Dez filhotes de 8 a 9 semanas de idade foram randomicamente
F i g . 7 : Títulos de anticorpos neutralizantes contra parvovírus felino (FPV)
após vacinação com vacina associada
Anticorpos neutralizantes
anti-FPV (log10)
p PCR externa, tendo sido necessária o nested PCR (Quadro 2).
4.5
4.0
3.5
3.0
2.5
2.0
1.5
1.0
0.5
0
Vacina com ALVAC-FelV
Vacina sem ALVAC-FelV
0
50
100
150
200
250
300
350
400
Dia
8
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alocados em 2 grupos. O primeiro, com 6 animais, foi vacinado
(Hanlon e colaboradores, 2001). A maior proteção induzida pela
contra rinotraqueíte viral felina, calicivirose (vacinas inativadas
co-administração das citocinas tipo Th1 confirmou a importância
com potência-padrão; Merial), panleucopenia felina (cepa viva
da resposta imune mediada por células na proteção contra o
modificada, 104,2 DICC50 por dose; Merial), clamidiose (antígeno
FeLV. Os vetores de poxvírus mostraram-se promissores em
inativado, dados não apresentados) e leucemia felina (vCP97, 107,5
diversos modelos, especialmente em infecções por retrovírus
DICC50 por dose). O segundo grupo, com 4 filhotes, foi vacinado
(Tartaglia 1993). Foi demonstrado que o vetor ALVAC-FeLV que
apenas contra rinotraqueíte viral felina, calicivirose e
expressa os genes env e gag/pro do FeLV tipo A (vCP97) protegeu
panleucopenia felina (103,6 DICC50 por dose). As vacinações foram
gatos contra o FeLV (Tartaglia e colaboradores 1993), quando
compostas de 2 injeções com intervalo de 28 dias, com exceção da
administrado duas vezes pela via subcutânea com um título de
panleucopenia felina que foi administrada apenas uma única vez.
108,0 unidades formadoras de placa por dose. Para diferenciar
Os títulos de anticorpos neutralizantes contra a rinotraqueíte
ainda mais a eficácia do ALVAC-FeLV e definir a formulação da
felina, o calicivírus e o parvovírus foram determinados em
vacina, o modelo de dose-resposta foi estabelecido num sistema
intervalos regulares durante 364 dias. Ambos os grupos
de desafio em conformidade com a monografia 1321 da
apresentaram forte soroconversão aos 3 vírus (Fig. 5 a 7), mas não
Farmacopéia Européia recém-publicada. As exigências dessa
foram observadas diferenças significantes entre as respostas
monografia são bem rigorosas, sendo que muitas vacinas
sorológicas, o que indica que a vCP97 não interferiu com a
comercializadas não as cumprem criteriosamente (Jarrett and
imunogenicidade dos outros componentes das vacinas felinas.
Ganière 1996, Sparkes 1997, Lutz 1998).
O modelo dose-resposta foi confirmado por dois estudos em
Discussão
que a vCP97 com títulos de 107,3 DICC50 e 106,8 DICC50 protegeu
Foram feitas várias tentativas para melhorar as vacinas
83% (5 de 6) e 67% (4 de 6) dos filhotes de gatos,
existentes contra o FeLV. Foram testadas diversas vias de
respectivamente, enquanto que os índices equivalentes de
administração e vacinas que são mais eficientes na estimulação
proteção de acordo com o modelo eram de 81% e 70%. A
da resposta imune mediada por células. Foi demonstrado que a
eficácia da ALVAC-FeLV for, portanto, confirmada mesmo com
vacinação via mucosa (oronasal), empregando-se o vetor FHV
doses bem abaixo da dosagem-padrão de uso comercial.
que expressa o gene FeLV env, confere proteção parcial contra o
Era importante que os gatos fossem desafiado com uma
FeLV (Willemse e colaboradores 1996). Mais recentemente, foi
cepa virulenta pela via natural de infecção, a oronasal. A cepa
demonstrado que a vacinação com DNA descoberto (naked)
era virulenta o suficiente para provocar uma infecção
protegeu os gatos contra o desafio com FeLV, desde que os
persistente nos gatos sem a necessidade de imunossuprimi-
plasmídeos que expressam a interleucina-12 e a interleucina-18
los com corticosteróides, como ocorre com outras cepas de
sejam administrados juntos com as vacinas de DNA contra FeLV
desafio (Sparkes 1997).
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A eficácia da vacina foi depois confirmada sob condições
possivelmente por estarem envolvidos na citotoxicidade
naturais, utilizando-se um desafio de contato. Os gatos
anticorpo-dependente (Hoover e colaboradores 1977).
vacinados e os controles foram alojados com outros gatos com
Entretanto, alguns gatos foram protegidos na ausência de
infecção persistente durante 25 semanas; a ALVAC-FeLV
uma resposta de anticorpos, o que sugere que a proteção foi
protegeu 83% dos animais, enquanto que 78% dos controles se
mediada por outros mecanismos. Foi demonstrado que as
infectaram (Caney e colaboradores 2003). A gravidade do desafio
células T citotóxicas se desenvolvem logo após o desafio com
foi demonstrada pelo elevado índice de infecção nos controles.
FeLV e desempenham um papel importante no
São raros os relatos sobre a duração da imunidade induzida
desaparecimento da infecção (Flynn e colaboradores 2002).
pelas vacinas contra FeLV, pois as cepas do FeLV utilizadas no
Em um outro modelo com retrovírus (vírus da imunodeficiência
desafio não apresentavam virulência suficiente para infectar
humana [HIV]), foi demonstrado que o vetor ALVAC induz a
gatos adultos de forma consistente e, ainda, por se saber que
produção de células T CD8+ citotóxicas contra antígenos do
a resistência dos gatos ao FeLV aumenta com a idade (Hoover
HIV, inclusive os antígenos do env e gag (Egan e
e colaboradores 1976). Os resultados deste estudo revelam
colaboradores 1995, Santra e colaboradores 2002).
que não é completa essa resistência ao FeLV associada à
Como a maioria das doenças associadas ao FeLV ocorre em
idade, pois sua administração oronasal (sem
gatos com infecção persistente, a eficácia da vacina depende
imunossupressão dos gatos com corticosteróides) provocou
de sua capacidade de preveni-la. Contudo, alguns gatos
infecção persistente em até 67% dos gatos adultos. Com esse
podem apresentar infecção latente, sendo hospedeiros do
modelo foi demonstrado que a imunidade induzida pelo
vírus nas células mielocíticas precursoras da medula óssea,
ALVAC-FeLV durou no mínimo um ano, o que confirma que
sem evidenciar antigenemia detectável. A infecção latente
esse vetor seria capaz de induzir uma imunidade duradoura.
pode ser reativada in vivo pela administração de
Como ocorre com a maioria das outras vacinas contra FeLV,
corticosteróides (Rojko e colaboradores 1982). Não foi
a vacinação com ALVAC-FeLV não induziu níveis detectáveis
possível detectar nenhuma infecção latente na maioria dos
de anticorpos anti-gp70. A soroconversão ocorreu apenas
gatos vacinados com ALVAC-FeLV, seja pelo cultivo
algumas semanas após o desafio nos gatos que foram
tradicional de células da medula óssea, seja pela técnica de
protegidos. Os títulos de anticorpos anti-gp70 no teste ELISA
nested PCR de grande sensibilidade. Da mesma forma, a
estavam correlacionados com os de anticorpos
administração repetida de doses elevadas de corticosteróides
neutralizantes, embora a técnica ELISA seja mais sensível
não conseguiu reativar a infecção por FeLV nos gatos
(dados não apresentados). Sabe-se que os anticorpos
vacinados com ALVAC-FeLV que haviam apresentado
neutralizantes desempenham algum papel na proteção,
infecção passageira após desafio (H. Poulet, dados não
provavelmente pela inativação dos virions livres e
publicados). Isso sugere que a imunidade induzida pelo
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ALVAC-FeLV foi ampla o suficiente para reduzir a infecção
Agradeecimentos
pelo FeLV a níveis indetectáveis. O uso de tais ensaios virais
Os autores agradecem M. Soulier, D. Barral, G. Colombet, B.
sensíveis fornece mais informações sobre a eficácia das
Devaux, S. Brun e D. Pailot pela assistência técnica
vacinas. No mesmo modelo de desafio com a cepa Glasgow-1
especializada. A monografia da Farmacopéia Européia pode
tipo A, uma vacina contra FeLV que continha o vetor FHV tipo
ser acessada no endereço da Internet http://online.pheur.org .
1 não conseguiu proteger os gatos contra a infecção latente
(Willemse e colaboradores 1996).
A elevada eficácia do ALVAC-FeLV foi obtida sem
adjuvante, garantindo-se assim a tolerância local. Os exames
histológicos de amostras do local da inoculação mostraram
que não havia inflamação crônica (P. Devauchelle, dados não
publicados). Essa ausência de reação oferece à vacina uma
enorme vantagem, pois a inflamação crônica no local da
injeção pode ser um fator da ocorrência de fibrossarcomas
pós-vacinais em gatos (Backer 1998).
As vacinas tendem a ser administradas como associações
de vários antígenos, sendo, portanto, avaliada a
compatibilidade do ALVAC-FeLV com outras vacinas. Ela não
afetou a eficácia dos outros antígenos, conforme
demonstrado por exames sorológicos e desafio virulento
(dados não apresentados). Um estudo semelhante
demonstrou que a vCP97 não interfere nos componentes
rábicos inativados (dados não apresentados). Do mesmo
modo, as outras vacinas felinas não interferiram com a
eficácia do FeLV-bouba de canário, conforme demonstrado
pelo desempenho semelhante do ALVAC-FeLV monovalente
ou em associação durante o estudo de imunidade. A
compatibilidade do ALVAC com outros antígenos, sejam vivos
ou inativados, é uma outra vantagem desse vetor.
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Capítulo 23