Estudo do Efeito Topográfico no Ciclo Diurno do Vento na Superfície no Estado de São Paulo Hugo A. Karam1 e Amauri P. Oliveira1 1 Grupo de Micrometeorologia - Departamento de Ciências Atmosféricas - Instituto Astronômico e Geofísico - Universidade de São Paulo (e-mails: [email protected], [email protected]) Abstract Frequency distribution of the wind velocity and direction was determined for the period of 2 years data collected on a 80m tower and for 6 years on surface near Iperó city, São Paulo State, Brazil. Four micrometeorological campaigns were realized on MAR 1992, MAR 1992, JUL 1992 and, MAR 1993 in Iperó. Data and simulation point out the main role of thermal topographic induced effect to define the diurnal cycle wind on mesoscale at surface at Iperó, despite large-scale prevalent wind NE constant. Introdução As observações do vento na superfície em Iperó, SP, indicam a presença de um ciclo diurno, com ventos de NW durante o dia e de SE durante o final da tarde e a noite (Oliveira et al., 1995). Este comportamento tem sido observado com mais freqüência em regiões do Estado de São Paulo mais próxima ao Litoral e tem sido explicado em termos da circulação de Brisa Marítima (Silva Dias et al. 1995, Silva Dias e Machado, 1997). Contudo, Iperó (-46,597oW,-23,420oS) está situada cerca de 120 km (em linha reta) da região do Litoral, portanto a influência do oceano não necessariamente explica totalmente o ciclo diurno. Outros efeitos podem contribuir para o padrão observado, como a circulação térmica induzida pela topografia inclinada SE-NW para do interior do Estado (Karam, 1995) ou mesmo efeitos locais de canalização. A resposta para estas questões pode ser obtida de um conjunto de observações com resolução temporal e, principalmente, espacial maiores. Apesar de existirem, os dados de vento das estações de superfície no interior do Estado de São Paulo, não estão disponíveis. As únicas informações disponíveis sobre o campo de vento no Estado de São Paulo são os dados climatologia em horários sinóticos (0 e 12 GMT) elaborados à partir de dados de reanálise do NCEP com resolução de 2,5 graus (p.g., SMC - Sistema de Monitoramento do Clima v.2.0 - 1998 - IpmetUnesp/Bauru). Estes dados indicam que em média o vento no Estado de São Paulo é de NE (à 10 m) com intensidade de 1-2 m/s. Este padrão varia ao longo do ano em função da variação sazonal da posição do Anticiclone do Atlântico Sul e das áreas de baixa pressão que se formam sobre o continente (Ratisbona, 1976), com predominantes NE-N no verão e NE-E no inverno. Acima, em 850hPa a direção predominante é NW (3-4 ms-1 no verão e 10ms-1 no inverno). No nível de 500hPa a corrente de oeste já domina com direções W-SW (4-5 ms-1) no verão e W (20 ms-1) no inverno. Este comportamento evidentemente não explica o ciclo diurno observado em Iperó uma vez que estes dados não tem resolução temporal e espacial suficiente para evidenciar efeitos topográficos de mesoescala, brisa vale-montanha, bloqueios etc. O ciclo diurno foi também verificado para períodos de tempo pequenos (2 semanas) à 10m da superfície nos experimentos, e durante o período de 2 anos à 10, 60 e 80m da superfície. Este ciclo foi também identificado nas observações da Fazendo Ipanema, situada a 5 km a SE de Iperó, indicando que este ciclo diurno apresenta uma coerência temporal, vertical e espacial. Simulações numéricas do campo do vento induzido pelo topografia do Planalto Paulista à oeste da Serra do Mar indicam que o ciclo diurno observado em Iperó pode ser explicado em termos da circulação térmica induzida pela inclinação da topografia do Estado para Oeste (inclinação de 1:2000 ~ 1min 43s de arco). Neste trabalho são analisados dois conjuntos de dados de vento: (a) 2 anos de observações em Iperó com freqüência de 15 minutos em três níveis 10, 60 e 80 m, entre julho 1992 e Junho de 1994 ; (b) 6 anos de observações de superfície na Fazenda Ipanema (Centro de Engenharia Agrícola do Ministério da Agricultura, CENEA) à 5 km à SE de Iperó, com freqüência de 8 horas. O período de 2 anos de dados de vento engloba 3 das 4 campanhas de medidas micrometeorológicas realizadas em Iperó (cf. Oliveira et al., 1993). Os cálculos da distribuição horária de freqüência, valores médios, variância, desvio-padrão da direção e velocidade do vento foram repetidos para três períodos diferentes: (a) DEZ 92-93, JAN 93-94 e FEV 93-94: período de verão; (b) JUN 93-94, JUL 92-93 e AGO 92-93: período de inverno; (c) JUL 92 e JUN 94 representando período anual. Os dados da Fazenda Ipanema são disponíveis em três horários sinóticos 09, 15 e 21HL, para 5 janeiros (1984, 1985, 1987, 1988 e 1989) e 6 julhos (1984,1985,1986, 1987,1988 e 1989). Resultados A distribuição de freqüência por direção de vento e horários para a Estação da Fazenda Ipanema, segundo oito classes de direção, é apresentada na Tab. 1. Rosas de vento para 10, 60 e 80m para período de inverno em Iperó são mostradas na Fig. 1. Tabela 1 Distribuição de freqüências relativas, para 3 horários de julho e janeiro, segundo a direção do vento para a estação da Fazenda Ipanema em Iperó, SP. Direção 09:00HL 15:00HL 21:00HL 09:00HL 15:00HL 21:00HL JUL JUL JUL JAN JAN JAN 8,90 % 17,85 % 15,18 % 16,56 % 29,13 % 13,91 % N 1,57 % 0,06 % 1,57 % 7,28 % 3,97 % 0,66 % NE 0% 0% 0% 0,66 % 0% 0% E 16,75 % 17,28 % 22,51 % 15,90 % 14,57 % 21,86 % SE 17,80 % 20,42 % 16,75 % 21,86 % 17,22 % 27,15 % S 2,09 % 2,62 % 2,62 % 0,01 % 1,99 % 0,66 % SW 0,52 % 1,05 % 0% 0% 3,31 % 1,32 % W 2,62 % 11,52 % 6,28 % 7,28 % 14,57 % 0,66 % NW 49,74 % 23,04 % 35,08 % 29,14 % 15,23 % 33,77 % Calmaria 10 m 80 m 0 60 m 30 0 25 315 45 35 35 20 315 30 25 20 20 10 0 15 15 10 10 5 270 90 5 5 0 5 5 10 10 270 90 25 135 30 180 10 m 30 90 15 20 25 25 225 270 5 20 20 0 10 15 15 45 315 30 45 25 15 0 40 40 225 135 30 35 35 40 40 180 60 m 225 135 180 80 m Figura 1 Rosa de ventos para 10, 60 e 80 m na torre localizada em Iperó - SP - Brasil. Os raios dos círculos indicam freqüências (%) calculadas com dados de JUN 93-94, JUL 92-93 e AGO 92-93 (período de inverno). O vento na região de Iperó apresenta uma distribuição de freqüência com duas direções preferenciais: ventos do quadrante S-SE e NW-N. Os ventos do quadrante S e SE (202.5-102.5 graus) são os mais freqüentes, com aproximadamente 49% dos casos às 21HL no verão (e 39% no inverno) tanto em Aramar (Fig. 1) como na fazenda Ipanema (tab. I). Os ventos do quadrante NW-N não são tão freqüentes (segunda predominante) como os do quadrante S e SE, mais representam cerca de 29 % (no inverno) e 43% (no verão) às 15HL (tab. 1). Ventos de N e NW são freqüentes às 15HL e ventos de S e SE às 21HL e 09HL (tab. 1). Esta oposição entre as direção predominantes à tarde e à noite indica a presença de um ciclo diurno na direção do vento. Estas oscilações também estão presentes na direção de vento observada durante as 4 campanhas realizadas em Iperó. Para avaliar qualitativamente o efeito térmico da topografia regional do Planalto Paulista à oeste da Serra do Mar utilizou-se o modelo numérico TVM (Karam, 1995) hidrostático e 3-D. Os escoamentos à 10 m são mostrados na Fig. 2 para 15HL e 03HL. Nota-se para o período diurno (noturno) convergência (divergência) sobre as áreas mais elevadas do relevo, caracterizando uma circulação diurna de vale-montanha em escala regional. Às 03HL tem-se um escoamento de drenagem notável na área de Iperó, assinalada pelo símbolo (∗) na Fig. 2b. A simulação indica da importância do efeito térmico da topografia regional no entendimento do ciclo diurno do vento em Iperó e no Estado de São Paulo como um todo. -1 8 .0 0 950 -1 9 .0 0 900 850 800 -2 0 .0 0 750 LAT 700 650 -2 1 .0 0 600 550 500 -2 2 .0 0 450 400 350 -2 3 .0 0 300 250 -2 4 .0 0 -5 4 .0 0 -5 3 .0 0 -5 2 .0 0 -5 1 .0 0 -5 0 .0 0 -4 9 .0 0 -4 8 .0 0 -4 7 .0 0 LO N (a) -1 8 .0 0 950 -1 9 .0 0 900 850 800 -2 0 .0 0 750 LAT 700 650 -2 1 .0 0 600 550 500 -2 2 .0 0 450 400 350 ∗ -2 3 .0 0 -2 4 .0 0 -5 4 .0 0 -5 3 .0 0 -5 2 .0 0 -5 1 .0 0 -5 0 .0 0 -4 9 .0 0 -4 8 .0 0 300 250 -4 7 .0 0 LON (b) Figura 2 Brisas de vale-montanha simuladas numericamente pelo modelo TVM induzidas pelo efeito térmico da topografia regional do Planalto Paulista à oeste da Serra da Mantiqueira. Simulação para às 15 HL (a) e 03 HL (b). Máxima velocidade indicada pelos vetores é 10 ms-1. A localização de Iperó é indicada pela estrela (∗). O ciclo diário do vento pode também ser identificado nos dados da reanálise do NCEP (freqüência de 8h) para o período da 1a.Campanha em Iperó (figura não mostrada). Neste caso, a perturbação do vento parece se estender por uma espessura comparável a altura da CLP. Em conseqüência, o ciclo diário pode influir na formação e desenvolvimento de jatos de baixos níveis sobre o Planalto Paulista. A baixa freqüência de ventos de W, E, NE e SW (tab. 1) pode ser indício de efeitos locais de canalização e bloqueio. Estes efeitos, afetando a primeira centena de metros, podem estar associados às presenças do vale do rio Sorocaba (estendendo-se de S para N) e do morro de Araçoiaba, à cerca de 10km para SW do ponto de observação. A Fig. 3 apresenta a distribuição horária da direção média do vento, observada à 80m em Iperó, comparada à direção simulada pelo modelo. O vento observado apresenta um giro anti-horário durante o dia. Esta característica que também foi simulada pelo modelo numérico é uma conseqüência do efeito de rotação da Terra sobre o escoamento induzido termicamente pela topografia inclinada. Durante o período noturno predominam ventos do quadrante S-SE. Durante o período diurno observou-se o giro anti-horário da direção do vento passando pelo quadrante N em torno do meio-dia. O giro da direção do vento simulado apresenta um atraso de algumas horas em relação ao observado, sendo efetivo somente após o desacoplamento da CLP estável. Não obstante, a direção simulada para o final do período noturno é semelhante à observada. No período diurno, o valor da direção do vento simulado é semelhante ao valor médio observado no período (NW). 360 360 <dir> obs. <dir>+ε obs. <dir>-ε obs. <dir> model DIR 270 270 180 180 90 90 0 6 12 18 24 0 30 HOUR Figura 3 Distribuição horária da direção do vento observada em Iperó à 80m para período de dois anos e simulada com o modelo numérico TVM, para um período de 24h, começando às 06HL. Os símbolos representam o valor médio (quadrado), e a distância entre o circulo fechado e o triângulo representa o intervalo para o qual se tem uma confidência de 99,5% para o valor médio. Os valores simulados são indicados pelos círculos abertos. A simulação permite também inferir a espessura da circulação vale-montanha em Iperó (Fig. 4). O escoamento anabático mostra uma espessura comparável à altura da CLP convectiva (aproximadamente 1,5km). O escoamento catabático mostra-se mais raso (cerca de 600 m). Comparando as Fig. 4a e 4b, evidencia-se que a corrente de catabática se desenvolve sob a camada residual, a qual apresenta escoamento de direção oposta (residual do período convectivo mais circulação de retorno do vale). A extensão horizontal da camada de escoamento catabático é comparável à extensão do Planalto Paulista entre a Serra do Mar e o Vale do Rio Paraná (Fig. 4). Conclusões A climatologia do vento horizontal em grande-escala para o Estado de São Paulo (predominantemente de NE) não explica o ciclo diurno observado na direção do vento em Iperó. A brisa marítima não explica necessariamente o ciclo diurno desde que Iperó se encontra relativamente afastado do litoral. Outros efeitos podem ser importantes para o entendimento do ciclo diurno observado, principalmente a circulação induzida térmicamente pela topografia inclinada para do interior do Estado. 3000 06 09 12 15 18 21 24 03 06 2500 z 2000 1500 1000 500 0 0 1 2 3 4 5 6 7 VEL (a) 06 09 12 15 18 21 24 03 06 3000 2500 z 2000 1500 1000 500 0 0 90 180 270 360 DIR (b) Figura 4 Perfis verticais da velocidade (a) e direção (b) do vento simulados para um período de 24 horas com modelo TVM. Os números na legenda indicam a hora local de cada perfil. Unidades: altura (m), velocidade do vento (ms-1) e direção (graus). O vento na região de Iperó apresenta uma distribuição de freqüência com duas direções preferenciais: ventos do quadrante S-SE à noite (os mais freqüentes) e NW-N durante o dia. Existe uma grande coerência espacial, vertical (10, 60 e 80m) e temporal entre as observações realizadas em Iperó e na fazenda Ipanema. A direção média do vento mostra um giro anti-horário durante o período convectivo, sendo de SE durante o período noturno. Simulações numéricas do campo do vento induzido pelo topografia do Planalto Paulista à oeste da Serra do Mar indicam que o ciclo diurno observado em Iperó pode ser explicado em termos da circulação térmica induzida pela inclinação da topografia do Estado à Oeste da Serra do Mar, mais o efeito de rotação da terra. Resultados numéricos ainda indicam que a camada de escoamento anabático (catabático) tem espessura comparável à altura da CLP convectiva (estável). Na horizontal, a camada de escoamento catabático se estende sobre porção importante do Planalto Paulista, entre a Serra do Mar e o Vale do Rio Paraná. Agradecimentos Agradecemos ao Prof. Leslye de Molnary e ao Prof. Shigetoshi Sugahara pelos dados observacionais. Este trabalho é parte integrante do projeto de pesquisa financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) sob No. 97/02843-0. Referências Karam, H.A., 1995: Simulação Numérica Tridimensional da Camada Limite Planetária em Iperó - São Paulo. Dissertação de Mestrado. Departamento de Ciências Atmosféricas. Instituto Astronômico e Geofísico. Universidade de São Paulo. Estado de São Paulo. Brasil. 120 p. Oliveira, A. P. & Sakay, R. K. (1991) : Relatório Técnico do Projeto - Dinâmica da Camada Limite Planetária em Latitudes Tropicais e Subtropicais, Grupo de Micrometeorologia, Departamento de Ciências Atmosféricas, IAG-USP, Brasil, 120 pp. Oliveira, A. P. (1992a) : Projeto "Estudo da Dinâmica da CLP em Regiões Tropicais e Subtropicais". In Anais do VII Congresso Brasileiro de Meteorologia -SP-BR. Vol. 2. pp 432-436. (1993) : Estudo da Dinâmica da Camada Limite Planetária em Latitudes Tropicais e Subtropicais. Processo No.90/4402-1. Grupo de Micrometeorologia. Departamento de Ciências Atmosféricas. IAG-USP. São Paulo. Brasil, 70 pp. —————— Oliveira, A. P. & Sakay, R. K. (1992b) : Medidas de Turbulência efetuadas em Iperó (SP) em Março de 1991. In Anais do VII Congresso Brasileiro de Meteorologia. São Paulo. Brasil. Vol.2, pp. 450454. Oliveira, A. P., Degrazia, G. A., Moraes, O. L. L. & Tirabassi, T. (1995): Numerical Study Of Nocturnal Planatary Boundary Layer at Low Latitudes. Third International Conference on air Pollution (Air Pollution 95). In “Air Pollution III - Theory and Simulation”, Vol. I: Air Pollution, Editors: H. Power, N. Moussiopoulos, C. A. Brebbia, Computational Mechanics Publications. October,1995, Greece. Ratisbona, L.R. (1976): The Climate of Brazil. Chapter 5, pp.219-293. In World Survey of Climatology Vol. 12. Climates of Central and South America. Ed. in Chief Werner Schwerdtfeger. Elsevier Scientific Publishing Company. Amsterdam. Silva Dias, M.A.F.; Vidale, P.L. and Blanco, C.M.R. (1995): Case Study and Numerical Simulation of the Summer Regional Circulation in São Paulo, Brazil. Boundary-Layer Meteorology 74: 371-388. Silva Dias, M.A.F. and Machado, A.J. (1997): The Role of Local Circulations in Summertime Convective Development and Nocturnal Fog in São Paulo, Brazil. Boundary-Layer Meteorology 82: 135-157.