Impactos dos programas de energia baseada na biomassa (álcool e biodiesel) sobre
a produção de alimentos.
Felipe Rosafa Gaviolia*, Iara Fonseca de Sousab, Marcelo Nivert Schlindweinc.
a. Engenheiro Agrônomo, mestrando em Agroecologia e Desenvolvimento Rural.
Centro de Ciências Agrárias, Universidade Federal de São Carlos. Rodovia
Anhanguera, km.174. CEP: 13600-970. [email protected]
b. Bióloga, mestranda em Agroecologia e Desenvolvimento Rural. Centro de
Ciências Agrárias, Universidade Federal de São Carlos. Rodovia Anhanguera,
km.174. CEP: 13600-970. [email protected]
c. Professor doutor na área de Ecologia. Campus Sorocaba, Universidade Federal
de São Carlos. Rodovia João Leme dos Santos, Km 110 - SP-264. CEP: 18.052780. [email protected]
* +55 19 97633566 [email protected]
Palavras chaves: agrocombustíveis; impactos ambientais; análise emergética.
Título abreviado: Impactos dos agrocombustíveis.
Abstract
The energy is a basic element in the functioning of the biological systems in the planet,
however the used energy matrix, as well as the way as it is produced, can result in
damages to the environment, the health human being, and the consequent competition
with the food production, for natural resources. Through the contribution of the
Ecological Economy, with the emergetic analysis, it is possible to evaluate the support
and the viability technique of the productive model of a agroenergy program, when
establishing the relation between all enters and the total of contained energy in the fuel
1
and excessively derived from a raw material with the amount of energy onslaught in the
production process. This article intends to contribute, through a revision of scientific
literature on the following subject, for the reflection concerning the production of
agrofuels and its respective ambient and partner-economic impacts. Finally, one
concludes that the change in the energy matrix, through the production of agrofuels as
ethanol and biodiesel is essential part of a mosaic of necessary changes for the reach of
a model of development pauted in the ambient support and social justice. Through the
emergetic analysis, can be affirmed that agroecological models of production, in small
scale, can disclose important strategies for the overcoming of the energy and ambient
crisis.
Resumo
A energia é um elemento fundamental no funcionamento dos sistemas biológicos na
Terra, no entanto a matriz energética utilizada, assim como a maneira como é produzida,
pode resultar em danos ao meio ambiente, à saúde humana, e à conseqüente competição
com a produção de alimentos, por recursos naturais. Através da contribuição da
Economia Ecológica, com a análise emergética, é possível avaliar a sustentabilidade e a
viabilidade técnica do modelo produtivo de um programa de agroenergia, ao estabelecer
a relação entre o total de energia contida no combustível e demais derivados de uma
matéria-prima e a quantidade de energia investida em todo o processo de produção.
Este artigo pretende contribuir, através de uma revisão da literatura científica sobre o
seguinte tema, para a reflexão acerca da produção de agrocombustíveis e seus
respectivos impactos ambientais e sócio-econômicos. Por fim, conclui-se que a
mudança na matriz energética, através da produção de agrocombustíveis (etanol e
biodiesel) é parte essencial de um mosaico de mudanças necessárias para o alcance de
um modelo de desenvolvimento pautado na sustentabilidade ambiental e justiça social.
2
E através da análise emergética, pode-se afirmar que modelos agroecológicos de
produção, em pequena escala, podem revelar estratégias importantes para a superação
da crise energética e ambiental.
Introdução
A energia é um elemento fundamental no funcionamento dos sistemas biológicos
na Terra. Como nos ensina a termodinâmica, o fluxo constante de energia que chega ao
planeta, proveniente do Sol, é responsável por movimentar todos os ciclos de materiais
orgânicos existentes nos processos biológicos. A energia solar, transformada e
conservada na forma de energia química através da fotossíntese dos vegetais, pode ser
utilizada por animais herbívoros, que aproveitam uma parte pequena desta energia,
dispersando a maior parte na forma de calor. Por sua vez, os animais carnívoros, ao
consumirem os herbívoros, também aproveitam uma pequena parcela da energia contida
nestes para realizar seus processos biológicos, sendo o restante composto de energia
não-utilizável para realizar trabalho, isto é, calor.
Analogamente a este processo ecológico, podemos observar o fluxo de energia
no processo econômico, onde a energia proveniente do Sol está conservada na forma de
petróleo e carvão – os chamados combustíveis fósseis – que nada mais são do que
materiais orgânicos submetidos a altas temperaturas e pressão durante muitos séculos.
Desta forma, o processo econômico utiliza a energia contida nestes combustíveis para
movimentar o seu ciclo de materiais – a transformação de matérias-primas em bens
industriais, ou em serviços diversos. Como nos sistemas ecológicos, parte da energia
consumida pelo sistema econômico não é convertida em outra forma, sendo a maior
parte perdida na forma de calor, ou de poluição. Este processo de perda de energia é
chamado de processo entrópico, e é inerente ao uso da energia, tanto em sistemas
ecológicos como em sistemas econômicos.
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A história da civilização está intimamente ligada às fontes energéticas
disponíveis. Os caçadores-coletores viviam como partes de cadeias alimentares em
ecossistemas de energia solar, atingindo suas maiores densidades em sistemas com
subsídios naturais, em locais litorâneos e ribeirinhos (Odum, 1983). Assim, o homem
primitivo (Leste da África, 1.000.000 anos atrás) utilizava apenas a energia dos
alimentos consumidos (2.000 kcal/dia) (Goldemberg, 1998).
Durante muitos séculos, a lenha foi a principal fonte de energia para as
populações humanas, associada a potencia muscular animal e humano. O chamado
homem agrícola (1400 d.C.) já utilizava o carvão, a força da água, do vento, e o
transporte animal na agricultura. A seguir, veio a idade atual dos combustíveis fósseis,
que fornecem tanta abundância que a população global tem dobrado mais ou menos de
cinqüenta em cinqüenta anos. O homem tecnológico (1970) consome cerca 230.000
kcal/dia (Goldemberg, 1998; Odum, 1983).
A partir da Revolução Industrial no final do século 18, a agressão do homem ao
meio ambiente tornou-se mais importante devido ao aumento populacional e ao grande
aumento no consumo pessoal, especialmente nos países industrializados. Isto causou
uma série de problemas ambientais, que, de modo geral, tem um grande número de
causas, como o crescimento industrial, as mudanças nos padrões da agricultura, dos
transportes, do consumo, etc. Contudo, a forma como a energia é utilizada está na raiz
de muitas destas causas (Goldemberg, 1998).
Desde o relatório Limites do Crescimento, elaborado por uma equipe do
Massachussets Institute of Technology ao Clube de Roma (1972), se põe em questão o
otimismo dominante nos países industrializados sobre a possibilidade de sustentar o
crescimento econômico baseado no consumo ilimitado de recursos naturais nãorenováveis. Ademais, as duas grandes crises do petróleo, ocorridas em 1973 e 1979,
4
contribuíram para alertar ainda mais sobre o perigo que representaria a aproximação aos
limites físicos do planeta, e o risco ecológico que suporia a transferência do modelo
produtivista dos países industrializados aos países em desenvolvimento (Costabeber &
Caporal, 2004). Além da expectativa de diminuição das reservas de petróleo com a
possibilidade da escassez do mesmo, há a grande e crescente preocupação com a
preservação do meio ambiente, pois os combustíveis fósseis são grandes poluidores,
seja pela emissão de gases do efeito estufa durante a combustão, seja pelo descarte de
resíduos ou pelos derramamentos que eventualmente ocorrem no mar e no solo. Esses
dois fatores têm incentivado alternativas visando à sua substituição (Bonomi et al.,
2006).
Após a publicação do Terceiro Relatório do Painel Intergovernamental de
Mudanças Climáticas (IPCC), em julho de 2001, onde se reconhece a ocorrência do
aquecimento global e a necessidade de diminuir as emissões de gases do efeito estufa, e
com a entrada em vigor do Protocolo de Kyoto, em 2005, com o comprometimento de
125 países industrializados em reduzir suas emissões de gás carbônico, acelerou o
processo de substituição gradual do uso de combustíveis fósseis por renováveis (Pezzo
& Amaral, 2007).
É neste cenário marcado pela crescente demanda por energia, de um lado, e pela
inviabilidade de se continuar com a matriz energética a base de combustíveis fósseis, de
outro, que esta revisão bibliográfica se insere. Com o intuito de verificar as
possibilidades de expansão da produção de energia baseada na biomassa, como
alternativa de diversificação da matriz energética brasileira e mundial, buscaremos
analisar as relações entre produção de agrocombustíveis e de alimentos, considerando
que as duas atividades podem, potencialmente, competir por recursos naturais como
água e solo.
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A partir de uma revisão bibliográfica, abordaremos a produção de
agrocombustíveis em seus aspectos energéticos, ambientais e sócio-econômicos,
valendo-se sobretudo da análise emergética como metodologia privilegiada na análise
da sustentabilidade da produção de agroenergia.
Agrocombustíveis no Brasil: antecedentes e concepções.
Analisando as tecnologias com energias renováveis já maduras o suficiente para
serem empregadas comercialmente, somente a biomassa, utilizada em processos
modernos com alto conteúdo tecnológico, possui a flexibilidade de suprir energéticos
tanto para a produção de energia elétrica quanto para mover o setor de transportes (Cruz
& Nogueira, 2004).
Segundo Goldemberg (1998), os agrocombustíveis incluem o etanol produzido a
partir dos açúcares e amido, pela fermentação com leveduras e pode ser utilizado puro
ou misturado a gasolina em motores com ignição por centelhas (ciclo Otto). Diversos
óleos vegetais também têm sido considerados para possível utilização, incluindo óleo de
soja, girassol, amendoim, algodão, canola, colza, óleo de palma e de mamona. O
biodiesel pode ser obtido a partir dos óleos vegetais ou de gordura animal, que são
processados através de técnicas como a transesterificação (método estimulado pelo
Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel no Brasil) para se obter ésteres
metílicos mais voláteis, da cadeia direta dos ácidos gordurosos (Silva & Freitas, 2008).
No Brasil, a produção de agrocombustíveis remonta ao ano de 1931, quando o
governo federal criou o Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA) e adotou uma legislação
que permitia a mistura de até 40% de etanol na gasolina (gasohol). Na década de 1970,
com os aumentos recordes do preço do petróleo, aliado ao forte crescimento econômico
do país sob o regime militar, o governo investiu pesadamente em subsídios aos usineiros
e produtores de cana, que estavam procurando por alternativas de mercado para
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sustentar a agroindústria sucro-alcooleira durante períodos de oscilação dos preços do
açúcar. Assim, em novembro de 1974, o governo militar cria o Programa Nacional do
Álcool, conhecido por Pró-Álcool, encorajando a produção de etanol e a adaptação de
motores do ciclo Otto para funcionarem ou com “etanol puro” (96% de etanol e 4% de
água) ou com gasohol (78% de gasolina e 22% de etanol) (Nass et al., 2007;
Goldemberg, 1998).
Atualmente, o Brasil é o maior produtor e consumidor mundial de etanol, sendo
que a produção na safra 2006/2007 foi de cerca de 17 bilhões de litros, dos quais o país
exportou 3,5 bilhões (20%), para os Estados Unidos, Europa e Japão (Pezzo & Amaral,
2007; Paulillo et al., 2007). Os outros 13,5 bilhões de litros de álcool, 80% da produção,
abasteceram o mercado interno, composto de 75% de veículos flex-fuel (Nass et al.,
2007; Paulillo et al., 2007).
Em relação ao biodiesel, as primeiras iniciativas brasileiras datam da década de
1930, com pesquisas pioneiras na Universidade Federal do Ceará, que em 1980 obteve a
primeira patente brasileira em processos de produção de biodiesel. Na década de 1970,
concomitante ao Pró-Álcool, surgiu o programa Pró-Óleo, cujo objetivo era o de gerar
tecnologias para baratear o custo da produção de biodiesel. Contudo, foi a partir de
2003 que as políticas públicas para a promoção e o desenvolvimento do biodiesel se
consolidam através do Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel (PNPB) e da
efetivação da Lei n° 11.097, de 2005, que dispõe sobre a introdução do biodiesel na
matriz energética brasileira, determinando sua mistura compulsória a todo diesel
comercializado no país a um teor de 2% (B-2) a partir de 2008 e de 5% (B-5) a partir de
2013 (Pezzo & Amaral, 2007). Porém o custo de produção do biodiesel continua sendo
um grande obstáculo na sua produção. Bonomi et al. (2006) citam um custo de
produção de aproximadamente US$0,51-1, enquanto o óleo diesel derivado do petróleo
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apresenta um custo de US$0,361-1.
Agrocombustíveis e produção de alimentos
Apesar da Lei n° 11.097/05 prever mecanismos de inserção da agricultura
familiar no processo de expansão da lavoura energética, a produção de oleaginosas, e
especialmente de cana de açúcar, está concentrada nas mãos de grandes produtores e
usineiros, que seguem o modelo de agricultura empresarial, caracterizada por
monocultivos em vastas áreas, totalmente dependente de insumos, fertilizantes e de
agrotóxicos químicos. É, portanto, uma agricultura totalmente dependente de derivados
de petróleo, inclusive para sustentar o uso das máquinas para as diferentes funções
praticadas na lavoura, desde o plantio até a colheita (Habib, 2007). Esta opção adotada
implicou no desgaste de recursos humanos (“bóias-frias”), naturais (solo, água, flora,
fauna) e financeiros (possibilidade da aplicação do dinheiro em outros investimentos).
De fato, a questão que se coloca é de como manter o uso de energia pela
humanidade, ou como a humanidade se apropria da produção primária, sobretudo para
movimentar o sistema econômico, sem degradar a base de recursos naturais.
Dentro desta problemática energética, o economista romeno Nicholas
Georgescu-Roegen chegou a propor, na década de 1970, que a economia precisa ser
absorvida pela ecologia, pelo fato que a termodinâmica é muito mais pertinente para a
primeira do que a mecânica, “ciência base” da ciência econômica. Por este ponto de
vista, o processo econômico é uma transformação constante de energia e de recursos
naturais disponíveis, de baixa entropia, em lixo, calor e poluição, de alta entropia,
necessitando de constantes aportes de baixa entropia, contida nos combustíveis fósseis,
para o seu funcionamento e expansão (Stahel, 1995).
Por outro lado, a humanidade também usa a base de recursos naturais, inclusive
energia fóssil, para a produção de alimentos. Segundo Gliessman (2000), na análise da
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problemática energética da agricultura se distinguem os aportes energéticos ecológicos
originados da energia solar, e os aportes culturais de energia. Estes se subdividem em
aportes biológicos, abrangentes aos organismos vivos, trabalho humano e animal, e em
aportes industriais, incluindo a energia mecânica e os insumos obtidos a partir da
energia fóssil. A energia ecológica e a energia cultural biológica se constituem em
fontes de energia renovável; a energia cultural industrial é uma fonte não renovável.
A maioria das pesquisas realizadas sobre a eficiência energética da agricultura tem
comprovado que a do setor tem declinado, pois os crescentes aportes energéticos em
insumos têm suplantado os acréscimos de energia resultantes da maior produtividade, afora
a crescente insustentabilidade do processo, na medida em que os aportes biológicos de
energia renovável têm se reduzido (trabalho humano, animal e estercos), em prol dos
aportes industriais (mecanização e agroquímicos), forma de energia não renovável
(Pimentel, 1982). Sob a ótica energética, a agricultura convencional está usando hoje
mais energia do que a energia que o alimento contém em si, e a maior parte da energia
investida provêm de fontes finitas.
Neste sentido, Ignacy Sachs (2008) coloca que o problema em questão não é a falta
de alimentos, e sim o atrelamento do preço destes ao preço do petróleo. Rodrigues (2004)
chega a afirmar que há tanto alimento produzido, que os atuais excedentes da agricultura de
alimentos tendem a se transformar na agricultura energética, já nas primeiras décadas do
século XXI.
Dentre as críticas feitas ao agrocombustíveis, as principais estão relacionadas ao
baixo rendimento energético em relação às fontes fósseis, à competição por fatores de
produção de alimentos, tais como terra e a água e à destruição de ecossistemas (Pezzo &
Amaral, 2007). Em relação ao setor sucro-alcooleiro, Rossetto (2004) coloca que a cana de
açúcar compete com os cultivos alimentares, sobretudo em solos férteis e próximos a
9
concentrações urbanas, que não deveriam ser destinados para o setor. A mesma autora ainda
relaciona o modelo produtivo baseado na monocultura com a redução da biodiversidade e a
concentração da posse da terra e da renda. Este processo de concentração de terras,
especialmente nas regiões onde há a expansão da fronteira da cana de açúcar, é vista por
Pezzo & Amaral (2007) como um fator relacionado à falta de planejamento e ordenamento
territorial, e não à natureza do sistema de produção da cultura.
Segundo Cruz & Nogueira (2004), a produção de biodiesel, pode favorecer a
inclusão social e o atendimento das exigências ambientais, através da maior geração de
empregos e um balanço de carbono próximo a zero. De fato, a Lei n° 11.097/05 criou
mecanismos de inclusão da agricultura familiar no processo produtivo, através do selo
de “combustível social”, quando os produtores de biodiesel adquirem uma porcentagem
mínima da matéria-prima utilizada, oriunda da agricultura familiar; os descontos nos
impostos federais ao produtores que obtiverem o selo de “combustível social”; e os
leilões coordenados pela Agencia Nacional de Petróleo, Gás Natural, e Biocombustíveis
(ANP). (Pezzo & Amaral, 2007). Até mesmo o Programa Nacional de Fortalecimento da
Agricultura Familiar – PRONAF – lançou no primeiro semestre de 2007 uma linha de
financiamento para a agroenergia. Sem estes incentivos, dificilmente o país atingirá a
meta do B-5 em 2013, prevista no PNPB (Nass et al., 2007). Neste sentido, Paulillo et
al. (2007) colocam que a existência de uma estrutura estatal subvencionista para o
programa de biodiesel é necessária, dado o alto custo de produção deste combustível
frente ao petróleo, e a pulverização dos produtores familiares, o que dificultaria a
logística de distribuição da matéria-prima, puxando os preços para cima.
Todas as tecnologias de biomassa em uso do mundo possuem dois problemas
cruciais: o custo da biomassa e a eficiência energética da sua cadeia produtiva (Cruz &
Nogueira, 2004). O balanço energético é o parâmetro mais adequado para definir a
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viabilidade técnica e a sustentabilidade de um programa de agroenergia, ao estabelecer a
relação entre o total de energia contida no combustível e demais derivados de uma
matéria-prima e a quantidade de energia investida em todo o processo de produção,
incluindo-se as etapas agrícolas e industriais (Gazzoni et al., 2005). Pimentel & Patzek
(2005) estudaram a eficiência energética do biodiesel, com a soma da energia de todos
os insumos utilizados na produção de grãos de soja e de girassol. Para a produção de
1500Kg de grãos de girassol, foram gastos 6,119Gcal. Sabendo-se que a cultura contém
26% de óleo, são necessários 3920Kg de grãos, que fornecem 15,99Gcal, para a
obtenção de 1000Kg de óleo. Somados os processos de extração do óleo, são gastos
19,599Gcal para a extração de 1.000Kg de óleo de girassol. Uma tonelada de óleo tem o
conteúdo energético de 9Gcal, portanto, o processo de produção de biodiesel a partir de
grãos de girassol tem uma perda de 54% de energia. Conclui-se que a eficiência
energética do biodiesel depende de fatores como gasto energético na produção e o teor
de óleo dos grãos utilizados, assim como o sistema agrícola adotado, preparo do solo e
considerações sobre a energia contida em subprodutos, como o farelo de soja, por
exemplo.
Analisando um sistema de produção de etanol convencional, da usina Orplana,
Andreoli & Souza (2006) observaram relação input/output, em kcal, de 1:3,24. De acordo
com Pezzo & Amaral (2007), para cada unidade de energia fóssil investida na produção
norte-americana de etanol a base de milho, é produzida entre 1,25 e 1,66 unidade de
energia renovável, enquanto no caso do álcool de cana de açúcar a relação é 1:8,3 até
1:10,2 unidades. Entretanto, vale lembrar que nestes estudos os autores consideraram
apenas o balanço energético, ignorando tanto os serviços ambientais gratuitos à produção
(chuva, por exemplo), como os impactos ambientais da produção de etanol e de biodiesel
oriundos do uso de energia fóssil, considerados pela economia clássica como
11
externalidades. No caso do etanol, podemos identificar como principais aspectos
ambientais envolvidos no sistema produtivo da cana o desmatamento, erosão, assoreamento
de corpos d’água, escoamento de águas superficiais, compactação, poluição do solo e das
águas com agrotóxicos, circulação de partículas e gases da queimada ou dos biocidas
pulverizados, e perda de biodiversidade ocasionada pela monocultura e pela queima da
cana.
Uma tentativa concreta de incorporar estes fatores à economia é a chamada
Economia Ecológica. Esta utiliza a metodologia emergética, que usa a termodinâmica
para avaliar o custo energético (emergia solar) das diversas formas dos recursos
produtivos (energia, materiais e serviços) para convertê-las a uma mesma base, a
energia solar (emjoule solar - sej). Na análise emergética consideram-se todos os
insumos, incluindo as contribuições da natureza (chuva, água de poços, nascentes, solo,
sedimentos, biodiversidade) e os fornecimentos da economia (materiais, maquinaria,
combustível, serviços, dinheiro) em termos de energia solar agregada (Ortega &
Kamiya, 2007). Assim, a análise emergética nos dá um denominador comum para
expressar fluxos físicos que são comprados no mercado e aqueles que não são
comprados (grátis). Portanto, ela pode nos ajudar a comparar valores baseados no
mercado e aqueles procedentes das ferramentas físicas de avaliação e, desta forma,
desenvolver uma visão mais abrangente de sistemas econômico-ecológicos, estimando
valores das energias naturais geralmente não contabilizadas, incorporadas aos produtos,
processos e serviços não contabilizados na economia clássica (Ortega & Kamiya, 2007).
Utilizando-se da metodologia de análise emergética, Ortega et al. (2008) concluiu
que sistemas de produção de etanol baseados em micro e mini-destilarias, mão de obra
familiar e uso de tecnologias de base agroecológica são altamente viáveis, apresentando
índice de renovabilidade de 67% (isto é, 67% da energia utilizada na produção do etanol
12
provém de fontes renováveis – aportes culturais biológicos e ecológicos), e relação
input/output de 1:3,11. Apesar do balanço energético ser ligeiramente menor que o
encontrado na produção de etanol em larga escala (1:3,24; Andreoli & Souza, 2006),
esta metodologia considera todas as “externalidades”, bem como o papel desempenhado
pelos processos naturais no sistema de produção, e é capaz de quantificar estes
elementos na análise do balanço energético total.
Conclusão
A questão fundamental que se apresenta é que independente da quantidade de
petróleo que exista para a exploração, e da quantidade de etanol ou de biodiesel que se
possa produzir, importa saber a quantidade de energia de alta qualidade, isto é, de baixa
entropia, destas fontes que estará disponível depois de pagas todas as penalidades
energéticas associadas com a necessária dissipação da entropia, inclusive a proteção da
saúde humana e a preservação da integridade dos sistemas globais de manutenção da
vida. Acreditamos que a produção de agrocombustíveis, independente da matériaprima a ser utilizada, só será viável se apresentar níveis elevados de eficiência
emergética. Sob esta ótica, quanto menos energia cultural industrial e biológica for
alocada na produção de biomassa energética, mais energia poderá ser utilizada para
produzir alimentos. Assim, apesar da agricultura energética competir pelos fatores de
produção com a agricultura de alimentos, o problema central está no modelo de
agricultura dependente do uso intensivo de energia fóssil, e por isso mesmo
completamente à mercê das oscilações do preço internacional do petróleo. A recente
crise no preço dos alimentos é reflexo, antes de tudo, desta constatação.
Segundo Silva & Freitas (2008), o biodiesel apresenta vantagens ambientais em
relação ao óleo diesel, porém o balanço energético varia conforme o sistema de
produção utilizado no cultivo das espécies oleaginosas. Neste sentido, modelos
13
agroecológicos de produção, em pequena escala, podem revelar estratégias importantes
para a superação da crise energética e ambiental, uma vez que é papel da agroecologia
tentar reabilitar os sistemas agrícolas a lidar com a alta entropia resultante do processo
produtivo, através da ciclagem de materiais e nutrientes e do uso eficiente da energia
solar.
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