IMPLICAÇÕES NO TRABALHO DOCENTE NO CONTEXTO DA EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Leonardo Zenha Cordeiro1 Fernando Selmar Rocha Fidalgo2 RESUMO: O artigo analisa as implicações das mudanças na profissão docente advindas do uso intensivo das tecnologias na organização do trabalho dos professores. Neste sentido, problematiza-se: Como está acontecendo o processo de estruturação das Universidades para estas transformações? Existe um perfil docente delineado dentro desses projetos? Existe um contexto de trabalho delineado? Existem concepções? Quais são os modelos existentes? Quais são as praticas desses docentes nos cursos em andamento? Serão levantadas em consideração três aspectos: educação a distância; contexto atual de expansão dos cursos a distância, e os impactos no trabalho docente, potencializados pelo programa Universidade Aberta do Brasil. Um aspecto que perpassa todo o artigo, são as implicações das mudanças no trabalho docente,Todos os três aspectos tem como contexto, à implementação de vagas nas Instituições Federais de Ensino Superior, na modalidade a distância. PALAVRAS-CHAVE: Educação a distância, Trabalho Docente 1-Introdução Venho estudando o tema educação a distancia a alguns anos, e trabalhando em cursos ofertados nesta modalidade.Percebo que nos últimos anos vêm ocorrendo, no trabalho docente, várias mudanças, potencializadas pelo numero crescentes de cursos a distância. Neste processo a formação dos professores vem sempre se estruturando na tentativa de qualificação do trabalho. NOVOA (1999,p.22) afirma que: A profissionalização docente começa a ser exigida desde o século XVII quando o corpo de professores religiosos (controlados pela igreja) é substituído pelo corpo de professores laicos (controlados pelo estado). NOVOA (1999) ainda completa que nesta época para exercer esta atividade torna-se necessária a obtenção de uma licença, na qual circunscreve um campo de 1 atuação e define um perfil de competências criando então, um campo de profissionalização. Neste campo, várias são as indagações uma delas que consideram importantes é de PAIVA (2000,p.52) que alerta sobre o modelo de competências para o campo de atuação do trabalho do docente que trás consigo um conjunto de habilidades que começa com uma alfabetização tecnológica e termina com a naturalização da fragmentação, precarização e intensificação do trabalho.O processo de mudanças e de transformação nos campos de atuação dos docentes, no contexto da Educação a distancia vai se reconfigurando. Nos referenciais do Ministerio da Educação (2007) para qualidade nos cursos superiores a distancia, é explicitado que é enganoso considerar que os programas a distancia minimizam o trabalho e a mediação do professor. MILL (2006) se refere a este campo de atuação como “Polidocência” e BELLONI (2002) como “Trabalho Coletivo” Mas que perfil de profissional é esse? MILL (2006) observa em sua tese de Doutorado que nessa “Polidocência” existe profissionais a distancia e presenciais e com funções diferentes. ZUIN (2006,p.949) ressalta [...]que o risco de tornar o professor em uma entidade coletiva é o de pulverizar a autoridade de tal professor a ponto dele se rearticular na forma do autoritarismo imagético que arrefece o desenvolvimento das reapresentações e, portanto o raciocínio critico. Até o momento pouco se tem aprofundado nos estudos em relação a este profissional na educação a distancia,sua atuação, as concepções presentes nos projetos, sua pratica de interação com o aluno, e principalmente se consideramos o aumento de ofertas de cursos a distância. Mas qual é a repercussão dessas mudanças no trabalho docente? Um exemplo atual de mudanças é a criação do programa Universidade Aberta do Brasil realizado pelo Ministério da Educação que se iniciou em 2005 nas Instituições Federais de Ensino Superior. Em dois anos o número de vagas nos cursos a distancia nas Universidades Federais segundo o Ministério da Educação vai ultrapassar 100 mil.3 Para a melhor compreensão desses processos é preciso analisar as transformações da EAD até os dias de hoje. 2 2-Educação a distância e o contexto atual A educação a distância foi se transformando durante as últimas décadas, fruto de mudanças, nas metodologias, nas mediações e no uso das tecnologias. CORREA (2007p.32) afirma que isto inclusive possibilita que a agrupemos em gerações: [...]a primeira geração temos o uso do material impresso como forma de desenvolver os conteúdos e manter a comunicação com os alunos; na segunda geração temos a utilização de materiais de áudio e vídeo, favorecendo assim a comunicação sincrônica, que permite ampla difusão da informação, contatando pessoas em espaços diferentes, e em tempo real.Com o avanço das telecomunicações, aumenta a flexibilização dos processos informacionais e comunicativos, o que permite configurar a terceira geração em EAD. BELLONI (2002) ressalta que, a introdução das novas tecnologias da informação e comunicação nos cursos de EAD oferece possibilidades inéditas de interatividade com materiais de boa qualidade e de grande variedade mediatizada pelas redes telemáticas (e-mails, listas e grupos de discussão, webs, etc.). LITWIN (2001) afirma que os programas de EAD contém uma proposta didática com maior conteúdo que as situações presenciais, mas crítica as definições que se basearam na elaboração de materiais auto-suficientes capazes de gerar a proposta de aprendizagem. Neste sentido, o papel do tutor é fundamental para a construção dos processos de ensino/aprendizagem. Para que esta interatividade se concretize, a utilização das tecnologias e os modos de “como” usar são fundamentais, sendo assim, faz-se importante situar esta realidade no contexto atual. 3-Acesso aos artefatos Tecnológicos na Realidade Brasileira A inclusão digital é um problema de políticas públicas, pois de acordo com as estatísticas da Fundação Getulio Vargas (2003) 4, apenas 13 % dos domicílios brasileiros têm computador. Somente 9% dos domicílios acessam a internet. Cerca de 75% dos brasileiros nunca manusearam um computador. 89 % dos brasileiros nunca acessaram a Internet. BARBOSA (2004,p.23) ressalta que, no Brasil o acesso às tecnologias é inferior a nações como o Kuwait, Costa Rica, Jamaica, Argentina, Uruguai, e Chile. O Mapa da Exclusão Digital (FGV 2003) indica que: Existem apenas 27 milhões de brasileiros que são incluídos digitais (15 % da população). O Brasil tem 21 milhões de pessoas 3 incapazes de ler e escrever (13 % da população), mas quantos são os analfabetos digitais, aquelas pessoas despreparadas para viver a interação com as máquinas? A tecnologia é uma forma de inclusão social, ou seja, a aprendizagem da informática e o acesso às novas linguagens de comunicação e informação, não só possibilitam oportunidades econômicas, de geração de renda, como também representam um importante capital social. Frente a esse contexto de expansão da EAD e o quadro atual do uso dos artefatos tecnológicos da realidade brasileira considero de fundamental importância investigar a tutoria, por entender ser esse profissional o mediador entre a realidade dos cursos e a realidade em que o sujeito está inserido. E como esse profissional está dialogando com as Novas tecnologias da informação e da Comunicação? Como o tutor resolve os problemas de aprendizagem dos alunos? Existe um perfil docente definido? Para MILL (2006,p.212) [...] o trabalho docente a distância se organiza de forma coletiva e cooperativa. O trabalho nessa modalidade educacional é extremamente fragmentado e cada parte das atividades que compõem o trabalho docente virtual é atribuída a um trabalhador diferente (ou a um grupo deles). Para SANTOS (2002,p.184) Na EAD a mediação pedagógica exercida pelo tutor, que está praticamente ausente fisicamente se constitui em uma dupla mediação – a tecnológica e a pedagógica- que aumentam a complexidade da relação pedagógica [...]. BELLONI (2002) afirma que a EAD já não é mais um paliativo, ou emergencial mas se apresenta como mais um modo regular de oferta de ensino, utilizada principalmente no ensino superior quanto para a formação inicial ou continuada, cuja demanda tende a crescer exponencialmente. Hoje com o avanço dos cursos a distância, este modelo de ensino é uma realidade, e ao mesmo tempo um desafio . Este avanço e esta complexidade na oferta de cursos a distância pode ser visto pelo crescente número de cursos de nível superior, sendo que, em 2008 no Programa da Universidade Aberta do Brasil foram trezentas cidades pólos credenciados pelo Ministério da educação publicado no Diario Oficial5. Na Universidade Federal de Minas Gerais uma das universidades credenciadas no Programa, o número de vagas para a graduação previsto é 1000 vagas6 no ano de 2008. Nesta pespectiva, quais são os impactos desta expansão? 4 BELLONI in PIMENTEL(2006,p55) afirma que “A submissão da educação aos interesses imediatos do mercado é o principal dispositivo dessa construção, podendo levar a Universidade pública, no país, a redefinições, de ordem objetiva e subjetiva, que se estendem desde a privatização de interesses, propósitos e objetivos universitários, antes de caráter público, definidos coletiva e socialmente, até a privatização da cultura universitária acumulada na prática histórica do trabalho do conjunto dos sujeitos universitários). Qual o modelo definido nos cursos? Existe um perfil docente delineado dentro destes projetos? Existe um contexto de trabalho delineado? Quais são os parâmetros para o desenvolvimento dos cursos dentro do programa? Neste sentido, para refletir sobre a expansão do Programa Universidade Aberta do Brasil, é necessário pensar na sua criação e na realidade em que ele se insere. 4-A criação do Programa Universidade Aberta do Brasil :Expansão e mudanças sobre a ótica do trabalho Docente Criado em 2005 pelo Ministério da Educação, o Programa Universidade Aberta do Brasil (UAB), está nas pautas de discussões do cenário Brasileiro. Vários são os projetos que foram vistos e revistos. TEIXEIRA in PIMENTEL(2006,p 133) ressalta, que de 1972 a1991 vários projetos de lei versando sobre a frequência livre de cursos universitários, criação da Universidade Nacional de Ensino a distância e a criação da Universidade Aberta do Brasil constituíram objeto de discussão da Câmara dos Deputados, porém todos os projetos foram arquivados.Mesmo com todos os debates sobre a expansão, as demandas para a implementação, e adequação de um modelo diferente de Universidade Brasileira, somente em 2006 o projeto foi sancionado. A Universidade Aberta do Brasil foi instituindo através do decreto de 8 de junho de 2006 tendo como alguns dos objetivos oferecer cursos superiores nas diferentes áreas do conhecimento; ampliar o acesso à educação superior pública; reduzir as desigualdades de oferta de ensino superior entre as diferentes regiões do País; estabelecer amplo sistema nacional de educação superior a distância.Segundo Ministério da Educação, os programas a serem implementados vão consistir de uma organização por pólos municipais a serem criados para as fases presenciais dos cursos e programas oferecidos no âmbito da UAB. O conceito de pólo presencial foi elaborado 5 da seguinte forma: “Estrutura para a execução descentralizada de algumas das funções didático-administrativas de curso, consórcio, rede ou sistema de educação a distância, geralmente organizada como concurso de diversas instituições, bem como com o apoio dos governos municipais e estaduais”(Ministério da Educação 2006).Na Universidade Federal de Minas Gerais a organização está acontecendo da seguinte forma: a gerência dos cursos é administrada por cada unidade, de acordo com os cursos oferecidos como Geografia, Química, Biologia e Normal Superior. CUNHA (1998,p91) referindo-se a um trabalho de Burton Clark sobre a instituição Universitária ressalta: “É a débil articulação entre escolas, faculdades, institutos, departamentos e cátedra, que se comportam como pequenos estados soberanos, fragilmente ligados numa federação.Contra a ideologia da integração o autor faz uma aberta apologia da desordem, assumindo assim uma metáfora da universidade como uma anarquia organizada”. Como pensar na organização de uma Universidade neste organograma descentralizado por pólos, como da Universidade Aberta do Brasil? Como pensar na fragmentação e ampliação de cursos em um contexto que mistura intensificação do tempo de trabalho e exigências de novas competências? Para BELONNI in PIMENTEL (2006,p.79) as instituições Superiores [...] encontram-se desaparelhadas, com um corpo docente mal preparado para enfrentar os desafios postos pelas novas tecnologias de comunicação e informação acrescentando ainda, a falta de participação das Instituições de Ensino Superior onde o ensino e a pesquisa parecem evoluir alheios ao progresso técnico, conseqüências diretas da falta de política para a área.” É importante ressaltar que, na educação a distância, a complexidade de funções é intensificada. Para BELONNI (2002) e LITWIN (2001), algumas funções do tutor são definidas a partir dos materiais instrucionais do curso e das necessidades dos alunos. Por exemplo, materiais mais auto-instrucionais demandam um tutor mediador, materiais menos auto-instrucionais demandam um tutor convencional ou conteudista. As necessidades dos alunos como: reaprender a estudar, gestão de conflitos, mudanças de atitudes e valores, implicam em que o tutor desenvolva novas estratégias.As Funções do tutor são compreendidas como orientador, facilitador da aprendizagem, motivador e avaliador. Mas como estamos nos qualificando frente aos novos contextos? 6 MILL (2006,p242) faz um alerta para a expansão dos cursos de EAD e indica um caminho a ser estruturado nas Universidades: Pelo que evidenciam os dados, o trabalho na EaD é realmente mais exigente e mais cansativo em termos de tempo e atenção do trabalhador. É preciso, portanto, que sejam pensadas as especificidades do teletrabalho, em geral, e do teletrabalho docente, em particular. Parece uma boa sugestão que isso comece pela legislação trabalhista para esse grupo de teletrabalhadores. CASTEL (1998,p.560) reafirmando está sugestão e ressaltando sua importância afirma que [...]desenhar eventualidades que comprometerão num sentido diferente em função das opções que forem feitas(ou ao contrario, que não forem feitas)em matéria de política econômica, de organização do trabalho e de intervenções do Estado social. CASTEL(1998) ainda acrescenta que o amanhã pode ser desconhecido mas será trabalhado a partir da herança de hoje .Neste sentido como estamos construindo os modelos educacionais para gerações futuras?Será a lógica da quantidade prevalecendo sobre a qualidade que vai reger a Expansão das Universidades públicas ? 1 Mestrando em Educação na Faculdade de Educação/UFMG. Membro do Núcleo de Estudos Sobre Trabalho e Educação/FAE-UFMG. Av. Antônio Carlos, 6627 - Pampulha - Belo Horizonte/MG – Cep.:31270-901. e-mail:[email protected] 2 Orientador, Professor do Programa de Pós-graduação em Educação na Faculdade de Educação/UFMG e Bolsista de Produtividade – Cnpq. 3 Mapa da Exclusão Digital /Coordenação Marcelo Cortes - Neri. - Rio de Janeiro: FGV/IBRE, CPS, 2003. http://www2.fgv.br/ibre/cps/mapa_exclusao/apresentacao/Texto_Principal_Parte1.pdf. Acesso maio de 2007 de 2008) 4 Mapa da Exclusão Digital /Coordenação Marcelo Cortes - Neri. - Rio de Janeiro: FGV/IBRE, CPS, 2003. http://www2.fgv.br/ibre/cps/mapa_exclusao/apresentacao/Texto_Principal_Parte1.pdf. Acesso maio de 2007 5 Diário oficial Nº. 14, segunda-feira, 21 de janeiro de 2008 -disponivel em http://www.uab.mec.gov.br/gCon/recursos/upload/file/UAB2.pdf(acesso Fevereiro de 2008) 6 Resultados parciais- disponível em http://mambo.grude.ufmg.br/paginas/caed/index.php?option=com_content&task=blogsection&id=8&Ite mid=31( Fevereiro de 2008) 7 REFERËNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BARBOSA,Maria de Fátima Sousa de Oliveira. A Pratica de tutores do Cursos de formação Pedagógica em Educação Profissional-Enfermagem Profae.Dissertação de Mestrado.Universidade Federal do Rio de Janeiro.2004. CORREA, Juliane. Estruturação de Programas em EAD.In Educação a distancia:Orientações Metodológicas. Corrêa, Juliane (Org.) - Porto Alegre: Artmed, 2007.Cap. 1, 9-20. CASTEL, Robert. As Metamorfoses salário.Petropolis,RJ:Vozes,1998. da questão social :uma crônica do CUNHA, Luiz Antonio. A universidade brasileira.Entre o taylorismo e a anarquia.Revista Brasileira de Educação .Jan/Fev/mar/Abr.1999 Nº. 10 BELLONI, M. 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