NOVOS MATERIAIS: Realidade e tendências de desenvolvimento (Aloísio N. Klein, Márcio C. Fredel e Paulo A. P. Wendhausen ) Durante milhões de anos os materiais naturais (madeira, pedras, ossos e peles de animais, etc) eram os únicos conhecidos e disponíveis e atendiam de forma rudimentar as necessidades do ser humano. Mais adiante, cerca de 5 mil anos antes de Cristo, o homem passou a fazer os primeiros utensílios domésticos com argilas (materiais cerâmicos primitivos) e, logo depois, passou a produzir os primeiros utensílios a partir de metais e ligas, desenvolvendo o arado, a carroça, as embarcações a vela. No início da era cristã o homem conhecia sete metais: cobre, prata, chumbo, estanho, ferro, mercúrio e ouro. Até meados do século XIX, o conhecimento existente acerca dos materiais era essencialmente empírico, ou na sua melhor forma, resultado de alquimia. A partir de então, passos maiores começaram a ser dados, devido à possibilidade da observação ao microscópio, então recentemente descoberto, permitindo estudos mais sistemáticos e, desta forma, rumando ao domínio dos materiais e de seus processos de fabricação e transformação, dando origem à Ciência dos Materiais e, posteriormente, à Engenharia de Materiais. Hoje, dispõe-se de aproximadamente 50.000 materiais que compõem o cenário industrial moderno, classificados em cinco grandes grupos: os metais, as cerâmicas, os polímeros, os semicondutores e os compósitos. Novos Materiais: Realidade O termo Novos Materiais começou a ser utilizado com maior freqüência nas três últimas décadas; refere-se não só a materiais recém-descobertos ou desenvolvidos, mas também aos materiais já há mais tempo conhecidos, mas que hoje são fabricados com maior qualidade e elevado desempenho funcional, em decorrência do domínio e das melhores condições de controle dos processos de fabricação alcançado nas últimas décadas. O avanço está intimamente ligado ao desenvolvimento de novas técnicas de análise e controle, bem como ao desenvolvimento de equipamentos hoje disponíveis aos pesquisadores e engenheiros das indústrias. Equipamentos como o difratômetro de raios x, microscópios óticos e eletrônicos (varredura, transmissão e tunelamento), microscópio de força atômica, microssondas para análise química pontual, sistemas de análise quantitativa de imagens, ressonância magnética, dilatômetro diferencial e outros, são ferramentas poderosas hoje nas mãos dos pesquisadores, pois permitem manipular a matéria em escala atômica e estudar a estrutura interna dos materiais, avaliar a sua influência nas mais diversas propriedades e, fazer a re-engenharia destes materiais em função da aplicação particular a que se destinam. Novos materiais surgiram em todos os 5 grupos básicos. Fibras à base de vidro, carbono ou ainda de Kevlar (poliaramida) são agregadas a materiais plásticos reforçandoos e dando origem a materiais de alta resistência mecânica específica (alta relação resistência/peso). Aplicações típicas contemplam desde artigos esportivos, como mastros de pranchas de windsurf, raquetes de tênis, quadros de bicicleta de competição até hélices de helicóptero e asas de aviões. No mercado do vestuário estão disponíveis novos tecidos têxteis contendo fibras ou fios especiais que absorvem o suor e que eliminam bactérias, por exemplo. No campo das fibras, cabe ainda citar a fibra ótica; esta revolucionou a informática permitindo a transmissão de dados a velocidades cada vez mais elevadas, tendo como resultado o estabelecimento da internet como meio global de comunicação. Fibras óticas (de vidro) tão finas que poderiam passar pelo buraco de uma agulha podem transmitir, em um segundo, as palavras contidas em 200 livros. Além de fibras, são utilizadas partículas de cerâmica e de metais, para reforçar polímeros, buscando maior rigidez e resistência ao desgaste. O reforço com fibras e/ou partículas também é utilizado em metais e cerâmicas. Cerâmicas (ex.: Al2O3 + reforçado com partículas de ZrO2) tem sua tenacidade aumentada com a introdução de partículas ou fibras, permitindo o seu uso em aplicações há poucas décadas não imaginável, como por exemplo, na fabricação de ferramentas de corte, molas helicoidais, engrenagens, pás e rotores de turbinas, entre outras. Em relação a elevado desempenho térmico de materiais, por exemplo, foram desenvolvidas fibras à base de sílica utilizadas na fabricação dos tijolos refratários aplicados no revestimento externo da fuselagem dos ônibus espaciais. Tais materiais apresentam até 93% de vazios e uma condutividade térmica tão baixa que podem ser apalpados com as mãos nuas segundos apenas após terem sido retirados de ambientes a temperaturas superiores a 1000oC. Também metais são reforçados por fibras cerâmicas (ex.: alumínio + fibras de carbono) aumentando sua resistência à tração por um fator de 8 a 10 vezes. Metais são ainda reforçados pela dispersão de partículas cerâmicas insolúveis aumentando em várias vezes a sua dureza e sua resistência ao desgaste abrasivo e erosivo, bem como sua resistência ao calor. Contactores elétricos modernos (ex.: prata + partículas de óxido de índio e zinco; cobre + partículas de óxido de zinco), são exemplos típicos. Novos materiais semicondutores causaram um enorme impacto no desenvolvimento de computadores e em toda a indústria eletrônica. Esta classe de materiais eletrônicos situa-se, do ponto de vista da condutividade, elétrica entre os bons condutores metálicos e os isolantes cerâmicos. No caso destes materiais, o tamanho da zona da banda proibida (o qual precisa ser transposta para possibilitar a condução elétrica) é grande demais para que os elétrons a saltem sem alguma fonte de excitação como calor, luz ou voltagem, porém, nem tanto que a quantidade de energia necessária inviabilize o seu uso prático. Além disso, os diversos materiais semicondutores têm tamanhos de zona proibida distintos, dando-lhes individualidade no campo da eletrônica; aqueles com tamanho largo de zona proibida são empregados na fabricação de transistores e microprocessadores. Por outro lado, semicondutores com banda estreita são adequados para a fabricação de sensores de alta sensibilidade ao calor e radiação, permitindo o desenvolvimento de dispositivos opto-eletrônicos, como os utilizados nas câmaras CCD, que transformam os estímulos luminosos em sinais eletrônicos. A grande maioria dos semicondutores é do tipo extrínseco, ou seja, necessita da adição controlada de “impurezas” para produzir imperfeições eletrônicas indispensáveis à ocorrência do fenômeno. Outra classe de materiais relacionada a aplicações eletro-eletrônicas é a dos magnéticos. A magnetita (Fe3O4) já fazia parte da vida das primeiras civilizações, sendo encontrada naturalmente no estado magnetizado. Este material já era conhecido pelas primeiras civilizações chinesas e egípcias e sua aplicação na fabricação de bússolas foi relatada pela primeira vez em 1088. A bússola pode ser considerada um importante desenvolvimento tecnológico ocorrido na idade média o qual permitiu aos navegadores europeus a exploração de “novos mundos”. As bússolas com agulhas de ferro fabricadas à época eram muito fracas e necessitavam ser freqüentemente magnetizadas com pedras de magnetita. No início do século XX, cientistas famosos como Ampere, Maxwell, Gauss, Weiss e outros começaram a fornecer os subsídios para o entendimento dos materiais magnéticos. Ainda no início daquele século, novos materiais magnéticos, mais potentes, começaram a ser desenvolvidos, como as ligas AlNiCo, ou seja, imãs da liga Alumínio + Níquel + Cobalto, por exemplo, utilizados pelos ingleses para fixar minas nos navios alemães. Muitos outros desenvolvimentos se seguiram aos ligas AlNiCo, como os imãs à base de samário+ cobalto e os à base de neodímio+ferro+boro. Hoje, os materiais magnéticos estão amplamente presentes em nosso cotidiano, como nos aparelhos de áudio e vídeo (auto-falantes, cabeçotes de gravação magnética), nos motores de eletrodomésticos, sendo também utilizados como meio de gravação de informações (discos rígido e disquetes para computadores, fitas cassete e fitas de vídeo). Um outro campo da engenharia de materiais que merece destaque especial é o dos biomateriais; são materiais que durante um período de tempo indeterminado são empregados como um todo ou parte integrante de um sistema para tratamento, ampliação ou substituição de quaisquer tecidos, órgãos ou funções corporais. Na ortopedia, a artoplastia coxo-femural aparece como a mais freqüente das aplicações, embora articulações de joelho, cirurgias cardiovasculares (marca-passo, válvulas e vasos artificiais), assim como a lentes para a oftalmologia e a cirurgia plástica são também, aplicações das mais freqüentes de biomateriais. Metais, cerâmicas, polímeros e compósitos são comumente utilizados na cirurgia reconstitutiva de ossos, como, por exemplo, das regiões craniana e maxilo-facial. Os materiais bioinertes (p. ex., Al2 O3) não apresentam qualquer tipo de reatividade quando introduzidos no corpo humano devido às baixas taxas de dissolução, enquanto que os metais, muitas vezes preferidos pela sua melhor trabalhabilidade, quando colocados em contato com o meio fisiológico – inclusive os considerados mais resistentes à corrosão – sucumbem devido à sua alta reatividade e troca iônica com os fluidos corpóreos. Os metais são mais freqüentemente usados para dispositivos como discos, pinos, parafusos, suturas e placas ósseas. Já as cerâmicas bioativas como hidroxiapatita, têm sido largamente empregadas na expansão do suporte alveolar de mandíbulas e maxilares atrofiados e/ou pequenos defeitos de contorno em ossos faciais. Os materiais biorreabsorvíveis (p. ex. fosfato tri-cálcico, sulfato de cálcio), por outro lado, não podem ser empregados para revestimentos, pois se desintegram após um período de tempo, antes de serem substituídos por material fisiológico. Novas perspectivas e tendências Apesar do enorme progresso realizado pela Ciência e Engenharia de Materiais nos últimos anos, ainda permanecem grandes desafios tecnológicos; É necessário desenvolver materiais ainda mais sofisticados e especializados e, ao mesmo tempo, de menor custo. Quantidades excessivas de energia são ainda consumidas nos meios de transporte. Reduzindo o peso dos veículos de transporte (automóveis, trens, aviões, etc.), pode-se reduzir de modo significativo o consumo de combustível e energia. O uso de alumínio, como exemplo de material leve, na indústria automobilística dobrou entre 1991 e 1999, sendo previsto que dobre novamente até 2005. Entretanto, o alumínio é de difícil soldabilidade e estampabilidade quando comparado ao aço; em decorrência, para ampliarse o uso deste material em meios de transporte, um novo projeto de estrutura de carrocerias deve ser desenvolvido para alcançar os requisitos desejados de rigidez e segurança. O desenvolvimento de novos materiais, também de alta resistência aliada a baixo peso, mas que simultaneamente resistam a temperaturas de trabalho mais elevadas, para serem utilizados em motores e turbinas – visando aumentar a eficiência térmica do sistema para reduzir o consumo de combustível – ainda procede, não obstante o salto de 2 ordens de grandeza na razão resistência/densidade já alcançado no último século em função do advento dos compósitos reforçados com fibras e partículas e das cerâmicas avançadas. Muitos materiais que usamos atualmente são derivados de fontes não renováveis; esses incluem polímeros para os quais a matéria-prima é o petróleo, e alguns metais com reservas esgotáveis. Isto leva a necessidade da reciclagem dos materiais usados. Além disso, há uma necessidade reconhecida de se descobrir novas e mais econômicas fontes de energia, bem como utilizar as já disponíveis mais eficientemente. Por exemplo, a conversão direta de energia solar em energia elétrica já é realidade; no entanto, células solares empregam materiais complexos e de elevado custo. Materiais à base de silício policristalino são utilizados na fabricação destes painéis solares, capazes de gerar energia elétrica. Entretanto, uma célula solar tem uma eficiência de apenas 10%, ou seja, 1/10 da energia solar que incide sobre a célula se converte em energia elétrica. Portanto, a utilização residencial é ainda limitada devido à necessidade de grandes áreas de coletores. Atualmente existem "ferramentas" para ver, mover e entender desde átomos individuais até agrupamentos de átomos; isto permite aos cientistas condições sem precedentes para entender "as maravilhas do mundo dos elementos químicos" que formam a "substância" dos materiais de engenharia. Mesmo considerando os materiais mais sofisticados como, por exemplo, o silício empregado na confecção de processadores de microcomputadores ou o arseneto de gálio utilizado no laser do CD player, não dispomos ainda de nada comparativamente aos materiais que estão por vir. Materiais chamados "inteligentes", que respondem a condições externas mudando sua cor, forma, rigidez, ou permeabilidade ao ar ou líquidos poderão tornar-se "ferramentas vitais" de segurança e conforto em gerações futuras. As construções do futuro poderiam vir a ser monitoradas por materiais inteligentes, para responder a mudanças climáticas súbitas, ameaça de terremotos e intempéries, etc. O desenvolvimento de materiais ainda mais sofisticados e especializados, a um custo mais acessível e dentro de uma política de preservação do meio ambiente, onde o desenvolvimento seja um processo integrado que considera o impacto no ambiente, desde a mineração, o processamento, a utilização e o descarte de um componente, demanda uma maior integração interdisciplinar entre os cientistas e uma comunicação efetiva entre governantes, cientistas e empresários, visando a definição e implantação de uma política de desenvolvimento tecnológico sustentável.