INSTRUMENTOS
Copiando
o passado
Talvez uma das
grandes virtudes da
era digital aplicada à
música seja sua
capacidade de criar
cópias idênticas de
um material sonoro.
Como muitas coisas
na vida, é necessário
que coloquemos na
balança essas duas
faces da moeda
Luciano Freitas é profissional de áudio, fez
curso de piano erudito, Full Mastering no Füller
Studios (Miami). É técnico em áudio na Pro
Studio Americana e foi professor de teclado no
Conservatório Musical Joelson Vieira.
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E
ssa virtude infelizmente é o motor da pirataria musical. Qualquer cidadão comum atualmente tem
em seu computador a capacidade de
tirar cópias não autorizadas de CDs,
DVDs e ainda baixar músicas da
Internet deixando uma indústria inteira sem receber seus merecidos direitos. Isso faz com que o mercado
musical venha sofrendo uma reviravolta na maneira de lidar com o comércio de obras musicais, visto que
bem pouco se faz para coibir essa prática. De nada adianta colocar na TV
artistas falando que o CD pirata estraga o equipamento de som por sua
baixa qualidade (chegam a brincar
com a ignorância do povo), mesmo
sabendo que a cópia de dados de um
sistema binário sempre é idêntica.
Por outro lado, não entrando em detalhes sobre tudo o que os estúdios
atuais ganham fazendo uso dessa
tecnologia, muito também se copia
de maneira benéfica. Prova disso são
vários instrumentos virtuais (softwares) que simulam ou copiam alguns
instrumentos musicais a que nunca
teríamos acesso devido ao seu preço
ou sua indisponibilidade no mercado.
Alguns instrumentos que muitos
apenas conhecem por fotografias podem chegar às nossas mãos por uma
fração de seu valor original (ou até
mesmo gratuitamente). Um bom
exemplo desses softwares são os si-
INSTRUMENTOS
muladores dos lendários pianos eletro-mecânicos (Rhodes, Wurlitzer e Clavinet),
instrumentos que, com sua autenticidade
sonora, atingem atualmente a popularidade como nunca e unidades originais em bom estado de conservação se
tornaram peças disputadíssimas. O
que os torna tão veneráveis é o que
está dentro de cada um, ou seja, o método de geração sonora que os instrumentos virtuais tentam simular.
O aspecto mecânico foi herdado do
piano acústico. Em cada um dos teclados, seus martelos batem nos objetos
vibrantes: hastes metálicas (tines) no
Rhodes, pequenos canos no Wurlitzer
e cordas no Clavinet. A parte elétrica
refere-se aos seus captadores, lembrando os utilizados nas guitarras elétricas, o que transforma a vibração em
tensão elétrica que poderá alimentar
um alto-falante ou gerar um sinal de
linha. A partir daí, eles se divergem
em aspectos muito importantes. Conheçamos agora um pouco das características desses instrumentos e alguns dos instrumentos virtuais que
oferecem suas simulações.
RHODES
Esse nome se tornou praticamente
sinônimo do termo “piano elétrico”.
Seu criador, Harold Rhodes, teve como
primeira invenção um piano acústico portátil de duas oitavas e meia
construído com tubos de alumínio
(o Xylette), que fora utilizado durante a segunda guerra mundial pela
corporação do exército aéreo americano, com finalidades musico -
terápicas, em soldados feridos nos
campos de concentração. Um grande
passo à popularização da marca veio da
união com Leo Fender e a criação da
Fender & Rhodes Corporation. Em
1959 a empresa liberou o protótipo de
seu primeiro instrumento: o Fender
Rhodes Piano Bass, um teclado de 32
teclas que reproduzia a mesma tessitura
de um contrabaixo elétrico e se tornaria conhecido nas mãos do baixista Ray
Manzarek, da banda The Doors.
Em 1965 a marca foi adquirida pela
CBS, mantendo inicialmente o antigo
nome, Fender Rhodes, por quase uma
década. Seus novos modelos tiveram
início com o Mark 0, evoluindo através do Mark I (1970), Mark II (1979), e
finalmente o Mark V (1984), sendo
este o último dessa geração.
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INSTRUMENTOS
WURLITZER
Na década de 80, a Roland se torna
proprietária da marca e lança o modelo MK 80, entretanto, esse e seus sucessores já eram digitais e não mais
eletro-mecânicos. Mesmo com a morte de Harold em 2000, a empresa que
leva seu nome está de volta com um
novo modelo de piano eletro-acústico:
o Mark 7 (baseado no Mark V). Sua
produção foi iniciada no começo desse
ano trazendo novamente o sonho de
possuir um verdadeiro Rhodes sem depender de relíquias que geralmente não
são encontradas em boas condições.
Mas, como é o processo de geração de
sons dentro de um Rhodes? Ao pressionar uma tecla, seu martelo bate em
uma haste metálica localizada acima
dele, atribuindo um tom (afinação) na
barra sonora conectada a ela. Alterando o posicionamento da mola encontrada na haste modifica-se o valor de
sua afinação (quanto mais perto do final da haste teremos mais peso e vibrações mais lentas, proporcionando
afinações mais baixas), em que a mesma proporcionará mais a característica do som dos harmônicos e a barra
acima mais a freqüência fundamental.
Cada haste fica direcionada ao seu
respectivo captador e a barra superior
é fixada na harpa por dois parafusos
que podem variar seu posicionamento
de captação. Relativamente, seu posi52 www.backstage.com.br
cionamento fora do eixo proporciona
uma sonoridade mais rica e harmoniosa enquanto no outro extremo, criando uma linha imaginária que atravessa o centro da haste e da barra, proporciona uma sonoridade mais nasal com menor presença na região grave. Soltando o pequeno parafuso de
cada captador permite alterar a distância geral entre o mesmo e sua haste,
produzindo com menores distâncias
maior intensidade sonora (quando a
distância for muito pequena a haste
poderá apresentar ruído).
No solo da música “Shining Star” do
grupo Earth, Wind and Fire temos
um bom exemplo de seu timbre tocado de maneira mais enérgica, enquanto a música “I Can’t Tell You
Why” do Eagles nos mostra sua sonoridade mais branda.
Em alguns casos o Wurlitzer é confundido com o Rhodes por ouvintes mais
casuais. Embora seu fabricante o definisse como um “piano eletrônico”, atualmente estamos acostumados a atribuir esse termo a instrumentos que geram sons por meio de osciladores ou
amostras digitais (samplers), chamando de “piano elétrico” os instrumentos
eletro-mecânicos.
A ação sonora do Wurly é a mais
complexa de nossas três lendas, é
essencialmente uma escala reduzida
da ação de um piano acústico na qual
martelos com feltros atingem pequenos canos retos de metal (usualmente,
um instrumento com canos, ou seja,
da família das flautas, é aquele que
gera vibrações através do fluxo de ar
em seu interior, e não através do
atrito com martelos). Um pedal de
sustain pode ser fixado em sua parte
inferior por meio de um cabo flexível de metal.
Enquanto os pianos Rhodes utilizavam captadores magnéticos como os das guitarras elétricas, o
Wurly possuía captadores ativos
que necessitavam de uma corrente
AC externa para gerar som. Seu
processo de afinação exigia grande
Veja onde podemos encontrar suas simulações
Instrumentos Virtuais para Plataformas Específicas:
Digidesign Velvet (exclusivo para Pro Tools)
Apple EVP88 e EVD6 (exclusivo para Logic)
Instrumentos Virtuais MultiPlataformas:
Native Instruments Elektrik Piano
Applied Acoustic Lounge Lizard EP 3
Sonivox DVI Suitcase, DVI Wurlitzer, DVI
Clavinet
Bibliotecas de Samplers:
M-Audio Premium Electric Pianos e Premium
Vintage Keyboards
Scarbee Keyboard Gold Bundle
Propellerhead Electromechanical 2.0
Softwares Gratuitos:
Mr. Ray 73 e Mr. Tramp
Big Tick Ticky Clav
MDA ePiano
Placas de Expansão para Teclados:
Roland SRX12 (Classic EPs) e SRX7
(Ultimate Keys)
Korg EXB PCM01 (Pianos/Classic Keyboards)
Kurzweil PCR2 (Classic Keys)
INSTRUMENTOS
habilidade consistindo em gotejar
solda na extremidade de cada cano.
Quanto mais solda, mais grave era
a afinação obtida. Essa delicada tarefa era a parte fácil do processo; o
grande problema vinha com o acúmulo de poeira dos metais entre os circuitos e a força física exercida sobre os
canos, tornando-os mais vulneráveis
à quebra. Dificilmente esses equipamentos proporcionavam mudanças
na sua afinação (quando isso ocorria
era necessário procurar o serviço
técnico especializado, geralmente
corrigindo a afinação da esquerda
para a direita).
Os primeiros instrumentos foram
produzidos na década de 50, e uma vez
utilizados por Ray Charles em sua
canção “What’d I Say”, tiveram seu
lugar consagrado na história da música pop mundial. Os modelos mais
pensados quando alguém se refere a
um Wurly ou toca uma canção do
Supertramp são os modelos 200 e
200A, cujas últimas unidades foram
produzidas em 1982.
CLAVINET
A Hohner, empresa que construiu os
mais famosos clavinets da história,
encontra-se em plena atividade, porém não produz mais seu clássico
eletro-mecânico (produz principalmente acordeons e gaitas). Uma das
mais famosas e tímidas aparições desse instrumento está na canção “Superstition”
do cantor e instrumentista Stevie Wonder,
em que o clavinet deu característica singular à obra. Embora o modelo usado tenha sido o C, o D6 (lançado em
1971) tornou-se o mais popular graças à adição de quatros filtros de
equalização, possibilitando ao músico
um bom controle em sua timbragem.
O Clavinet tinha algo em comum
com o piano acústico que o Rhodes e
o Wurlitzer não tinham: cordas. Mesmo assim ele nunca foi propriamente
classificado como um piano elétrico.
Seu mecanismo era baseado no cravo,
que foi o antecessor do piano acústico. Podemos também classificar o
Clavinet como uma guitarra elétrica
com sessenta cordas tocadas através
de teclas porque sua ação trabalha
próxima da técnica de hammer-on.
As teclas ficam em cima das cordas, e
na sua parte inferior possui um martelo reto com ponta de borracha chamado de tangente. Pressionando uma
tecla, a mesma impulsiona a corda
contra um pedestal chamado de bigorna, que atua como um traste de
uma guitarra. Esse instrumento não
possui pedal de sustain (para obtê-lo
era necessário sustentar as teclas
apertadas). Soltando-as, seu som era
emudecido pelo contato (amortecimento) de um conjunto de fios de algodão que cruza por diversas vezes a
parte traseira das bigornas. Afiná-lo
era um processo relativamente fácil
pelo acesso aos parafusos correspondentes a cada corda, localizados na
parte traseira do instrumento.
O Clavinet possui dois captadores no
lado direito da harpa (um em cima e
outro embaixo das cordas). Esses
captadores necessitam de alimentação externa (infelizmente adaptadores
originais são raros) ou uma bateria de
nove volts (recurso mais utilizado). Há
uma grande quantidade de variáveis
que alterou os timbres de cada um desses instrumentos durante o passar dos
anos, de uma série de um ano específico
a um diferente sistema de amplificação
ou processadores de efeitos. É bom lembrar que, com exceção dos Rhodes modelo Suitcase (que possuía um efeito
trêmolo estéreo), devemos optar por
sua utilização em mono (limitação imposta pelos equipamentos da época)
deixando o controle de alguns simuladores virtuais nessa condição para
manter sua autenticidade.
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