USO DE PLUVIÔMETROS VETORIAIS PARA ESTIMAR A ENERGIA CINÉTICA DAS CHUVAS Hildeu Ferreira da Assunção 1 , Iraci Scopel1, Washington Mendonça Moragas1, Zilda de Fátima Mariano1 RESUMO Neste trabalho é apresentada uma técnica para estimar a energia cinética de impacto das gotas sobre a superfície do solo, em função da inclinação média das chuvas e da velocidade média do vento. Para isto foram utilizados dados horários da pluviometria e da velocidade média do vento e dados pluviométricos diários medidos com pluviômetros vetoriais. Os resultados mostraram que há uma correlação positiva entre inclinação média das chuvas e a velocidade média do vento. A inclinação média mensal das chuvas pode variar de 8 a 26° e os impactos cinéticos provocados pelo regime pluviométrico diminuem à medida que o plano da declividade do terreno aumenta em relação à inclinação das chuvas. ABSTRACT In this work is presented a technique to measure the kinetic energy of the impact of the drops above the surface from the soil, in reason of the average inclination of rain and the average speed of the wind. To this was used timetable information from pluviometry and from the average speed of the wind and daily pluviometrical information measured with vectorial pluviometers. The results showed that there is a positive correlation between the average inclination of the rain and the average speed of the wind. The monthly average of rain can vary from 8 to 26º and the kinetic impacts caused for the pluviometrical regime diminish according to the increase of the declivity’s plan of the ground, relative to the rain’s inclination. Palavras-chaves: energia cinética, inclinação da chuva, pluviômetro vetorial. INTRODUÇÃO De acordo com Catâneo et al. (1982), a erosividade é um índice que melhor se correlaciona com a perda de solo, a qual é o produto da energia cinética da chuva pela sua intensidade máxima em 30 minutos. Os impactos cinéticos provocados pelas gotas das chuvas sobre o solo estão associados à direção, à inclinação e à intensidade das chuvas (LIMA, 2000), os quais são parâmetros relevantes 1 Universidade Federal de Goiás/Campus Jataí, [email protected] ao estudo da erosão do solo (FAO, 1997), e também imprescindíveis, sob alguns aspectos, em projetos de edificação (LITTLEFAIR, 2001). Crockford et al. (1999) afirmam que para se estabelecer uma correlação entre a inclinação e a direção predominantes das chuvas e a velocidade e direção dos ventos, em um determinado local, o pesquisador deve dispor de anemógrafo e pluviógrafo, mesmo assim, estes instrumentos sozinhos não são suficientes para estimar estas propriedades da chuva. As propriedades da chuva, inclinação e direção, são determinadas por um instrumento meteorológico chamado pluviômetro vetorial. Este é formado por um conjunto de 4 coletores pluviométricos com suas áreas de captação inclinadas na direção dos quatro pontos cardeais. A componente vertical da chuva é medida por um pluviômetro convencional (CROCKFORD et al., 1991). Segundo Lima (2000), em terreno plano, a captação das gotas de chuva pelo pluviômetro independe da inclinação de queda das gotas. Já em regiões de topografia acentuada, todavia, a instalação do pluviômetro na posição vertical (abertura cilíndrica no plano horizontal) vai afetar a captação, tanto em função da declividade do terreno, quanto em função do ângulo de inclinação da chuva. Mediante estas informações, este trabalho tem como objetivo apresentar uma técnica de estimativa da energia cinética de impacto das gotas sobre a superfície do solo, em função da inclinação média das chuvas e da velocidade média do vento. MATERIAL E MÉTODOS Conforme a lei universal da conservação da energia, desprezando-se as forças contrárias envolvidas em um sistema, a energia cinética de impacto ( ε c ) das gotas da chuva sobre o solo, fisicamente pode ser expressa da seguinte forma: r ε c = 0,5mvr 2 J m-² (1) onde m é a massa, em kg m-² (volume de chuva por unidade de área). r De acordo com Lima (2000), a velocidade terminal das gotas da chuva ( vr ) pode ser r estimada a partir da velocidade do vento ( u ) e da inclinação da trajetória de queda das gotas (i): r u r m s-¹ (2) vr = sin i onde i é a inclinação média da chuva, em graus, tomada na vertical. Com base nestas leis, foi construída uma bateria de 4 pluviômetros vetoriais, conforme Sousa et al. (2004), e instalada em uma área aberta, a 1,5 m da superfície do solo. Cada pluviômetro vetorial foi fixado, com seu coletor voltado para os pontos cardeais norte, sul, leste e oeste. Assim, a medida da quantidade de chuva observada nas 4 direções cardeais, concomitantemente com a chuva medida na vertical, permite calcular a inclinação (i) e a direção (Ω) desta, conforme Assunção et al. (2005): ⎛ P sen β cos Ω ⎞ i = 90 − arctan ⎜ ⎟ ° (3) ⎝ Px − P cos β ⎠ e ⎛ Py − P cos β Ω = arctan ⎜ ⎝ Px − P cos β ⎞ ⎟ ° (4) ⎠ onde P é a precipitação medida pelo pluviômetro normal (mm); β é a inclinação do pluviômetro vetorial (45°), Px é a precipitação máxima (mm) observada nos pluviômetros vetoriais alinhados nos sentidos norte (PN) e sul (PS): Px = max( PN ; PS ) e Py é a precipitação máxima medida pelos pluviômetros vetoriais alinhados nos sentidos leste (PE) e oeste (PW): Py = max( PE ; PW ) . O experimento é conduzido, desde janeiro de 2004, na Estação Meteorológica do Centro de Ciências Agrárias da Universidade Federal de Goiás, Campus de Jataí (17° 55’ S, 51° 43’ W, 670 m), onde são medidas ainda, a cada hora, a precipitação acumulada e a velocidade média do vento a 10 m de altura, por uma Plataforma de Coleta de Dados do CPTEC/INPE. Primeiramente, foram selecionados os dias com chuvas contínuas com duração mínima de 1 hora, bem como as medidas de velocidade média do vento dentro do mesmo intervalo, utilizando-se os dados climáticos horários do ano de 2004 e 2005 cedidos pela SIMEGO. A velocidade média do vento ( u ) a 10 metros de altura foi convertida para a altura de 1,5 m (altura da área de captação do pluviômetro). Para calcular a energia cinética de impacto das gotas da chuva sobre o solo, selecionaram-se as medidas diárias dos pluviômetros vetoriais nas 4 direções: PN, PS, PE e PW, para os períodos préestabelecidos. Com estes valores e os das chuvas medidas pelo pluviômetro normal (P) calcularamse a direção (eq. 4) e a inclinação (eq. 3), bem como a velocidade terminal das chuvas (eq. 2) ocorridas nos períodos selecionados. A fim de verificar a consistência a hipótese de que a velocidade do vento afeta a inclinação das gotas das chuvas, já que nem sempre uma chuva está associada ao vento, nem mesmo o tempo de ocorrência da chuva seja representado pela média da velocidade do vento, foi estabelecida uma correlação entre a inclinação das chuvas e a velocidade média dos ventos. A precipitação real (Pr), após a remoção do efeito devido ao vento, foi obtida a partir do valor medido pelo pluviômetro normal (P) e da estimativa do ângulo de inclinação das gotas (i), de acordo com a equação: Pr = P sec i mm (5) Aplicando-se (5) em (1), assumindo-se que a massa líquida precipitada (m) seja igual à precipitação real (Pr), obtiveram-se os impactos cinéticos das chuvas sobre uma superfície normal à inclinação de queda das gotas. Da mesma forma, para uma superfície qualquer, com declividade β, a precipitação esperada ( Pβ ) em função da inclinação e direção da chuva é dada por: Pβ = Pr ( cos β cos i + sin β sin i cos Ω ) mm (6) A equação 5 e 6 foram utilizadas para simular os impactos cinéticos das chuvas observadas em diferentes ângulos de declividade do terreno. RESULTADOS E DISCUSSÕES A Figura 1 mostra a correlação entre a inclinação média das gotas das chuvas (°) e a velocidade do vento (m s-¹) à altura de 1,5 m da superfície, onde nota-se -se que há uma correlação positiva entre as variáveis. Pela análise de regressão linear 53% da linearidade entre os dados é explicada pela dependência física entre estes dois parâmetros. A dispersão observada entre os dados, possivelmente, está ligada à não coincidência entre o tempo de ocorrência da chuva e o tempo de ação da velocidade do vento. Uma vez que a forma de aquisição dos dados é obtida por instrumentos com sensibilidades diferentes. Figura 1. Correlação entre a inclinação média das gotas das chuvas (°) e a velocidade do vento (m s-¹) à altura de 1,5 m da superfície. A Tabela 1 mostra a distribuição média mensal da direção e inclinação das chuvas, bem como a Energia cinética estimada (J. m-²), em função da declividade média do terreno, para Jataí-GO (anos 2004 e 2005). Nota-se que a chuva nesta região possui uma direção preferencial entre SE e SW. Fato este condizente com Nimer (1989), que relata que a região Sudoeste do Estado de Goiás está sujeita a dois sistemas de circulação atmosférica: (1) Sistema de Correntes perturbadas de Oeste, invadida por ventos de W e NW trazidos pelas linhas de instabilidade tropicais, acarretando chuvas e trovoadas, entre o final da Primavera e o início do Outono; (2) Sistema de Correntes perturbadas do Sul, representada pela invasão do anticiclone polar, provocando chuvas frontais e pré-frontais durante o verão. Pela Tabela 1, também se pode notar que a inclinação das chuvas, nesta região, pode variar de 8 a 26°, com média anual de 18°. Segundo a Figura 1, a variação destes valores é explicada pela dependência existente entre o ângulo de inclinação das chuvas e a velocidade dos ventos. Estas inclinações associadas às intensidades das chuvas, podem acarretar um impacto anual de até 124,3 kJ m-² ano-¹. Na simulação, mostrada na Tabela 1, é verificado que os impactos cinéticos provocados pelo regime pluviométrico médio de 2004 e 2005 diminuem à medida que o plano da declividade do terreno aumenta em relação à inclinação das chuvas observadas em Jataí-GO. Tabela 1. Distribuição média mensal da direção, inclinação e da Energia cinética (J. m-²) estimada, em função da declividade média do terreno estimada para Jataí-GO (anos 2004 e 2005). Ω (°) RUMO i (°) Mês Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez Anual 218 173 202 176 181 251 262 231 200 144 232 170 188 SW S S S S W W SW S SE SW S S 12 14 17 17 26 8 16 18 21 17 25 24 18 Normal 12989 54929 5752 4512 349 905 234 189 144 30115 6814 7411 124342 0° 12931 54677 5629 4400 325 901 223 180 138 30052 6555 6895 122905 DECLIVIDADE(β) 5° 15° 12877 12476 54456 52775 5613 5452 4376 4230 315 287 895 861 219 207 179 173 139 139 29993 29193 6586 6498 6956 6919 122604 119211 30° 12476 52775 5452 4230 287 861 207 173 139 29193 6498 6919 119211 45° 9104 38558 4019 3056 157 612 135 125 114 21701 5091 5584 88257 Finalmente pode-se observar que os meses com maiores impactos cinéticos são, respectivamente fevereiro, outubro e janeiro. Enquanto os menores são setembro, agosto e julho. CONCLUSÕES Diante destas observações, pode-se concluir que há uma correlação positiva entre inclinação média das chuvas a velocidade média do vento (m s-¹) à altura de 1,5 m da superfície; os impactos cinéticos provocados pelo regime pluviométrico (média de 2004 e 2005) diminuem à medida que o plano da declividade do terreno aumenta em relação à inclinação das chuvas; e finalmente, a inclinação média mensal das chuvas pode variar de 8 a 26°. AGRADECIMENTOS Os autores deste artigo agradecem à FUNAPE/UFG, SECTEC/SIMEGO e PRPPG/UFG, pelo apoio a este projeto. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ASSUNÇÃO, H. F., SOUSA, R. R., SCOPEL, I., MARIANO, Z. F. Direção e inclinação predominantes das chuvas em Jataí-GO. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE AGROMETEOROLOGÍA, 14, 2005, Campinas-SP. Anais..., Campinas-SP, SBAGRO/ UNICAMPI, 2005. Editado em CD-ROM. ASSUNÇÃO, H. F., SOUSA, R. R., SCOPEL, I., PEIXINHO, D. M.Uso de pluviômetros vetoriais para determinar a direção predominante das chuvas. 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