Escoamentos exteriores
21
Figura 10.12- Variação do coeficiente de arrasto com o número de Reynolds para corpos
tri-dimensionais [de White, 1999].
10.7. Força de Sustentação
Os perfis alares, ou asas, têm como objectivo providenciar sustentação como já foi ditto
anteriormente neste capítulo. Como foi visto, a ocorrência de uma força de sustentação tem
sobretudo origem na distribuição de pressões em torno do objecto submerso no
escoamento e é necessário que essa distribuição seja assimétrica pois se assim não fôr não
haverá força de sustentação. Alguma da nomenclatura utilizada no estudo de escoamentos
em torno de perfis alares está patente na Figura 10.13.
Área planificada
= bc
Sustentação
Arrasto
espessura t
envergadura b
Ângulo de
α
ataque
U
corda c
Figura 10.13- Nomenclatura utilizada em aerodinâmica relativa a perfis alares.
Para se criar uma força de sustentação, ie uma distribuição assimétrica de pressão, é
necessário que o objecto seja ele mesmo assimétrico ou se ele fôr simétrico que esteja
colocado numa posição assimétrica relativamente ao escoamento. Estes dois casos estão
ilustrados na Figura 10.14.
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Escoamentos exteriores
simétrico
α
assimétrico
α
Figura 10.14- Escoamento sobre perfis alares simétricos e assimétricos.
No entanto, isto não significa que uma situação de assimetria geométrica não possa dar
origem a uma força de sustentação nula. As asas, mesmo aquelas de geometria assimétrica,
apresentam um coeficiente de sustentação nulo quando o ângulo de ataque toma um
determinado valor negativo, como se pode ver na Figura 10.15 (Munson et al, 1998) que
apresenta a variação do cociente entre os coeficiente de sustentação e arrasto ( CL CD )
para um perfil alar específico. Além disso, a figura apresenta também o coeficiente de
arrasto sob a forma de uma curva polar (esta é uma representação do coeficiente de arrasto
em função do coeficiente de sustentação) onde estão marcadas as posições da asa.
Figura 10.15-
Coeficientes de sustentação e arrasto de um perfil NACA 64412 de
envergadura infinita em função do ângulo de ataque [de Munson et al, 1998].
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Como se pode ver ensta figura, para um ângulo de ataque de cerca de –2.5° o
coeficiente de sustentação é nulo. A figura permite-nos ver melhor a performance da asa e
mostra-nos a condição de perda (“stall” em inglês) que é aquela a que corresponde o valor
mais elevado de CL . Normalmente isto ocorre para baixos ângulos de ataque em que o CD
é baixo e relativamente constante com o ângulo de ataque.
É mais frequente a apresentação dos resultados sob a forma de uma representação dos
coeficientes em função do ângulo de ataque, como se mostra na Figura 10.16. Esta figura
mostra também o efeito que a abertura de flaps tem sobre o comportamento aerodinâmico
de um perfil simétrico aumentando a força de sustentação considerávelmente, mas também
aumentando a força de arrasto. Contudo, de notar que as necessidades de sustentação
ocorrem na aterragem e descolagem, a baixa velocidade, sendo que aí é mais importante
ter um elevado valor de CL para evitar perdas de sustentação e a questão do elevado
coeficiente de arrasto é menos importante.
Figura 10.16- Características aerodinâmicas de um perfil alar com e sem flaps [de White,
1999].
10.7.1. Velocidade de Perda
A velocidade de perda define-se como a velocidade mínima que uma asa ou aviaão
devem ter para que possam ter uma sustentação que iguale o peso próprio, ie, define-se
pela condição
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24
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L = Peso
(10.11)
e requer implicitamente o valor máximo do coeficiente de sustentação pois é essa a
condição que permite a menor velocidade do escoamento
1
Peso = CL,max ρVs2Ap → Vs =
2
2mg
ρA pCL,max
(10.12)
onde m é a massa da asa (ou aparelho) e A p é a área planificada da superfície alar. Para o
cálculo da velocidade de perda de um avião percebe-se agora a utilidade de uma curva
como a da Figura 10.14 ou 10.15.
10.7.2. Efeito de Envergadura finita
Um mesmo perfil de asa pode ser utilizado em diferentes asas com diferentes
envergaduras e é óbvio que elas não terão o mesmo comportamento aerodinâmico. De
facto, já vimos que o escoamento em torno de uma asa cria um campo de pressões que é
diferente nos intradorso e extradorso, com a pressão a ser superior na superfície inferior e
dando por isso origem a uma sustentação positiva.
Fiigura 10.17- Efeito da envergadura finita de uma asa sobre o escoamento [de Munson et
al, 1998].
Acontece que a massa de fluido em escoamento sobre as duas superficies do perfil alar
podem entrar em contacto na extremidade da asa e aqui surgirá naturalmente um
escoamento transversal que transfere fluido da zona de maior pressão para a zona de menor
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pressão. Este escoamento secundário vai somar-se ao escoamento longitudinal principal,
como se mostra na Figura 10.17, e alterará o comportamento aerodinâmico do perfil sendo
tanto mais intenso quanto menor fôr a envergadura da asa.
Por outro lado, para caracterizar o comportamento aerodinâmico de uma asa não fará
muito sentido apresentar curvas para diferentes valores da envergadura pois o número de
combinações possível é assustadoramente elevado. Assim, os resultados são normalmente
apresentados para perfis de envergadura infinita,
que são de facto idênticas às
características de asas de envergadura finita onde se eliminaram os efeitos de topo.
Posteriormente, caberá ao engenheirto efectuar as correções necessárias que tomem em
consideração o efeito da envergadura ou de dispositivos colocados no extremo das asas e
que interfiram no escoamento secundário.
Para se quantificar a relação entre a envergadura e a corda usa-se a razão de lados
(“aspect ratio” em inglês) que se define na equação (10.13)
AR ≡
b2 b
=
Ap c
(10.13)
A combinação do escoamento principal com o escoamento secundário é equivalente na
prática a uma alteração no ângulo de ataque do escoamento, como se mostra na Figura
10.18.
Figura 10.18- Efeito da envergadura finita de uma asa sobre os coeficientes de sustentação
e arrasto [de White, 1999].
A quantificação do efeito da envergadura finita inspira-se na solução teórica obtida para
a força de sustentação criada por uma placa plana inclinada e que é dada por
CL =
CL,teorico
2
1+ AR
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(10.14-a)
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
2h 
CL,teorico = 2πsenα+ 

c 
(10.14-b)
ie, para uma asa qualquer usa-se no numerador da equação (10.14-a) o valor de CL que lhe
corresponde para a asa de AR igual a infinito.
Quanto ao valor de CD este calcula-se por intermédio da equação (10.15)
CL2
CD = CD,∞ +
πAR
(10.15)
e pressupõe o cálculo prévio do CL para a asa de envergadura finita.
Exemplo 10.1
Um painel rectangular de 6 m de comprimento por 0.7 m de largura faz parte da caixa
de um camião que se desloca a 90 km/h, como mostra a figura.
a) Calcule a força de arrasto sobre painel.
b) Qual é a espessura da camada limite no extremo final do painel e qual é aí o valor da
tensão de corte na parede.
1m
6m
PAINEL
0.7
m
Resolução
a) O escoamento sobre o painel é tipificado pelo escoamento sobre uma placa plana.
Como esta está colocada paralelamente ao escoamento, está sujeita a uma força de fricção
pura. Repare-se que o painel está inserido numa superfície mais vasta e por isso é
necessário ter em conta que a camada limtie se desenvolve a partir do início a caixa.
Começamos por calcular os números de Reynolds no início e fim do painel:
Vx
90000 × 1
Início Re xi = i =
= 1.66 × 106
−5
ν
3600 × 1.51 × 10
Vx
90000 × 7
Fim Re x f = i =
= 1.16 × 107
−5
ν
3600 × 1.51 × 10
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27
A transição de regime de escoamento dá-se no intervalo 5×105 < Retr < 3×106 . Vamos
admitir que no nosso caso a transição ocorre quando o valor do número de Reynolds está
junto ao limite inferior deste intervalo o que no caso vertente não é ilógico dadas as
imperfeições que uma caixa deste tipo tem bem como algumas perturbações no
escoamento de ar provocadas por eventuais vibrações da caixa do camião.
Nestas condições, a região de escoamento laminar está confinada aos 0.3 m iniciais da
caixa, que se encontram já no exterior do painel. Para simplificar esta análise vamos aqui
assumir que toda a camada limite se encontra no regime turbulento uma vez que o regime
laminar só ocorre em 4.3% da caixa.
Como a camada limite se desenvolve desde o inicio da caixa, a força de arrasto é
calculada a partir da equação seguinte:
FD = FD− 7m − FD−1m
onde FD−1m representa a força de arrasto desde o início da caixa até ao início do painel e
FD−7m representa a força de arrasto desde o início da caixa até aos 7 m.
1
FD−1m = CD (1) ρV 2 A =
2
1
FD−7m = CD (7) ρV 2 A =
2
0.031
(1.66 × 106 )
1
1
× 1.2 × 252 × 0.7 × 1 = 1.052 N
2
×
1
× 1.2 × 252 × 7 × 1 = 7.97 N
2
7
0.031
(1.16 × 10 7 )
×
1
7
Logo a força total é FD = 6.915 N.
c) Para se calcularem as duas quantidades pretendidas necessitamos de saber qual é o
número de Reynolds no final do painel, quantidade que já foi calculada e é igual a
Vx
90000 × 7
Re x f = i =
= 1.16 × 107
−5
ν
3600 × 1.51 × 10
Para se calcular a espessura da camada limite aplica-se directamente a equação
(10.8) porque o regime de escoamento é turbulento
δ
0.16
= 1/7
x Rex
→ δ = x
0.16
Re1/7
x
= 7×
0.16
(1.16×10 )
7 1/ 7
= 0.1097 m= 109. 7 mm
Quanto ao valor da tensão de corte na parede, por definição este valor
adimensionalizado ele é igual ao coeficiente de fricção, ie
τ
Cf = 1 w 2
ρV
2
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Escoamentos exteriores
Por outro lado sabemos que para regime turbulento o coeficiente de arrasto é
proporcional ao coeficiente de fricção pela equação (10.10), ie
6
6
C f ( L) = CD( L) → C f ( L) = ×
7
7
0.031
(1.16×10 )
7 1/7
= 0.0026
 90000 2
1
1
e finalmente τ w = C f ρV 2 = 0.0026× ×1.2× 
 = 0.975 Pa no final do painel.
2
2
 3600 
Exemplo 10.2
Um cubo de massa igual a 50 kg e densidade 1.8 está submerso em água e cai com uma
velocidade U. Determine o valor de V quando o cubo se desloca na posição da figura.
g
U
Resolução
O movimento do cubo resulta de um equilíbrio entre três forças, a saber: o peso, a
impulsão e a força de arrasto
1
mg− I = FD → mg− I = CD ρV 2A
2
O peso do cubo tem direcção descendente, a força de impulsão I, que aprenderemos no
próximo capítulo, não é mais do que o peso do líquido deslocado pelo cubo e tem uma
direcção contrário ao peso. Finalmente, a força de arrasto FD é também ascendente, ie, é
contrária à direcção do movimento. A massa do cubo é representada por m e ρ designa a
massa específica do fluido (água).
Conhecida a massa do cubo e a sua densidade sabemos assim a massa de ar deslocada e
daí a força de impulsão
I=
m
g
1.8
Precisamos também de conhecer o valor do lado do cubo para calcular a respective área
frontal. Novamente, socorremo-nos da densidade d do cubo pois sabemos que
m = L3ρd
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→
L= 3
m 3
50
=
= 0.303 m
ρd
1000×1.8
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A partir da Tabela 10.2 obtemos o coeficiente de arrasto do cubo que é 1.07. Juntando
toda esta informação

50 
1
2
2
 50−  × 9.8 = 1.07× ×1000×V × 0.303 → V = 2.11 m/s

1.8 
2
Exemplo 10.3
Um avião Piper tem uma massa de 700 kg e voa em cruzeiro à velocidade de 190 km/h.
Sabendo que a área da superfície alar é de 16.5 m 2 , determine:
a) O valor do coeficiente de sustentação nestas condições
b) A potência debitada pelo motor sabendo que o coeficiente de arrasto do avião é
igual a 0.05.
Resolução
a) Em vôo de cruzeiro o avião mentam a sua altitude pelo que a força de sustentação é
exactamente iguaal ao seu peso.
mg = FL → mg = CL
 190000 2
1 2
1
ρV A → 700× 9.8 = CL ×1.2× 
 ×16.5 → CL = 0.249
2
2
 3600 
Neste cálculo admitiu-se que a massa específica do ar se era de 1.2 kg/m3 , valor que
corresponde a 20°C à altitude do mar. Em altitude este valor será naturalmente inferior.
b) A potência debitada pelo motor tem como objectivo manter o avião a deslocar~-se a
uma velocidade constante de 190 km/h vencendo a força de arrasto. Assim
 1900003
1
1
3
P = FDV = CD ρV A = 0.05× ×1.2× 
 ×16.5 = 72771 W
2
2
 3600 
P= 72.8 kW
Exemplo 10.4
Um Boeing 747, que pesa 290 t quando carregado com fuel, leva 100 passageiros e
descola a uma velocidade de 225 km/h. O peso médio de cada passageiro e a respectiva
bagagem é igual a 100 kg.
Calcule a velocidade que o Boeing terá de ter para descolar quando carregado com 372
passageiros, assumindo que o faria na mesma configuração geométrica (ângulo de ataque,
posição de flaps, etc).
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Resolução
O avião descola no exacto momento em que sua força de sustentação iguala o peso. Na
situação inicialmente anunciada teremos então
mg = FL
com m a ser igual ao peso total: m = 290000+100×100 = 300000 kg
1
A força de sustentação FL = CL ρV 2A e neste cálculo desconhecemos CL e A, mas
2
podemos calcular o seu produto
1
mg
300000× 9.8
mg = CL A ρV 2 → CL A = 1
=
= 1254.4 m2
2
2
2
1 ×1.2× 225000
ρV
2
2
3600
(
)
Na nova situação, ie, com 325 passageiros, a massa é de
m = 290000+ 325×100 = 322500 kg
e como se mantem a geometria da aeronave o valor de CL A será o mesmo pelo que
teremos agora
1
mg = CL A ρV 2 → V =
2
mg
1 ρC A
L
2
=
322500× 9.8
1 ×1.2×1254.4
2
= 64.8 m/s=233.3 km/h
A diferença é pequena porque a grande massa é a do avião e fuel.
Referências
B. R. Munson, D. F. Young e T. H. Okiishi 1998. Fundamentals of Fluid Mechanics. 3ª
edição, John Wiley & Sons.
The Japan Society of Mechanical Engineers, Visualized Flow, Pergamon Press
F. M. White 1999 Fluid Mechanics.McGraw-Hill, Nova Iorque.
F. T. Pinho
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