Universidade Federal do Rio Grande do Sul Instituto de Física Heidemann, L. A.; Araujo, I. S.; Veit, E. A. Diretrizes para a Elaboração de Relatórios de Física Experimental Relatórios de atividades experimentais têm três funções principais. Eles devem fornecer (Baylon, 2012): (1) Registros das experiências, (2) Informações suficientes para se reproduzir ou expandir os resultados alcançados com os experimentos, e (3) Uma análise dos dados coletados, apresentando conclusões e recomendações com base no trabalho experimental. Portanto, um relatório experimental deve ser redigido imaginando que o leitor não realizou o experimento relatado, mas que tenha informações suficientes para poder reproduzi-lo (Cybulska & Rodrigues, 2012)! Seções de um Relatório Usualmente, um relatório experimental apresenta seis seções básicas: introdução, referencial teórico, delineamento experimental, resultados, análise dos resultados, e conclusões. No entanto, essa estrutura não deve ser tratada como algo inflexível; o autor deve ter liberdade para definir as seções e subseções do seu relatório. Por exemplo, dependendo das características do experimento relatado, o desmembramento de uma dessas seções em duas ou mais seções pode melhorar a organização ou a fluência do relatório. O resumo deve sintetizar as informações relevantes do relatório com começo, meio e fim. É de suma importância que o resumo não seja confundido com a introdução do trabalho. Apresentaremos aqui alguns dos aspectos mais importantes de um bom resumo para um relatório, assim como de cada uma das seções mencionadas. Cabe ressaltar, no entanto, que alguns desses aspectos podem não se aplicar para determinadas atividades experimentais. Assim como as seções que sugerimos, os parágrafos que seguem devem ser entendidos como orientações para guiar a redação e não como regras rígidas de como deva obrigatoriamente se redigir um relatório experimental. I. Resumo: O objetivo de um resumo em um trabalho científico é auxiliar o leitor a decidir se o relatório é de seu interesse, sem precisar lê-lo integralmente. Para isso, o resumo deve apresentar o objetivo do experimento, o referencial teórico utilizado, o delineamento experimental, os resultados obtidos e as conclusões do trabalho de forma breve e sintética. Inspirado em Baylon (2012), um exemplo de um resumo com essa estrutura é apresentado abaixo. Objetivo do Experimento O objetivo da experiência descrita neste relatório foi a mensuração da constante elástica k de uma mola de aço por meio de dois diferentes métodos, possibilitando uma avaliação do grau de precisão da Lei de Hooke em dois âmbitos diferentes. Referencial Teórico Tal lei estabelece uma relação de proporcionalidade entre a magnitude de uma força elástica restauradora de uma mola e o deslocamento de uma de suas extremidades. Delineamento Experimental Primeiramente, foi investigada a relação entre a força aplicada à mola e a elongação da sua extremidade móvel quando o sistema está em repouso. Resultados A análise dos dados coletados nesse experimento forneceu um valor de (3,40 ± 0,01) N/m para a constante elástica da mola investigada. Delineamento Experimental Resultados Em seguida, foi medido o período de corpos suspensos na mola quando postos a oscilar verticalmente. Verificou-se que o período de oscilação se relaciona com a massa do corpo suspenso na mola e que o período do movimento é independente da amplitude da oscilação. A análise dos dados coletados por meio desse método forneceu um valor de (3,42 ± 0,02) N/m para a constante elástica da mola. Diretrizes para a Elaboração de Relatórios de Física Experimental Leonardo Heidemann, Ives Araujo e Eliane Veit Conclusões Esse valor é consistente com o resultado obtido com o primeiro método. O bom ajuste dos modelos que foram construídos usando a lei de Hooke aos dados coletados evidenciam que tais modelos apresentam boa precisão para descrever as situações físicas investigadas. O delineamento experimental não deve ser apresentado com excessivo detalhamento, como exemplificado abaixo, na coluna da esquerda. Inadequado Adequado Suspendeu-se na mola corpos de 0,01 kg, 0,02 kg, 0,03 kg, 0,04 kg, 0,05 kg, 0,06 kg, 0,07 kg e 0,08 kg, e registrou-se seus deslocamentos verticais. Para minimizar a incerteza dos dados coletados, foram feitas quatro medidas para cada corpo pendurado e utilizada a média desses quatro valores. Nesse método, a principal fonte de incerteza é consequência da medição realizada manualmente por meio de uma régua. Suspendendo diversas massas distintas em uma mola de aço, investigou-se a relação entre a sua elongação e a intensidade das forças que são aplicadas em sua extremidade (o número de medidas realizadas ficará claro na tabela contendo os valores obtidos). Lembre-se de ser conciso! Cabe ressaltar novamente que o resumo não pode ser confundido com a introdução do trabalho. Desse modo, é fundamental que as conclusões do experimento sejam também apresentadas no resumo. II. Introdução: A introdução de um relatório deve contextualizar o experimento, apresentando sua justificativa, as questões que se busca responder com ele. Deve(m) ser destacada(s) a(s) relação(ões) entre variáveis que foi(ram) avaliada(s), o motivo pelo qual você entendia que existiam relação(ões) entre essas variáveis, assim como a(s) relação(ões) que você cogitava existir entre essas variáveis antes do desenvolvimento do experimento. É desejável que sejam apresentadas também reflexões sobre possíveis resultados que contrariariam suas predições. Apresentamos abaixo um exemplo de um parágrafo típico de uma introdução de um relatório experimental que envolve a exploração da Lei de Hooke. Contextualização A Lei de Hooke estabelece uma relação entre a força exercida por uma mola e a sua elongação. No entanto, ela é postulada considerando-se uma mola de massa desprezível e elongações localizadas dentro do regime elástico da mesma. Questão de pesquisa/ Neste trabalho, buscamos responder à seguinte questão: Em que condições a Lei de Hooke se mostra mais adequada para descrever variações das forças exercidas por molas de aço em função de suas elongações? Relação entre variáveis investigada Para tanto investigamos a relação entre a força aplicada à uma mola e a deformação produzida na mesma. Lembre-se de apresentar sua questão de pesquisa de forma clara. III. Referencial Teórico: Todo experimento científico é dirigido por um modelo teórico de referência tanto no seu delineamento como na análise dos seus dados coletados, e a seção “referencial teórico” é especialmente destinada para a apresentação desse modelo teórico. Para isso, é necessário se explicitar como os princípios e/ou as leis teóricas gerais da Física são utilizadas na construção desse modelo, ou seja, dessa representação simplificada da situação física investigada. Nesse processo, dois aspectos sobre a modelagem realizada precisam ser especialmente ressaltados: i) os objetos da realidade que foram efetivamente considerados; e ii) as implicações que as simplificações da realidade consideradas tiveram sobre o modelo teórico de referência. Um exemplo de um parágrafo típico dessa seção em um relatório que envolve o estudo de um pequeno carro que desce sobre uma tábua inclinada é apresentado abaixo. 2 Diretrizes para a Elaboração de Relatórios de Física Experimental Leonardo Heidemann, Ives Araujo e Eliane Veit Modelo Da mecânica newtoniana, sabemos que: ∑ F = m.a , (1) onde o ΣF é o somatório das forças que agem sobre um corpo, m é a massa desse corpo e a é a sua aceleração. Construção do modelo teórico de referência Idealizando que a tábua pode ser considerada plana, ou seja, que ela tem inclinação constante, que o momento de inércia das rodas do carro é desprezível, que a força gravitacional sobre o carro é constante durante todo o seu movimento, e que as forças resistivas que agem sobre ele são desprezíveis, temos: (2) ∑ F = m.g.senθ , onde g é a intensidade do campo gravitacional local e θ é o ângulo formado entre o plano inclinado e uma eixo horizontal. Das equações (1) e (2), temos: a = g.senθ . Objetos da realidade considerados (3) Desse modo, somente consideramos nesse modelo teórico os seguintes objetos da realidade: o carro, a tábua inclinada e a Terra. IV. Delineamento Experimental: O modelo teórico de referência, apresentado na seção anterior, é um dos aspectos que orienta o delineamento do seu experimento, e isso precisa ser destacado. Não se pode esquecer de ressaltar as grandezas que são controladas no experimento em função das simplificações que foram consideradas no seu modelo de referência. Em relação ao procedimento de coleta de dados, é importante se explicitar o arranjo experimental utilizado, assim como se destacar os instrumentos que foram utilizados para se medir cada uma das grandezas de interesse do experimento. Apresentamos um parágrafo típico sobre o delineamento experimental de um relatório. Procedimento de coleta de dados Suspendemos na mola corpos com oito diferentes massas que variavam de (0,010±0,005) kg a (0,080±0,005) kg, com incrementos de (0,010±0,005) kg, e registramos seus deslocamentos verticais por meio de uma régua de 30 cm. Grandezas controladas As massas dos corpos suspensos foram escolhidas de modo a não elongar demasiadamente a mola, evitando que ela extrapole o domínio de seu regime elástico, ou seja, onde a sua elongação é diretamente proporcional à força aplicada à sua extremidade móvel. V. Resultados: Aqui você deve apresentar os dados coletados organizados em representações que facilitem sua análise (tabelas, gráficos, diagramas). Não se pode esquecer de explicitar as incertezas das medidas coletadas e de apresentar os dados com o número de algarismos significativos adequados. Tabelas e gráficos devem ser numerados e acompanhados de legenda. Nas tabelas, costuma-se colocar as legendas acima delas sem recuo em relação à lateral esquerda da página. Para os gráficos, o usual é inserilas abaixo e centralizadas. Além disso, as tabelas e os gráficos devem ser citados no corpo do texto do relatório. Alguns aspectos importantes dos gráficos apresentados nos relatórios são destacados na Figura 1. 3 Diretrizes para a Elaboração de Relatórios de Física Experimental Leonardo Heidemann, Ives Araujo e Eliane Veit Figura 1 – Aspectos importantes dos gráficos apresentados em relatórios. VI. Análise dos Resultados: Essa é talvez a seção mais importante de um relatório experimental. É nesse ponto do trabalho que é apresentada uma análise dos dados experimentais pautando-se no referencial teórico apresentado anteriormente e nas questões de pesquisa da atividade experimental. Tal tarefa é facilitada se as equações apresentadas forem numeradas e se os dados forem organizados em representações adequadas (tabelas, gráficos, diagramas, etc.). A análise estatística das medidas realizadas é importante, incluindo o cálculo das incertezas propagadas das medidas (para dúvidas, sugerimos o uso do material apresentado em Corradi et al., 2008 ou em Lima Junior et al., 2012), mas não substitui a interpretação física dos resultados. Abaixo, apresentamos um exemplo de parágrafo típico de uma seção de resultados de um relatório experimental. Análise dos dados coletados O gráfico de T2 X M se aproxima de uma reta, o que é consistente com o modelo teórico que utilizamos (Eq. 2). A constante k, obtida por meio da declividade dessa reta, foi de (3,01 ± 0,02) N/m. Para pequenas massas, o período da oscilação foi mais curto, o que também é consistente com a Eq. 2. VII. Considerações Finais: Nesse seção você deve apresentar suas conclusões analisando-as brevemente e procurando explicar os motivos pelos quais existem discrepâncias entre as possíveis predições do modelo teórico utilizado e os dados experimentais, ou entre diferentes métodos experimentais que tenham sido empregados para se medir as mesmas grandezas. Em outras palavras, devese analisar a adequação dos modelos teóricos e dos procedimentos experimentais utilizados na investigação, avaliando-se as fontes de incerteza do experimento. Para isso, sempre leve em consideração as incertezas das suas medidas. É fundamental que só sejam apresentadas conclusões pautadas em evidências experimentais. Possíveis “dicas” para o caso de o leitor decidir por reproduzir ou expandir seus dados são importantes e também podem ser exploradas aqui. É desejável também que sejam propostas perspectivas futuras para o trabalho por meio de sugestões de mudanças que poderiam ser realizadas para a obtenção de dados mais precisos e de outros experimentos que poderiam ser realizados em uma possível busca por mais evidências relacionadas com a(s) questão(ões) de pesquisa da investigação. Apresentamos alguns exemplos de parágrafos típicos das considerações finais de um relatório experimental. Avaliação da adequação do modelo teórico O modelo teórico de sistema massa-mola se mostrou consistente para descrever as relações entre as principais grandezas do fenômeno estudado. Incrementos na massa do corpo suspenso na mola acarretaram num aumento no período de oscilação do sistema. Além disso, a declividade do gráfico de T2 X M forneceu um valor para a constante elástica da mola coerente com o valor obtido pelo método em que o sistema estava em repouso. 4 Diretrizes para a Elaboração de Relatórios de Física Experimental Leonardo Heidemann, Ives Araujo e Eliane Veit Dificuldades enfrentadas no desenvolvimento do experimento A medida dos períodos mais curtos, para corpos suspensos com pequenas massas, foi um tanto crítica e difícil, pois o retardo do acionamento manual do cronômetro tornavase da ordem do período de oscilação do sistema. Possivelmente é por esse motivo que os períodos medidos foram pouco consistentes com o modelo teórico quando os corpos suspensos somavam a massa de (50±0,005) g. Recomendações para o leitor Tivemos dificuldade para medir o período de oscilação do sistema quando tentávamos acionar o cronômetro na posição em que o corpo suspenso estava em sua máxima amplitude, ou seja, em repouso. Com isso, percebemos que um melhor resultado era obtido quando acionávamos o cronômetro na posição em que a velocidade do corpo era máxima, ou seja, quando sua amplitude era nula, pois esse ponto do movimento nos parecia mais definido do que em suas extremidades, quando não conseguíamos determinar exatamente quando o corpo estava com velocidade nula. Fontes de incerteza O fato do modelo adotado tomar como pressuposto que a mola utilizada está no regime elástico, que a massa da mola é desprezível, que o movimento de oscilação é unidimensional, e que a força resistiva com o ar é desprezível, resulta em uma diferença entre os resultados preditos e os dados experimentais. Além disso, deve-se destacar que as incertezas experimentais também são resultantes dos retardos de acionamento manual do cronômetro, durante as medidas do período de oscilação do sistema massamola. Conclusão Final/ Perspectivas Futuras A análise dos resultados da atividade experimental relatada neste trabalho evidenciam que o modelo de sistema massa-mola tem boa precisão para descrever o período de corpos que oscilam em molas de massas desprezíveis com amplitudes pequenas. Podese verificar também que o modelo teórico utilizado apresentava menor precisão quando o corpo investigado oscilava com grandes amplitudes. Um possível próximo passo para se explorar a lei de Hooke seria a realização de uma avaliação sobre como a razão entre a massa das molas e as massas dos corpos suspensos influencia na incerteza experimental do período de oscilação desses sistemas. Outra possibilidade seria a avaliação de como a amplitude de oscilação dos sistemas massa-mola influenciam nos seus amortecimentos. Aspectos Gerais: • Um dos requisitos mais importantes para um relatório de laboratório é a clareza. Imagine que seu público é formado por alguns de seus colegas de classe que não realizaram essa experiência e queiram reproduzi-la, ou ainda, você mesmo daqui a 10 anos. • Se você estiver usando um editor de texto, use as ferramentas de correção ortográfica. Erros ortográficos e gramaticais grosseiros diminuem dramaticamente a credibilidade do seu relatório. • Não é aceitável escrever um relatório na primeira pessoa do singular. O uso da primeira do plural é aceitável, mas o recomendável e usual é que os trabalhos sejam redigidos de forma impessoal. Por exemplo, ao contrário do uso da expressão “eu medi o período de oscilação”, costuma-se utilizar “foi medido o período de oscilação”. • Nunca esqueça das unidades das grandezas físicas. • Procure sempre começar uma seção com um parágrafo introdutório apresentando o que vai ser exposto. • Cuidado com os algarismos significativos. Sempre calcule o desvio padrão de suas medidas e leve em consideração a precisão dos instrumentos de medida para analisar até que ponto suas medidas são confiáveis. Calcule as incertezas propagadas e de suas medidas e apresente as grandezas derivadas de suas medidas com o número de algarismos significativos adequados e as correspondentes incertezas. 5 Diretrizes para a Elaboração de Relatórios de Física Experimental Leonardo Heidemann, Ives Araujo e Eliane Veit LEIA MAIS! Baylor University (2012). Guidelines for a Physics lab reports. Disponível em: http://www.baylor.edu/content/services/document.php/110769.pdf. Acesso em: 09/02/2014. Corradi, W.; Vieira, S. L. A.; Társia, R. D.; Balzuweit, K.; Fonseca, L. & Oliveira, W. S. (2008). Física Experimental. Belo Horizonte: Editora da UFMG. Disponível em: http://www13.fisica.ufmg.br/~wag/transf/LIVRO_FEBIO_21AGO2009_2PP.pdf. Acesso em: 09/02/2014. Cybulska, E. W. & Rodrigues, M. R. D. (2012). Como escrever um bom relatório. Disponível em: http://social.stoa.usp.br/fep1132008/notas-de-aula/comoescreverumrelatorio.pdf?view=true. Acesso em: 09/02/2014. Lima Junior, P.; Silveira, F. L.; Silva, M. T. X. & Veit, E. A. (2013). Laboratório de mecânica: subsídios para o ensino de Física Experimental [recurso eletrônico]. Disponível em: http://www.if.ufrgs.br/cref/labmecanica/Lima_Jr_et_al_2013.pdf . Acesso em: 09/02/2014. 6