MINISTÉRIO DA SAÚDE
FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ
INSTITUTO OSWALDO CRUZ
Programa de Pós-Graduação em Biologia Parasitária
ESTUDO DA INTERAÇÃO DE
Desulfovibrio indonesiensis COM
CÉLULAS EPITELIAIS INTESTINAIS –
INFLUÊNCIA SOBRE AS JUNÇÕES CELULARES
E FUNÇÃO IMUNOLÓGICA
FABRÍCIO HALFELD DE ALMEIDA SILVA
Rio de Janeiro
Março de 2014
INSTITUTO OSWALDO CRUZ
Programa de Pós-Graduação em Biologia Parasitária
FABRÍCIO HALFELD DE ALMEIDA SILVA
Estudo da interação de Desulfovibrio indonesiensis com células epiteliais intestinais
– influência sobre as junções celulares e função imunológica
Dissertação apresentada ao Instituto Oswaldo
Cruz como parte dos requisitos para obtenção do
título
de
Mestre
Parasitária).
Orientadora: Dra. Mirian Claudia de Souza Pereira
RIO DE JANEIRO
Março de 2014
ii
em
Ciências
(Biologia
Ficha catalográfica elaborada pela
Biblioteca de Ciências Biomédicas/ ICICT / FIOCRUZ - RJ
S586
Silva, Fabrício Halfeld de Almeida
Estudo da interação de Desulfovibrio indonesiensis com células
epiteliais intestinais – influência sobre as junções celulares e função
imunológica / Fabrício Halfeld de Almeida Silva. – Rio de Janeiro,
2014.
xi, 98 f. : il. ; 30 cm.
Dissertação (Mestrado) – Instituto Oswaldo Cruz, Pós-Graduação
em Biologia Parasitária, 2014.
Bibliografia: f. 84-98
1. Colite ulcerativa. 2. Desulfovibrio indonesiensis. 3.
Imunopatologia. 5. Junções oclusivas. 6. Mucosa intestinal. I. Título.
CDD 616.344
INSTITUTO OSWALDO CRUZ
Programa de Pós-Graduação em Biologia Parasitária
FABRÍCIO HALFELD DE ALMEIDA SILVA
Estudo da interação de Desulfovibrio indonesiensis com células epiteliais intestinais
– influência sobre as junções celulares e função imunológica
Orientadora: Dra. Mirian Claudia de Souza Pereira
Aprovada em: 31 / 03 / 2014
EXAMINADORES:
Dra. Luzia Oliveira Pinto – Presidente (IOC, Fiocruz)
Dra. Suzana Côrte-Real Farias (IOC, Fiocruz)
Dr. Robson Coutinho Silva (IBCCF, UFRJ)
Dra. Dilvani Oliveira Santos (UFF)
Dra. Juliana de Meis (IOC, Fiocruz)
Rio de Janeiro, 31 de março de 2014
iii
iv
AGRADECIMENTOS
Agradeço primeiramente a Deus, que nos protege e continua amparando em
todas as circunstâncias. Aproximei-me muito mais de Ti, Senhor, e a Tua força
continua operando em todos os sentidos.
À minha família, por tudo que têm feito por mim, muitas vezes deixando de
fazer as suas coisas, em razão da continuidade de meu aperfeiçoamento
profissional.
Ao meu amor, por sua atenção e paciência, por me ouvir sempre e me
incentivar.
Ao Instituto Oswaldo Cruz, por fornecer toda a infraestrutura necessária para
a realização deste projeto, em especial à Comissão de Pós-Graduação em Biologia
Parasitária, que me acolheu e acreditou nas minhas possibilidades desde o início.
A todos os amigos do LUC, LITEB, LBE e LPT, que dividiram comigo muitos
ensinamentos, técnicas, protocolos, programas, sistemas e valores que, com
certeza, levarei comigo para sempre.
Em especial, agradeço às minhas colegas e amigas Tatiana Araújo e Amanda
Tucci, que são ótimas companheiras de trabalho, competentes e profissionais em
todas as atividades, de quem vou levar eterno carinho. Obrigado pelo apoio e
consideração de todos os dias.
À Cláudia Coutinho, por toda a sua orientação em relação ao cultivo e
manutenção das BRS; obrigado pela disposição em sempre ceder o espaço do
LITEB para as atividades!
Ao Vinícius Cotta de Almeida, cuja ideia desde o começo me agradou, e
felizmente se concretizou na realização deste projeto. Obrigado por toda a sua
experiência e ajuda!
À minha orientadora Mirian Pereira, agradeço por todos os conhecimentos e
momentos que compartilhamos! Sua disponibilidade em me aceitar como aluno
desde o primeiro instante muito me alegra e revelam sua enorme disposição em
acreditar na educação como elemento transformador da sociedade!
Agradeço aos membros da banca pela gentileza de aceitarem o convite.
A CAPES, por todo o auxílio científico, financeiro e material.
v
INSTITUTO OSWALDO CRUZ
Estudo da interação de Desulfovibrio indonesiensis com células epiteliais intestinais
– influência sobre as junções celulares e função imunológica
RESUMO
Fabrício Halfeld de Almeida Silva
A imunopatologia das doenças inflamatórias intestinais (DIIs) está associada a níveis
aumentados de citocinas pró-inflamatórias, alterações na microbiota local e perda da
integridade da barreira epitelial. De fato, a relação parasita-hospedeiro, definida aqui
pela interação da microbiota com o microambiente da mucosa, tem sido relatada como
fator central na imunopatogênese das DIIs. Neste contexto, o presente trabalho teve
como objetivo avaliar o efeito da interação de Desulfovibrio indonesiensis, bactéria
redutora de sulfato (BRS), com a linhagem de célula epitelial intestinal Caco-2, sobre a
integridade das junções oclusivas e seu papel na modulação da produção de IL-8.
Células Caco-2 foram incubadas (3h a 37ºC) com D. indonesiensis (proporção 10:1
bactéria–célula hospedeira), e a interação foi interrompida após 24h e 48h. Microscopia
correlativa foi empregada para avaliar a integridade das junções celulares, sendo as
culturas controle e as que interagiram com D. indonesiensis processadas para
imunofluorescência indireta e microscopia eletrônica de varredura (MEV). Análises da
expressão de ocludina, proteína de junção oclusiva, e permeabilidade paracelular foram
realizadas por Western blot e resistência elétrica transepitelial (RET), respectivamente.
Microscopia de contraste interferencial diferencial (DIC) e microscopia de fluorescência
das culturas de células Caco-2 revelaram intensa coesão entre células da monocamada
celular, com junções oclusivas visualizadas pela detecção de ocludina e ZO-1. A
presença da BRS não acarretou mudanças nas junções celulares e na distribuição
espacial de ocludina e ZO-1. Análise ultraestrutural demonstrou a associação de
bactérias isoladas e biofilmes com a superfície de células Caco-2, sem distúrbio da
associação intercelular. A manutenção desta integridade juncional foi também
evidenciada por RET, e os resultados de Western blot não revelaram mudanças na
expressão de ocludina. Por outro lado, análises de citometria de fluxo revelaram uma
produção de IL-8 ligeiramente maior pelas células Caco-2 em interação com BRS,
quando comparadas com células controle. Avaliamos também o efeito da adição de sais
sulfatados ao meio de cultura durante a interação e sua implicação na distribuição
espacial de ZO-1. De modo interessante, observamos uma multiplicação bacteriana
mais extensa sobre a monocamada epitelial, acompanhada de ausência ou redução de
ZO-1 em locais de estreita associação com a bactéria. Nossos resultados ainda
revelaram que a adição de sulfato às culturas em interação resultou em diminuição na
produção de IL-8. Esses resultados indicam que a célula epitelial intestinal é capaz de
manter sua função de barreira na presença de baixas concentrações de D.
indonesiensis, mas o aumento exacerbado destas BRS pode acarretar perda da
integridade juncional e regulação negativa de função imune. Assim, o presente trabalho
sugere que uma disbiose relacionada às BRS pode resultar em disfunção da barreira da
mucosa intestinal, com possíveis consequências sobre a patogênese dos distúrbios
inflamatórios intestinais.
vi
INSTITUTO OSWALDO CRUZ
Interaction between Desulfovibrio indonesiensis and intestinal epithelial cells –
influence on celular junctions and immunological function
ABSTRACT
Fabrício Halfeld de Almeida Silva
The immunopathology of inflammatory bowel diseases (IBD) is associated with
increased levels of pro-inflammatory cytokines, changes in local microbiota and loss
of epithelial barrier integrity. In fact, the host-parasite relationship, here defined by
the interaction of microbes with the mucosal microenvironment, has been reported as
a central factor in IBD immunopathogenesis. Herein, we aimed to evaluate the
interaction of Desulfovibrio indonesiensis, a sulfate reducing bacteria (SRB), with an
intestinal epithelial cell strain, Caco-2, and its effect on the integrity of tight junctions
and on IL- 8 production. Caco-2 cells were incubated (3h at 37°C) with D.
indonesiensis (10:1 bacteria-host cell ratio), and the interaction stopped after 24h
and 48h. Correlative microscopy was used to assess the integrity of cell junctions,
and both control and D. indonesiensis interaction cultures were processed for indirect
immunofluorescence and scanning electron microscopy (SEM). Expression analysis
of occludin, a tight junction protein, and paracellular permeability were performed by
Western blot and transepithelial electrical resistance (TEER), respectively.
Differential interference contrast (DIC) and fluorescence microscopy analyses of
Caco-2 monolayer cultures revealed intense cell cohesion, with tight junctions
visualized by occludin and ZO-1 labeling. Cell junctions and spatial distribution of
occludin and ZO-1 were not altered in the presence of BRS. Ultrastructural analysis
showed isolated bacteria and biofilm structures bound to Caco-2 cells without any
alteration in intercellular association. This inaltered junctional integrity was also seen
by TEER assays, and Western blot results revealed no changes in occludin
expression. However, flow cytometry analysis showed a slight increase in IL-8
production by SRB-interacting Caco-2 cells, when compared to control cells. We also
evaluated the addition of sulfate salts to culture medium and its effect on BRS
growing and on the spatial distribution of ZO-1. Interestingly, we observed a more
extensive bacterial multiplication on the cell culture monolayer, along with ZO-1
absence or reduction at sites of close association with bacteria. Moreover, our results
revealed that sulfate addition to cultures containing SRB resulted in decreased IL-8
production. These results indicate that the intestinal epithelial cells are able to
maintain their barrier function in the presence of low levels of D. indonesiensis, but
the exacerbated bacterial presence might cause loss of junctional integrity and
negative regulation of immune function. Thus, our studies suggest that a SRB-related
dysbiosis can result in intestinal mucosal barrier dysfunction, with possible
implications for the pathogenesis of intestinal inflammatory disorders.
vii
ÍNDICE
RESUMO....................................................................................................................VI
ABSTRACT...............................................................................................................VII
1. INTRODUÇÃO.........................................................................................................1
1.1. Doenças inflamatórias intestinais................................................................1
1.2. Papel da microbiota na mucosa intestinal...................................................7
1.3. Bactérias redutoras de sulfato na desregulação da mucosa intestinal....9
1.4. Sistema imune de mucosas........................................................................13
1.5. A barreira epitelial intestinal: alterações estruturais das junções
celulares na inflamação intestinal..........................................................................18
2. OBJETIVOS...........................................................................................................26
2.1. Objetivo geral................................................................................................26
2.2. Objetivos específicos...................................................................................26
3. MATERIAIS E MÉTODOS.....................................................................................27
3.1. Cultivo de Desulfovibrio indonesiensis.....................................................27
3.2. Cultivo celular...............................................................................................28
3.3. Interação Desulfovibrio indonesiensis – célula epitelial intestinal.........28
3.4. Ensaio de viabilidade bacteriana................................................................29
3.5. Imunofluorescência indireta........................................................................29
3.6. Análise ultraestrutural.................................................................................30
3.7. Extração de proteínas..................................................................................30
3.8. Dosagem de proteínas.................................................................................31
3.9. SDS-PAGE e Western blot...........................................................................31
3.10. Resistência elétrica transepitelial…………………………………………...31
3.11. Análise da produção de IL-8 por citometria de fluxo..............................32
4. RESULTADOS.......................................................................................................35
4.1. Interação D. indonesiensis – Caco-2: a integridade das junções
oclusivas...................................................................................................................35
4.2. Análise da expressão de ocludina e permeabilidade paracelular durante
interação D. indonesiensis – Caco-2......................................................................53
4.3. Efeito da adição de meio suplementado com sais sulfatados na
interação D. indonesiensis – Caco-2......................................................................57
viii
4.4. Avaliação da produção de IL-8 na interação D. indonesiensis – Caco2..................................................................................................................................58
5. DISCUSSÃO..........................................................................................................74
6. CONCLUSÕES......................................................................................................83
7. REFERÊNCIAS......................................................................................................84
ix
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
5-ASA - ácido 5-aminosalicílico
ANCA – anticorpo anticitoplasma de neutrófilo
ATCC – coleção americana de culturas-tipo
ATP – trifosfato de adenosina
BRS - bactérias redutoras de sulfato
BSA - albumina de soro bovino
DABCO - 1,4-diazabiciclo-(2,2,2)-octano-trietilenodiamina
DAPI - 4,6-diamino-2-fenilindol
DIIs - doenças inflamatórias intestinais
DMEM - meio Eagle modificado por Dulbecco
DNA – ácido desoxirribonucléico
DO – densidade óptica
EDTA - ácido etilenodiamino tetra-acético
FITC – isotiocianato de fluoresceína
FSC – dispersão frontal da luz
GA - glutaraldeído
GAPDH - gliceraldeído 3-fosfato desidrogenase
HIV – vírus da imunodeficiência humana
Hsp – proteína de choque térmico
IFN- - interferon-gama
Ig – imunoglobulina
IGR – região intergênica
IL - interleucina
IMC - índice de massa corporal
JAMs – moléculas de adesão juncionais
LITEB - Laboratório de Inovações em Terapias, Ensino e Bioprodutos
MAGUKs – homólogos da guanilato quinase associados à membrana
MAP – proteína ativada por mitógeno
MEV - microscopia eletrônica de varredura
MFI – intensidade média de fluorescência
MLC – cadeia leve de miosina
MLCK – quinase da cadeia leve de miosina
x
NMP - número mais provável
NOD2 – segunda proteína contendo domínio de oligomerização ligado a nucleotídeo
Par1/MARK – complexo receptor ativado por protease/quinase de microtúbulos
regulada por afinidade
PBS – salina tamponada de fosfato
PCR - reação em cadeia da polimerase
PFA - paraformaldeído
PMSF - fluoreto de fenilmetil-l-sulfonil
RET – resistência elétrica transepitelial
RNAr – ácido ribonucléico ribossomal
ROS – espécies reativas de oxigênio
SDS-PAGE – eletroforese em gel de poliacrilamida-dodecilsulfato de sódio
SFB – soro fetal bovino
SSC – dispersão lateral da luz
TGF-β1 – fator de transformação do crescimento beta 1
Th ou T CD4+ – linfócito T auxiliar
TJs – junções oclusivas
TLR - receptor tipo Toll
TNF- - fator de necrose tumoral alfa
Treg - células T regulatórias
Tris-HCl – tris (hidroximetil-amino) metano HCl
TX-100 – Triton X-100 (T-octilfenoxipoli-etoxietanol)
Tween 20 – monolaureato de sorbitan etoxilado 20
VEGF - fator de crescimento endotelial vascular
ZO-1 – proteína de zonula occludens 1
xi
LISTA DE FIGURAS E TABELA
Figura 1. Fatores envolvidos na colite ulcerativa e na doença de Crohn.....................2
Figura 2. Incidência de DIIs no mundo.........................................................................4
Figura 3. Micrografias de Desulfovibrio indonesiensis...............................................12
Figura 4. Esquema dos componentes da resposta imune na mucosa intestinal.......14
Figura 5. Estrutura do complexo de junções existentes entre as células..................19
Figura 6. Composição molecular das junções oclusivas............................................22
Figura 7. Eletrodo Endohm e sistema Millicell-ERS para avaliação da RET.............32
Figura 8. Análises das informações obtidas por citometria de fluxo..........................34
Figura 9. Aspecto geral da cultura de células Caco-2................................................36
Figura 10. Dupla marcação de Caco-2 com anticorpo anti-ocludina e DAPI.............37
Figura 11. Detecção de ZO-1 em Caco-2 por imunofluorescência indireta...............38
Figura 12. Avaliação da esterilidade das culturas controles e viabilidade e atividade
das bactérias aderidas à monocamada celular.........................................39
Figura 13. Detecção de ocludina, por imunofluorescência indireta, em células Caco-2
após 24h de interação com D. indonesiensis............................................42
Figura 14. Interação D. indonesiensis – Caco-2 (48h)...............................................43
Figura 15. Detecção de ZO-1 na interação D. indonesiensis – Caco-2 (48h), através
de imunofluorescência indireta..................................................................44
Figura 16. Micrografia eletrônica de varredura de monocamada confluente de células
Caco-2.......................................................................................................45
Figura 17. Análise ultraestrutural das culturas de células Caco-2 por MEV..............46
Figura 18. Interação D. indonesiensis – Caco-2 (3h) observada por MEV................47
Figura 19. Agregados bacterianos associados à superfície de células Caco-2.........48
Figura 20. Biofilmes associados à superfície de células Caco-2...............................49
Figura 21. Interação D. indonesiensis – Caco-2 (24h)...............................................50
Figura 22. Associação do biofilme à superfície de células Caco-2............................51
Figura 23. Interação D. indonesiensis – Caco-2 (48h)...............................................52
Figura 24. Análise da expressão de ocludina durante interação D. indonesiensis –
Caco-2 por Western blot............................................................................53
Figura 25. Análise da resistência elétrica transepitelial (RET) durante interação D.
indonesiensis – Caco-2.............................................................................55
xii
Figura 26. Detecção de ocludina em células Caco-2 incubadas com 2mM de EDTA,
por imunofluorescência indireta.................................................................56
Figura 27. Interação D. indonesiensis – Caco-2 na presença ou ausência de meio
suplementado com sais sulfatados...........................................................60
Figura 28. Efeito da interação com D. indonesiensis sobre a monocamada de células
Caco-2.......................................................................................................61
Figura 29. Detecção de ocludina, por imunofluorescência indireta, em células Caco-2
cultivadas por 24h na presença de meio nutritivo suplementado com sais
sulfatados..................................................................................................62
Figura 30. Distribuição espacial de ZO-1 em células Caco-2 visualizada em cortes
sequenciais no eixo Z................................................................................63
Figura 31. Dupla marcação com anticorpo anti-ocludina e DAPI de células Caco-2
incubadas com D. indonesiensis no meio suplementado com sais
sulfatados..................................................................................................64
Figura 32. Alteração de junções oclusivas em células Caco-2 que interagiram com D.
indonesiensis
(24h)
em
meio
nutritivo
suplementado
com
sais
sulfatados..................................................................................................65
Figura 33. Distribuição espacial de ZO-1 em células Caco-2 que interagiram com D.
indonesiensis em meio suplementado com sais sulfatados por 24h,
visualizada em cortes sequenciais no eixo Z............................................66
Figura 34. Interação D. indonesiensis – Caco-2 (48h) em presença de meio nutritivo
suplementado com sais sulfatados...........................................................67
Figura 35. Análises citofluorométricas da marcação com anti-IL-8 em células Caco-2
controle e que interagiram com D. indonesiensis por 48h........................68
Figura 36. Análises comparativas dos valores de MFI obtidos a partir da marcação
com anti-IL-8 em células Caco-2 controle e que interagiram com D.
indonesiensis por 48h................................................................................69
Figura 37. Perfil das análises citofluorométricas........................................................70
Figura 38. Histogramas representativos das análises citofluorométricas..................71
Figura 39. Gráficos das análises comparativas dos índices MFI...............................72
Tabela 1. Efeito da interação D. indonesiensis – Caco-2 na produção de IL-8.........73
xiii
1. INTRODUÇÃO
O sistema imune de mucosas se organiza de forma complexa frente aos
desafios presentes em uma interface de contato com organismos comensais e
patogênicos, nutrientes e componentes ambientais (revisado por Faria & Weiner,
2005). Em áreas de mucosa, a concomitância de resposta imune efetora contra os
diversos patógenos e a presença de redes imunorregulatórias de inibição de
resposta inflamatória tomam relevância particular para o equilíbrio funcional dos
órgãos envolvidos (revisado por Macpherson & Harris, 2004).
A natureza da resposta inflamatória pode estar relacionada com a
desregulação de fatores imunológicos na mucosa intestinal (revisado por Strober et
al., 2002). Ela está no foco dos processos patológicos graves definidos como
doenças inflamatórias intestinais, que compreendem a colite ulcerativa e a doença
de Crohn (revisado por Podolsky, 2002). A relevância clínica e complexidade
fisiopatológica destas doenças há décadas atraem a atenção para o entendimento
da formação do processo inflamatório intestinal.
1.1. Doenças inflamatórias intestinais
As doenças inflamatórias intestinais (DIIs) constituem um grupo de patologias
caracterizado por quadros inflamatórios do trato gastrointestinal. Entre os principais
tipos estão a colite ulcerativa, que afeta somente o cólon (mais frequentemente sua
porção distal) (revisado por Koutroubakis, 2010), a doença de Crohn, que pode se
manifestar em qualquer parte entre a boca e o reto, e a colite não classificada, na
qual os sinais inflamatórios presentes no cólon não correspondem aos daquelas
duas moléstias citadas anteriormente (Santos, 2011). A hipótese mais aceita
atualmente para explicar a origem das DIIs é a predisposição genética, aspecto
determinante na desregulação do sistema imune gastrointestinal (revisado por Loftus
Jr., 2004).
Além da influência genética, as DIIs estão também relacionadas a uma série
de outros elementos de causa ou fatores de risco (Figura 1), como dieta alimentar,
fumo, utilização de medicamentos (especialmente antiinflamatórios não esteroidais),
microbiota residente intestinal, exposição a agentes infecciosos, infecções sub1
clínicas (revisado por Podolsky, 2002). Todo este conjunto de variáveis pode
contribuir potencialmente para alterações nas respostas imunes inatas ou
adaptativas no intestino, podendo ocasionar distúrbios significativos para o indivíduo
(Santos, 2011).
Figura 1. Fatores protetores e de risco envolvidos na colite ulcerativa e na doença de Crohn.
Nota-se que alguns dos fatores de risco estão ligados às duas patologias ao mesmo tempo, como o
uso de contraceptivos orais, infecções gastrointestinais e antibióticos. Por outro lado, o ácido linoléico
é apontado como risco apenas para a colite ulcerativa. Adaptado da revisão de Ponder & Long, 2013.
A colite ulcerativa, patologia da qual o presente modelo de estudo mais se
aproxima, se caracteriza pelo aparecimento de grande número de células
inflamatórias na mucosa do intestino grosso, principalmente reto e cólon,
verificando-se nestes locais os sintomas característicos do infiltrado inflamatório,
como edema, rubor, dor e aumento de temperatura. Na maioria das vezes, ocorre
simultaneamente dano ao epitélio das paredes intestinais, resultando em sua
destruição, impedindo assim a função de barreira inerente a este tecido (Qualtrough
et al., 2011). As duas principais ocorrências das DIIs exibem algumas características
clínicas comuns, sendo que em 10% a 15% dos casos não é possível diferenciá-las.
É importante ressaltar que a inflamação no intestino modifica a atividade contrátil da
musculatura, e desordens de motilidade induzem crescimento anormal da
2
microbiota, contribuindo para agravar a patogênese dos quadros inflamatórios
(revisado por Torres & Rios, 2008).
Os principais sintomas relacionados com a inflamação são sangramento retal,
diarreia, perda de peso e febre (Veluswamy et al., 2010). Normalmente, estes
aspectos
clínicos
da
doença
se
manifestam
em determinados
períodos,
desaparecendo e reaparecendo continuamente. Algumas manifestações das DIIs
podem ser notadas além dos locais inflamados, como o aumento dos níveis de
proteína C reativa no soro de pacientes e a presença de proteínas específicas nas
fezes (revisado por Masoodi et al., 2011). As DIIs são consideradas desordens
incapacitantes, mas a taxa de mortalidade é baixa (revisado por Ponder & Long,
2013).
Estimativas epidemiológicas demonstram alta incidência de DIIs na América
do Norte e Europa (Figura 2), acometendo atualmente 20,2 e 24,3 por 100.000
pessoas/ano com doença de Crohn e colite ulcerativa na América do Norte e
Europa, respectivamente (revisado por Ponder & Long, 2013; Quilici et al., 2007). As
DIIs se manifestam de forma crônica, afetando tradicionalmente indivíduos
originários de regiões desenvolvidas, com sinais e sintomas aparecendo geralmente
na faixa etária entre dez e trinta anos, com um segundo pico entre os sessenta e
oitenta anos, em proporções iguais entre os sexos (Santos, 2011).
Em contrapartida, estudos mais recentes mostram que a incidência de
doenças inflamatórias intestinais vem aumentando em populações anteriormente
negligenciadas,
especialmente
asiáticas,
hispânicas
e
americanas
afro-
descendentes (Veluswamy et al., 2010). Por se tratar de doenças crônicas, elas são
consideradas importantes problemas da atualidade, já que podem se estender
progressivamente por muitos anos, afetando de maneira significativa a qualidade de
vida dos pacientes (Oliveira et al., 2010).
3
Figura 2. Incidência de DIIs no mundo. As áreas destacadas em vermelho, amarelo e verde
representam, respectivamente, por 100.000 habitantes, incidência elevada (6 a 24), intermediária (2 a
6) e baixa (menor que 1). Mapa de incidência construído com base nos dados epidemiológicos das
DIIs (revisado por Ponder & Long, 2013; Quilici et al., 2007).
Considerando os fatores atrelados na etiologia das DIIs, estudos a respeito da
suscetibilidade genética têm contribuído com informações relevantes sobre a
patogênese existente e desta forma, ajudando no desenvolvimento de intervenções
específicas (Smith et al., 2013). Taxas elevadas de DIIs estão presentes entre
gêmeos monozigóticos e suas frequências apresentam-se distintas entre grupos
étnicos diversos (Kanaan et al., 2012). Centenas de genes ou loci genéticos de
suscetibilidade para DIIs foram identificados e se mostraram envolvidos com a
resposta imune e inflamatória no intestino. Diversos genes estão também
associados com as manifestações das atividades microbianas e com o metabolismo
no microambiente intestinal (Lawrance et al., 2001).
Estudos
de
associação
genômica
(GWAS;
do
inglês,
genome-wide
association study), que identificam polimorfismos genéticos, mostraram 163 loci
gênicos associados às DIIs (Jostins et al., 2012). Destes, 110 estão associados
concomitantemente à doença de Crohn e à colite ulcerativa, 30 apenas à doença de
Crohn e 23 são específicos para a colite ulcerativa. Esses loci compreendem genes
envolvidos em mecanismos fisiopatológicos tão diversos como o reconhecimento
microbiano, ativação e diferenciação linfocitárias, sinalização de citocinas, função
antimicrobiana do epitélio intestinal, e autofagia. Associações significativas foram
encontradas, por exemplo, em relação aos genes IL23R (receptor de IL-23;
importante na diferenciação de células Th17), IL12B (codifica a subunidade p40 da
IL-12 e IL-23), IL-10 (citocina de atividade imunossupressora), em ambas as
doenças, e em relação aos genes ATG16L1 (codifica a proteína ATG16, molécula
central em todas as formas de autofagia), e NOD2 (receptor citosólico de
4
peptideoglicano de bactérias Gram-positivas e Gram-negativas) na doença de Crohn
(revisado por Zhang & Li, 2014).
Particularmente, NOD2 foi o primeiro gene descrito como associado com
suscetibilidade à doença de Crohn. Inicialmente, essa molécula foi definida como um
receptor para muramil-dipeptídeo, sequência integrante de peptídeoglicano de
bactérias Gram-positivas e Gram-negativas, induzindo resposta pró-inflamatória
mediada por NF-kB. Estudos recentes apontam também para funções de indução de
autofagia, respostas antivirais e ativação de células T (revisado por Shaw et al.,
2011).
Além da predisposição genética, estudos com populações norte-americanas
mostram uma associação entre DIIs, obesidade e aumento da morbidade, bem
como agravos na sintomatologia e nas complicações perianais relacionadas à
obesidade. Outras condições envolvidas nos casos de pessoas obesas também
favorecem o surgimento de questões complicadoras para as situações de comorbidade com as DIIs. No passado, acreditava-se que crianças que possuíam DIIs
tenderiam a expressar um valor de índice de massa corporal (IMC) abaixo dos
padrões normais, mas o que se constata atualmente é justamente o oposto (Long et
al., 2012).
Nas diversas situações decorrentes das DIIs, o objetivo do tratamento com
medicamentos é levar à remissão nos casos de doença ativa e diminuir os riscos de
reaparecimento posterior dos sintomas vistos nesta fase. Uma das mais requisitadas
vantagens de um bom fármaco para tratamento é a capacidade que o mesmo teria
em atingir o sítio onde estão as manifestações clínicas no ambiente intestinal. Neste
sentido, estão sendo propostas inúmeras formulações, especialmente aquelas que
utilizam pequenas partículas, como micropellets. Além disso, no acompanhamento
do tratamento para manutenção das boas condições médicas, a droga deve ser
avaliada em relação à sua toxicidade e à adesão do paciente no decorrer do tempo.
Foi relatado que somente cerca de metade dos pacientes fazem a terapia
medicamentosa correta (revisado por Koutroubakis, 2010).
Os principais fármacos utilizados na clínica são o ácido 5-aminosalicílico (5ASA) e seus derivados, corticoesteroides e imunossupressores. O 5-ASA é
reconhecido como substância de primeira linha para o tratamento padrão da colite
ulcerativa de grau leve a moderado que acomete a porção distal do cólon. Em
relação a este mesmo composto, o médico pode optar pelo tratamento via oral, via
5
retal ou ambos, sendo que a segunda opção inclui diferentes tipos de formulações,
como supositórios, enemas e pomadas (revisado por Koutroubakis, 2010). Há
relatos mais recentes sobre a utilização de antioxidantes para o tratamento de
diversas DIIs, com papel importante inclusive na prevenção de câncer (revisado por
Kim et al., 2012). Considerando ainda a importância do tratamento, foi observado
que após terapia realizada para a doença de Crohn, houve mudanças consideráveis
no perfil microbiano intestinal, bem como no padrão de imunoglobulinas relacionado
(Jia et al., 2012).
Outra estratégia de alívio dos sintomas das DIIs consiste na terapia com
citocinas, especialmente aquelas de caráter imunossupressor, como TGF-β1 e IL-10.
Esta linha de tratamento, entretanto, ainda precisa avançar em determinados
aspectos específicos, os quais se relacionam a parâmetros farmacológicos, a
exemplo de formulação, estabilidade in vivo, distribuição nos tecidos desejados e
potencial toxicidade. TGF-β1 desempenha proteção na medida em que está
envolvida nos processos de cicatrização ou normalização de feridas, reconstituição
epitelial, efeitos modulatórios nas funções de linfócitos T e células dendríticas e na
ativação de células T regulatórias (Treg) capazes de suprimir a inflamação intestinal
(Hamady et al., 2011).
Uma terapia que vem ganhando notoriedade é a utilização de probióticos,
microrganismos vivos em quantidades específicas que atuam através de distintos
mecanismos para proporcionar benefícios à saúde do hospedeiro. O resultado de
seu uso conduz a uma alteração na composição ou na função da microbiota
comensal intestinal e modifica respostas imunes e epiteliais do organismo humano.
Nesse contexto, diversas espécies bacterianas com atividade probiótica previnem a
adesão de patógenos entéricos a células epiteliais intestinais in vitro (revisado por
Sartor & Mazmanian, 2012). Particularmente na colite ulcerativa, o uso destas
terapias trouxe benefícios como a indução e a manutenção da remissão da doença
leve a moderadamente grave, quando se associou os gêneros Lactobacillus,
Bifidobacterium e Streptococcus, bem como com a espécie Escherichia coli Nissle
(revisado por Sanders et al., 2013).
6
1.2. Papel da microbiota na mucosa intestinal
Ao nascer, o homem entra em contato com os mais diversos microrganismos
presentes no ambiente externo, principalmente por meio de estruturas como pele,
boca, ânus e vagina. A microbiota materna também é capaz de ser transmitida para
o organismo do novo hospedeiro, especialmente em mamíferos. No adulto, passa a
ser relevante a proporção da microbiota em relação ao espaço que ocupa, chegando
a se quantificar o expressivo número de 10 13 bactérias por grama de conteúdo
intestinal, apenas no trecho correspondente ao cólon. A quantidade total de
microrganismos da microbiota humana chega a superar o número de células em dez
vezes. De tal modo, as relações entre hospedeiros e microrganismos podem ser
definidas como benéficas ou maléficas para os primeiros, sendo que mesmo
espécies constituintes da microbiota intestinal normal podem induzir inflamação em
condições específicas (revisado por Round & Mazmanian, 2009).
No intestino humano, existem grupos de microrganismos responsáveis por
diversas
funções,
as
quais
irão
beneficiar
o
hospedeiro
e
também,
consequentemente, permitirão a estabilidade da população microbiana. Alguns
destes grupos prevalecem sobre outros presentes em menor número, fato que é
comprovado
através
de
levantamentos
taxonômicos
obtidos
por
artifícios
tecnológicos recentemente desenvolvidos, como o sequenciamento de alto
desempenho (Nava et al., 2012). Apesar de haver diferenças nas espécies
frequentemente isoladas de material fecal e das diferentes porções intestinais entre
indivíduos, alguns grupos prevalecem, como Bacteroides, Prevotella e Clostridium.
Naturalmente, os gêneros anaeróbios são os mais comumente encontrados no
ambiente intestinal (Bahrami et al., 2011).
Entre os microrganismos que estão presentes no ambiente intestinal, alguns
grupos bacterianos específicos são responsáveis por funções como (i) fermentar
carboidratos complexos, lipídeos ou proteínas até lactato e (ii) converter lactato em
propionato ou butirato (Jia et al., 2012). Deve-se destacar, neste sentido, que a
quantidade de microrganismos de um certo grupo não necessariamente reflete a sua
importância, uma vez que processos fundamentais para a sobrevivência da grande
maioria dos organismos residentes, como a fermentação, são influenciados pela
transformação e eliminação do gás hidrogênio, mecanismos desempenhados por
uma pequena taxa de bactérias (Nava et al., 2012).
7
A bactéria Brachyspira pilosicoli é também constituinte da microbiota
intestinal, sendo anaeróbia e causadora de doença em grupos de indivíduos
susceptíveis, como portadores do vírus HIV e pessoas em condições de pobreza ou
falta de recursos para manutenção das condições básicas de higiene e saneamento.
De maneira interessante, B. pilosicoli desempenha papel diferenciado em relação a
espécies
como
Vibrio
cholerae,
Yersinia
enterocolitica,
Escherichia
coli
enteropatogênica e Shigella flexneri: é capaz de favorecer ou exacerbar os
mecanismos envolvendo a patogênese da primeira e inibindo determinantes gênicos
de adesão e invasão das três últimas (Naresh et al., 2009).
A maior parte dos contatos com antígenos no organismo humano ocorre em
regiões de mucosa. Quando observamos especificamente a mucosa intestinal, cuja
extensão de contato com o lúmen é várias vezes maior do que entre a pele e o
ambiente externo, notamos que grande quantidade de proteínas derivadas da
alimentação interage com esta mucosa, uma taxa média de 30 Kg por ano. Além
disso,
as
superfícies
das
mucosas
são
mais
permeáveis
a
antígenos,
comparativamente com a superfície corporal (revisado por Faria & Weiner, 2005).
O intestino humano abriga também o tecido linfoide mais extenso do
organismo, sendo distinguidas aproximadamente 10 12 células linfoides por metro de
intestino delgado. O número de células secretoras de imunoglobulinas localizadas
no intestino humano é consideravelmente maior do que em todas as outras regiões
do corpo humano (revisado por Weiner et al., 2012).
O papel da microbiota na gênese das DIIs pode ser demonstrado através da
exposição a antibióticos, na medida em que observamos um aumento na chance de
desenvolvimento destas patologias quando da utilização destes medicamentos,
particularmente se considerarmos as faixas etárias mais baixas e o uso de forma
recorrente. Estudos evidenciaram igualmente que o risco de estabelecimento de DIIs
diminuiu conforme o avanço da idade em que as exposições aos antimicrobianos
ocorreram, além do fato de que a utilização de polimedicação contribuiu mais
fortemente
para
o
aparecimento
da
sintomatologia.
Efeitos
epigenéticos
desencadeados por bactérias no sistema imune de mucosas na infância poderiam
influenciar mais decisivamente na resposta imunológica frente à doença na idade
adulta (revisado por Ponder & Long, 2013).
Interessante descrever, ainda, a temática da chamada “hipótese da higiene”,
segundo a qual taxas elevadas de DIIs estão diretamente associadas a ambientes
8
mais limpos, nos quais haveria maior consumo de fármacos (antibióticos), menor
número de animais domésticos e de criação para pecuária, número reduzido de
pessoas nas famílias e menor exposição a patógenos entéricos, como Helicobacter
pylori e helmintos. Até mesmo o acesso mais fácil à água quente nos domicílios e a
grande utilização de produtos sanitizantes estariam envolvidos no risco aumentado
de desenvolvimento de DIIs. Sintetizando esta hipótese, imaginemos que a ausência
de desafios ao sistema imunológico como um todo, sobretudo no ambiente intestinal,
parecem favorecer a ocorrência das DIIs (revisado por Ponder & Long, 2013).
Quatro mecanismos gerais estão envolvidos na explicação para as complexas
interações entre microrganismos e a ocorrência das DIIs: alteração ou desequilíbrio
da microbiota normal, indução de inflamação intestinal por patógenos ou por
bactérias comensais que possuem modificações em suas funções normais,
anormalidades genéticas do organismo humano no reconhecimento e tolerância à
microbiota comensal intestinal e respostas imunes deficientes. Todas estas
características conduzem a um aumento da apresentação de antígenos microbianos
a linfócitos T efetores e células do sistema imunológico inato presentes na mucosa
intestinal e podem alterar a resposta imune do hospedeiro frente a bactérias
comensais (revisado por Sartor & Mazmanian, 2012).
Estudos com roedores indicaram que uma mesma espécie microbiana pode
exercer efeitos distintos em diferentes linhagens destes mamíferos, além de
espécies bacterianas não semelhantes promoverem efeitos diversos em um único
hospedeiro susceptível. Assim, pode-se considerar que a disbiose seja uma
particularidade comumente encontrada em pacientes com DIIs, com diminuição
importante da diversidade microbiana, somada ao aumento das espécies que
representam maior potencial de risco para o hospedeiro (revisado por Sartor &
Mazmanian, 2012). Desta forma, como foco do presente trabalho, discutiremos, a
seguir, alguns aspectos do grupo bacteriano intestinal de nosso interesse, as
bactérias redutoras de sulfato, que foram sugeridas como potenciais agentes
indutores de colite ulcerativa (revisado por Paul et al., 2007).
1.3. Bactérias redutoras de sulfato na desregulação da mucosa intestinal
As bactérias redutoras de sulfato (BRS) pertencem a um grupo de organismos
anaeróbicos, morfológica e fisiologicamente diversos, que têm a habilidade de
9
reduzir sulfato a sulfeto. Essas bactérias podem ser encontradas em ambientes
naturais e industriais, mas também no trato digestivo de animais e humanos
(Postgate et al., 1984), e evidências apontam também para o envolvimento destes
seres em DIIs (Rowan et al., 2010). Como microrganismos ubíquos na natureza,
desempenham papel bastante relevante nos ciclos globais de carbono e enxofre
(revisado por Plugge et al., 2011).
Os microrganismos redutores de sulfato utilizam os íons sulfato (SO 4-2),
tiossulfato (S2O3-2), sulfito (SO3-2), ou mesmo enxofre livre (S) (Jørgensen & Bak,
1991) como aceptor final de elétrons na cadeia respiratória (Deplancke et al., 2003).
Este é um processo existente no catabolismo anaeróbio de substâncias, as quais
são capazes de fornecer energia (a exemplo de ácidos graxos de cadeia curta) ou
mesmo na eliminação de substratos orgânicos produzidos durante a respiração
anaeróbia, como o gás hidrogênio (H2) (Pitcher et al., 2000).
Esses processos catabólicos anaeróbios parecem ser cruciais no ambiente
intestinal, pois, bactérias anaeróbias podem sintetizar compostos que servem como
nutrientes para as células epiteliais da mucosa do cólon (ex.: n-butirato). Na colite
ulcerativa, a utilização desta molécula orgânica, através de sua oxidação pelas
células, está prejudicada (Pitcher et al., 2000). O n-butirato foi inclusive citado como
substância com importantes funções anti-inflamatórias e anticarcinogênicas (Jia et
al., 2012).
Existem relatos indicando que as várias espécies do gênero Desulfovibrio que
são capazes de se multiplicar, utilizando sulfato ou outros ânions oxidantes de
enxofre como aceptores de elétrons, possuem uma relativa tolerância ao ar
atmosférico. Por extensão, reduzindo oxigênio em água, pela doação de elétrons
efetuada por hidrogênio ou ácidos orgânicos, e finalizando com a produção de ATP,
estes seres seriam capazes de obter energia através de respiração aeróbica
(Fournier et al., 2003). Mais recentemente, foram encontrados, em bactérias da
espécie Desulfovibrio vulgaris, genes que possibilitam a expressão de enzimas que
reduzem o oxigênio, oxidases terminais tipicamente associadas a microrganismos
aeróbicos ou anaeróbios facultativos (Santana, 2008).
Evidências produzidas por estudos in vitro demonstram a capacidade que o
ácido sulfídrico (H2S) produzido por BRS tem de inibir seletivamente a oxidação do
n-butirato pelas células da mucosa do cólon, especialmente aquelas da parte distal.
O H2S apresentou ainda uma série de outros efeitos maléficos sobre a mucosa,
10
prejudicando igualmente o metabolismo das células intestinais de ratos em estudos
in vivo (Pitcher et al., 2000). Ainda, a inibição que o H2S produz na enzima citocromo
c oxidase, por ligação reversível ao grupo heme do citocromo aa3, impede a
realização de fosforilação oxidativa, processo fundamental na metabolização de
compostos (Deplancke & Gaskins, 2003). Há evidências de que as BRS interferem
na eliminação ou na modificação do metabolismo do sulfeto de hidrogênio presente
no intestino, o qual seria o grande responsável pelos sinais clínico-patológicos
(revisado por Rowan et al., 2009).
Microrganismos isolados a partir de amostras fecais são os que mais ajudam
a caracterizar a microbiota no conteúdo intestinal, especialmente no cólon. Esta
propriedade, entretanto, não pode ser considerada como padrão ou referência em se
tratando de bactérias associadas à mucosa. Em particular, espécies do grupo de
BRS foram identificadas por meio de técnicas moleculares nas mucosas do cólon
proximal e do reto (Nava et al., 2012).
O principal gênero do grupo de BRS em ambiente intestinal, especialmente no
cólon, é o Desulfovibrio. Uma das espécies constituintes, a Desulfovibrio
desulfuricans,
classifica-se
como
Gram-negativa,
apresentando
morfologia
curvilínea, mobilidade, metabolismo anaeróbio (mas que sobrevive em estado de
latência em locais com maior tensão de oxigênio), sendo portadora de uma enzima
redutase que é capaz de assimilar o sulfito gerado no intestino (Rowan et al., 2010).
Além das espécies do gênero Desulfovibrio se apresentarem como não
fermentadoras, elas são também caracterizadas pela presença do pigmento
desulfoviridina, capaz de ser detectado por teste rápido (Verstreken et al., 2012).
A espécie Desulfovibrio indonesiensis (Feio et al., 1998; Validation, 2000), um
isolado ambiental (Figura 3), possui a seguinte classificação taxonômica: reino
Bacteria, filo Proteobacteria, classe Deltaproteobacteria, ordem Desulfovibrionales,
família Desulfovibrionaceae e gênero Desulfovibrio (Dhia Thabet et al., 2007;
Encyclopedia of Life). Em estudo conduzido por Dhia Thabet e colaboradores
(2007), esta espécie foi considerada moderadamente halofílica, não utilizando
etanol, malato ou frutose como doadores de elétrons para fosforilação oxidativa,
nem enxofre elementar como aceptor final de elétrons na cadeia respiratória;
também não fermentou fumarato.
11
A
B
Figura 3. Desulfovibrio indonesiensis linhagem P23 (260.4 metros abaixo do solo do oceano).
Bactéria redutora de sulfato isolada de sedimento de solo nas profundezas do oceano. (A)
Microscopia de contraste de fase e (B) contrastação negativa e visualização por microscopia
eletrônica de transmissão. A seta branca indica o flagelo. Fichtel et al., 2012.
Uma característica de D. indonesiensis é sua habilidade em formar biofilme,
isto é, as células microbianas interagem entre si para formação de um
microambiente favorável ao seu crescimento. O biofilme representa uma
comunidade
minuciosamente
estruturada
produzida
por
inúmeras
espécies
bacterianas, as quais por si mesmas constituem seu principal componente. Tais
células se aderem a um substrato ou superfície e são envolvidas por uma matriz de
exopolissacarídeos. Para sua formação, é fundamental que o processo de adesão
ocorra, situação que acontece especialmente quando as células microbianas estão
vivas (viáveis) e em estado metabolicamente ativo (Korenblum et al., 2008).
No caso de espécies de Bacillus, são formadas projeções destas estruturas
para outros planos dimensionais, a partir de sua superfície (Korenblum et al., 2008).
Esta estrutura, que parece estar associada à superfície de mucosas, pode estar
desempenhando um papel na resistência de bactérias, inclusive em relação a
antibióticos (Fite et al., 2004). Assim, a formação de biofilme por determinadas
espécies bacterianas pode favorecer sua multiplicação exacerbada junto ao epitélio
intestinal e, ainda, acarretar aumento da produção de gás sulfídrico e desequilíbrio
da resposta imune.
Um relato de caso nos mostra que a espécie Desulfovibrio desulfuricans foi
descoberta, depois de muitos testes e avaliações experimentais, como sendo um
agente complicador do estado de saúde de uma paciente idosa. Esta bactéria foi
encontrada na corrente sanguínea da paciente, e as evidências apontam que este
fato foi possivelmente causado pelas complicações decorrentes de um quadro de
colite ulcerativa, agravada por infecção por citomegalovírus e associada a uma
imunossupressão desencadeada por transplante hepático. Entretanto, ainda não se
12
pode afirmar se as BRS são os agentes responsáveis pela gênese da colite
ulcerativa ou se elas se aproveitam de um estado debilitado do hospedeiro, portador
de complicações na mucosa, para, a partir deste sítio, estabelecerem uma migração
pela corrente circulatória, ocasionando quadro grave de bacteremia (Verstreken et
al., 2012).
Os dados que relacionam a presença de BRS em áreas de inflamação
intestinal em pacientes com colite e pacientes saudáveis são bastante variáveis;
segundo Fite e colaboradores (2004), que utilizaram a técnica de reação em cadeia
da polimerase (PCR) para avaliar amostras obtidas de biópsias destes indivíduos, a
presença de BRS não variou entre os dois grupos. A possível atividade patogênica
exercida por estes microrganismos nos casos de colite pode estar ligada a
diferenças fisiológicas e/ou filogenéticas entre as linhagens de espécies deste grupo
(Loubinoux et al., 2002). Não obstante, existe um número expressivo de evidências
que consideram a presença de BRS, incluindo bactérias do gênero Desulfovibrio
(Rowan et al., 2010), e seu produto metabólico H2S na patogênese de desordens
inflamatórias crônicas do cólon humano (Nava et al., 2012).
1.4.
Sistema imune de mucosas
Diversos componentes fazem parte da estrutura de barreira física capazes de
evitar a invasão de microrganismos residentes no cólon humano para tecidos
adjacentes. De forma geral, podemos destacar a participação central de uma
camada de muco, uma camada única de células epiteliais, que secretam peptídeos
antimicrobianos (ex.: defensinas), e a atividade de células e moléculas do sistema
imune, inatas e adaptativas, a exemplo de IgA (Figura 4) (revisado por Macpherson
& Harris, 2004).
13
Figura 4. Esquema demonstrativo dos componentes indutores e efetores da resposta imune
na mucosa intestinal. A entrada de bactérias comensais através de células M (seta) e a posterior
internalização por células dendríticas e macrófagos (circuladas em amarelo), resultam na interação
dessas células apresentadoras de antígenos com células T e B nas placas de Peyer, levando à
produção de IgA (em verde). Adaptado da revisão de Macpherson & Harris, 2004.
Bebês prematuros apresentam naturalmente uma microbiota intestinal
diferente daqueles nascidos em tempo normal, particularmente em decorrência da
utilização de antibióticos de amplo espectro e de um atraso no procedimento de
aleitamento materno. A aquisição de uma microbiota alterada pode então
comprometer o desenvolvimento da mucosa intestinal, bem como as funções imunes
em todo o corpo. Casos específicos de enterocolite necrosante podem estar
relacionados a estas características (Dimmitt et al., 2011).
O desenvolvimento e a função do sistema imune de mucosas está
diretamente relacionado à presença de microrganismos que colonizam estas regiões
(revisado por Randall & Mebius, 2014). Em estudos realizados com animais germfree (animais concebidos e mantidos livres de microbiota, seja comensal ou
patogênica), avaliou-se a importância da microbiota comensal na atividade do
sistema imune (Lamousé-Smith et al., 2011). Diversos aspectos que podem
comprometer o hospedeiro foram verificados, como diminuição dos níveis de IgA e
linfócitos intraepiteliais, das placas de Peyer, do tamanho e celularidade de
linfonodos mesentéricos, da resposta de células T e suscetibilidade alterada a
patógenos. Todos esses aspectos foram observados em virtude da ausência da
microbiota comensal (Dimmitt et al., 2011). Além desses defeitos morfológicos
14
linfoides, o epitélio intestinal também tem sua estrutura de microvilos, de proliferação
celular, e de glicosilação de proteínas da superfície luminal alterados em animais
germ-free (revisado por Round & Mazmanian, 2009).
Um ponto fundamental da imunidade de mucosas diz respeito ao
reconhecimento de produtos celulares e metabólicos de bactérias intestinais,
sinalizando, assim, para a diferenciação e recrutamento de respostas adaptativas
seletivas. Neste sentido, é interessante destacar um estudo que evidencia a
atividade de receptores do tipo Toll em animais germ-free. Essas proteínas, ao
reconhecerem produtos de bactérias que estabelecem uma relação de simbiose no
intestino humano, induzem a troca localizada específica das subclasses de IgA,
especialmente no sentido de produzir IgA2, processo tal que pode estar relacionado
com todo o reconhecimento imunológico da microbiota residente intestinal (revisado
por Round & Mazmanian, 2009). Estudos recentes mostraram também que animais
livres de germes apresentam deficiência na diferenciação de células Th17 no
intestino delgado, com desequilíbrio em favor de aumento de células T regulatórias
no cólon (Ivanov et al., 2009).
Nesse contexto, são interessantes as observações de que a reconstituição
desses animais com uma microbiota diversa que não contenha o filo Bacteroidetes
não recupera o equilíbrio Th17 - T regulatória (Ivanov et al., 2009), e que o ATP de
bactérias intestinais aumenta a produção colônica de IL-17, mas não de IFN-
(Atarashi et al., 2008). Além disso, as citocinas pró-inflamatórias TNF- e IL-13 se
mostraram envolvidas na facilitação da entrada de bactérias luminais em direção ao
epitélio intestinal (Schulzke et al., 2009).
A regulação do complexo sistema imune na região intestinal pode estar
atrelada a organismos conhecidos como probióticos, normalmente descritos como
dos gêneros Bifidobacterium e Lactobacillus. Estes grupos podem inclusive alterar
os componentes microbianos do microambiente intestinal (Bahrami et al., 2011).
Além disso, a obtenção de moléculas derivadas de probióticos ou de bactérias
entéricas protetoras pode ajudar na recuperação de pacientes com DIIs. Por
exemplo, em sua revisão, Rowland (2009) mostrou que os efeitos da administração
associada de probióticos e prebióticos conduziram a evidente mudança nos perfis de
função de barreira, atividade e proliferação de células do sistema imune e grau de
apoptose entre indivíduos.
15
Os componentes celulares são de extrema importância para a consolidação
da função de barreira intestinal e podem ser agrupados no nível imune de proteção,
que inclui células epiteliais e células imunes. Por outro lado, fatores não imunes
também estão presentes, e sem eles não haveria homeostase no microambiente
intestinal; relacionam-se neste segundo grupo elementos como motilidade, camada
de muco e secreção de água. A alta taxa de renovação celular, aliada à presença de
enterócitos, células caliciformes produtoras de muco, células entero-endócrinas
responsáveis pela produção de hormônios protéicos e células de Paneth envolvidas
na secreção de peptídeos antimicrobianos formam o arcabouço celular auxiliar na
manutenção da barreira epitelial intestinal. Considera-se também que as células
intestinais são capazes de expressar grande variedade de receptores de
reconhecimento de padrões, como os do tipo Toll e NOD (revisado por Martínez et
al., 2012).
Estudos metagenômicos correspondem ao processamento analítico de
genomas coletivos que estão presentes em ambientes ou ecossistemas definidos,
colaborando para o fornecimento de informações a respeito de aspectos funcionais
de bactérias não cultivadas. Análises realizadas através de sequenciamento
metagenômico de larga escala de grupos de indivíduos confirmaram diferenças
significativas na composição da microbiota intestinal entre pacientes saudáveis e
aqueles que sofriam de DIIs (revisado por Lepage et al., 2013). Desta forma, a
aplicação de métodos fundamentados em metagenômica para o conhecimento da
microbiota intestinal humana em casos de inflamação seria de grande importância
no sentido de examinar respostas microbianas em escala molecular que estariam
conduzindo ao quadro inflamatório (revisado por Loh & Blaut, 2012).
Em conjunto, esses dados indicam que mudanças ocorridas no padrão
microbiano intestinal podem conduzir a respostas imunes inadequadas, funcionando
como um gatilho para o aparecimento de colite (Rowan et al., 2010). Além disso,
mostram que peptídeos quimiotáticos, endotoxinas e produtos particulares do
metabolismo bacteriano, como ATP e sulfetos, são alguns dos possíveis
interferentes ligados à falha do epitélio da mucosa em atuar como barreira ao
microambiente luminal intestinal (Atarashi et al., 2008).
Um importante aspecto a ser destacado na relação da microbiota sobre a
mucosa intestinal diz respeito à modulação do conjunto de fatores da imunidade
regional no contexto da desregulação inflamatória presente nas DIIs. Embora
16
potencialmente contrabalanceadas pela presença local de células T regulatórias, o
processo imunopatológico envolvido nessas doenças parece ser coordenado por
células T e está associado com níveis aumentados de citocinas pró-inflamatórias,
como o TNF-, IFN- e IL-17, derivadas de células T CD4+ ou outras subpopulações
inflamatórias. Assim, respostas imunes inatas e adaptativas exageradas configuram
o aspecto patológico central em indivíduos que sofrem das duas principais DIIs, a
doença de Crohn e a colite ulcerativa. Nesse sentido, é observada uma clara
redução da tolerância aos organismos intestinais que estabelecem uma relação de
comensalismo com o hospedeiro humano (revisado por Xavier & Podolsky, 2007).
De fato, anticorpos reativos contra o epitélio intestinal do cólon foram
encontrados na corrente circulatória de alguns indivíduos com colite ulcerativa (Fuss
et al., 2004), e imunoglobulinas do tipo ANCA, que reagem contra antígenos no
citoplasma de granulócitos, foram encontradas em pessoas que sofrem de colite
(Santos, 2011). Além disso, resposta efetora celular e humoral contra tropomiosina
(particularmente contra hTM5, a isoforma do tipo V da tropomiosina humana) de
colonócitos tem sido apontada como envolvida na patogênese da inflamação
intestinal (Mirza et al., 2006).
Ainda, mecanismos imunológicos diferenciados, com aparente polarização de
resposta de células T, estão envolvidos nos quadros sintomáticos que se fazem
presentes na doença de Crohn e na colite ulcerativa. A doença de Crohn se
configura como uma situação mais grave, na qual pode ocorrer inclusive formação
de granuloma, na qual prevalecem respostas do tipo Th1. Já na colite ulcerativa, há
indícios de direcionamento para a resposta Th2, apesar de as concentrações de IL-4
e IL-5 apresentarem variações entre os pacientes. Entretanto, a participação de uma
clara dicotomia Th1/Th2 na patogênese dessas duas doenças não explica os níveis
mais complexos de regulação individual e conjunta das diversas citocinas
inflamatórias e regulatórias envolvidas (revisado por Müzes et al., 2012).
Diversas citocinas têm sido demonstradas como atores críticos dos processos
inflamatórios intestinais.
Destaque especial é
dado
aos componentes da
superfamília do TNF e das famílias de IL-1, IL-6, IL-12 e IL-17 tanto na doença de
Crohn como na colite ulcerativa. Quimiocinas também são definidas como grupos de
citocinas pró-inflamatórias críticas nessas entidades nosológicas, mas, em particular,
a IL-8 (ou CXCL8) se destaca como uma molécula bem definida na patogênese da
colite ulcerativa (revisado por Müzes et al., 2012).
17
A IL-8 é um importante componente da resposta imune inata, imediatamente
deflagrada em resposta a estímulos microbianos e outros, com potencial ativador e
quimiotático para neutrófilos (revisado por Hoffmann et al., 2002). Com capacidade
de se ligar à heparina, a IL-8 atua num primeiro momento como mediadora da
ativação de neutrófilos e, desta forma, possibilita a migração destas células, a partir
do sangue periférico, para o interior dos tecidos. Dados de um estudo em particular
revelaram que os níveis de IL-8 no tecido do cólon nos casos de colite ativa eram
mais elevados comparados ao tecido de pacientes sadios (revisado por Müzes et al.,
2012). Além disso, a concentração desta citocina no soro de pacientes com doença
ativa está diretamente relacionada com os achados histológicos e endoscópicos
relativos aos casos de colite ulcerativa severa. Tais eventos mostram que a IL-8
pode ser considerada como um importante indicador de atividade da doença
(Rodríguez-Perlvárez et al., 2012).
Por outro lado, a participação da IL-8 na patogênese da inflamação intestinal
não está completamente elucidada, com a literatura se referindo mais estreitamente
ao papel nos eventos de quimioatração de neutrófilos na resposta inicial a bactérias
comensais ou patogênicas em nível de mucosa regional. Entretanto, é importante
salientar a importância da integridade da barreira de mucosa no controle da
produção local de IL-8 em resposta a componentes microbianos. Nesse contexto,
dados sobre a secreção in vitro de IL-8 sugerem a existência de uma resposta
mediada por essa citocina independente da estimulação de TLR5 (toll-like receptor
5) por flagelina (proveniente de bactérias como Escherichia coli), quando a barreira
de mucosa está intacta. Por outro lado, a ruptura dessa barreira com consequente
exposição de TLR5 basolateral levaria a uma resposta mais importante de IL-8
(Subramanian et al., 2008).
1.5. A barreira epitelial intestinal: alterações estruturais das junções
celulares na inflamação intestinal
Propriedades da barreira epitelial são reguladas por estruturas de membrana
localizadas nas regiões apical e basolateral da camada celular (revisado por
Anderson & Van Itallie, 2009). Estas junções celulares especializadas são
encontradas nos contatos célula-célula em diferentes tecidos, mantendo a
polaridade funcional do epitélio e, nos intestinos, separando o conteúdo luminal
18
daquele que será internalizado pelos tecidos (revisado por Schneeberger & Lynch,
2004). Classificam-se em quatro grupos funcionais: 1) junções oclusivas (tight
junctions), que mantêm a união entre as células e previnem, inclusive, o
deslocamento de pequenas partículas através de camadas celulares; 2) junções
aderentes (adherens junctions), de ancoragem mecânica, que ligam a célula e seu
citoesqueleto às células vizinhas ou à matriz extracelular; 3) Desmossomos, que
realizam associação intercelular e se conectam a filamentos intermediários e 4)
junções comunicantes (gap junctions), que permitem a passagem de solutos e
moléculas sinalizadoras diretamente através dos citoplasmas de células adjacentes
(Alberts et al., 2002).
Figura 5. Estrutura detalhada do complexo de junções existentes entre as células. Note que
as junções oclusivas ou tight junctions estão localizadas na porção mais apical deste complexo,
exercendo papel essencial na função de barreira tecidual. Imagem retirada do site
http://biologiacelularufg.blogspot.com.br/2011/05/juncoes-celulares.html em 13/09/2013.
As estruturas que se destacam na composição deste complexo são as
chamadas junções oclusivas (tight junctions), presentes na região mais apical das
estruturas juncionais intercelulares (revisado por Sawada, 2013), sendo constituídas
por diversas proteínas transmembranares (ocludina, JAMs – junction adhesion
molecules – e claudinas) e citosólicas (ZO-1,-2 e -3) (revisado por Utech et al.,
2010). Subjacente às junções oclusivas, completando a estruturação do complexo
juncional apical e mantendo a integridade do mesmo, encontram-se as junções
aderentes; essas são também compostas por uma proteína transmembranar (Ecaderina) e proteínas citosólicas (cateninas) (revisado por Laukoetter et al., 2006).
Funcionalmente, as junções oclusivas (Figura 5) desempenham atividades
reguladoras do movimento de fluido e de solutos do lúmen intestinal (como água e
19
aminoácidos) para sua absorção pelo organismo, o que configura um transporte
conhecido como paracelular (revisado por Laukoetter et al., 2008). Assim, elas têm
um
papel
fundamental
na
manutenção
dos
gradientes
de
concentração
compartimentalizados no tecido intestinal. Além disso, a estrutura de barreira do
complexo juncional apical é fundamental para prevenir a entrada sistêmica de
componentes da microbiota, patógenos e toxinas presentes no lúmen intestinal
(revisado por Suzuki, 2013). Canais iônicos não convencionais estão posicionados
juntos a estas junções, permitindo movimentos paracelulares de íons (Tang &
Goodenough, 2003).
Diferentemente do transporte do tipo paracelular, no transporte transcelular
estão presentes proteínas carreadoras, distribuídas de maneira não uniforme ao
longo da membrana plasmática de células epiteliais, como aquelas que absorvem
nutrientes disponíveis no meio intestinal (revisado por Anderson & Van Itallie, 2009).
Transportadores dependentes de sódio (Na +) são comuns nestas células, e estão
presentes no domínio apical da membrana, sendo responsáveis pelo transporte ativo
de íons e outros compostos para o interior celular. Ao realizar esta função, tais
proteínas transportadoras induzem a formação de gradiente de concentração destes
elementos através da membrana, contribuindo para a manutenção do equilíbrio
osmótico celular. Em contraste, nos domínios basal e lateral da membrana, existem
transportadores Na+- independentes, que permitem trânsito passivo de substâncias
para o meio extracelular (Alberts et al., 2002).
As células epiteliais possuem duas diferentes regiões, que são determinadas
pela constituição das membranas celulares nos domínios apical e basolateral. A
composição protéica e lipídica é variável neste contexto, condição que proporciona
funcionalidades distintas exercidas por estes dois domínios. Para impedir que
moléculas de determinada região migrem para a adjacente, as TJs se estruturam de
modo a margear continuamente o pólo celular apical, representando uma barreira
em forma de cerca. Quando ocorre alguma falha no controle desta atividade, a
entrada e saída de elementos ocorrem irregularmente, influenciando na polaridade
celular e possivelmente se tornando um mecanismo importante para o início do
processo canceroso no ambiente intestinal. Entre as proteínas presentes nas TJs, a
ocludina é a mais expressamente distribuída na porção mais superior da membrana
basolateral (revisado por Sawada, 2013).
20
A proteína ocludina estrutura-se integralmente na membrana plasmática
celular
e
auxilia
na
manutenção
das
TJs,
possuindo
quatro
domínios
transmembranares na região N-terminal (que dividem a molécula inteira em cinco
regiões ou domínios) e um longo domínio citoplasmático correspondente ao Cterminal, que é chamado de domínio E (formado por 255 aminoácidos, os quais
representam a maioria das estruturas carregadas eletrostaticamente da proteína).
Desta sequência, observou-se que os 150 aminoácidos finais (aproximadamente)
são fundamentais no estabelecimento do local preciso aonde a proteína irá se inserir
no conjunto das TJs. Nos domínios que se localizam na porção extracelular
(domínios B e D), foram encontradas altas taxas dos aminoácidos tirosina e glicina.
Esta proteína é considerada o marcador imunohistoquímico mais confiável para as
TJs (Furuse et al., 1994).
Considerando a proteína ZO-1, verifica-se que pertence a uma família
protéica conhecida como MAGUKs, correspondente às estruturas homólogas à
enzima guanilato quinase associadas à membrana (membrane-associated guanylate
kinase homologs). Ela interage com a proteína transmembranar ocludina (também
pertencente à família das MAGUKs), ZO-2 e F-actina (Figura 6). Revelou-se, através
de estudos in vitro e in vivo, que tanto ZO-2 quanto ocludina interagem com
domínios específicos na porção N-terminal de ZO-1, enquanto que a porção Cterminal de ZO-1 estabelece ligações com F-actina, importante componente do
citoesqueleto celular. Sugere-se assim que uma das atividades essencialmente
desempenhadas por ZO-1 consista na organização dos componentes das TJs, além
de promover sua ligação ao citoesqueleto (Fanning et al., 1998).
21
Figura 6. Composição molecular das junções oclusivas (parte superior) e algumas das
moléculas que constituem as junções aderentes (parte inferior). Imagem retirada da revisão de
Förster, 2008.
Nos estudos sobre a inflamação intestinal, a desregulação da integridade da
barreira juncional tem sido associada diretamente ao processo inflamatório (revisado
por Mankertz & Schulzke, 2007). Nesse sentido, a presença de quadros de diarreia
em pacientes com doença inflamatória intestinal parece resultar da desordem
estrutural protéica relacionada com as junções oclusivas (revisado por Sawada,
2013). Um exemplo desse processo de desregulação foi sugerido na colite
ulcerativa, onde falhas funcionais no controle epitelial do fluxo de pequenos cátions
estariam associadas a um aumento da expressão de claudina-2 (revisado por
Laukoetter et al., 2008).
Foi demonstrado que células epiteliais deficientes na expressão da proteína
ocludina seriam ainda capazes de manter a estrutura em forma de fita que é
característica das junções oclusivas. No entanto, quando ocorre expressão de
claudina-2, verifica-se uma correlação com a redução da resistência transepitelial.
Assim, sugere-se que esta proteína contribui para a consolidação de canais
paracelulares seletivos de cátions nas junções de células epiteliais, favorecendo um
descontrole do fluxo destes íons, diminuindo a resistência epitelial por efeito
paracelular (Amasheh et al., 2002).
22
Situações de permeabilidade intestinal elevada estão relacionadas com uma
extensa gama de doenças, como as de caráter auto-imune, inflamatórias e também
nos casos de doenças atópicas, relevantes pela reação alérgica provocada pela
ativação de IgE (revisado por Leite et al., 2007). Observa-se nas patologias
caracterizadas por processos inflamatórios ou naquelas em que disfunções autoimunes estão envolvidas, como doença celíaca e diabetes tipo I, a redução da
integridade da barreira celular epitelial intestinal. Em pacientes acometidos por
diabetes mellitus do tipo I ocorre aumento na permeabilidade intestinal na região do
intestino delgado (revisado por Ulluwishewa et al., 2011).
Além disso, a contínua atuação do sistema imunológico na mucosa intestinal,
conduzindo a um aumento da permeabilidade paracelular, através de atuação
decisiva de IL-13, tem sido sugerida como uma importante desordem inicial nesses
pacientes (revisado por Laukoetter et al., 2008). É interessante notar que a
diminuição da expressão de proteínas de junções oclusivas e aderentes foi
observada em áreas diretamente afetadas pela presença de neutrófilos na mucosa
colônica inflamada de pacientes com colite ulcerativa e doença de Crohn (Kucharzik
et al., 2001).
Embora essas alterações estivessem diretamente relacionadas às áreas de
migração transepitelial de neutrófilos, a expressão de ocludina mostrava-se alterada
em áreas não-inflamadas, o que poderia estar contribuindo para mais extensa
perturbação da função de barreira epitelial intestinal (Kucharzik et al., 2001).
Entretanto, o efeito regulatório da inflamação intestinal sobre proteínas juncionais
apresenta um padrão bastante complexo (Weber et al., 2009), como pode ser
verificado pela expressão diferencial de claudinas frente a diferentes estímulos
(Prasad et al., 2005).
Diversos estudos revelam que patógenos e bactérias comensais intestinais
têm a capacidade invasiva associada diretamente à modulação da expressão de
proteínas do complexo juncional ou, ainda, indiretamente através da ação de
citocinas pró-inflamatórias, como o IFN- e o TNF-, que também diminuem a
expressão e alteram a redistribuição dessas proteínas (revisado por Laukoetter et
al., 2006). Nesse sentido, a E-caderina, que está ativa em áreas de inflamação,
parece ser inibida por bactérias causadoras de colite, como a E. coli invasiva; e
JAM-A tem sua expressão diminuída em pacientes com doença inflamatória
23
intestinal, assim como camundongos deficientes nessa molécula mostraram-se mais
suscetíveis à colite quimicamente induzida (revisado por Henderson et al., 2011).
Em outro exemplo, E. coli com baixa capacidade invasiva parece aproveitar a
ruptura da barreira intestinal, provocada por desestruturação das junções oclusivas
mediadas pelo IFN-, para entrar em tecido colônico (Clark et al., 2005). Por outro
lado, organismos comensais e a imunidade de mucosa parecem estar também
envolvidos na manutenção da integridade da barreira intestinal. De fato, diversos
trabalhos indicam que a regulação da formação do complexo juncional no epitélio
intestinal pode ser mediada por sinalização via TLR2, um receptor de componentes
bacterianos, tais como lipopeptídeos e peptideoglicanos (revisado por Cario, 2008).
Exemplos de como infecções por microrganismos podem levar a distúrbios na
polaridade das células epiteliais incluem o fenômeno produzido pela toxina CagA de
Helicobacter pylori, que promove um aumento na permeabilidade paracelular nos
enterócitos através da inativação da enzima Par1/MARK quinase e a digestão de
proteínas
constituintes
das
junções
oclusivas
pelo
conjunto
enzimático
hemaglutinina-protease (além de alterações na organização de actina induzidas pela
toxina de zonula occludens), ambas produzidas por Vibrio cholerae. Alterações de
aminoácidos promovidas por toxinas de Clostridium diphtheriae, Clostridium difficile
e Escherichia coli enteropatogênica na atividade de Rho causam colite severa,
sendo que esta última espécie tem a habilidade adicional de induzir fosforilação da
cadeia leve de miosina, o que resulta em diarreia (Sawada, 2013).
É interessante ressaltar que formulações probióticas parecem ajudar a manter
a estabilidade da barreira intestinal em modelos murinos aplicados à colite, além de
reduzir a permeabilidade intestinal de pacientes com doença de Crohn. Estudo in
vitro contemplando o tratamento de células epiteliais com E. coli Nissle 1917, um
probiótico comumente utilizado, isolado a partir de material fecal, conduziu a um
aumento na expressão da proteína ZO-2 e de sua redistribuição a partir do citosol
em direção à periferia das células, ocorrendo o mesmo fenômeno para uma série de
outras proteínas juncionais na relação com diversos microrganismos. Quando
empregadas espécies do gênero Lactobacillus em células Caco-2, verificou-se
aumento na transcrição gênica de ocludina, sugerindo que efeitos interferentes no
material genético podem igualmente estar presentes nesta dinâmica (revisado por
Ulluwishewa et al., 2011). Em conjunto, esses dados revelam a complexidade da
interação da mucosa intestinal com a microbiota comensal e patógenos. Assim,
24
visando melhor entendimento do papel de bactérias redutoras de sulfato do gênero
Desulfovibrio na disfunção da barreira epitelial intestinal, utilizamos o modelo de
células epiteliais intestinais in vitro.
O cultivo celular é uma importante ferramenta e possui ampla aplicação na
pesquisa básica e aplicada. Apesar de culturas primárias agregarem valor
inestimável para a pesquisa, os procedimentos de aquisição de células isoladas são,
em geral, difíceis e de baixo rendimento. Em particular, culturas primárias
provenientes do epitélio intestinal humano são de difícil manutenção, pois uma vez
removidas de seu microambiente, apresentam viabilidade limitada (Rocha & Whang,
2004). Frente às dificuldades do modelo de cultura primária, as linhagens celulares
têm sido amplamente aplicadas em pesquisa (Kovacs-Simon et al., 2014). Embora
este arranjo seja reducionista e possa não representar integralmente os parâmetros
do microambiente, o modelo in vitro de epitélio intestinal tem sido fundamental no
entendimento da biologia de interação com patógenos e estudos farmacocinéticos
(Qin et al., 2014).
Desta forma, utilizamos a célula Caco-2, proveniente de adenocarcinoma de
cólon humano, em nosso modelo de interação célula epitelial intestinal – BRS. As
células da linhagem Caco-2 formam monocamadas polarizadas em cultura e se
diferenciam em células com alta homologia a enterócitos no epitélio intestinal
(revisado por Rousset, 1986). Além disso, as células Caco-2 são amplamente
utilizadas como modelos de estudo da funcionalidade de barreira epitelial intestinal
(Agrawal et al., 2013) frente à infecção com agentes patológicos (Ghosal et al.,
2013), uma vez que se caracterizam pela intensa formação de junções oclusivas
(Hidalgo et al., 1989). Portanto, acreditamos que o estudo da interação com D.
indonesiensis e seus produtos podem revelar aspectos modulatórios particulares da
imunidade da mucosa intestinal, incluindo-se a manutenção do complexo juncional
da barreira epitelial intestinal, e seu possível papel na desregulação observada na
patogênese das doenças inflamatórias intestinais.
25
2. OBJETIVOS
Neste projeto, temos os seguintes objetivos:
2.1. Objetivo geral
Investigar a influência de Desulfovibrio indonesiensis, bactéria redutora de
sulfato, sobre a regulação da barreira epitelial e sobre a produção de IL-8 pelo
epitélio intestinal de cólon, utilizando-se de abordagem in vitro do processo de
interação entre D. indonesiensis e a linhagem de células Caco-2.
2.2. Objetivos específicos
2.2.1. Padronizar as condições de interação de células epiteliais Caco-2 com
D. indonesiensis, investigando a integridade das junções oclusivas das células após
interação in vitro com esta espécie microbiana;
2.2.2. Investigar a produção de IL-8 por células Caco-2 durante interação in
vitro com D. indonesiensis.
26
3. MATERIAIS E MÉTODOS
3.1. Cultivo de Desulfovibrio indonesiensis
As culturas de D. indonesiensis foram cedidas pela Dra. Cláudia Coutinho, do
Laboratório de Inovações em Terapias, Ensino e Bioprodutos (LITEB), e foram
recuperadas e isoladas a partir de áreas em corrosão de casco de navio, que se
mantinham em contato com a água do mar. Estas bactérias redutoras de sulfato
foram cultivadas em meio de cultura VMNI, constituído de Fosfato de Potássio
Monobásico 3,67mM; Sulfato de Sódio decaidratado 31,7mM; Cloreto de Amônio
18,7mM; Citrato de Sódio 1,16mM; Cloreto de Sódio 154mM; Cloreto de Cálcio
diidratado 0,27mM; Sulfato de Magnésio heptaidratado 0,24mM; Sulfato Ferroso
heptaidratado 1,8mM; casaminoácidos 2,0g/L; Triptona 2,0g/L; Tioglicolato de Sódio
1,08mM; solução de Lactato de Sódio 50% 32,1mM; 1mL/L de solução de vitaminas;
1mL/L de elixir mineral de Wolfe modificado, pH 7,4.
A solução de vitaminas é constituída de Vitamina C 0,5678mM; Vitamina B3
0,004mM; Vitamina B1 0,002mM; Vitamina B12 0,0000369mM; Vitamina B2
0,0005314mM; Vitamina B5 0,0027mM; Vitamina B6 0,0035mM; Vitamina H
0,00004093mM. O elixir mineral de Wolfe modificado é constituído de Ácido
Nitrilotriacético 7,847mM; Sulfato de Magnésio heptaidratado 12,177mM; Sulfato de
Manganês II monoidratado 2,96mM; Cloreto de Sódio 17,11mM; Sulfato Ferroso
heptaidratado 0,36mM; Sulfato de Cobalto II heptaidratado 0,3557mM; Cloreto de
Níquel II Hexaidratado 0,4208mM; Molibdato de Sódio diidratado 0,041mM; Selenito
de Sódio 0,0057mM.
Este meio nutritivo foi acondicionado em frascos com capacidade para 10 mL
e posteriormente purgado com nitrogênio gasoso para retirada de gás oxigênio,
proporcionando as condições anaeróbias necessárias ao crescimento desse grupo
de bactérias. As bactérias foram repicadas semanalmente na densidade de 10 6/mL
em meio VMNI. Nos ensaios de interação, as bactérias utilizadas possuíam 24h de
cultivo, apresentando cerca de 107 células/mL; este número foi obtido através da
contagem do número mais provável (NMP), técnica na qual se realizam diluições
sucessivas das suspensões bacterianas, seguida do cálculo do valor por densidade
óptica (DO).
27
3.2. Cultivo celular
A linhagem de células Caco-2, derivadas de um adenocarcinoma do cólon
humano (ATCC HTB-37TM), foi cultivada em frascos de cultura de 75 cm2, contendo
meio DMEM com 4,5 g∕L de glicose (DMEM alta glicose; GIBCO) e suplementado
com 10% de soro fetal bovino (SFB, Sigma Chemical Co.), sendo os frascos
mantidos a 37 ºC em atmosfera de 5% de CO 2. Para repique semanal das culturas,
o meio de nutritivo foi removido e a monocamada de células lavada por 3x com
solução salina tamponada de fosfato (PBS), pH 7,4. Em seguida, as culturas foram
submetidas à dissociação enzimática com tripsina 0,01% e EDTA 0,01%, pH 7,2, em
PBS por 3-5 minutos a 37 ºC. As células isoladas foram recolhidas em meio DMEMalta glicose suplementado com SFB, lavadas em meio nutritivo e o número total de
células foi determinado por quantificação em câmara de Neubauer ao microscópio
de luz. Em seguida, as células isoladas foram semeadas em frascos de cultura
(75cm2), placas de 24 poços, placas de Petri de 60 mm ou membranas de
policarbonato dos insertos (12 mm x 0,4 µm) do sistema Transwell® (Costar),
dependendo do ensaio experimental a ser realizado.
A escolha do modelo celular está relacionada com a similaridade desta
linhagem em relação às características fisiológicas do epitélio intestinal do cólon in
vivo.
3.3. Interação Desulfovibrio indonesisensis - célula epitelial intestinal
Células Caco-2 foram semeadas em placas de 24 poços, contendo lamínulas
de vidro de 13 mm ou em inserto com membrana de policarbonato, na densidade de
2x105 células/mL. Para ensaios bioquímicos, as células foram semeadas em placas
de cultura de 60 mm na densidade de 2x10 6 células/placa. Após quatro dias de
cultivo e alcance de 100% de confluência, as células Caco-2 interagiram com D.
indonesiensis, na proporção de 10:1 bactérias/célula hospedeira, a 37 ⁰C, em
atmosfera de 5% CO2. As bactérias livres no sobrenadante das culturas foram
removidas após 3h de interação e a cinética de interação foi interrompida após 24h e
48h. As culturas foram processadas de acordo com o ensaio experimental realizado
(ensaio bioquímico e microscopia de fluorescência ou eletrônica de varredura). Em
alguns ensaios, a interação foi realizada em meio DMEM-alta glicose acrescido de
28
Sulfato de Sódio decaidratado 31,7mM, Sulfato de Magnésio heptaidratado 0,24mM,
Sulfato Ferroso heptaidratado 1,8mM, casaminoácidos 2,0g/L, Triptona 2,0g/L,
1mL/L de solução de vitaminas e 10% SFB, sendo considerado como meio
suplementado com sais sulfatados. Todos os experimentos foram realizados no
mínimo de 3 ensaios independentes.
3.4. Ensaio de viabilidade bacteriana
A presença de D. indonesiensis ativa foi verificada pelo ensaio de
recuperação, no qual o gás sulfídrico, produzido por bactérias recolhidas do
sobrenadante da cultura (3 horas de interação) e dos extratos celulares (24 e 48
horas de interação), foi detectado. Os extratos celulares foram obtidos pela
dissociação das células Caco-2 com tripsina e ácido etilenodiamino tetra-acético
(EDTA). Em seguida, os sobrenadantes (3h) e extratos celulares (24h e 48h) foram
inoculados em meio VMNI e qualitativamente avaliados após 24h de cultivo, através
da purgação dos frascos de cultura com gás nitrogênio. A liberação do gás sulfídrico
foi evidenciada pela impregnação a papel contendo acetato de chumbo.
3.5. Imunofluorescência indireta
Células Caco-2 controles ou após interação com D. indonesiensis, crescidas
em lamínulas de vidro, foram processadas para detecção de proteínas das junções
oclusivas. Após lavagem em PBS, as culturas foram fixadas por 20 min a 4 °C com
4% de paraformaldeído (PFA) em PBS, pH 7,2. Após fixação, as células foram
lavadas 3x por 10 min em PBS e permeabilizadas com 0,5% de Triton X-100 (Sigma)
por 3x 10 min. Em seguida, as culturas foram lavadas em PBS pH 7,2 e incubadas
com PBS contendo 4% de BSA (PBS/BSA) para bloqueio de grupamentos
aldeídicos livres. Posteriormente, as culturas foram incubadas “overnight” a 4 ºC com
anticorpos primários anti-ocludina (1:200, Zymed Laboratories, Inc.) ou anti-ZO-1
(1:200, BD Biosciences). Após incubação com os anticorpos, as culturas foram
lavadas por 3x 10 min em PBS/BSA e incubadas por 1h a 37 ºC com anticorpo
secundário anti-IgG de camundongo-Alexa 488 (1:200, InvitrogenTM) ou anti-IgG de
coelho-Alexa 488 (1:1000, InvitrogenTM). O núcleo das células hospedeiras e DNA
bacteriano foram evidenciados com 10 μg/mL de 4,6-diamidino-2-fenilindol (DAPI,
29
Sigma), corante de DNA.
As lamínulas foram montadas em 2,5% de 1,4-
diazabiciclo-(2,2,2)-octano-trietilenodiamina (DABCO) em PBS contendo 50% de
glicerol e seladas com esmalte incolor. As amostras foram observadas ao
microscópio Axioplan Zeiss Axiovert 100 (Zeiss) com iluminação colibri e sistema
Apotome. O controle negativo da reação foi realizado na ausência do anticorpo
primário.
3.6. Análise ultraestrutural
Células Caco-2 controles e após interação com D. indonesiensis, crescidas
em lamínulas de vidro, foram lavadas em PBS e fixadas por 1h a 4 ºC em 2,5%
glutaraldeído (GA) em tampão cacodilato 0,1M contendo 3,5% de sacarose, pH 7,2,
e pós-fixadas por 1h a 4ºC em 1% de tetróxido de ósmio (OsO4) em tampão
cacodilato 0,1M, pH 7,2 com 3,5% de sacarose. Após lavagem em tampão
cacodilato 0,1M, pH 7,2, as culturas foram desidratadas em série crescentes de
acetona (30%-100%) e secas pelo método de ponto crítico, onde ocorre substituição
de acetona por CO2, no equipamento de ponto crítico Balzer, modelo CPD030. Em
seguida, as lamínulas contendo as células foram aderidas a um suporte metálico
com fita dupla-face de carbono (Nisshin Em. Co. Ltd., Japão) e metalizadas com
ouro (20 nm de espessura) no equipamento de metalização (Balzer MED 010). Após
metalização, o material foi observado ao microscópio de varredura JEOL – JSM
6390 LV da Plataforma de Microscopia Eletrônica do Instituto Oswaldo Cruz.
3.7. Extração de proteínas
Células Caco-2 foram cultivadas em placas de 60 mm na densidade de 2x10 6
células/placa. Em 4 dias de cultivo, tempo no qual a cultura alcança confluência, as
culturas controles e após interação com D. indonesiensis (24h e 48h) foram
processadas para extração de proteínas totais. As placas de cultura foram colocadas
no gelo, lavadas por 3x em PBS gelado e as proteínas extraídas com tampão de lise
(Tris-HCl 50 mM, NaCl 150 Mm,1% Triton X-100, pH 6,8,) contendo inibidores de
protease (PMSF 1 Mm, aprotinina 1 µg/ml, fenantrolina 2,5 µM, leupeptina 10 µM e
pepstatina 5 µg/ml). As amostras foram estocadas a -20 °C.
30
3.8. Dosagem de proteínas
As amostras protéicas foram dosadas segundo método de Lowry e
colaboradores (1951). Após 40 min de incubação com reagente de Folin, a leitura
foi efetuada em espectrofotômetro (GeneQuant 1300 – GE) com filtro de 590nm. A
concentração de proteínas das amostras foi determinada com base na DO das
amostras e da curva padrão obtida com albumina de soro bovino (estoque a 1
mg/mL) nas concentrações de 5, 10, 15 e 20 μg/mL.
3.9. SDS-PAGE e Western blot
Um total de 40µg de proteínas foi separado eletroforeticamente em gel de
poliacrilamida (10%) e transferidas para membrana de nitrocelulose a 15 V por 50
min, utilizando cuba de transferência semi-seca (BioRad). Em seguida, as
membranas foram bloqueadas por 1h a 22 °C com PBS contendo 5% de leite
desnatado Molico e 0,1% de Tween 20 e incubadas “overnight” a 4 ºC com o
anticorpo anti-ocludina (1:5000; Zymed Laboratories, Inc.). Após lavagem em
solução de bloqueio, as membranas foram incubadas com anticorpo anti-IgG de
coelho conjugados a peroxidase (1:20000; Thermo Scientific) e reveladas pelo
método de quimioluminescência (Pierce). Anticorpo anti-GAPDH (1:50000; Ambion)
foi utilizado como controle interno. A quantificação dos níveis protéicos foi realizada
por densitometria das bandas com o auxílio do programa Image J.
3.10. Resistência elétrica transepitelial
Células Caco-2 foram cultivadas em membranas de policarbonato Transwell
(Costar) na densidade de 2 x 105 células/inserto. Após 100% de confluência (4 dias
de cultivo), culturas controles e após interação com D. indonesisensis (3h, 24h e
48h) foram submetidas à análise de resistência elétrica transepitelial (RET). A RET
foi mensurada utilizando-se o eletrodo Endohm (WPI, Inc.), conectado a um sistema
de resistência elétrica Millicell-ERS (Millipore) (Figura 7). A medida da RET foi
realizada em triplicata e, desta forma, foram obtidos os valores de resistência média
(Rm). Subtraiu-se a Rm do valor da resistência de uma membrana sem células
(branco; Rb). O resultado foi então multiplicado pela área da membrana (0,33 cm2),
31
sendo expresso na seguinte fórmula: RET = (Rm-Rb) x 0,33, na qual RET é medida
em Ω.cm². A RET de todas as membranas foi medida antes e depois da interação
com D. indonesiensis.
A
B
Figura 7. Análise da resistência elétrica transepitelial (RET) pela disposição dos insertos
contendo membranas Transwell® no eletrodo Endohm (A) e posterior verificação da resistência
elétrica pelo sistema Millicell-ERS (B).
3.11. Análise da produção de IL-8 por citometria de fluxo
Células Caco-2 foram cultivadas em placas de 60 mm na densidade de 2x10 6
células/placa. Em 4 dias de cultivo, as culturas controle e que interagiram com D.
indonesiensis (24h e 48h) foram lavadas por 3x com solução salina tamponada de
fosfato (PBS), pH 7,4. Em seguida, as culturas foram submetidas à dissociação
enzimática com tripsina 0,01% e EDTA 0,01%, pH 7,2, em PBS por 10-15 minutos a
37 ºC. As células foram então separadas e individualizadas mecanicamente através
da passagem das mesmas por agulha (0,55mm X 20mm), após sucção realizada
com seringa de insulina de 1 mL.
Quando individualizadas, a suspensão de células foi recolhida e adicionada a
5 mL de meio DMEM-alta glicose suplementado com SFB, com ou sem a adição de
componentes sulfatados, hidrolisados protéicos e solução de vitaminas. Centrifugouse as suspensões a 1200 rpm por 5 min, seguido de ressuspensão em 2 ml de PBS
+ 0,5% BSA. Depois de nova lavagem em PBS + 0,5% BSA, efetuou-se a fixação
das amostras com PFA 4%, por 20 minutos, a 4°C. Para as amostras de interação
por 24 horas, após a fixação, as células foram lavadas duas vezes em PBS + 0,5%
BSA, ressuspensas na mesma solução e conservadas em geladeira (4°C) por 24
32
horas; em seguida, as células foram centrifugadas e ressuspensas em solução
Perm/Wash (BD Biosciences), contendo saponina, por 15 minutos. Para as amostras
de interação por 48 horas, após fixação e lavagens (conforme acima), as células
foram diretamente ressuspensas em solução Perm/Wash, por 15 minutos.
As amostras fixadas e permeabilizadas foram então distribuídas em placas de
96 poços, centrifugadas, ressuspensas em 10 µL de PBS + 0,5% BSA, para
utilização na configuração da aquisição em citômetro de fluxo, ou ressuspensas no
mesmo volume de uma solução diluída 1:4 do anticorpo monoclonal anti-IL-8-FITC
(BD Pharmingen) em solução Perm/Wash. Para controle da marcação de isotipo,
amostras foram também diluídas em idêntica concentração de anti-IgG-FITC (BD
Pharmingen). Após homogeneização manual da placa, a mesma foi incubada em
geladeira por 30 minutos. Em seguida, as células foram lavadas por duas vezes com
solução Perm/Wash e, finalmente, ressuspensas em 200 µL de PBS, sendo
conduzidas em gelo para aquisição em citômetros de fluxo FACSCalibur ou
FACSCanto (BD Biosciences). Os dados obtidos foram analisados pelos softwares
Summit (Dako Cytomation) e BD FACSDiva (BD Biosciences).
As análises foram realizadas a partir de 10.000 eventos adquiridos por
amostra em região delimitada a partir dos parâmetros FSC x SSC (Figura 8),
respectivamente indicativos do tamanho e granulosidade/complexidade das células
da amostra. Análise de células dessa região permitiu a definição do percentual de
células positivas para a marcação com anticorpo anti-IL-8 (Figura 8), tendo como
controle negativo a intensidade de fluorescência obtida a partir de imunomarcação
com IgG não relacionada. Além disso, análises estatísticas dessas mesmas células
geraram os dados de intensidade média de fluorescência (MFI; do inglês mean
fluorescence intensity); esse valor corresponde ao canal equivalente à média da
fluorescência do total de células analisadas em cada grupo, indicando a
quantificação relativa da produção de IL-8 por célula. Além disso, em função de
variações na intensidade de fluorescência do controle de isotipo nos experimentos
envolvendo adição de sais sulfatados no meio de interação, calculamos um índice
MFI. Esse índice foi obtido com os dados de MFI da marcação com anti-IL-8 em
relação aos dados de MFI dos respectivos controles de isotipo para cada grupo
experimental, segundo a fórmula:
33
.
Figura 8. Análises das informações obtidas por citometria de fluxo foram realizadas a partir
da construção de um gráfico do tipo “dot plot“ (gráfico à esquerda), que representa o padrão de
distribuição das células de acordo com a dispersão frontal ou lateral da luz incidente (laser 488 nm),
indicadas pelos eixos X (FSC; do inglês forward scatter) e Y (SSC; do inglês side scatter),
respectivamente. A partir da delimitação de área homogênea da população analisada (R1), foi gerado
um histograma unidimensional (gráfico à direita) correspondente à intensidade de fluorescência
exibida por células dessa região. A imunomarcação com controle de isotipo (não mostrado) serviu de
parâmetro para a delimitação da área positiva (R2) para a imunomarcação de IL-8.
34
4. RESULTADOS
4.1. Interação D. indonesiensis - Caco-2: a integridade das junções
oclusivas
Para avaliar o efeito da interação de Desulfovibrio indonesiensis com a
linhagem de células epiteliais de cólon humano (Caco-2) sobre a integridade das
junções oclusivas intercelulares e, consequentemente, estabelecer relação com a
funcionalidade da barreira celular epitelial no cólon, culturas de células Caco-2 foram
cultivadas na densidade de 2x105 células em lamínulas de vidro dispostas em placas
de 24 poços e mantidas em meio nutritivo a 37 ⁰C até atingirem 100% de confluência
(4 dias). A observação das monocamadas celulares nestas condições, por
microscopia de contraste diferencial interferencial (DIC), revelou um perfil
morfológico poliédrico, com núcleos grandes e centrais (característicos de células
epiteliais), tamanhos celulares relativamente semelhantes e intensa associação
intercelular (Figura 9).
Inicialmente, avaliamos se o alcance de confluência da monocamada e
aparente coesão entre células adjacentes correspondiam à formação de junções
celulares bem estabelecidas. A detecção de proteínas constituintes das junções
oclusivas (ocludina e ZO-1), por imunofluorescência indireta, revelou intensa
marcação positiva nas células Caco-2 após 4 dias de cultivo (Figuras 10 e 11).
Conforme esperado, ocludina e ZO-1 foram visualizadas no domínio apical das
células epiteliais intestinais, delineando toda a região de interface célula-célula
(Figuras 10, 11, 13A, 15A e 29A).
Assim, uma vez estabelecidas as junções oclusivas e, portanto, utilizando um
modelo capaz de mimetizar a formação da barreira epitelial intestinal, os ensaios de
interação foram realizados na proporção de 10:1 D. indonesiensis – célula Caco-2.
Após 3 horas de interação, as bactérias livres no meio de cultivo foram removidas e
inoculadas em meio VMNI para avaliação de sua viabilidade (Figura 12). Procedeuse após 24 horas de inoculação ao teste de produção de gás sulfídrico, como
estratégia para demonstrar a viabilidade e atividade de D. indonesiensis (Figura 12).
A produção de gás sulfídrico foi detectada através da purgação das culturas com
nitrogênio gasoso e exposição (20 a 30 segundos) do gás liberado à fita impregnada
35
36
37
38
39
com acetato de chumbo, na qual a reação positiva gera uma cor, castanho clara a
âmbar, de acordo com a quantidade de gás produzido na cultura (Figura 12).
A interação D. indonesiensis - célula hospedeira foi interrompida após 24h e
48h, sendo as culturas controles e as que interagiram com D. indonesiensis
processadas para detecção de ocludina e ZO-1 por imunofluorescência indireta
(Figuras 13 - 15). Paralelamente, realizamos o ensaio de recuperação, no qual
células dos grupos controles e em interação com D. indonesiensis (24h e 48h) foram
isoladas e removidas das lamínulas com solução de dissociação (tripsina+EDTA), e
então inoculadas em meio VMNI, com objetivo de avaliar a esterilidade das culturas
controles, bem como a viabilidade e atividade das bactérias aderidas à monocamada
celular (Figura 12).
Os resultados demonstraram que as bactérias adsorvidas à superfície das
células Caco-2 após 24h e 48h de interação encontravam-se viáveis e ativas, pois
foram capazes de produzir gás sulfídrico em meio VMNI sob condições anaeróbicas
(Figura 12). Contudo, a análise de microscopia de fluorescência não revelou
alteração na integridade das junções oclusivas (Figuras 13 e 14). A ausência de
alteração foi evidenciada mesmo em tempos tardios de interação (48h),
permanecendo intensa marcação fluorescente em domínios de associação célulacélula, ou seja, uma distribuição de ocludina e ZO-1 similar ao controle (Figuras 14 e
15). A especificidade da marcação foi revelada pela omissão do anticorpo primário, a
qual não apresentou sinal fluorescente (dado não mostrado). A presença de D.
indonesiensis na superfície celular foi revelada por DAPI, corante de DNA, assim
como o núcleo das células hospedeiras (Figuras 13 e 14).
A microscopia eletrônica de varredura (MEV), uma ferramenta ultraestrutural
aplicada para análise da integridade juncional, foi uma abordagem de alta resolução
utilizada para observação detalhada de possíveis danos causados na camada de
células epiteliais intestinais (Caco-2) pela interação com D. indonesiensis. As
micrografias eletrônicas revelaram alguns aspectos das monocamadas controles,
como contorno e topografia das células, regiões de contato intercelulares e variação
da distribuição de microvilosidades entre as células (Figuras 16 e 17). A análise das
monocamadas celulares que interagiram com D. indonesiensis por MEV revelou
poucas células bacterianas individualizadas aderidas às superfícies celulares após
3h de interação, seguida de lavagem (Figura 18). Ainda, agregados bacterianos
envolvidos em matriz exopolissacarídica constituinte do biofilme bacteriano também
40
foram observados associados na região de contato intercelular, especialmente nas
regiões de junções intercelulares (Figura 19). Biofilmes de diferentes tamanhos
foram visualizados associados à superfície das células Caco-2, mas não foi
observado intenso processo de multiplicação das bactérias nestas condições
experimentais. A adesão do biofilme à célula epitelial intestinal parece ser mediada
pela interação direta do exopolímero a componentes da superfície celular (Figuras
19 - 23), estabelecendo uma ligação estável, pois não foram removidos durante o
procedimento de secagem das amostras pelo método de ponto crítico.
Nas situações controles e de interação com D. indonesiensis, as áreas de
junção entre as células encontravam-se intactas, sem alteração aparente das
junções celulares nos tempos de 24h e 48h de interação (Figuras 20 - 22). Domínios
da cultura de células Caco-2 com grandes biofilmes ou mesmo com elevada
quantidade de biofilmes não apresentaram alterações nas regiões de junções
intercelulares (Figura 21). Tempos tardios de interação (48h) apresentaram perfil
similar de associação bacteriana à superfície de células Caco-2, apresentando
desde bactérias individualizadas, em íntima associação com microvilosidades na
superfície celular, a volumosos biofilmes (Figura 23).
No entanto, em decorrência do frequente posicionamento de biofilmes
bacterianos sobre as regiões de associação célula-célula (Figuras 19 - 22),
questionamos a possibilidade de eventuais rupturas na monocamada de células
epiteliais intestinais localizadas abaixo do biofilme. Assim, o emprego de técnicas
analíticas para detecção de proteínas e análise de resistência elétrica transepitelial
foram relevantes para o esclarecimento desta questão.
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4.2. Análise da expressão de ocludina e permeabilidade paracelular
durante interação Caco-2 - D. indonesiensis
Primeiramente, empregamos o método semi-quantitativo de Western blot com
a finalidade de avaliar a expressão de ocludina, uma proteína constituinte da junção
oclusiva. Nestes ensaios, utilizamos como padrão interno da reação a proteína
gliceraldeído 3-fosfato desidrogenase (GAPDH), uma enzima constituinte da via
glicolítica. A análise de densitometria revelou que a interação de Caco-2 com D.
indonesiensis (24h e 48h) não induziu alterações significativas na expressão de
ocludina, sendo o perfil de expressão desta proteína similar ao controle (Figura 24).
Infelizmente, não foi possível avaliar a expressão de ZO-1 nestes ensaios, devido a
problemas na transferência desta proteína de elevada massa molecular (225kDa).
Figura 24. Análise da expressão de ocludina durante interação Caco-2 – D. indonesiensis por
Western blot. A expressão de ocludina foi determinada pela razão entre esta proteína e o padrão
interno GAPDH. A interação com a BRS não acarretou alteração significativa na expressão de
ocludina.
Teste t-student p≤0.05. Coluna 1 – Caco-2 (5 dias); coluna 2 – Caco-2 (5 dias) + D.
indonesiensis 24h; coluna 3 – Caco-2 (6 dias) e coluna 4 Caco-2 (6 dias) + D. indonesiensis 48h.
Dados obtidos com base em 3 experimentos.
A abordagem de resistência elétrica transepitelial foi aplicada como parâmetro
para
a
avaliação
da integridade
das junções oclusivas intercelulares e,
consequentemente, manutenção da função de barreira do epitélio intestinal. Uma
53
característica importante das células epiteliais é a capacidade que possuem de
controlar a permeabilidade paracelular, especificamente entre o eixo apical e o
basolateral. Logo, alterações na organização das junções oclusivas induzidas pela
interação com D. indonesiensis seriam evidenciadas pela elevada permeabilidade
paracelular.
Como esperado, a análise de RET revelou uma elevada resistência em
culturas de células Caco-2 controles, variando entre 491 Ω.cm2 e 635 Ω.cm2 no
tempo inicial (T0; 5 dias de cultivo) e tardio (48h após 1ª medição; 7 dias de cultivo),
respectivamente (Figura 25). Os valores de RET obtidos durante cinética de
interação com D. indonesiensis (3h, 24h e 48h) não revelaram diferenças
significativas quando comparadas às medições dos controles (Figura 25), mantendo
uma elevada resistência elétrica transepitelial (491-631 Ω.cm2). A ruptura das
junções oclusivas e, consequentemente aumento da permeabilidade paracelular, foi
evidenciada quando as culturas controles foram tratadas, por 3h a 37 ⁰C, com 2mM
de EDTA, agente quelante de metais (principalmente Ca +2 e íons de ferro), ou 5% de
Tween 20, por 10 min a 37 ⁰C, uma substância muito utilizada como detergente ou
emulsificante em grande parte da indústria e do comércio.
A
atividade
dos
dois
compostos
proporciona
desestabilização
nas
monocamadas controle, já que o cálcio é um elemento essencial na formação e
consolidação das junções e a ação detergente do Tween 20 causa a remoção dos
lipídeos presentes nas membranas celulares. Logo, a incubação com EDTA ou
Tween 20 acarretou em alterações que promoveram o rompimento das junções que
estabelecem as ligações entre as células e, desta maneira, reduziram em 3,6 e 20,3
vezes, respectivamente, a resistência elétrica transepitelial comparada às células
Caco-2 controles (Figura 25).
54
Figura 25. Análise da resistência elétrica transepitelial (RET) durante interação células Caco-2 com
D. indonesiensis. A monocamada de células Caco-2 apresentou valores de RET elevados e a
presença de BRS associada à superfície das células Caco-2 não interferiu com
a resistência
transepitelial. A incubação de Caco-2 com 5% de Tween 20 ou 2mM de EDTA induziu redução dos
valores de RET. Dados obtidos com base em 3 experimentos.
As alterações nas junções foram confirmadas pela detecção de ocludina em
células Caco-2 tratadas com 2mM de EDTA por imunofluorescência indireta. A
desorganização das junções oclusivas foi claramente evidenciada pela ausência de
marcação fluorescente e espaçamentos em áreas de associação célula-célula
(Figura 26). A imunofluorescência indireta para detecção de ocludina não foi
realizada em células tratadas com Tween 20, uma vez que o efeito de
arredondamento celular foi nitidamente evidenciado por microscopia de luz (dado
não mostrado).
Embora o conjunto de resultados aponte para a manutenção estrutural e
funcional das junções oclusivas durante interação com D. indonesiensis, uma
questão relevante é a baixa adesão das bactérias e biofilmes à superfície celular e
ainda, reduzida multiplicação das BRS nos ensaios de interação em nossas
condições experimentais. Em ensaio preliminar, onde variamos a relação bactériacélula hospedeira em 10:1, 20:1, 30:1 e 40:1, não houve alteração expressiva no
perfil de adesão das bactérias, reveladas pelo DAPI, na superfície da célula
hospedeira (dado não mostrado), sugerindo que apenas o aumento da proporção
bactéria-célula alvo não seria suficiente para reproduzir um microambiente favorável
à adesão e multiplicação bacteriana.
55
56
4.3. Efeito da adição de meio suplementado com sais sulfatados na
interação Caco-2 – D. indonesiensis
Visando
proporcionar
condições
favoráveis
à
multiplicação
de
D.
indonesiensis, utilizamos como estratégia a adição de sais sulfatados constituintes
do meio VMNI ao meio nutritivo (DMEM alta glicose + 10% SFB). Logo, a partir deste
momento, os ensaios foram realizados em meio nutritivo suplementado ou não com
sais sulfatados e a relação bactéria-célula hospedeira foi mantida em 10:1.
Surpreendentemente, o efeito favorável da introdução de sais sulfatados no meio
nutritivo foi claramente evidenciado pela elevada quantidade (multiplicação) de
bactérias no sobrenadante das culturas, vista também após recuperação das
monocamadas e, ainda, mudança da cor do meio nutritivo para castanho escuro,
sugestivo de produção de gás sulfídrico. Estes resultados foram distintos quando
comparados às interações realizadas na ausência destes sais (Figura 27). Vale
mencionar que a produção de gás e o escurecimento do meio são medidas indiretas
da multiplicação bacteriana, mas que se correlacionam diretamente com a atividade
metabólica e a quantidade de bactérias presentes.
Fato interessante consistiu na verificação de arredondamento e destacamento
de células da monocamada celular na interação D. indonesiensis – Caco-2 em
presença de meio suplementado com sais sulfatados. Considerando este aspecto,
nossos dados preliminares apontam para um número 3 vezes maior de células
soltas no sobrenadante das culturas que interagiram com a bactéria na presença
destes sais, quando comparado às culturas que interagiram na ausência deste meio
suplementado (Figura 28).
Numa segunda etapa, os ensaios de interação da célula Caco-2 com D.
indonesiensis na presença de sais sulfatados foram processados para detecção de
ZO-1 por imunofluorescência indireta. A introdução de meio suplementado com sais
sulfatados não induziu mudanças na organização de junções oclusivas na
monocamada de células controles (Figuras 29 e 31B). Intensa marcação para ZO-1
foi visualizada nas regiões intercelulares (Figuras 29 e 31B). Cortes sequenciais no
eixo Z de células Caco-2 incubadas com meio suplementado com sais sulfatados
confirmam a distribuição inalterada de ZO-1 (Figura 30). O efeito da adição de sais
sulfatados na adesão e proliferação das D. indonesiensis também foi nitidamente
visualizado por DIC, onde grande quantidade de bactérias encontrava-se associada
57
à superfície celular (Figuras 31 e 32). A análise de imagens de fluorescência obtidas
de secções ópticas no eixo Z revelou ausência e/ou redução do sinal para ZO-1 em
algumas regiões da cultura, geralmente em áreas de intensa adesão bacteriana
(Figura 33). A proliferação bacteriana exacerbada no microambiente da cultura de
células Caco-2 após 48h de interação acarretou alterações na distribuição de ZO-1
(Figura 34). Ausência de sinal fluorescente foi evidenciada em regiões de extensa
adesão de D. indonesiensis à superfície celular, enquanto áreas de baixa adesão
bacteriana ou mesmo sem a presença destes microrganismos apresentavam ZO-1
distribuída na região de junção celular (Figura 34), tal como observado em culturas
controles (Figuras 29 e 31B).
4.4. Avaliação da produção de IL-8 na interação Caco-2 - D.
indonesiensis
Como decorrência da interação de D. indonesiensis com a monocamada
formada por células epiteliais intestinais da linhagem Caco-2, buscamos avaliar a
produção da citocina IL-8, uma das moléculas envolvidas com as respostas
celulares de imunoproteção e inflamação no ambiente da mucosa intestinal. Para
isso, no presente trabalho, utilizamos a técnica de citometria de fluxo, através de
marcação intracitoplasmática com anticorpo monoclonal específico anti-IL-8.
Observamos que quase a totalidade das células constituintes das monocamadas
controle, isto é, que não interagiram com a bactéria D. indonesiensis (BRS), foram
capazes de produzir IL-8. Observamos ainda que não houve alteração significativa
na frequência de células Caco-2 produtoras de IL-8 como resposta à presença de D.
indonesiensis (Tabela 1 e Figura 35). Por outro lado, ao avaliarmos a média de
intensidade de fluorescência (MFI), indicativa da quantidade de moléculas (IL-8) por
célula, verificamos que as células provenientes da cultura em interação com D.
indonesiensis apresentavam um aumento reprodutível da MFI em comparação com
o grupo controle (CT) (Tabela 1 e Figura 36). De fato, o cálculo da razão entre as
MFI das culturas que interagiram com BRS por 48h em relação às culturas controles
revela um aumento de 1,2 a 1,4 vezes nesse parâmetro (Tabela 1 e Figura 36).
Em seguida, decidimos avaliar a produção de IL-8 nas condições favoráveis à
multiplicação de BRS através da adição de sais sulfatados ao meio de cultura das
58
células Caco-2 (conforme descrito nos resultados da seção acima). É importante
salientar que as análises iniciais de delimitação da região de aquisição das células
por citometria de fluxo, indicadas pelos parâmetros de dispersão frontal (FSC) e
dispersão lateral (SSC) do laser incidente, revelaram alterações na distribuição dos
eventos obtidos a partir da suspensão de células da cultura em interação com D.
indonesiensis mantida em meio suplementado com sais sulfatados (BRS + SUL), em
comparação com os demais grupos (Figura 37). Essa observação corrobora os
achados de maior destacamento de células das culturas mantidas nessas condições
de intensa proliferação e atividade bacteriana (Figura 28).
Além disso, a análise do MFI dos diferentes grupos experimentais sugere que
a adição de sulfato às culturas durante a interação com D. indonesiensis (grupo BRS
+ SUL) resulta em aumento ainda maior na produção celular de IL-8 (avaliada pela
MFI), quando comparada com os outros grupos experimentais (Tabela 1).
Entretanto, a adição do meio suplementado com sulfato à cultura em interação com
as bactérias resultou igualmente em aumento importante na intensidade de
fluorescência do controle de isotipo (Figura 38). Desta forma, ao calcularmos a área
de positividade definida em relação ao controle de marcação com isotipo para cada
grupo individualmente, observamos, pelo contrário, uma diminuição na frequência de
células IL-8+ provenientes das culturas mantidas com BRS (por 24h e 48h) em
presença de meio sulfatado.
Ainda, de maneira a abordar a produção média de IL-8 por célula em cada
grupo, decidimos avaliar os dados de MFI da marcação com anti-IL-8 de maneira
relativa ao MFI dos respectivos controles de isotipo (índice MFI; ver item 3.3., seção
Materiais e Métodos). Assim, o índice MFI representa a razão entre a MFI obtida
com a marcação com anti-IL-8 e a MFI da marcação com o isotipo controle, de forma
individualizada em cada grupo experimental. Surpreendentemente, a análise destes
índices demonstrou que, diferentemente da observação inicial dos dados individuais
de MFI, a adição de sulfato às culturas em interação resultou em diminuição na
produção celular de IL-8, quando comparadas aos outros grupos de cultura (Figura
39). Importante ressaltar que esta redução foi vista tanto nas culturas de 24h (Figura
39A) como nas de 48h (Figura 39B) de interação com D. indonesiensis.
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71
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Tabela 1: Avaliação da produção de IL-8 durante interação D. indonesiensis – Caco-2
Células IL-8+
(%)
Experimento 1
Experimento 2
Experimento 3
48 h
48 h
24 h
48 h
Experimento 4
24 h
48 h
MFI
CT
94,18
14,63
BRS
98,34
19,23
CT
97,83
166,13
BRS
99,28
194,80
CT
98,65
25,26
MFI BRS / MFI CT
1,31
1,17
1,83
BRS
95,96
46,38
SUL
98,70
37,58
BRS+SUL
76,78
57,91
CT
99,03
28,24
BRS
97,29
40,55
SUL
97,81
38,38
BRS+SUL
65,98
50,88
CT
98,18
15,59
BRS
98,46
18,21
SUL
98,59
21,38
BRS+SUL
40,49
22,46
CT
94,37
11,32
BRS
96,87
14,04
SUL
96,02
15,09
BRS+SUL
4,66
17,75
1,43
1,16
1,24
Distribuição dos percentuais e MFI de células submetidas à marcação com anti-IL-8FITC nos respectivos grupos experimentais e tempos de cultura. MFI BRS / MFI CT:
razão MFI de células em interação com BRS por MFI de células controle (sem
interação).
73
5. DISCUSSÃO
As principais doenças inflamatórias intestinais (DIIs), doença de Crohn e colite
ulcerativa, constituem um problema global de saúde pública, que vem afetando um
número crescente de indivíduos, mesmo fora das regiões onde se estabeleceram
como recorrentes, com tendência à cronicidade e ocorrência em diferentes grupos
de pacientes (Veluswamy et al., 2010). Um aspecto fundamental para o
entendimento dos mecanismos imunológicos envolvidos na gênese, progressão e
modulação dessas doenças se refere à relação do sistema imune de mucosas com
a microbiota intestinal. De fato, a compreensão desta inter-relação se coloca como
um desafio atual, cuja elucidação poderá ter impacto relevante para terapêutica mais
efetiva destas doenças.
Uma extensa relação de elementos pode ser descrita com a finalidade de se
esclarecer os mecanismos que possibilitam o surgimento e a continuidade das
manifestações clínicas das DIIs. A influência que a susceptibilidade genética exerce
sobre a origem desses processos patológicos, considerando o reconhecimento de
microrganismos e moléculas estranhas ao microambiente intestinal, tem apontado
este fator como componente crítico para sua patogênese. No entanto, deve-se
destacar que outros aspectos desempenham papel importante, especialmente se
considerarmos: (i) características ambientais, isto é, comportamentos assumidos
pelo indivíduo (alimentação, tabagismo) e mesmo elementos específicos de
comunidades (saneamento básico); (ii) microbiota, sendo evidenciadas alterações
em sua biodiversidade; (iii) fatores imunológicos, caracterizados pela disfunção da
reposta imune inata e adaptativa (revisado por Zhang & Li, 2014). Essencial ainda
ressaltar a inter-relação entre estes itens. Neste sentido, a alimentação representa
um dos fatores-chave para alterações na composição microbiana intestinal, sendo
que componentes específicos de alguns alimentos podem conduzir a um aumento
na susceptibilidade do surgimento de colite (revisado por Brown et al., 2012). Por
sua vez, a disbiose da microbiota intestinal, associada à desregulação da
homeostase imune, desempenha papel fundamental nesta doença inflamatória
(revisado por Randall & Mebius, 2014).
Evidências demonstraram que bactérias do gênero Desulfovibrio, redutoras
de sulfato, se encontram em número significativamente maior na colite ulcerativa
(Ding et al., 2012; Jia et al., 2012; Rowan et al., 2010). A espécie mais abundante
74
deste gênero presente no intestino humano, Desulfovibrio piger, está aumentada
também nas biópsias de pacientes afetados pelas duas principais DIIs (revisado por
Berry & Reinisch, 2013). Pesquisas revelaram que a inoculação de material fecal de
voluntários sadios e de pacientes com colite em modelos de cultivo, que
consideravam uma variação temporal da dinâmica microbiana no cólon humano,
induziu mudanças nas populações bacterianas, com maior prevalência de BRS nas
amostras de indivíduos doentes (Jia et al., 2012). Estes organismos redutores de
sulfato estão amplamente difundidos na natureza, especialmente em ambientes com
predominância de anaerobiose, como solo, sedimentos e sistemas aquáticos. Muitos
estudos vêm sendo desenvolvidos com este grupo de bactérias, que possui
importante relevância na indústria (biocorrosão e acidificação de depósitos de óleo e
gás), no meio ambiente (biorremediação) e na saúde (inflamação intestinal)
(revisado por Matias et al., 2005).
É válido considerar a complexa variedade e a potencial infinidade de
possibilidades em um ambiente anaeróbio ocupado por um número extremamente
elevado de microrganismos, em que teoricamente todas as espécies são capazes de
estabelecer uma relação entre si, afetando por conseguinte sua própria atuação
frente ao organismo hospedeiro (Bahrami et al., 2011). Desta forma, buscamos
compreender se o aumento da população relativa ao grupo de BRS no intestino, que
é parte integrante da microbiota intestinal de indivíduos normais, pode resultar em
alterações estruturais e funcionais de células epiteliais intestinais.
Neste contexto, decidimos utilizar um modelo in vitro, no qual a linhagem
celular de carcinoma de cólon humano Caco-2 interagiu com Desulfovibrio
indonesiensis, sendo então avaliado o efeito na função de barreira do epitélio
intestinal colônico. Este modelo reproduz com eficácia a associação intercelular de
células epiteliais intestinais, apresentando junções celulares bem definidas e
manutenção da função de permeabilidade paracelular. Dados similares foram
reportados pela revisão de Sun e colaboradores (2008), que observaram o
aparecimento das junções oclusivas em células Caco-2 após 4 dias de cultivo. No
entanto, as condições das culturas, como composição do meio de cultivo, o sistema
de cultivo adotado e mesmo o número de passagens efetuadas implicam na
diferenciação e nas propriedades de transporte relacionadas com a linhagem Caco-2
(Natoli et al., 2011).
75
No que se refere à espécie de BRS, decidimos utilizar Desulfovibrio
indonesiensis, obtida a partir de isolado ambiental. Estudos anteriores mostraram a
atividade metabólica desse isolado e seu potencial de interação com uma linhagem
de células epiteliais do intestino delgado (Souza, 2008). Além disso, é interessante
notar que a similaridade genética representada pela sequência do RNAr 16S entre
Desulfovibrio piger, isolada de intestino humano e expressivamente aumentada nos
casos de inflamação intestinal, e Desulfovibrio indonesiensis, chega a 82,6%
(revisado por Berry & Reinisch, 2013).
A adesão de D. indonesiensis à superfície das células Caco-2 foi revelada por
microscopia correlativa, sendo evidenciada a manutenção da integridade juncional,
apesar da íntima associação das bactérias e biofilmes com a membrana celular.
Estas comunidades microbianas, demonstradas pela primeira vez associadas à
superfície de células de mamíferos, têm sido reveladas em processos de corrosão
de metais, onde a espécie D. indonesiensis foi primeiramente descrita (Feio et al.,
1998). Esta interface da superfície celular foi mediada tanto pela ligação direta com
a parede celular bacteriana ou mesmo com a matriz exopolissacarídica, sugerindo
que estes podem ser fatores envolvidos no sucesso da colonização do trato
gastrointestinal. Tais achados revelaram que D. indonesiensis foi capaz de aderir à
superfície das células epiteliais intestinais e manter-se ativa, demonstrando
tolerância em ambiente com atmosfera rica em oxigênio. De fato, já foi relatado que
espécies do gênero Desulfovibrio são capazes de sobreviver em ambientes com
maior tensão de oxigênio, empregando-o diretamente como aceptor de elétrons na
cadeia respiratória, expressando importante plasticidade metabólica (Santana,
2008).
Além da integridade estrutural, nossos dados revelaram que a expressão de
ocludina e a medida de resistência elétrica transepitelial permaneceram inalteradas.
Em conjunto, esses resultados são indicativos da preservação da função de barreira
epitelial, durante cinética de interação com D. indonesiensis. Embora alterações nas
junções oclusivas tenham sido reportadas em pacientes com colite ulcerativa
(Gassler et al., 2001), nossos dados de interação D. indonesiensis - Caco-2 não
revelaram modificações no perfil de distribuição das proteínas destas junções
(ocludina e ZO-1). A expressão inalterada de ocludina pode estar relacionada a uma
característica existente na dinâmica celular: uma vez rompidas as ligações
homofílicas, as proteínas transmembranares, como a ocludina, podem ser
76
endocitadas através de um processo de reciclagem e, desta forma, poderia não
haver modificação de sua expressão, mas de sua localização espacial, que seria
melhor identificada por imunocitoquímica ultraestrutural. No entanto, é importante
ressaltar que nas condições experimentais realizadas não houve proliferação das
BRS, fato que se mostrou contrário ao observado nas condições clínicas associadas
à colite (revisado por Berry & Reinisch, 2013), onde foi evidenciada elevada
incidência de bactérias do gênero Desulfovibrio (Ding et al., 2012).
Tendo em vista que durante cinética de interação as bactérias não
ultrapassaram a fase lag, caracterizada pela adaptação metabólica ao novo
ambiente, optamos por adicionar novos componentes nutritivos (sais de sulfato,
hidrolisados protéicos e solução de vitaminas – ver item 3.3., seção Materiais e
Métodos) que pudessem estimular o início da fase exponencial. Esta estratégia
proporcionou extenso aumento da população e da atividade bacteriana neste novo
microambiente. É preciso ressaltar neste ponto que modelos de cultivo microbiano in
vitro revelam a competição das bactérias redutoras de sulfato por gás hidrogênio
com bactérias metanogênicas quando sulfato está presente no meio, permitindo o
crescimento vantajoso de BRS (Christl et al., 1992). O aumento da proporção de
bactérias induzido pela modificação do meio nutritivo reforça novamente a ideia de
que aspectos nutricionais estão envolvidos na disbiose da microbiota do trato
gastrointestinal, com papel relevante na susceptibilidade às DIIs (revisado por Brown
et al., 2012).
De modo interessante, após suplementação do meio de interação e
consequente proliferação acentuada de D. indonesiensis, nossos resultados
demonstraram perda da localização juncional de ZO-1, indicativa de ruptura da
junção oclusiva. Estes dados vão ao encontro de estudos recentes com outros
microrganismos, os quais revelaram que a interação de Giardia duodenalis com
células Caco-2 resultou em internalização de ZO-1 e claudina-1, com aumento de
permeabilidade paracelular (Maia-Brigagão et al., 2012), e que a distribuição de
ocludina em células gástricas foi alterada pela infecção com Helicobacter pylori
(Wroblewski
et al., 2009).
Recentemente,
Zhang
e colaboradores (2013)
demonstraram que Salmonella pode alterar claudina-2 em células epiteliais
intestinais (SKCO15 e HT29C19A) para facilitar sua invasão tecidual, confirmando a
atuação de microrganismos em proteínas juncionais.
77
Estas diferenças entre junção celular intacta e desorganização juncional na
interação com D. indonesiensis, em condições ambientais distintas, apoia a ideia de
que o crescimento descontrolado de BRS atue na patologia de doenças
inflamatórias. A desorganização juncional e, consequentemente, ruptura da barreira
epitelial, pode ser determinada por um repertório de produtos microbianos e
mediadores endógenos da célula alvo, ou, ainda, no caso da colite ulcerativa,
mediadores da mucosa inflamada. Entre os possíveis elementos envolvidos na
desorganização juncional encontram-se: (i) mediadores inflamatórios, como IFN- e
TNF-, que atuam seletivamente na junção oclusiva (Bruewer et al., 2003); (ii)
espécies reativas de oxigênio (ROS, do inglês reactive oxygen species), capazes de
desorganizar junções oclusivas e aderentes (Rao et al., 2002); (iii) desorganização
do citoesqueleto; (iv) apoptose e (v) toxinas e/ou produtos bacterianos.
A função de barreira do epitélio intestinal é frequentemente alterada em uma
variedade de enteropatias (revisado por McGuckin et al., 2009), nas quais citocinas
pró-inflamatórias, incluindo IFN- e TNF-, são liberadas na mucosa intestinal
(revisado por Salim & Soderholm, 2011). Na inflamação, o papel protetor da barreira
epitelial é influenciado decisivamente pela desregulação do complexo juncional
apical (revisado por Sanders, 2005), e este fenômeno pode ser, entre outros
mecanismos, desencadeado pela endocitose de proteínas específicas das junções
oclusivas, o que afeta sobremaneira a estrutura e permeabilidade oferecida pelo
epitélio (revisado por Utech et al., 2010). A citocina TNF- é a mais estudada na
regulação de junções oclusivas, e é exatamente em função deste fato que uma das
opções de tratamento se baseia em agentes anti-TNF. Esta molécula, condicionada
a processos inflamatórios, é capaz de inibir a atividade da ocludina como reguladora
de junção oclusiva, causando sua redistribuição, bem como a alteração de
localização de ZO-1 e claudina-1 (revisado por Edelblum & Turner, 2010).
Embora o mecanismo envolvido não seja completamente entendido, a quebra
da barreira epitelial parece ser disparada pela fosforilação da cadeia leve de miosina
(MLC), mediada pela ativação de MLC quinase (MLCK) (Wang et al., 2005). Outro
mecanismo proposto envolve a cooperação entre TNF- e IL-13, no qual a ativação
de MLCK eleva os níveis de IL-13, que por sua vez induz aumento da expressão de
claudina-2, acarretando desorganização das junções oclusivas (Weber et al., 2010).
Ainda, a resposta inflamatória do hospedeiro pode gerar elevada produção de ROS,
78
ativando metaloproteinases -1, -2 e -9 (Haorah et al., 2007) que podem degradar
proteínas de junção oclusiva (Feng et al., 2011) através da fosforilação de seu
resíduo tirosina (Bauer et al., 2010). Outro possível mecanismo de degradação de
ocludina, que acarreta distúrbio nas junções oclusivas, foi evidenciado em células
endoteliais pela ação do fator de crescimento endotelial vascular (VEGF, do inglês
vascular endothelial growth factor), nas quais é capaz de induzir a fosforilação de
ocludina no resíduo Ser-490 e sua degradação pela via ubiquitina-proteassomo
(Murakami et al., 2009).
Alteração na seletividade paracelular também pode ser induzida pela
desorganização do citoesqueleto. Mudanças na organização de microtúbulos e
filamentos de actina induzem potencialmente a quebra das junções oclusivas.
Estudos têm demonstrado a desorganização de microtúbulos através da ativação de
p38 MAP quinase em resposta a citocinas, principalmente TNF-, acarretando
alterações na integridade de barreira de células endoteliais. A ativação de p38
quinase pode disparar a produção de ROS, gerando a desorganização de
microtúbulos, ou a ativação de Hsp27 (heat shock protein 27), capaz de
desorganizar o citoesqueleto de actina e levar à ruptura da integridade da barreira
endotelial (Shivanna et al., 2010).
Diferentemente de outras espécies microbianas, como Escherichia coli e
Campylobacter jejuni, a espécie Desulfovibrio indonesiensis não é capaz de invadir
as células e, portanto, a inflamação presente nos casos de colite que se manifestam
com sua presença sugerem a ativação de algumas das vias anteriormente descritas,
nas quais há fundamental importância imunológica. Além disso, não podemos
descartar a possibilidade da atuação de toxinas e∕ou produtos bacterianos. Por
exemplo, a desestruturação da função de barreira do epitélio intestinal foi
evidenciada na presença da toxina de Bacteroides fragilis, bactéria normalmente
comensal, sendo capaz de clivar E-caderina, uma proteína de junção aderente (Wu
et al., 1998). Nesse contexto, especial consideração deve ser dada à presença de
um metabólito produzido por BRS (revisado por Pitcher & Cummings, 1996) que se
faz tóxico para células epiteliais intestinais, o gás sulfídrico (revisado por Medani et
al., 2011).
Estudos apontam para o efeito de H2S na clivagem de caspase 3 e indução
de apoptose (Kanno et al., 2013). Desta forma, é possível que a alteração na
integridade juncional seja um efeito direto da produção do gás sulfídrico sobre
79
células Caco-2, acarretando morte celular. O efeito tóxico de H 2S pode ter sido
responsável pelo destacamento de células das culturas, 3 vezes superior quando
adicionamos meio suplementado com sais sulfatados na interação com D.
indoensiensis. A análise citofluorométrica de parâmetros morfológicos das células
Caco-2 dos diferentes grupos experimentais revelou igualmente um perfil
heterogêneo nas culturas que interagiram com D. indonesiensis no meio modificado.
Seja efeito direto da interação, ou indireto do metabólito H2S, esta cultura claramente
apresentou perfil com maior número de células não viáveis, ou debris celulares.
Particularmente, o H2S pode ter uma ação tóxica sobre o epitélio, impedindo,
por exemplo, a ação benéfica do butirato, um ácido graxo de cadeia curta derivado
de fermentação colônica de carboidratos, que atua como provedor de energia para
células epiteliais intestinais. Além disso, estudo recente mostrou que o H 2S pode agir
como fator coestimulador da ativação de células T (Miller et al., 2012), um dado
bastante relevante se considerarmos o papel central destas células na patogênese
dos processos inflamatórios intestinais.
Este conjunto de dados discutidos anteriomente aponta para o fato de que
possíveis danos induzidos a partir de desorganização da barreira epitelial, com
aumento da permeabilidade paracelular e lesões epiteliais, podem também ter
consequências para as funções imunes das células epiteliais intestinais. Desta
forma, distúrbios em atividades imunológicas de resposta a comensais ou patógenos
(via citocinas e peptídeos antimicrobianos) e funções imunorregulatórias poderiam
desencadear processos inflamatórios. Nesse trabalho, abordamos o efeito da
presença de D. indonesiensis sobre a produção de IL-8 por células Caco-2. Tal
quimiocina representa um grupo de fatores da resposta imune imediata inata, com
efeito estimulatório sobre neutrófilos e que aparece como importante elemento
inflamatório na colite ulcerativa (revisado por Hoffmann et al., 2002).
Nossos resultados mostraram que a interação de células Caco-2 com BRS
nas condições que não conduzem a alterações na integridade juncional não
resultaram em modificação significativa da porcentagem de células IL-8+. Esta
linhagem de adenocarcinoma colônico já é descrita como produtora desta
quimiocina em condições basais (Brew et al., 2000) e, de fato, observamos que
quase a totalidade das células Caco-2, em nossas condições de cultura, também
expressam IL-8, conforme dados de MFI. Entretanto, é preciso salientar que a
80
interação com BRS nestas condições levaram a pequeno aumento na produção de
IL-8 pelas células Caco-2.
Por outro lado, a perda da integridade juncional, revelada nos experimentos
onde a interação se processou na presença de extensa proliferação bacteriana,
ocorreu concomitantemente a uma diminuição acentuada da produção de IL-8.
Assim, inicialmente, esses resultados parecem contraditórios com a noção de
indução do processo inflamatório exagerado em resposta a microrganismos
comensais ou patogênicos.
Subramanian e colaboradores (2008) indicaram que a resposta do epitélio
para a produção de IL-8 parece estar sob o controle de diferentes mecanismos de
sinalização, na dependência da integridade epitelial da mucosa intestinal. Uma
secreção importante dessa quimiocina ocorreu somente após ruptura da barreira
epitelial. Embora este fato aparentemente se apresente em divergência com nossos
resultados, o presente estudo abordou apenas a sinalização dependente de TLR-5.
Considerando-se a complexidade dos componentes que atingem o epitélio intestinal,
podemos dizer que aquele trabalho nitidamente aponta para uma forma mais
intrincada de regulação da produção de IL-8.
Nesse contexto, o butirato já foi relatado como um regulador da expressão de
IL-8 por células epiteliais intestinais (Weng et al., 2007). Por outro lado, foi
observado também que a IL-8 parece exercer um papel como fator de crescimento
in vitro para células de carcinoma de cólon (como a própria Caco-2) (Brew et al.,
2000). Além da complexidade da regulação e das funções consequentes à produção
de IL-8 pelas células epiteliais, tais dados mostram que a modificação de função
imune do epitélio pode também ter efeito sobre a integridade da barreira de mucosa.
Embora não tenhamos avaliado as bases mecanísticas da regulação de IL-8
durante a interação com D. indonesiensis, podemos ainda supor que diferentes
níveis quantitativos e etapas de estimulação condicionados por essa bactéria, ou
seus produtos, possam resultar em uma exagerada e desregulada resposta
inflamatória. Por exemplo, uma estimulação menor da produção de IL-8 no momento
da entrada da bactéria em lâmina própria colônica, após quebra da integridade da
barreira epitelial, poderia resultar em menor resposta de neutrófilos. Essa deficiência
da resposta imune inata inicial resultaria em consequente maior propagação e maior
tempo de estimulação bacteriana na mucosa.
81
Além disso, é importante considerar que nosso modelo de estudo em formato
reducionista avaliou o efeito da bactéria sobre uma célula epitelial isoladamente. De
fato, IL-8 é uma citocina pleiotrópica e produzida por diversos tipos celulares, como
células endoteliais, neutrófilos e macrófagos (revisado por Hoffmann et al., 2002).
Nesse contexto, estudos sobre a interação in vitro de BRS com macrófagos
demonstrou o potencial efeito inflamatório dessas bactérias, modulando, por
exemplo, a produção de óxido nítrico (Souza, 2008). É interessante notar que outros
componentes pró-inflamatórios, como TNF- e IL-1, estão entre as citocinas
inflamatórias capazes de regular, com indução de rápido aumento, a expressão de
IL-8 (revisado por Hoffmann et al., 2002). Assim, é importante avaliar se a interação
com BRS resulta em modulação diferenciada de outros componentes imunológicos
com potencial patogênico no processo inflamatório.
Em conjunto, estes resultados nos permitem postular que a interação inicial
de BRS com o epitélio intestinal resultaria na estimulação fisiológica da produção de
IL-8, controlada pelo sistema imune (através da atração e atividade de neutrófilos).
Entretanto, um aumento no número dessas bactérias (disbiose) resultaria em dano
da barreira juncional do epitélio da mucosa, com invasão microbiana e exacerbação
da resposta inflamatória e imune local. Por fim, a inter-relação entre o dano juncional
e fatores inflamatórios mostra a necessidade de aprofundar os estudos para um
melhor entendimento dos mecanismos envolvidos nas ações locais da BRS sobre os
colonócitos, seja diretamente, seja através de seu metabólito H 2S.
Certamente inúmeros elementos estão envolvidos na patogênese das
doenças inflamatórias intestinais, e a dinâmica que os envolve é decisiva no
decorrer do processo. Existem indícios de que a disbiose intestinal, na qual pode
ocorrer aumento de espécies bacterianas redutoras de sulfato, entre elas
microrganismos do gênero Desulfovibrio, esteja participando como característica
relevante nestes casos.
82
6. CONCLUSÕES
O modelo de interação de células Caco-2 com Desulfovibrio indonesiensis
sem suplementação de sais sulfatados não promoveu mudanças significativas na
integridade das junções oclusivas, não havendo alteração da expressão e
distribuição espacial de ocludina, com manutenção da baixa permeabilidade
transepitelial.
A diminuição na produção de IL-8 por células Caco-2 nas condições de
extensa proliferação de D. indonesiensis aponta para uma regulação mais complexa
da função imune em casos de disbiose, assim como para a necessidade de análise
de outras citocinas pró-inflamatórias. Estudos nesse sentido contribuiriam para uma
compreensão
mais
detalhada
dos
mecanismos
envolvidos
na
origem
e
manifestações das doenças inflamatórias intestinais, considerando este complexo
microambiente.
Finalmente, o meio enriquecido com sais sulfatados permitiu a multiplicação
de D. indonesiensis durante cinética de interação com células Caco-2. Esta espécie
bacteriana foi capaz de aderir à superfície das células epiteliais intestinais e manterse ativa, demonstrando tolerância em ambiente com atmosfera rica em oxigênio. A
elevada adesão da BRS na superfície celular promoveu aumento da relação
bactéria-célula e induziu alteração na distribuição espacial de ZO-1.
83
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