II Seminário Brasileiro Livro e História Editorial Para “conquistar” o mercado escolar: os endereçamentos presumidos nos paratextos de catálogos de publicações para crianças Aparecida Paiva1 - Doutora em Literatura Comparada pela Universidade Federal de Minas Gerais Daniela Montuani2 - Mestranda em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais Marina Gontijo3 - Mestranda em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais. Resumo: Este trabalho está inserido em um programa de pesquisa que tem como foco de interesse a investigação de catálogos de editoras com publicações destinadas à criança, em três pólos fundamentais: distribuição, recepção e uso no contexto escolar. A partir de reflexões sobre as relações discursivas que se estabelecem entre o campo editorial e o campo escolar, com ênfase em três “protocolos de leitura” (Chartier, 1996), títulos e subtítulos, slogans das editoras e os interlocutores explicitados, foram analisados catálogos de um conjunto de trinta e seis editoras que tiveram livros de literatura selecionados para compor os três acervos de Educação Infantil do PNBE/2008 – Programa Nacional de Biblioteca da Escola – SEB/MEC. O objetivo principal foi compreender alguns elementos básicos que compõem as capas dos catálogos por meio de seus enunciados e a identificação dos sentidos que apresentam em seus endereçamentos presumidos, ou seja, as estratégias utilizadas para atender às demandas desse “mercado”. Na análise, foi possível identificar a preocupação por parte das editoras em produzir um material promocional - os catálogos - de alta qualidade que facilitasse e direcionasse a escolha do público escolar. Palavras-chave: Literatura; Mercado Editorial; Catálogos de Literatura. O público em geral espera dos profissionais das editoras que lhe digam, por meio de seus catálogos, quais são suas publicações e o que se pode esperar delas. O público escolar (professores e bibliotecários) demanda um pouco mais, especialmente quando se trata de 1 Professora do Programa de pós Graduação da FAE/UFMG, pesquisadora do Ceale. [email protected] Integrante do Gpell/Ceale – Grupo de pesquisa do letramento literário, bolsista da capes. E-mail [email protected] 3 Integrante do Gpell/Ceale – Grupo de pesquisa do letramento literário. E-mail: [email protected] 2 livros para o público infantil: que eles sejam avaliados, separados por idade, classificados quanto a seus usos e possibilidades de contribuírem com o processo de escolarização e, conseqüentemente, com a formação de leitores. A função dos editores é, portanto, corresponder, da melhor maneira possível, a essa demanda, já que o “mercado escolar” é o consumidor quase hegemônico desse tipo de publicação, segundo pesquisa realizada por Gorini e Branco4. Mas os professores, por exemplo, os de literatura encarregados da formação de futuros professores para o ensino fundamental, mesmo conscientes dos vínculos históricos da literatura infantil com a escola, contestam essa forma de mediação da produção literária por parte dos editores e gostariam que, além disso, os professores realizassem uma escolha e desenvolvessem um trabalho com a leitura literária em que as fronteiras etárias se diluíssem. As escolhas literárias dos professores deveriam ser escolhas fundamentadas em suas trajetórias de leitores e no conhecimento das possibilidades de experiência estética que o texto literário possibilita. Mas as escolhas literárias, tanto as dos especialistas quanto as dos mediadores de leitura, têm, ou poderiam ter um fundamento meramente estético? Ou isentos das demandas do processo de escolarização? Ou a despeito do marketing editorial? A literatura infantil, como texto escolarizável, submete-se às demandas de ensino e aprendizagem e, na maioria das vezes, é inadequadamente escolarizada, fica reduzida a suporte pedagógico: um texto a serviço do processo de aquisição da leitura e da escrita. É verdade que os editores, cientes do trabalho que é desenvolvido pela escola com esse tipo de texto, esforçam-se para apresentar uma produção que seja capaz de “conquistar” esse mercado e que esteja sempre em sintonia com suas demandas para que o consumo de seus “produtos” não se perca por “inadequação” ao destinatário. Vale perguntar: é o trabalho da escola que norteia a produção editorial, ou é a produção editorial e o marketing dos catálogos que norteiam a escola. Daí a produção de catálogos se pautar cada vez mais no como e no quando usar os livros; se ele é ou não adequado a tal série/ ano ou faixa etária; 4 GORINI, Ana Paula Fontenelle; BRANCO, Carlos Eduardo Castello (2000) Panorama do setor editorial brasileiro. Rio de Janeiro: Banco Nacional do Desenvolvimento (BNDES), 25p. Relato Setorial. Disponível em: http://www.bndes.gov.br> Acesso em 30/03/2008 conformando-se, assim, à tradição educacional para evitar o enfraquecimento das relações de dependência entre esses dois mercados: o editorial e o escolar. Nessa perspectiva, o estudo dos catálogos de editoras e de seus endereçamentos converteu-se, nos últimos anos, em uma importante dimensão do campo de investigação sobre o fenômeno da cultura escrita. É o que se constata nos estudos de Darnton (1992), Burke (1992) e Chartier (1999), pesquisadores identificados como pertencentes à História Cultural, que indagam esse tipo de impresso como fonte de pesquisa para a construção de uma história da leitura. Apesar disso, são raros, entre nós, os estudos que procuram compreender o funcionamento desse produto editorial, em torno do qual se definem escolhas de livros a serem utilizados no contexto escolar, são desenvolvidos processos de convencimento do público leitor e sugeridas práticas pedagógicas de escolarização da literatura infantil. Este trabalho, portanto, procura dar um primeiro passo na busca de compreensão desse tipo de impresso, em ampla circulação no contexto educacional brasileiro. Ele aborda alguns paratextos de vinte e cinco catálogos de editoras e/ou grupos de editoras5, publicados nos anos 2007/2008, que tiveram livros selecionados para compor os acervos do PNBE/20086 – Programa Nacional de Biblioteca da Escola – SEB/MEC, no segmento Educação Infantil. São objetivos deste texto descrever características editoriais que evidenciam os vínculos estabelecidos com o campo educacional, bem como observar as estratégias de “conquista” dos professores. Para isso, o texto procura, em primeiro lugar, descrever os catálogos, apresentando suas características básicas e problematizando seus projetos gráficos em relação aos segmentos escolares. Em seguida, o são examinados os seguintes protocolos de leitura: os títulos e alguns subtítulos dos catálogos e suas vinculações à literatura e à escola; os slogans apresentados por algumas editoras como 5 As editoras/grupos editoriais cujos catálogos foram analisados são: Editora Biruta, Editora Brinque Book, Editora Compor, Editora Cosac Naify, Editora Dimensão, Edições Dubolsinho, Edições Sm (Comboio de Corda), Ediouro Publicações (Editora Nova Fronteira), Ediouro Publicações (Agir Editora), Editora Abril (Editora Ática), Editora do Brasil, Editora Hedra, Editora FTD, A Girafa editora, Editora Global (Editora Gaia), Idéia Escrita Editora, Jorge Zahar Editor Ltda, Editora Melhoramentos, Editora Moderna (Richmond e Uno), Editora Projeto, Editora Record (Editora Best Seller), Editora RHJ, Editora Rocco (Editora JPA), Editora Saraiva S/A Livreiros e Editores (Editora Formato e Livraria Saraiva), Zit Editora. 6 Para maiores explicações sobre o programa consulte o site: http://www.fnde.gov.br/home/index.jsp?arquivo=biblioteca_escola.html possibilidade de se interpretar funções presumidas para o texto literário e a explicitação dos destinatários dos catálogos, reforçando os endereçamentos ao contexto escolar. Como se verá mais à frente, em razão da forte dependência do setor de literatura infantil em relação à educação, os catálogos das editoras parecem representar, embora com ressalvas, um produto para consumo específico dos profissionais que atuam na escola. Os Catálogos e sua função editorial O texto “Panorama do setor editorial brasileiro” (GORINI; BRANCO, 2000) apresenta um conjunto importante de informações que permitem contextualizar nosso objeto de pesquisa em uma perspectiva mais geral. Entre elas cabe destacar: a) o vínculo da cultura nacional com a indústria livreira é profundo, já que ela tem nesse segmento um dos seus mais importantes pontos de apoio; b) na América Latina, que apresenta um mercado de seiscentos milhões de livros/ano, dois terços deles são provenientes do Brasil; c) no Brasil, no ano 2000 (data de publicação do referido texto) existia cerca de seiscentas editoras que editavam, anualmente, entre lançamentos e reedições, cerca de cinqüenta mil títulos – “patamar bem próximo do norte americano”(p.14); d) o principal ativo de uma editora é seu catálogo de títulos e editores e a capacidade de seu corpo editor em selecionar o que deve ser ofertado; e) o crescimento do mercado editorial é influenciado por fatores como demografia, educação, renda disponível e, também, pela demanda das bibliotecas públicas e instituições de ensino; por fim, como pode ser observado, no gráfico a seguir, f) os principais canais de comercialização do livro no país continuam sendo os tradicionais, livrarias e papelarias, e, mais importante, o governo, por meio do FNDE – Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação/ com 43.7% das aquisições, é o responsável pelo maior volume de vendas (Gorini; Branco, 2000, p.6 - 17) GRÁFICO 1 Fonte: (ibidem p. 15) Diante desses dados e da informação, exaustivamente reiterada, nos últimos anos, de que grande parte da população brasileira tem no ambiente escolar a única possibilidade de acesso a livros (didáticos e paradidáticos) e, também, que a maioria perde freqüentemente o contato com os livros quando encerra o processo de escolarização, é natural que os catálogos das editoras procurem se vincular ao contexto escolar, operando em sintonia com suas demandas. Acrescente-se que a forte concorrência por esse mercado é o elemento definidor das formas de apresentação de seus produtos. Nessa disputa, desse processo de “conquista”, os professores são o alvo prioritário do processo de persuasão que se desencadeia e os catálogos são uma importante ferramenta de divulgação e mediação dos livros. Os trinta e seis selos editoriais que tiveram livros selecionados pelo PNBE 2008, no segmento Educação Infantil, estão contemplados em vinte e cinco catálogos. O número menor de catálogos em relação ao de selos é resultado do fato de alguns grupos editoriais possuírem mais de um selo; ou de preservarem os selos de editoras que foram por eles incorporadas seja pela preservação de seu reconhecimento no mercado consumidor, seja por razões de estratégias de mercado. Desses vinte e cinco catálogos, tivemos acesso a vinte e quatro que, mesmo possuindo características peculiares que dependem de cada editora, utilizam as mesmas estratégias em sua elaboração. Todos os catálogos apresentam projetos gráficos de qualidade próprios de um bom suporte promocional. Um exemplo disso é que todos os catálogos são coloridos e se assemelham a capas de livros infantis; 87% deles possuem capa dura; 54% usam papel couchê, 36% papel sulfit e 9% papel reciclado. Quanto ao formato, onze se assemelham a uma revista, dez se assemelham a um livro, dois se assemelham a uma agenda e um está disponibilizado apenas on-line. As ilustrações das capas, em sua maioria, são atraentes e apresentam imagens como desenhos infantis, fotos de crianças, capas de livros consagrados publicados pela editora, símbolo da editora, dentre outros. Constata-se, ainda, quanto à periodicidade dos catálogos, que treze deles apresentaram ano de publicação em sua capa e onze deles não, o que indica que os catálogos são reeditados na medida do volume de publicações a serem inseridas neles. No aspecto referente à orientação de leitura, os catálogos são apresentados por categorias que visam facilitar a sua consulta. De modo geral, as categorias mais utilizadas foram: por idade e por série, oito e sete catálogos, respectivamente; seguida da organização por coleção, utilizada por seis catálogos. As demais categorias, gênero, autores nacionais e estrangeiros e habilidades de leitura, foram utilizadas na mesma proporção, variando de um a três catálogos. Apenas três catálogos não apresentam nenhuma divisão. Esse dado corrobora os dados obtidos em outra vertente deste programa de pesquisa7 e nos remete à polêmica que está sendo travada no campo da educação e da literatura sobre a necessidade, ou não, de se delimitar, a priori, fronteiras etárias para a leitura de textos literários. Talvez, uma das razões para o uso dessas estratégias, deva-se à dimensão utilitária conferida pela escola à literatura e que, portanto, demanda das editoras a elaboração de catálogos que orientem professores numa dimensão mais didatizante. Razão pela qual as informações contidas no corpo dos catálogos analisados incidirem sobre os mesmos aspectos: resumo/resenha da história, foto da capa do livro, nome do autor e do 7 “Catálogos de publicações para criança: recepção e uso por professores de escola públicas.” Esta pesquisa tem como foco de interesse a investigação dos processos de recepção e uso pelos professores das series/anos iniciais do Ensino Fundamental. ilustrador, descrição do tamanho do livro e o número de páginas. Além desses aspectos recorrentes em todos os catálogos, encontramos em 43% deles informações sobre os temas dos títulos em catálogo e 39% deles apresentam indicações de atividades, item considerado importante por um número significativo de professores. Ressalta-se, por fim, quanto a esses aspectos mais gerais de orientação de leitura dos catálogos, que 91% deles informam as premiações e/ou compras governamentais dos títulos em oferta. As capas dos catálogos: texto e imagem em diálogo A disseminação do livro em formatos diversos, atendendo a demandas variadas, trouxe a segmentação do mercado de consumo e a diversificação do produto editorial como fenômenos típicos do final do século XX. A preocupação com a apresentação visual surge pautada no desejo do consumidor e se impõe como uma necessidade: de um lado, em função do imperativo da concorrência; e, de outro, em virtude da exigência do público leitor que tem o olhar treinado pelo contato freqüente com estilos variados, trabalhos atraentes e bem acabados, transformando esses componentes em valores reais no momento da apreciação do produto. O processo pode, também, ser tomado pelo seu revés e fazer o caminho inverso: incutir o desejo no leitor e criar, assim, uma nova demanda. A apresentação dos catálogos é regida pelos critérios específicos, acima elencados, indicados principalmente em suas capas. Os de literatura, por exemplo, estabelecem seus parâmetros visuais através da quantidade, do grau de impacto e do poder de síntese das informações textuais contidas nas capas. Nesses casos, é possível supor que o ato de compra dos profissionais que atuam na escola é guiado por esses dados e pela comparação da quantidade e dos tipos de informação que cada catálogo contém. Assim, nos catálogos de literatura infantil, os projetos de suas capas geralmente trazem uma forte presença de temas do universo da criança ou a reprodução de capas de livros de literatura infantil já consagrados, numa espécie de carro-chefe dos outros títulos em catálogo. O objetivo está em conjugar capas atraentes com informações sobre endereçamentos e formas de usos capazes de estabelecer com o leitor uma relação de interesse. A grande oferta e variedade de títulos desencadeia a necessidade de se garantir lucro apostando em livros tanto em termos de custo quanto de conteúdo. O estímulo a essa concorrência fez da capa do catálogo um espaço estratégico de divulgação de seus produtos. Observamos que nas capas de catálogos de publicações para criança, a tendência predominante é apresentar o produto por meio de projetos em que predominam as imagens sobre os textos, valorizando a capacidade imaginativa do leitor. A criatividade é estimulada através de formas e cores, na tentativa de seduzir o leitor para o campo da fantasia. Essas manobras visuais têm a função tática de inserir os produtos da editora no mercado. Contudo, essa tarefa é tensionada pela oscilação constante entre a liberdade das formas do imaginário e a preocupação em promover os títulos das editoras de uma maneira objetiva e precisa. A disposição, o destaque e a hierarquia de três elementos no espaço da capa – título e subtítulos, logotipo ou logomarca da editora e slogans – estão estreitamente ligados ao valor mercadológico atribuído a cada um deles. Nesse sentido, o título do catálogo seria o elemento que concentra as atenções por sua posição privilegiada em relação aos demais elementos paratextuais. O título antecipa e condensa a natureza dos produtos em oferta, “abrindo caminhos” para o leitor. A logomarca da editora também cumpre uma função semelhante, ao ponto de, como veremos mais adiante, ser a opção de algumas editoras na nomeação do catálogo, visto que, dependendo de sua legitimação no mercado, por si só, assegurar ao leitor que se trata de produtos conceituados no mercado editorial. Títulos dos catálogos: entre a literatura e os conteúdos escolares Catálogos não são simplesmente catálogos: são catálogos de alguma coisa. Com o dicionário aprendemos que a palavra catálogo vem do grego Katálogos e do latim catalogu e é descrita como “relação ou lista sumária, metódica, e geralmente alfabética de pessoas ou coisas”. Quando relacionado ao verbete biblioteca, encontramos a seguinte definição: “lista, volume ou fichário onde estão metodicamente descritos os livros e outros documentos de uma biblioteca”. Em “catalogar” encontra-se: “relacionar em catálogos, classificar, inventariar, tachar”. Poder-se-ia pensar, então, que os catálogos de editoras, são catálogos de livros e ponto final. Na verdade, a questão não é tão simples assim. Especialmente quando se trata de oferecer livros para o público infantil e, mais ainda, quando localizamos esse público no contexto escolar e, conseqüentemente, em processo de escolarização. Para além da especificidade do público, somos confrontados, também, com um aumento vertiginoso da oferta editorial. O consenso sobre a importância da presença da literatura infantil no ambiente escolar impulsionou o desenvolvimento editorial da produção voltada para esse segmento consumidor. E mais, em um país como o Brasil, com parcimoniosa distribuição de livros (tanto didáticos, quanto literários), onde as políticas públicas preocupadas com a formação do leitor viabilizam compras expressivas por parte do governo, em volume e periodicidade8, é natural que haja um crescimento do número de editoras que “apostam” nesse crescente e promissor mercado e que as estratégias de “conquista” desse mercado tentem ser, cada vez mais, persuasivas. Sendo assim, o processo de nomeação de um catálogo pode indicar uma primeira e fundamental estratégia de sedução do leitor em relação ao produto em oferta. Ao realizarmos uma primeira leitura dos títulos dos catálogos em análise, foi possível organizá-los em três grupos: o primeiro, o menor deles, é composto por editoras apenas quatro que usam simplesmente a palavra catálogo, colocando em destaque o nome e a logomarca da editora, seguido do ano de publicação. Essa estratégia denota uma relativa independência em relação ao mercado escolar; o segundo, composto por oito editoras, caracteriza-se pela utilização da palavra literatura, reforçando, assim, um tipo de leitura dos títulos em oferta. Entretanto, apenas duas editoras utilizam a palavra literatura sem nenhuma adjetivação. As demais acrescentam ora infantil, ora infanto-juvenil e ora infantil e juvenil. Essas adjetivações sugerem uma tentativa editorial de acompanhar e/ou aderir às discussões teóricas em torno do estatuto literário desse tipo de produção. O terceiro agrupamento, composto por nove editoras, portanto, o maior deles, elege o segmento escolar, com a indicação de níveis de escolaridade, como estratégia para a nomeação de seus catálogos. Assim, a prioridade é destacar, já na capa do catálogo, os possíveis 8 PNBE 2005 (5.918.966 de livros comprados), PNBE 2006 (7.233.075 de livros comprados). Fonte http://www.fnde.gov.br/home/index.jsp?arquivo=biblioteca_escola.html Acesso em: 31/03/08 endereçamentos escolares, por exemplo, Educação Infantil/Escolarização, Catálogo Escolar do Ensino Fundamental, Literatura Infantil do 1 ao 5 ano (alfabetização de 1ª a 4ª série). Esse tipo de indicação está presente, de uma maneira ou de outra, em todos os catálogos. Entretanto, o conjunto de editoras que compõe o terceiro agrupamento optou por explicitar o endereçamento ao campo escolar, com especificação do segmento e/ou série, já no título de seus catálogos, “facilitando” assim, para os profissionais da escola, a imediata identificação do público a que se destina. Nessa perspectiva, os títulos dos catálogos vão apontando importantes direções, vão deixando pistas sobre as imagens de leitores e de leitura imaginados pelos organizadores desse impresso; vão transmitindo informações sobre o seu emprego, seu uso, finalidades, maneiras de ler e modos de manipulá-los. (Bourdieu, 2001) Slogans editoriais: entre o prazer e a funcionalidade da leitura literária Apenas seis das vinte e cinco editoras e/ou grupos editoriais apresentam slogans em seus catálogos. Poderíamos nos perguntar então: por que analisar slogans das editoras? Em primeiro lugar, porque a utilização de slogans é uma estratégia altamente disseminada em nosso tempo, utilizada nos mais diferentes setores para se vender uma idéia ou um produto. Um slogan não sai apenas da cabeça de um publicitário, ele explicita pensamentos, concepções aceitas socialmente. Em segundo lugar porque, em se tratando de slogan de uma editora, é possível afirmar que se trata de uma filosofia editorial e, portanto, muito mais que um recado publicitário. Nessa medida, as editoras que explicitam sua filosofia editorial por meio de um slogan dão um passo à frente na conquista de seu público consumidor. Segundo a revista Língua Portuguesa, slogan vem do gaélico escocês sluagh-ghairm, que significa "grito de guerra". Ainda de acordo com essa publicação, atualmente, cabe ao slogan mais do que impor, cabe a ele convencer, no mercado ou na política. Em outra publicação virtual, a Revista Marketing, um grande criador de conceitos que ficaram marcados na história da propaganda brasileira, afirma que o slogan é a representação de todos os valores que a marca tem e para ser bom tem que traduzir o que a marca significa. “O slogan não é criado com o intuito de cair no gosto popular, mas sim para definir os objetivos da marca; se cair, é decorrência”. Em uma primeira análise dos slogans observados, já é possível afirmar que eles contemplam, de forma equilibrada, as duas principais tendências de abordagem da literatura infantil e, de resto, da literatura em geral, em seus usos no contexto escolar: a leitura da literatura como fonte de prazer e a leitura da literatura em sua funcionalidade, em sua dimensão pedagógica. Defendendo a primeira tendência identificamos os slogans que privilegiam o ato de ler dando um sentido a ele: “Ler é mais importante que estudar”, frase do escritor Ziraldo, utilizada pela editora Melhoramentos; “Ler é pra cima”, da editora Projeto; e “Ler é divertido como brincar” da editora Zit. Mais identificados com a segunda tendência estão os slogans da editora Ática: “Todo mundo aprende com a Ática”; o da Editora FTD “Mais educação, mais futuro”; e a Editora Formato, com o slogan “Sempre com você!”. De olho no público leitor, dentro e fora da escola, é o que, em última instância, as mensagens desses catálogos pretendem veicular. Isto porque estima-se, conforme apontam Gorini e Branco (2000), que o Brasil tenha cerca de dez milhões de leitores “constantes” (que lêem regularmente), número esse inexpressivo diante de uma população de 170 milhões de brasileiros e diante dos trinta e dois milhões de alunos matriculados no ensino fundamental e médio. O mercado editorial, assim como o campo educacional, sabe que o hábito de leitura de um povo não pode ser considerado igual à sua alfabetização. Estudos recentes9 ampliaram o conceito de alfabetização em direção à importância do processo de letramento dos cidadãos, em que a familiaridade e o convívio permanente com a leitura possibilitam seus usos sociais. Os slogans expressam uma aposta no potencial de crescimento do público leitor. “Caro amigo professor-educador”: construindo alianças 9 Cf. Soares (1999, 2000 e 2004). Depois do título, do slogan, demarcando claramente o que se oferece à leitura e as diferentes formar de ler sugeridas, a pergunta sobre o principal interlocutor a que se destina o catálogo parece inevitável. Depois da literatura disponível, dos autores e ilustradores elencados, o elemento fundamental dessa “engrenagem” é o professor. Em estudo sobre a Companhia Editora Nacional, Freitas (2004) informa que essa editora já em 1936 reservava “um espaço importante para ensinar aos professores e diretores dos estabelecimentos escolares – o público alvo do catálogo – como escolher o melhor livro didático.” Freitas (2004). Atualmente, a abordagem mais afetiva, ou mais formal dos catálogos, ao se dirigirem ao professor, não deixam dúvidas quanto à permanência desse interlocutor. Os endereçamentos “caro amigo”, “prezado professor”, “caro educador”, ou simplesmente “professor”, indicam seu lugar estratégico, reconhecido pelas editoras, no processo de aquisição de livros para uso no contexto escolar. Mesmo admitindo outros interlocutores, como bibliotecários, pais ou nomeando genericamente “profissionais da escola”, a estratégia editorial de se dirigir prioritariamente ao professor ainda prevalece. É nessa articulação tática que se concentra o intuito de promoção do produto. O professor, portanto, não escapa das pressões mercadológicas, já que a preocupação constante do editor é procurar alcançar esse leitor naquilo que ele mais deseja. E a lógica empresarial é sempre a de proporcionar “novidades” a esse leitor sem correr o risco de o lançar fora dos limites já testados e aprovados. Assim, as alianças vão sendo construídas por meio de tentativas cautelosas de se detectar a preferência e os anseios desses leitores a fim de buscar satisfazê-los. “Um guia com todos os caminhos para você encontrar o livro certo para os seus alunos” Esse é o subtítulo do catálogo do grupo editorial Saraiva que pode, perfeitamente, ser estendido a todas editoras aqui analisadas quando identificamos suas estratégias editoriais na busca de um controle da leitura de seu consumidor privilegiado: o professor. A nossa incursão pelo território das capas de catálogos suspende aqui o seu movimento e se volta para uma reflexão acerca dos possíveis avanços a serem proporcionados pelo desdobrar da pesquisa. Este texto inicial presta-se, então, a um acúmulo de subsídios para a empreitada seguinte, em que os catálogos serão investigados, de modo mais preciso, pelo terreno onde circulam: o contexto escolar. De toda maneira, esse impresso considerado a face da editora (Dauster, 2000) por revelar, em certa medida, a sua identidade e, também, por se constituir em um produto de mediação com a escola continuará sendo indagado como material de escolha “adequada” de livros infantis, porque permite responder a inúmeras perguntas sobre o que se lê, como e por que se lê, numa determinada época e lugar. Junto dos pais e educadores, as editoras são também grandes interessadas na formação de leitores literários para que possam continuar a movimentação de seu capital com a venda de livros. No entanto, a preocupação permanente e intensa dessas editoras em atender o mercado escolar parece impedir que o leitor seja pensado fora do ambiente escolar. Esse diálogo intenso com a escola, presente nos catálogos, está transformando a leitura, que a princípio deveria aproximar-se do prazer e da diversão, em algo demasiadamente escolar. Assim, faz-se o percurso contrário do primeiro objetivo: ao invés de formar leitores para a vida, as editoras estariam formando, principalmente, leitores para a escola. Referências bibliográficas BOURDIEU, Pierre. (2001) Leitura: uma prática cultural. Debate com Roger Chartier. In:. CHARTIER, Roger. Práticas da Leitura: Estação Liberdade. BURKE, Peter (Org.) (1992). A escrita da história: novas perspectivas. Tradução Magda Lopes. São Paulo: Editora da Universidade Estadual de Campinas. CHARTIER, Roger (1996). A história cultural: entre práticas e representações. Lisboa: Fifel - Rio de Janeiro: Bertrand. DARNTON, Robert. 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