EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA: FORMAÇÃO
DE
PROFESSORES
LUÍS DONISETE BENZI GRUPIONI1
Apresentação
A série Educação Escolar Indígena – Formação de Professores está
voltada à discussão de temáticas relevantes e atuais para a consolidação do
direito dos povos indígenas no Brasil a uma educação diferenciada e de
qualidade, pautada pela interculturalidade e pelo bilingüismo. Temas como
a formação dos próprios índios como professores e autores dos seus materiais
didáticos, bem como o uso das línguas indígenas na escola, serão debatidos
e problematizados na série, que também abordará a relação da escola com a
comunidade e com os projetos de futuro dos povos indígenas. Duas
experiências de formação de professores indígenas na Região Amazônica (a
desenvolvida pela CPI-AC e pela OGPTB), que são hoje referências nacionais,
serão mostradas e debatidas por especialistas, juntamente com outras
experiências em curso em diferentes regiões do Brasil.
Temática Geral:
O Brasil abriga em seu território, além de uma expressiva
biodiversidade, composta por diferentes ecossistemas, como a Amazônia e o
Pantanal, uma rica sociodiversidade nativa. Esta é representada pela
1
Antropólogo, consultor do MEC para a política de Educação Escolar Indígena, e consultor desta série.
É também o autor de todos os textos relativos aos programas, neste Boletim da série Educação
Escolar Indígena – Formação de Professores.
PROPOSTA PEDAGÓGICA
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existência de 218 povos indígenas espalhados em milhares de aldeias por
todo o país. Tais povos falam 180 línguas e dialetos nativos conhecidos e
vivem diferentes situações de contato com segmentos da sociedade brasileira.
Os povos indígenas no Brasil totalizam hoje uma população em torno
de 500 mil indivíduos. Eles já foram muito mais no passado: em 1500,
quando dos primeiros contatos entre índios e europeus, os estudiosos
estimam que a população indígena chegasse a 6 milhões de indivíduos,
falando mais de 1.300 línguas. Mas já foram muito menos também: na
primeira metade do século XX, teriam chegado a 200 mil indivíduos. Nos
últimos anos, essa população tem crescido de forma constante e em taxas
superiores às do restante da população brasileira. Mesmo assim, a população
indígena representa, hoje, menos de 1% da população do país, cabendo-lhe
mais de 11% do território nacional, para uso exclusivo.
O reconhecimento do direito dos povos indígenas às terras que
tradicionalmente ocupam, para garantirem sua reprodução e perpetuação
física e cultural, é um dos direitos consagrados na Constituição Federal,
promulgada em 1988. A Constituição também garantiu aos índios o direito
de manter suas identidades diferenciadas, preservando suas línguas,
culturas, tradições e modos de ser e de pensar. Assim como ocorreu em
outros países latino-americanos em anos recentes, o Brasil reconhece em
seu território a presença de grupos étnicos diversificados, que têm direito à
manutenção de suas especificidades culturais, históricas e lingüísticas.
Nesses últimos anos, importantes e significativas mudanças ocorreram
tanto na legislação quanto na política governamental em relação aos povos
indígenas no Brasil. Uma das áreas em que essas mudanças mais se
realizaram foi na política de educação escolar indígena. Historicamente, a
introdução da escola em meio indígena serviu de instrumento de imposição
de valores alheios e de negação de identidades diferenciadas, por meio de
diferentes processos, como a catequização, a civilização e a integração forçada
dos índios à comunhão nacional. Em anos recentes, a escola ganhou um
novo sentido para os povos indígenas, tornando-se um meio de acesso a
conhecimentos universais e de valorização e sistematização de saberes e
conhecimentos tradicionais.
Em várias regiões do país, desenvolvem-se projetos educacionais
específicos à realidade sociocultural e histórica dos povos indígenas, a partir
de um novo paradigma educacional de respeito à interculturalidade, ao
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multilingüismo e a etnicidade. De algo imposto, a educação e a criação de
escolas em terras indígenas passaram a ser uma demanda dos próprios
povos indígenas, interessados em adquirir conhecimentos sobre o mundo
de fora das aldeias e em construir novas formas de relacionamento com a
sociedade brasileira e com o mundo.
Como parte do processo mais geral de redemocratização da
sociedade brasileira, o movimento de apoio aos índios estrutura-se na década
de 70, por meio de entidades da sociedade civil que passam a atuar junto a
determinadas comunidades indígenas. Nesse período, a principal bandeira
de luta centrava-se no reconhecimento dos territórios tradicionais e na busca
de alternativas econômicas que possibilitassem uma maior autonomia para
as comunidades indígenas. Paralelamente, a questão da escola ganha
importância na medida em que se percebe que os índios precisam adquirir
conhecimentos qualificados sobre o mundo dos brancos, para que possam
estabelecer relações menos submissas e mais igualitárias tanto com setores
do indigenismo oficial, quanto com outros segmentos da sociedade brasileira.
Aprender o idioma português, dominar algumas operações matemáticas eram
necessidades prementes para alguns povos, para darem um “basta” às relações
de subordinação e de dominação em que se encontravam. Deste período aos
dias de hoje, muito se avançou na reflexão e na prática da presença da escola
em terras indígenas. Consensos que hoje parecem óbvios foram construídos
com muito esforço, vencendo resistências e preconceitos, e gerando idéias e
experiências que atualmente servem de referência para a própria estruturação
de uma política nacional de Educação Escolar Indígena.
Talvez a idéia mais forte que tenha se firmado ao longo desse
período seja a de que a escola pode ser apropriada pelos povos indígenas,
que podem dar a ela um novo significado e um novo sentido, transformando
essa instituição tipicamente ocidental em um instrumento a seu favor. Se
historicamente a escola foi utilizada para promover a integração dos índios
à comunhão nacional, por meio do aprendizado do idioma português e pelo
progressivo abandono de suas línguas nativas e práticas culturais, hoje
esse aprendizado ocorre paralelamente a processos de sistematização,
registro e valorização de saberes e conhecimentos tradicionais. Hoje, a
demanda por escola está presente em quase todas as comunidades indígenas
que mantêm relacionamentos com segmentos da sociedade brasileira. E
essa demanda não é por qualquer tipo de escola, mas por uma escola gerida
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por representantes das comunidades indígenas, que permita acesso a saberes
universais, mas sirva de ponto de referência para processos de valorização e
resgate cultural. Passado o momento de absorção de uma instituição
tipicamente ocidental, o que se assiste hoje, em todo o país, é o processo de
dar uma feição indígena à instituição escolar nas aldeias.
Outro ponto sobre o qual parece haver um consenso total é que os
processos escolares devem ser conduzidos pelos próprios índios, membros
das respectivas comunidades onde a escola esteja inserida. Para tanto,
professores indígenas têm sido formados para atuarem nas escolas das
aldeias, a partir de diferentes programas de formação, primeiramente
alavancados por organizações da sociedade civil de apoio aos índios, e hoje
já assumidos em muitos estados pelas Secretarias Estaduais de Educação.
Para que este processo encontre bom termo, muitas discussões têm ocorrido
em todo o Brasil, no sentido de se definir um currículo para esse magistério
intercultural, a partir da realidade de cada segmento de professores indígenas
em formação. Experiências de contato, grau de domínio do idioma português,
experiências anteriores de escolarização, prática docente em sala de aula
são alguns dos fatores levados em consideração quando da definição das
competências que se espera que este professor indígena desenvolva durante
o processo de sua formação que, na maioria dos casos, ocorre em serviço e
conjuntamente com sua própria escolarização.
O uso da língua indígena na escola é outro ponto sobre o qual
muito se avançou em termos de reflexão e prática em sala de aula nos
últimos anos, em todo o Brasil. Não há um modelo único que possa dar
conta das diferentes situações sociolingüísticas vividas pelos povos indígenas.
Há povos que são monolíngües em sua língua de origem, outros que falam
mais de uma língua indígena e, ainda, aqueles para os quais o idioma
português tornou-se sua língua de expressão. É sabido que muitas línguas
indígenas hoje no Brasil correm o risco de desaparecer, principalmente
quando poucos são os falantes daquela língua, ou quando os pais não mais
se comunicam com os seus filhos usando sua língua materna. Aí é só questão
de tempo. A escola indígena pode ter um papel importante na manutenção
e na valorização das línguas indígenas, e têm sido muito ricas as experiências
nesse sentido, em todo o país.
Outra vertente sobre a qual se conta com uma boa experiência
acumulada e com resultados extremamente positivos é a da produção de
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materiais didáticos, elaborados em contexto de formação dos professores
indígenas para serem utilizados com seus alunos, em sala de aula. Cartilhas,
livros em diferentes áreas do conhecimento, coletâneas de mitos e de
histórias, dicionários, mapas e Atlas, cartazes, jogos estão sendo produzidos
a partir de processos de pesquisa, no idioma português e em muitas línguas
indígenas, baseados em diferentes concepções pedagógicas.
Mas se é verdade que já se avançou muito, e que muitas são as
experiências em curso, tanto de formação de professores indígenas, quanto
do funcionamento das escolas em terras indígenas, é também um fato a ser
registrado que muitas são as dúvidas, as questões não resolvidas, os impasses
para que estes consensos se generalizem, gerando novas e produtivas práticas
escolares.
Com esta série, queremos fazer avançar essas discussões, criando
um momento de interação entre profissionais diversos relacionados à
temática, que possam pensar e sugerir caminhos novos, ainda não trilhados,
e que forneçam elementos para que todos os professores, índios e nãoíndios, pensem sobre o rumo da escola brasileira, sua relação com a
comunidade e com projetos claros e definidos de cidadania educacional.
Temas que serão debatidos nos programas da série Educação Escolar Indígena
– Formação de Professores
A série Educação Escolar Indígena – Formação de Professores
desdobra-se em cinco programas voltados à discussão de temáticas centrais
à efetivação do direito dos povos indígenas a uma educação intercultural e
de qualidade. Será apresentada no programa Salto para o Futuro, da TV
Escola, de 6/5 a 10/5/2002.
Essa série foi baseada em experiências com a Formação de professores
indígenas. É importante destacar, no entanto, que o acesso a essas informações
constitui importante fonte de conhecimento para todos os professores
brasileiros preocupados com a diversidade cultural de nosso país.
PGM 1 - FORMAÇÃO
DE PROFESSORES INDÍGENAS
Hoje são 3.059 professores indígenas, com variados níveis de formação, em
atuação nas 1.392 escolas indígenas do país. Todos em sala de aula, a
maioria sem ainda concluir sua escolarização básica, embora alguns já cur-
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FORMAÇÃO DE PROFESSORES
sando licenciaturas específicas para professores indígenas. Diversas experiências de formação diferenciadas estão em curso em todo o país e muitos
e bons resultados já podem ser contabilizados.
PGM2 - ESCOLA
E LÍNGUAS INDÍGENAS
São conhecidas hoje 180 línguas indígenas, distribuídas em 41 famílias,
dois troncos lingüísticos e dez línguas isoladas. Esse número, bem como
essas classificações – dizem os lingüistas – devem se alterar, na medida em
que se intensifica a descrição de novas línguas e daquelas parcialmente
documentadas. E também porque outras irão desaparecer. A escola indígena tem tudo a ver com esta questão: pode jogar a favor ou contra a valorização e a manutenção da diversidade lingüística no país.
PGM 3- PRODUÇÃO
DE MATERIAL DIDÁTICO
Ainda são poucas as escolas indígenas do país que contam com materiais
didáticos próprios, mas é crescente a produção de cartilhas, atlas, dicionários, mapas, coletâneas de histórias e outros livros, por parte de professores
indígenas em cursos de formação. Materiais escritos em língua indígena e
no idioma português, a partir de processos de pesquisa e sistematização de
informações, têm permitido às crianças indígenas um encontro diferente
com o mundo de dentro e de fora da aldeia.
PGM 4- ESCOLA
E COMUNIDADES INDÍGENAS
Os processos tradicionais de socialização das crianças nas comunidades indígenas convivem hoje com a instituição escolar. Escola e comunidade não
podem estar desvinculadas do ritmo e do padrão da vida indígena. A escola
não é o único lugar de aprendizado, nem deve substituir momentos formais e
informais de transmissão de saber. A comunidade tem muito a dizer sobre
como a escola vai funcionar e que tipo de indivíduo ela vai formar.
PGM 5 - ESCOLA
INDÍGENA E PROJETOS DE FUTURO
Os povos indígenas no Brasil têm reivindicado uma escola indígena que
lhes sirva de instrumento para a construção de projetos autônomos de futuro, dando-lhes acesso a conhecimentos necessários para um novo tipo de
interlocução com o mundo de fora da aldeia. Nesse processo, a escola ganhou relevância dentro do movimento indígena, e os professores indígenas,
organizados em uma nova categoria de profissionais, têm hoje uma pauta
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própria de luta e reivindicações. Nesse cenário, um novo papel está sendo
desenhado para a escola indígena no país.
ANEXO
Informações sobre o trabalho da CPI-AC e da OGPTB2
A série Educação Escolar Indígena – Formação de Professores enfoca
algumas experiências de formação de professores indígenas no Brasil. Duas
delas são exploradas em profundidade nos cinco programas que compõem
a série: a experiência da Comissão Pró-Índio do Acre (CPI-AC), com sede em
Rio Branco (AC) e a da Organização Geral dos Professores Ticuna Bilíngües
(OGPTB), de Benjamin Constant (AM). A seguir, apresentamos algumas
informações sobre estas duas experiências, que foram escolhidas porque se
tornaram referências nacionais para outras iniciativas de formação de
professores indígenas em outras regiões do país e também porque
possibilitaram pensar várias questões que hoje dão sustentação para a política
nacional de Educação Escolar Indígena do Brasil.
O projeto da Organização Geral dos Professores Ticuna Bilíngües
A Organização Geral dos Professores Ticuna Bilíngües (OGPTB) foi
criada em dezembro de 1986. Ela é a responsável pelo curso de formação
dos professores Ticuna, que funciona no Centro de Formação de Professores
Ticuna – Torü Nguepataü (“nossa casa de estudos”), localizado na aldeia de
Filadélfia, município de Benjamin Constant (AM). O centro foi planejado
pelos professores e construído em 1993, dispondo de salas de aula, biblioteca
e alojamentos para os cursistas. Durante o período letivo, o Centro abriga
duas salas de aula de alunos da 5ª e 7ª séries, e nos períodos de férias, de
janeiro/fevereiro e julho, acontecem os cursos de formação dos professores
Ticuna.
O Curso de Formação de Professores Ticuna – Habilitação para o
Magistério teve início em 1993 e, a partir desta data foram realizadas mais
de 15 etapas. Em 1996, 212 professores ticuna concluíram o 1º grau com
2
Com a colaboração de Jussara Gruber para o texto sobre a OGPTB e Nietta Monte para o da CPI-AC.
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qualificação para o magistério. Em 2000, outra turma de professores concluiu
o 1o grau e vários se formaram no nível médio, totalizando 183 professores
qualificados. Este curso foi reconhecido pelo Conselho Estadual de Educação
do Amazonas em 1997, ficando a OGPTB autorizada a emitir os certificados
de conclusão.
O Curso de Formação, que integra o Projeto Educação Ticuna, envolve
uma série de atividades desenvolvidas com a participação dos alunos/
professores índios, tais como a organização de materiais didático-pedagógicos
e a preparação de um currículo diferenciado para as escolas ticuna, além
de subprojetos voltados para as áreas de saúde, meio ambiente e cultura. O
Curso é ministrado por professores com experiência em educação indígena,
procedentes de universidades e outras instituições de ensino do país.
Na produção de materiais didáticos, os professores recebem orientação
sobre metodologia de pesquisa e participam de oficinas para produção de
textos e desenhos. Além de O livro das Árvores que, por sua beleza, ganhou
projeção nacional, integrando o acervo de livros de literatura que o MEC
distribui para todas as escolas do país, foram preparados outros materiais
para uso nas escolas Ticuna: Manual da Escrita – Ngiã Tanaütchicünaagü,
Livro do Professor, para aplicação do Manual da Escrita, A Matemática do
Meu Dia e Manual de Saúde – Doenças Sexualmente Transmissíveis e Aids.
Estão em preparação outros 10 livros, o Livro dos Peixes e o Dicionário
Ticuna/Ticuna e Ticuna/Português.
O Projeto Educação Ticuna abrange professores e escolas dos
municípios de Benjamin Constant, Tabatinga, São Paulo de Olivença,
Amaturá e Santo Antônio do Içá. Nesses municípios existem 92 escolas e
cerca de 7.000 alunos ticuna. O Projeto tem apoio do Fundo Internacional
do Desenvolvimento Agrícola – FIDA, Ministério da Educação e do Desporto,
Fundação Nacional do Índio, além da colaboração de algumas prefeituras
municipais do Amazonas.
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Os Ticuna - os Ticuna vivem no Brasil, na Colômbia e no
Peru. No Brasil, estão localizados no estado do Amazonas, ao
longo do rio Solimões, nos seus afluentes e ilhas. Atualmente
constituem o mais numeroso grupo indígena do país, com aproximadamente 32.000 pessoas, e suas aldeias, cerca de 100,
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localizam-se em terras dos municípios de Benjamin Constant,
Tabatinga, São Paulo de Olivença, Amaturá, Santo Antônio do
Içá, Fonte Boa, Anamã e Beruri.
Os Ticuna falam uma língua considerada isolada, que não mantém semelhança com nenhuma outra língua indígena. Sua característica principal é o uso de diferentes alturas na voz, peculiaridade que a classifica como uma língua tonal. Os Ticuna
estão organizados em clãs, ou “nações”, agrupados em metades, que regulam os casamentos. Membros de uma metade
devem casar-se com pessoas da metade oposta, e seus filhos
herdam o clã do pai. Numa das metades agrupam-se os clãs
com nomes de aves: mutum, maguari, arara, japó etc. Na outra
metade estão os clãs que possuem nomes de plantas e de
animais, como o buriti, jenipapo, avaí, onça, saúva.
As primeiras notícias sobre a presença dos Ticuna na região
do alto rio Solimões datam da metade do século XVII. Os contatos com os brancos, todavia, acentuaram-se a partir das últimas décadas do século passado, quando suas terras foram
maciçamente ocupadas por seringalistas e comerciantes que aí
se estabeleceram para extrair a borracha, utilizando, direta e
indiretamente, a força de trabalho indígena. Após o declínio da
exploração da seringa, os Ticuna retornaram às suas atividades agrícolas tradicionais, integrando-se, gradativamente, à
economia regional. Hoje em dia, constituem os principais fornecedores de farinha de mandioca e de frutas para os mercados das cidades da região.
Apesar do longo contato com os brancos e das formas de
dominação, exploração e aculturação impostas pelas frentes de
expansão e pelas diferentes missões religiosas em atuação entre
eles, os Ticuna mantêm viva sua língua e sua organização social. Desde 1980, os Ticuna vêm lutando pelo reconhecimento
oficial de suas terras. Já foram homologadas 14 áreas, num
total de 1.272.742 ha no Amazonas.
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O projeto da Comissão Pró-Índio do Acre
Em princípios do ano de 1983, a Comissão Pró-índio do Acre deu
início ao Projeto “Uma Experiência de Autoria” que visa possibilitar a formação
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continuada de professores indígenas das etnias Kaxinawá, Katukina,
Kaxarari, Ashaninka, Manchineri, Jaminawá, Shawãdawa, Yawanawá,
Apurinã e Poyanáwa, todas localizadas no Acre. Inaugurava-se, nesta época,
uma renovação nos modelos de educação escolar no país e no continente,
resultado do momento histórico representado pelos novos tempos dos direitos
– os processos de demarcação de terras indígenas na região vinham
acompanhados pela necessidade de substituição dos sistemas de
dependência e integração, representados pelas escolas das agências
missionárias e governamentais, por novas formas de pensar e fazer educação
escolar indígena. Para tal mudança, jovens indígenas eram escolhidos, por
suas comunidades, para serem formados e, ao mesmo tempo, iniciarem
experiências de alfabetização bilíngüe de seus parentes, cujas terras, na
época, estavam em processo de demarcação.
O projeto vem realizando, desde então, a formação permanente de
um grupo de mais de 60 professores indígenas; a elaboração, por uma equipe
de assessores e professores indígenas, de currículos bilíngües e interculturais
para as escolas e para os cursos de magistério indígena; a produção e
publicação de quase uma centena de materiais didáticos e paradidáticos
elaborados nos cursos de formação pelos professores indígenas e seus
assessores, para uso nas escolas; o acompanhamento e assessoria
permanente a estes professores nas escolas das aldeias,pela equipe de
educadores da entidade, de forma a possibilitar-lhes a continuidade de sua
formação a distância. Por tais características e linhas de trabalho, a marca
registrada do projeto acreano, envolvendo pesquisa e criação pedagógica,
tem sido o conceito de “autoria”.
Durante todos os cursos de formação oferecidos pela CPI-AC, os
professores indígenas desenham e escrevem, em suas diversas línguas,
recentemente grafadas e no idioma português, livros nas diversas áreas de
estudo de seu currículo (Matemática, Línguas, Geografia, História, Ciências)
que são imediatamente editados pela entidade para serem utilizados ao
longo do ano letivo em suas respectivas escolas, até serem renovados por
novos materiais nos próximos anos. Desta forma, o projeto conta com um
extenso acervo de materiais didáticos e de literatura de autoria indígena,
que vêm sendo referência importante para os novos programas de educação
escolar no Brasil. Estes livros, escritos desde a década de 80, em Língua
Portuguesa e nas diversas línguas envolvidas no programa, referem-se a
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temas como suas “Histórias de Hoje e de Antigamente” (1984); suas “Escolas
da Floresta” (1984); sua cultura material, “Fábrica do Índio” (1985); suas
músicas, “Nuku Mimawa” (1994); suas diversas abordagens da Geografia,
“Geografia Jaminawa”, “Geografia Manchineri”, “Geografia Yawanawá”,
“Geografia Kaxinawá” (1995); sua relação com outras literaturas indígenas
e não-indígenas, “Antologia da Floresta” (1996); suas mitologias pesquisadas
entre os velhos e reunidas em livros como “Shenipabu Miyui” (1996) e “Noke
Shoviti” (1998); totalizando hoje 57 publicações de uma nova literatura
indígena em sua fase atual de aquisição e uso da escrita, com a concomitante
valorização dos mecanismos tradicionais de oralidade.
Por este elenco de realizações, o Projeto de Autoria tem sido reconhecido
como um dos principais modelos pedagógicos possíveis para a Educação Escolar
não só no Brasil como em outros paises da América Latina, promovendo
importante papel na discussão das políticas públicas a serem traçadas para
as populações indígenas. Como resultado de sua trajetória histórica, a CPI/
AC conquistou a aprovação e regulamentação dos currículos das escolas e
dos cursos de magistério pelo Conselho Estadual de Educação do Acre em
1993 e 1997 respectivamente, tendo promovido, desde seus primórdios,
importantes e pioneiras parcerias entre órgãos federais e estaduais como a
Funai, Ministério da Educação, Secretarias de Educação, algumas
universidades brasileiras e organizações não-governamentais de caráter civil.
Hoje existem no Acre mais de 110 escolas indígenas regularizadas, a
maioria delas desenvolvendo seus currículos diferenciados sob a
responsabilidade dos professores índios em processo de formação no
magistério, lecionando para cerca de 2.500 alunos. Apóia-se, assim, a
permanência das populações indígenas em suas terras e sua preparação
para o uso e a conservação destes territórios, em ações integradas de educação
escolar, meio ambiente e saúde.
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Os índios do Acre - Foi na década de 70 que os índios do
Acre e Sudoeste do Amazonas passaram a ser reconhecidos
como grupos étnicos diferenciados, com o apoio de ações de
indigenistas de entidades civis e religiosas e com a instalação
da Funai no Estado. Até então, o governo e vários segmentos da
sociedade desconheciam a existência de índios naquela região,
sendo estes identificados como caboclos e integrados em sua
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maioria como mão-de-obra nas frentes extrativistas (borracha e
castanha) que chegaram à região nos finais do século passado.
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Hoje, existem 27 terras indígenas, com diferentes situações de
regularização fundiária, totalizando cerca de 13% da extensão total do estado.
Nelas vivem aproximadamente 10 mil índios das etnias Apurinã, Ashaninka,
Jaminawa, Kaxinawa, Katukina, Manchineri, Yawanawa, Kulina,
Shawanawa, Shanenawa, Poyanawa, Jamamadi, Nukini, Kaxarari, além de
vários outros grupos ainda isolados. Esses grupos falam línguas pertencentes
a três famílias linguísticas: Aruak, Pano e Arawá.
A exploração e a ocupação, por brasileiros e por peruanos, das extensas
áreas de florestas banhadas pelas bacias formadoras dos altos rios Purus e
Juruá no Acre, desenrolou-se a partir das duas últimas décadas do século
XIX. A partir deste período, ocorreu a penetração de duas frentes extrativistas
de expansão: uma, itinerante e de curta duração, ganhou forma através das
atividades dos caucheiros peruanos, que visavam à exploração do caucho e
de outros produtos florestais (peles de animais e madeira-de-lei); outra,
maciça e duradoura, constituída por brasileiros que passaram a trabalhar
nos seringais abertos nos altos rios incidentes, na faixa territorial que viria
a constituir posteriormente o Território Federal do Acre.
Os integrantes dessas duas frentes extrativistas praticamente cercaram
as populações nativas, pertencentes aos troncos lingüísticos Pano e Aruak,
que tradicionalmente habitavam as terras firmes e as margens dos igarapés,
afluentes dos altos rios. Este período inicial de conquista dos seringais foi
marcado por sangrentos enfrentamentos entre os membros dessas populações
nativas, tanto com os nordestinos quanto com os caucheiros peruanos. A
estes enfrentamentos e suas trágicas conseqüências deu-se o nome de
correrias. Os caucheiros freqüentemente se aproveitaram de tradicionais
conflitos intertribais, aliando-se a uma das partes, fornecendo armamento,
munição e outros produtos industrializados para que se realizassem as
correrias e fossem escravizados os membros das populações derrotadas.
A inserção das populações indígenas nos seringais administrados por
patrões seringalistas regionais se estende até meados da década de 70 e é
vista por seus membros como o tempo do cativeiro. Os integrantes dessas
populações passaram a ser indistintamente denominados de caboclos e a
sofrer forte discriminação no interior dos seringais. Os seringueiros cariús
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se viram atrelados aos barracões dos patrões, sendo obrigados a pagar renda
pela utilização das estradas de seringa, e roubados nos preços da borracha
e das demais mercadorias. Eram proibidos de praticar festas e rituais de
suas tradições culturais, assim como de atualizar importantes aspectos de
suas formas próprias de organização social e política.
Em 1975, a Divisão de Estudos e Pesquisas da Funai realizou os
primeiros levantamentos fundiários, demográficos, socioeconômicos e
culturais das populações indígenas que habitavam os rios Envira, Muru,
Humaitá, Tarauacá e Jordão. Como desdobramento desse levantamento e,
principalmente, do acirramento dos conflitos pela posse da terra no Acre, a
Funai constituiu equipes de trabalho para realizar, no ano de 1977, as
primeiras identificações de terras indígenas em diferentes rios e
microrregiões do Estado. Até as demarcações físicas das áreas indígenas do
Acre, os diversos grupos étnicos locais receberam pequenos montantes de
recursos para o financiamento das safras extrativista e agrícola, através de
distintos projetos de organização de cooperativas, intermediados pela CPIAC junto a entidades governamentais e agências humanitárias estrangeiras.
Nesses primeiros anos, a estruturação das cooperativas serviu de base
para a conquista e a ocupação produtiva dos seringais incidentes nas áreas
indígenas, assim como para a reorganização política, econômica e social
dos grupos familiares extensos que integravam as populações indígenas. A
partir de 1982-83, as lideranças começaram a participar das assembléias
indígenas e começaram a exigir a agilização da demarcação de suas terras,
o financiamento de suas safras extrativistas e agrícolas e a capacitação de
membros dos próprios grupos para a execução de programas educacionais
e sanitários a serem desenvolvidos em suas áreas.
Nasce assim o Projeto “Uma Experiência de Autoria”, como forma de
atender à solicitação das lideranças indígenas na sua luta pela libertação
dos patrões e de outros agentes formais do violento contato até então
promovido nesta região. É o início dos novos Tempos dos Direitos, nos quais
a escola passa a ocupar um lugar estratégico fundamental.
Links na Internet sobre os povos indígenas no Brasil
Nas páginas na rede mundial de computadores podem ser
encontradas informações qualificadas e atualizadas sobre os povos indígenas
PROPOSTA PEDAGÓGICA
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EDUCAÇÃO ESCOLAR
I N D Í G E N A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES
no Brasil. Todas as principais organizações de apoio aos índios bem como
órgãos governamentais que lidam com os índios, usam a internet para
divulgar informações sobre seus trabalhos e sobre os povos com os quais se
relacionam. A seguir, comentamos alguns dos melhores sites sobre índios
brasileiros disponíveis na internet.
FUNAI – FUNDAÇÃO NACIONAL
DO ÍNDIO
www.funai.gov.br/
Página institucional da FUNAI (Fundação Nacional do Índio), trazendo informações sobre a política indigenista no Brasil, a ação do governo federal
junto aos povos indígenas, legislação básica, terras indígenas (detalhando
os procedimentos de demarcação), educação, saúde, índios isolados, projetos de lei sobre os índios em tramitação no Congresso Nacional e artesanato indígena. Há uma listagem com os endereços de todas as administrações
regionais, núcleos de apoio e lojas da Artíndia.
MUSEU
DO ÍNDIO
www.museudoindio.org.br
Página Institucional do Museu do Índio, localizado no Rio de Janeiro, órgão
científico-cultural da Funai (Fundação Nacional do Índio). Apresenta informações sobre o funcionamento do Museu, seu acervo etnográfico, biblioteca Marechal Rondon, loja da Artíndia e sobre as exposições. Há facilidades
para pesquisa e atividades para crianças.
ISA - INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL
www.socioambiental.org
Página do Instituto Socioambiental sobre os povos indígenas no Brasil. Utilizando fotos, textos, tabelas, listagens e mapas, esta página apresenta informações sobre a população indígena no país (por etnia), sua localização
(mapas por região), a situação jurídica das terras indígenas, os direitos indígenas consagrados na Constituição de 1988, quadro com as organizações
indígenas e de apoio aos índios e lista dos 218 povos indígenas, com dados
sobre língua e outras grafias dos nomes. Traz também uma listagem de
bibliografia, organizada por tipo de documento e por etnias. Há verbetes
sobre alguns povos indígenas do Brasil, escritos por antropólogos. Desta
página é possível ter acesso a outras produzidas pelo ISA: “Últimas Notícias”
PROPOSTA PEDAGÓGICA
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EDUCAÇÃO ESCOLAR
I N D Í G E N A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES
com matérias jornalísticas sobre os índios; “Documentos na Íntegra” que
disponibiliza documentos, projetos de lei e relatórios na íntegra, por
download; “Produtos” onde se pode adquirir publicações sobre índios produzidas pelo ISA e por outras ONGs.
CIMI - CONSELHO INDIGENISTA MISSIONÁRIO
www.cimi.org.br
Página do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) da Conferência Nacional dos
Bispos do Brasil (CNBB). Apresenta informações atualizadas sobre os povos indígenas no Brasil, bem como campanhas em favor dos índios. Há informações
sobre movimento indígena, povos e terras indígenas, educação e saúde. Dá acesso
ao Jornal Porantim, editado pelo CIMI, bem como à Campanha da Fraternidade
de 2002 sobre os povos indígenas e sobre o caso Galdino, índio Pataxó morto em
Brasília. Traz, ainda, as publicações produzidas pelo CIMI.
DIA – DOCUMENTAÇÃO INDIGENISTA
E
AMBIENTAL
www.cr-df.rnp.br/~dia/
Página da organização não-governamental DIA – Documentação Indigenista
e Ambiental, fundada em 1991. Apresenta fotos, mapas, iconografia, tabelas e pequenos textos com informações sobre as etnias indígenas, terras
indígenas, campanhas pela demarcação de terras e classificação das línguas indígenas. Permite acesso aos boletins da rede LINDA – Línguas Indígenas da Amazônia e à Cartilha “Recontando a História do Índio no Brasil”,
publicada pela ANAI-BA.
Além dessas páginas que trazem informações gerais sobre os povos indígenas no Brasil, recomendamos mais algumas, de abrangência mais específica, a partir de duas entradas: .
Organizações de apoio aos índios
ANAI - ASSOCIAÇÃO NACIONAL
DE
AÇÃO INDIGENISTA
www.anai.org.br
CCPY - COMISSÃO PRÓ-YANOMAMI
www.ccpy.org.br
CTI- CENTRO
DE
TRABALHO INDIGENISTA
www.trabalhoindigenista.org.br
PROPOSTA PEDAGÓGICA
16
EDUCAÇÃO ESCOLAR
I N D Í G E N A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES
OPAN - OPERAÇÃO AMAZÔNIA NATIVA
www.opan.org.br
VÍDEO
NAS
ALDEIAS
www.videonasaldeias.org.br
Órgãos governamentais brasileiros:
PRESIDÊNCIA
DA
REPÚBLICA
www.planalto.gov.br/secom/colecao/indio.htm
FUNASA - FUNDAÇÃO NACIONAL
DE
SAÚDE
www.funasa.gov.br
MEC - MINISTÉRIO
DA
EDUCAÇÃO
www.mec.gov.br/sef/indigena
Indicações bibliográficas sobre os povos indígenas, educação e formação de
professores indígenas no Brasil
A bibliografia sobre os povos indígenas no Brasil é muito vasta. Aqui
selecionamos apenas alguns títulos, lançados recentemente, para aqueles
que estiverem interessados em se aprofundar na temática indígena e,
particularmente, na temática da educação escolar indígena. Apresentamos,
assim, algumas obras de referência, de fácil acesso.
SOBRE
OS POVOS INDÍGENAS NO
BRASIL:
Lopes da Silva, Aracy e Grupioni, Luís Donisete Benzi. A Temática Indígena na
Escola: subsídios para professores de 1º e 2º graus. Brasília: MEC/MARI/
UNESCO, 1995.
Grupioni, Luís Donisete Benzi, Vidal, Lux e Fischmann, Roseli. Povos Indígenas e Tolerância: construindo práticas de respeito e solidariedade. São Paulo:
Edusp e Unesco, 2001.
Ricardo, Carlos Alberto (Ed.). Povos Indígenas no Brasil – 1996-2000. São Paulo:
Instituto Socioambiental, 2000.
SOBRE EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA:
Ministério da Educação. Diretrizes para a Política Nacional de Educação Escolar
Indígena. Brasília: MEC-SEF e Comitê Nacional de Educação Escolar Indígena, 1993.
PROPOSTA PEDAGÓGICA
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EDUCAÇÃO ESCOLAR
I N D Í G E N A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES
Ministério da Educação. Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas.
Brasília: MEC, 1998.
Secretaria de Educação - Projeto Tucum. Jenipapo, urucum e giz. Educação Escolar Indígena em debate. Cuiabá: Conselho de Educação Escolar Indígena de
Mato Grosso, 1997.
Lopes da Silva, Aracy e Ferreira, Mariana Kawall. Antropologia, História e Educação: a questão indígena e a escola. São Paulo: Fapesp/Global/Mari, 2001.
Veiga, Juracilda e Salanova, Andrés. Questões de Educação Escolar Indígena: da
formação do professor ao projeto de escola. Brasília: Funai/Dedoc e ALB,
2001.
PROPOSTA PEDAGÓGICA
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EDUCAÇÃO ESCOLAR
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FORMAÇÃO DE PROFESSORES
PGM 1 – FORMAÇÃO
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“Então surgiu o questionamento: que tipo de escola temos e
que escola queremos? Porque, na verdade, a escola formal
estava ou ainda está afastando o índio de sua própria realidade, fazendo-o esquecer e deixando a sua cultura de lado.
Isso fez com que os professores, juntamente com as lideranças de cada povo, viessem a refletir melhor a questão da
educação. Depois de muitas discussões, os professores e
lideranças afirmaram que era preciso uma educação diferenciada para as comunidades indígenas. Hoje, não em todas as escolas, mas na maioria, temos professores indígenas trabalhando na sua própria comunidade, onde ele é
responsável pela formação do aluno-índio.”
(Prof.Orlando Oliveira Justino, Macuxi/RR)
“Foi bom esse curso porque nos ajudou a rever o interesse
pela nossa língua e cultura. Antes não tínhamos tanto interesse como temos hoje. Agora eu tenho orgulho de ter a
língua e a cultura de minha tribo.”
(Prof. José Carlos de Oliveira, Krenak/MG)
“O meu desenvolvimento como professora índia em formação é uma riquíssima fonte de emoções.”
(Profa. Vanilde Araújo Vonkinak, Xakirabá/MG)
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A formação de índios como professores e gestores das escolas localizadas em
terras indígenas é hoje um dos principais desafios e prioridades para a con-
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solidação de uma Educação Escolar Indígena, pautada pelos princípios da diferença, da especificidade, do bilingüismo e da interculturalidade. É um con-
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EDUCAÇÃO ESCOLAR
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senso estabelecido que a escola indígena de qualidade só será possível se à sua
frente estiverem, como professores e
como gestores, professores indígenas,
pertencentes às suas respectivas comunidades.
De saída, pode-se dizer que esta é
uma tarefa complexa, que tem encontrado soluções muito diferentes em várias localidades do país, e para a qual
não há um único modelo a ser adotado,
visto a extrema heterogeneidade e diversidade de situações sociolingüísticas, culturais, históricas e de formação e escolarização vividas pelos professores índios e por suas comunidades.
Ao realizar um censo escolar indígena específico, no ano de 1999, o MEC
reuniu informações que nos permitem
visualizar quem são os professores índios em atuação nas escolas indígenas
em todo o país. Eles totalizam 3.059 professores, representando 76,5%. Os outros 939 professores são não-índios, representando 23,5%. Há diferenças marcantes entre as regiões: enquanto na
região Norte, os professores indígenas
respondem por 82,7% do total, na região Sul eles são menos da metade dos
docentes, correspondendo a 46,2%. No
Nordeste, os professores indígenas representam 78,1% do total, no CentroOeste são 73,6% e no Sudeste somam
80,6%.
Em termos de gênero há mais professores indígenas do sexo masculino
que feminino: são 1.990 do sexo mascu-
BOLETIM – PGM 1 - FORMAÇÃO
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FORMAÇÃO DE PROFESSORES
lino, enquanto 1.069 são do sexo feminino. Variam muito também os níveis de
escolaridade desses professores, apresentando grande heterogeneidade, cujas
proporções se modificam de região para
região e em cada estado. Em termos gerais, 28,2% dos professores indígenas
ainda não completaram o Ensino Fundamental, 24,8% têm o Ensino Fundamental completo, 4,5% têm Ensino Médio completo, 23,4% têm Ensino Médio
com magistério, 17,6% têm Ensino Médio com magistério indígena e apenas
1,5% têm Ensino Superior. Cada uma
dessas situações exige uma resposta diferente, de modo a propiciar que o professor indígena complete sua escolarização básica e se qualifique por meio
de uma formação específica para a atuação no magistério indígena. E hoje, com
a nova legislação, exige-se dele, como dos
demais professores do país, a titulação
em nível superior.
Essa formação específica é uma forte demanda não só dos professores índios mas também de suas comunidades,
que almejam uma educação qualificada
para suas crianças, pois ainda que os
professores nas escolas indígenas, em
sua maioria, sejam índios, muitos membros destas respectivas etnias, como nos
mostram os dados acima, não concluíram sua escolarização básica, nem tiveram uma formação em magistério. E ela
está prevista na legislação que trata do
direito dos índios a uma educação
intercultural, diferenciada dos demais
DE PROFESSORES INDÍGENAS
20
EDUCAÇÃO ESCOLAR
I N D Í G E N A
segmentos da população brasileira. Nesta
legislação garante-se que os professores
indígenas possam ter essa formação “em
serviço”, ou seja, paralelamente à sua
atuação em sala de aula, e concomitante
à sua formação básica.
Essa determinação é fruto de diversas experiências de formação de professores indígenas que surgiram desde a
década de 80 em diferentes regiões do
país, por iniciativa de organizações da
sociedade civil que atuavam junto a determinados povos indígenas. Tais experiências, surgidas fora do aparelho do
Estado, foram sendo gradativamente reconhecidas pelos órgãos oficiais e forneceram elementos para se regulamentar
o processo de qualificação profissional
dos professores indígenas.
É o caso, por exemplo, da Resolução
n. 3/99 do Conselho Nacional de Educação, que estabelece que cabe aos sistemas
estaduais de ensino promover a formação
inicial e continuada dos professores indígenas, bem como instituir e regulamentar a profissionalização e o reconhecimento
público
do
magistério
indígena.
Normatizações como essa têm ensejado a
crescente substituição de cursos de
capacitação de curta duração por programas estruturados de formação de professores indígenas, com vistas à sua titulação,
como vem ocorrendo em algumas Secretarias Estaduais de Educação, ou sendo
assumidos por organizações da sociedade
civil de apoio aos índios e ainda por organizações dos próprios povos indígenas.
BOLETIM – PGM 1 - FORMAÇÃO
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FORMAÇÃO DE PROFESSORES
De modo geral, esses processos de
formação almejam possibilitar que os
professores indígenas desenvolvam um
conjunto de competências profissionais
que lhes permitam atuarem, de forma
responsável e crítica, nos contextos
interculturais e sociolingüísticos nos
quais as escolas indígenas estão
inseridas. Em muitas situações cabe ao
professor indígena atuar como mediador
e interlocutor de sua comunidade com
os representantes do mundo de fora da
aldeia, e com a sistematização e organização de novos saberes e práticas. É dele
também a tarefa de refletir criticamente
e de buscar estratégias para promover a
interação dos diversos tipos de conhecimentos que se apresentam e se entrelaçam no processo escolar: de um lado, os
conhecimentos ditos universais, a que
todo estudante, indígena ou não, deve
ter acesso, e, de outro, os conhecimentos étnicos, próprios ao seu grupo étnico, que se antes eram negados, hoje assumem importância crescente nos contextos escolares indígenas.
Tal como estabelecido em documento do MEC, os professores indígenas “têm
a difícil responsabilidade de serem os
principais incentivadores à pesquisa dos
conhecimentos tradicionais junto aos
membros mais velhos de sua comunidade e sua difusão entre as novas gerações, visando à sua continuidade e reprodução cultural; assim como estudarem, pesquisarem e compreenderem os
conhecimentos reunidos no currículo
DE PROFESSORES INDÍGENAS
21
EDUCAÇÃO ESCOLAR
I N D Í G E N A
escolar à luz de seus próprios conhecimentos” (MEC, 2001).
Portanto, o professor indígena deve
ser formado também como um pesquisador, não só de aspectos relevantes da
história e da cultura do seu povo, mas
também dos conhecimentos significativos nas várias áreas de conhecimento.
Resultam, dessa atividade de pesquisa e
estudo, materiais que podem ser organizados e utilizados não só durante o
processo de formação desse professor,
mas também como material didático para
uso com seus alunos.
Os processos de formação de professores indígenas no Brasil têm se desenvolvido por meio de situações de formação presenciais e momentos nãopresenciais, possibilitando que o professor continue em atuação em sua escola,
e transforme o seu dia-a-dia em sala de
aula em matéria de constante reflexão.
Nos períodos presenciais, cursos e atividades previamente planejados são executados por uma equipe de especialistas, responsáveis pela formação. São os
momentos de curso, normalmente modulares, de trabalho intensivo, reunindo professores de uma mesma etnia ou
de diversos povos. Ocorrem normalmente uma ou duas vezes por ano. A esses
períodos presenciais, várias outras situações de formação são incentivadas, como
estágio supervisionado, em que um formador acompanha o trabalho do professor na sua escola, ou visitas de intercâmbio entre professores indígenas de
BOLETIM – PGM 1 - FORMAÇÃO
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FORMAÇÃO DE PROFESSORES
diferentes escolas, e ainda os momentos de pesquisa, reflexão e registro de
suas atividades em sala de aula, por meio,
por exemplo, de memoriais e diários de
classe.
São iniciativas com esse perfil que
têm possibilitado que um número crescente de professores indígenas complete sua escolarização básica e tenha uma
formação específica para a atuação no
magistério. E já estão em curso as primeiras experiências de formação diferenciadas, em nível de terceiro grau, para
professores indígenas, por meio de licenciaturas específicas.
Todavia, é preciso registrar que ao
lado de avanços significativos no processo de qualificação profissional dos
professores indígenas registrados nos
últimos anos, persistem muitos obstáculos para a generalização dessas práticas. Muitas Secretarias de Educação
ainda não se estruturaram para o trabalho com a Educação Indígena, não
contando nem com recursos financeiros, nem com equipe técnica qualificada para ações de formação de seus professores.
A temática da formação de professores indígenas ganha cada vez mais força
dentro da pauta de atuação do movimento indígena no país, na medida em que
se percebe sua importância para a construção de escolas “verdadeiramente indígenas”.
Neste primeiro programa da série
Educação Escolar Indígena – Formação
DE PROFESSORES INDÍGENAS
22
EDUCAÇÃO ESCOLAR
I N D Í G E N A
de professores pretende-se discutir em
profundidade os avanços e os impasses
que marcam as principais experiências
de formação de professores indígenas no
Brasil.
Bibliografia
Ministério da Educação. Diretrizes para a
Política Nacional de Educação Escolar
Indígena. Brasília: MEC-SEF e Comitê Nacional de Educação Escolar Indígena, 1993.
Ministério da Educação. Referencial Cur-
BOLETIM – PGM 1 - FORMAÇÃO
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
FORMAÇÃO DE PROFESSORES
ricular Nacional para as Escolas Indígenas. Brasília: MEC, 1998.
Ministério da Educação. Referenciais para
implantação de programas de formação
de professores indígenas nos sistemas
estaduais de ensino. Brasília: MEC,
2001, mimeo.
Monte, Nietta. “Os outros, quem somos?
Formação de Professores indígenas
e identidades interculturais”. In:
Fundação Carlos Chagas - Cadernos
de pesquisa, n. 111. São Paulo: Editora Autores Associados, 2000.
DE PROFESSORES INDÍGENAS
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EDUCAÇÃO ESCOLAR
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FORMAÇÃO DE PROFESSORES
PGM 2 – ESCOLA E LÍNGUAS INDÍGENAS
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“A língua do branco vem acabando com a gente, invadindo
nossa cultura, dominando tudo. O branco chegou aqui e
veio invadindo tudo, nossa terra, nossa cultura, nossa religião. Nós temos nossa língua, e ela vem sendo matada. Mas
nós podemos ter um compromisso de aprender e de valorizar nossa língua, para passar ela para nossas crianças. Aí,
sim, vamos estar fortes para enfrentar a língua do branco.”
(Tuxáua Severino Macuxi/RR)
“É importante colocar no currículo atividades sobre a cultura
e os costumes do nosso povo. Isso para lembrar sempre as
tradições. Porque realmente dá tristeza quando os nosso
parentes deixam seus costumes. É por isso que temos que
reforçar na nossa comunidade que falar a língua indígena é
muito importante”.
(Prof. José Hani, Karajá / TO)
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No Brasil hoje, além do idioma português, nossa língua nacional, são faladas muitas línguas: italiano, árabe, japonês, russo e várias outras línguas, por
migrantes e seus descendentes, que adotaram o Brasil como sua pátria, o que
mostra a diversidade lingüística existente
no país. Menos conhecidas são as muitas línguas indígenas, faladas pelos 218
povos indígenas que vivem no território
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nacional, e que completam e enriquecem esse quadro de diversidade lingüística. Ainda que muita gente pense que
todos os índios falem tupi e que todos
eles se entendem entre si, começa-se a
se difundir uma outra imagem das línguas faladas pelos povos indígenas no
Brasil, que nada tem a ver com essa imagem equivocada e reducionista.
No Brasil contemporâneo são faladas
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EDUCAÇÃO ESCOLAR
I N D Í G E N A
180 línguas indígenas conhecidas, distribuídas em 41 famílias, dois troncos
lingüísticos e dez línguas isoladas. Algumas destas línguas apresentam semelhanças entre si e, portanto, podem ser
agrupadas em famílias lingüísticas e
troncos, o que pressupõe que tiveram
uma origem comum e que foram, ao longo dos anos, se diferenciando. Já as línguas consideradas isoladas não apresentam parentesco com nenhuma outra língua conhecida. Embora tenha havido
avanços consideráveis nos últimos anos,
é preciso reconhecer que nosso conhecimento sobre as línguas indígenas faladas no Brasil ainda é bem incipiente,
sendo poucas as línguas efetivamente
estudadas, contando com gramáticas e
estudos aprofundados. Independente do
nível de estudo dessas línguas por parte
dos especialistas, o importante é que as
línguas indígenas estão em uso e estão
vivas entre os povos indígenas, embora
muitos perigos as cerquem.
O número de línguas indígenas faladas no Brasil já foi muito mais no passado: estima-se que na época da conquista fossem faladas aqui mais de 1.200 línguas. No processo de colonização, não
só as línguas, mas os povos que as falavam deixaram de existir. Mas ainda hoje,
o Brasil, no contexto sul-americano, é o
que concentra a maior diversidade lingüística, não obstante seja também o
lugar onde há o menor número de falantes por língua. Assim, embora haja
povos como os Ticuna, com 32.000 pes-
BOLETIM – PGM 2 - E SCOLA
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FORMAÇÃO DE PROFESSORES
soas, ou os Macuxi, com mais de 16.000,
a média de falantes por língua indígena
no Brasil é de menos de 200 indivíduos.
Um número reduzido de falantes,
juntamente com o fato de que as línguas
indígenas são línguas locais, faladas por
minorias dentro do estados, faz com que
elas corram sério risco de desaparecer.
A situação piora quando os pais deixam
de falar com os filhos na língua de origem e adotam a língua nacional. Ou, ainda, quando ocorre a substituição de espaços de uso da língua indígena pela língua nacional, como por exemplo, com a
introdução de novas práticas religiosas.
Este processo pode ser descrito como “invasão”, como bem caracterizou o chefe
indígena na epígrafe deste texto: “A língua do branco vem acabando com a gente, invadindo nossa cultura, dominando
tudo.(...) Nós temos nossa língua, e ela
vem sendo matada”. Sem dúvida alguma, esse é um processo doloroso, no qual
a língua indígena vai perdendo prestígio e força dentro da comunidade, ao
mesmo tempo em que o idioma português vai se instalando em situações que
antes eram restritas às línguas indígenas.
A pressão sobre as línguas indígenas, na verdade, remonta à época da colonização, com as tentativas de impor
uma língua única em todo o território
nacional, pois as línguas faladas pelos
povos indígenas sempre foram vistas
como um empecilho à sua integração.
Nesse processo, a escola teve um papel
E LÍNGUAS INDÍGENAS
25
EDUCAÇÃO ESCOLAR
I N D Í G E N A
central para o destino de muitas línguas
indígenas e, ainda hoje, pode contribuir
muito, a favor ou contra, para a valorização e a manutenção da diversidade lingüística no país.
Não há dúvida de que a escola é o
local privilegiado para os povos indígenas aprenderem o idioma português. E
isso não é de agora. Ao longo da história
da educação para povos indígenas, foi a
escola o principal palco para o aprendizado da língua nacional. Ao se perceber,
todavia, que o ensino da Língua Portuguesa poderia caminhar mais rapidamente se primeiramente as crianças fossem alfabetizadas em sua língua de origem e, depois de alfabetizadas, aprendessem o idioma português, adotou-se
esse modelo: valorizava-se a língua indígena porque ela era a chave para o
aprendizado do idioma português. Esse
método, muito usado pelas missões religiosas, pode ser descrito como o
bilingüismo de transição, porque ele só
serve para que as crianças saiam do
monolingüismo na língua de origem para
o monolingüismo em português. Ao
abandonarem suas línguas, pressupunha-se que também abandonassem seus
modos de ser e suas identidades diferenciadas. Nesse processo, a escola era
o instrumento que poderia propiciar a
homogeneização: a língua indígena era
utilizada para facilitar a alfabetização e
para propiciar a tradução de valores e
normas da sociedade nacional.
Em oposição a esse tipo de prática
BOLETIM – PGM 2 - E SCOLA
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FORMAÇÃO DE PROFESSORES
e de escola, é que surgem, nos anos 80,
projetos alternativos de escola indígena,
pautados pela idéia de que os índios podiam aprender o idioma português para
terem melhores condições de relacionamento com representantes da sociedade brasileira, sem terem que abrir mão
de suas línguas. E mais: que a escola
indígena poderia desempenhar um importante papel no fortalecimento das línguas indígenas, ao propiciar, primeiramente, condições para a sua escrita e,
em seguida, criando novos contextos e
oportunidades de uso. Assim, ao possibilitar a escrita de línguas até então
ágrafas (sem escrita) e novos contextos
de uso, a escola indígena passou a ser
vista como uma das possibilidades de
valorização e fortalecimento dessas línguas. Esse processo teve seu coroamento
com a promulgação da atual Constituição brasileira, que em seu artigo 210
estabelece que “o ensino fundamental
regular será ministrado em língua portuguesa, assegurada às comunidades
indígenas também a utilização de suas
línguas maternas e processos próprios
de aprendizagem”. A partir daí ocorreu
uma profunda transformação, não só na
legislação relativa à educação indígena,
mas também nas práticas escolares em
terras indígenas, pois a língua indígena
passou a ser valorizada e o seu uso, dentro e fora da escola, ganhou mais importância.
Se é possível dizer que há um certo
consenso de que se obtêm melhores re-
E LÍNGUAS INDÍGENAS
26
EDUCAÇÃO ESCOLAR
I N D Í G E N A
sultados quando se efetiva a alfabetização na primeira língua do aluno, sua língua “materna”, do que quando se tenta
alfabetizá-lo numa língua em que ele não
entende, é também verdade que hoje
além do português, cuja aprendizagem
é condição para uma maior e melhor
envolvimento dos índios com representantes da sociedade brasileira, a escola
também pode e deve ensinar na língua
indígena, não apenas no paradigma da
transição, mas com um fim específico:
propiciar a manutenção e em alguns casos a revitalização das línguas nativas.
No Referencial Curricular Nacional
para as Escolas Indígenas, do MEC, sugere-se alguns usos para a língua indígena na escola: “Primeiramente, a língua indígena deverá ser a língua de instrução oral do currículo. Chama-se de
‘língua de instrução’ a língua utilizada
na sala de aula para introduzir conceitos, dar esclarecimentos e explicações.
A língua indígena será, nesse caso, a língua através da qual os professores e os
alunos discutem Matemática, Geografia,
etc.(...) Em segundo lugar, a língua indígena deverá tornar-se a língua de instrução escrita predominante naquelas situações que digam respeito aos conhecimentos étnicos e científicos tradicionais ou à síntese desses com os novos
conhecimentos escolares fora da escola.
Da mesma forma que acontece com a
oralidade, os alunos aumentarão sua
competência escrita em língua indígena. (...) Além de ser a língua de instru-
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ção, a língua indígena deve também entrar no currículo, no caso de comunidades bilíngües, como uma de suas disciplinas: língua indígena como primeira
língua. Nesses casos, ela será objeto de
reflexão e de estudo, tanto no nível oral
quanto no escrito, o que contribuirá para
que os alunos conheçam com mais profundidade sua própria língua e ampliem sua competência no uso da
mesma.”(MEC, 1998)
Essas idéias já estão em prática em
várias escolas do país, propiciando o
surgimento de uma rica produção de
cartilhas, livros, dicionários e coletâneas
de histórias escritas nas diferentes línguas indígenas faladas pelo país afora.
Nessas iniciativas, os professores indígenas têm sido chamados a refletirem
sobre sua própria língua, sobre como
grafá-la e sobre como ensiná-la às novas
gerações. Com o fortalecimento de suas
línguas de origem, ganham os povos indígenas a expressão de formas particulares de estar e conceber o mundo, e
ganham os demais brasileiros e o restante da humanidade, com a preservação de formas autônomas de expressão
nativas, mais um sinal da extrema riqueza da sociodiversidade.
Bibliografia
Franchetto, Bruna. “Línguas indígenas no
Brasil: pesquisa e formação de pesquisadores”. In: Grupioni, Luís
Donisete Benzi, Vidal, Lux e
Fischmann, Roseli (orgs.). Povos Indígenas e Tolerância: construindo prá-
E LÍNGUAS INDÍGENAS
27
EDUCAÇÃO ESCOLAR
I N D Í G E N A
ticas de respeito e solidariedade. São
Paulo: Edusp e Unesco, 2001.
Ministério da Educação. Referencial
Curricular Nacional para as Escolas Indígenas. Brasília: MEC, 1998.
Monserrat, Ruth. “Política e planejamento
lingüístico nas sociedades indígenas
do Brasil hoje: o espaço e o futuro das
línguas modernas”. In: Veiga, Juracilda
e Salanova, Andrés (orgs.). Questões de
Educação Escolar Indígena: da formação
do professor ao projeto de escola. Brasília:
Funai/Dedoc e ALB, 2001.
Mori, Angel Corbera. “A língua indígena
BOLETIM – PGM 2 - E SCOLA
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
FORMAÇÃO DE PROFESSORES
na escola indígena: quando, para quê
e como?”. In: Veiga, Juracilda e
Salanova, Andrés (orgs.). Questões de
Educação Escolar Indígena: da formação do professor ao projeto de escola.
Brasília: Funai/Dedoc e ALB, 2001.
Teixeira, Raquel. “As línguas indígenas no
Brasil”. In Lopes da Silva, Aracy e
Grupioni, Luís Donisete Benzi. A
Temática Indígena na Escola: subsídios
para professores de 1 º e 2 º graus.
Brasília: MEC/MARI/UNESCO, 1995.
Seki, Lucy (org.). Lingüística indígena e educação na América Latina. Campinas:
Editora da Unicamp, 1993.
E LÍNGUAS INDÍGENAS
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EDUCAÇÃO ESCOLAR
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FORMAÇÃO DE PROFESSORES
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“Os professores não-índios levam livros e cartilhas feitos na
cidade. Os alunos indígenas só ficam copiando, e não entendem nada. Agora, nós, professores indígenas, vamos fazer uma cartilha para os nossos alunos aprenderem. Vai ser
mais fácil para eles.”
(Prof. Kaitona Waiãpi/AP)
“As dificuldades que vivemos para construir esta escola diferenciada é que não temos livros diferentes. Os que temos
são iguais aos da cidade e não falam de nossos povos indígenas... Este problema pode ser superado através da produção de livros nossos”.
(Prof. Maria José Lima, Xukuru/PE)
“Já existem as cartilhas de língua portuguesa, de matemática, cartilha de geografia de cada nação indígena e existem
cartilhas de língua de cada etnia feitas por cada professor.”
(Prof.Geraldo Marques Aiwa, Apurinã/AC)
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Como será o processo de alfabetizar
crianças indígenas, monolíngües em sua
língua materna, utilizando cartilhas em
português? Como será apresentar palavras e textos de livros didáticos que falam de “harpa”, “trombone”, “piano” ou
“elevador”, “escada rolante” e “andaime”,
ou ainda “uva”, “maçã” e “kiwi”, palavras
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que remetem a contextos completamente desconhecidos do universo infantil
indígena? Com certeza, não será um trabalho fácil, e é possível dizer isso após
muitas tentativas. Mas, e se no lugar de
uma cartilha em português, se usasse
uma cartilha preparada na língua da criança, isto é, escrita em Yanomami, em
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EDUCAÇÃO ESCOLAR
I N D Í G E N A
Bororo, em Kaxinawá ou em Guarani ?
E se, ao invés de começar com palavras
desconhecidas de seu universo, se utilizassem palavras do seu cotidiano, do seu
dia-a-dia? Com certeza, a tarefa seria
bem mais fácil.
É dessa constatação simples, entre
outras inquietações mais profundas, que
podemos creditar a origem de um dos produtos mais interessantes, bonitos e inovadores que têm surgido da prática da
educação intercultural e bilíngüe no Brasil, nos últimos anos: estamos falando da
produção de livros, cartilhas, dicionários,
coletâneas de histórias, mapas, atlas, jornais, jogos e cartazes, produzidos em português e nas línguas indígenas, tendo
como autores os próprios professores indígenas, a maioria em processo de formação e qualificação profissional.
E qual a característica dessa produção? Que finalidade ela atinge? Qual a
sua importância para a escola indígena
e para as escolas não-indígenas?
Hoje, no Brasil, pode-se dizer que é
crescente esse tipo de produção escrita, ilustrada e preparada por professores indígenas, e publicada por órgãos governamentais e entidades da sociedade
civil, para uso nas escolas indígenas de
todo o país. São o produto mais visível
da prática de uma educação intercultural
e bilíngüe, em curso em muitas áreas
indígenas. Em sua maioria, essa produção é constituída por materiais escritos
em língua indígena e/ou em português,
a partir de processos de pesquisa e sis-
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tematização de informações, que colaboram para o processo de formação dos
professores indígenas. O produto desta
ação se traduz em um material único,
na maioria dos casos ricamente ilustrado, a ser empregado por esses professores indígenas com seus alunos em suas
salas de aula, espelhando as orientações
pedagógicas que guiaram o processo de
formação dos professores e que guiarão
seu trabalho didático. O processo de confecção deste tipo de material potencializa
o trabalho do professor indígena, dando-lhe referências seguras sobre temas
e questões, estudadas anteriormente durante sua formação, e sistematizadas
para o trabalho com seus alunos. Vem
daí a importância crescente deste tipo
de iniciativa.
Mesmo assim, precisamos reconhecer que são ainda poucas as escolas indígenas do país que contam com materiais didáticos próprios. De acordo com
o Censo Escolar Indígena do MEC, realizado em 1999, cerca de um terço das
escolas indígenas do país fazem uso de
material didático específico, havendo diferenças marcantes entre as regiões:
enquanto na região Sul, 52% escolas indígenas contam com algum material, no
Nordeste esse número cai para apenas
4%. Mas a situação tende a melhorar,
quando se analisa o número de escolas
que utilizam aspectos da cultura indígena no currículo escolar. Aí o quadro mostra-se mais promissor: mais da metade
das escolas indígenas do país (54%) uti-
DE MATERIAL DIDÁTICO
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EDUCAÇÃO ESCOLAR
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lizam aspectos da cultura indígena no
cotidiano escolar, sendo que na região
Centro-Oeste, o número de escolas chega a 75%.
Esses dados já refletem as mudanças ocorridas nos últimos anos na legislação que trata da educação para os povos indígenas no Brasil, e incorporam
uma já longa tradição de produção de
materiais didáticos específicos por parte
de algumas organizações não-governamentais, que desde a década de 80 vêm
desenvolvendo projetos de formação de
professores indígenas e apoiando experiências alternativas de escolas indígenas.
Na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 1996, estabelece-se
que a União deve apoiar técnica e financeiramente os sistemas de ensino, para
que eles desenvolvam programas integrados de ensino e pesquisa, que permitam
desenvolver currículos específicos, incluindo os conteúdos culturais correspondentes às respectivas comunidades, e
que elaborem e publiquem sistematicamente material didático específico e diferenciado. No Plano Nacional de Educação, promulgado em janeiro de 2001,
consta, entre as metas a serem atingidas, a criação de “programas voltados à
produção e publicação de materiais didáticos e pedagógicos específicos para os
grupos indígenas, incluindo livros,
vídeos, dicionários e outros, elaborados
por professores indígenas juntamente
com os seus alunos e assessores” .
Além de um direito dos povos indí-
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genas de contarem com materiais didáticos específicos e diferenciados na escola, a produção e uso deste tipo de material é quase que uma condição sine qua
non à efetivação da educação escolar bilíngüe e intercultural.
Hoje, o Ministério da Educação conta
com uma linha específica de financiamento para publicação de materiais didáticos específicos e diferenciados, em
língua indígena e em português, para uso
nas escolas indígenas. Mais de 50 livros,
para diferentes escolas indígenas, já foram editados, com esse apoio governamental. Mas o número de publicações
específicas, feitas diretamente por professores indígenas, auxiliados por especialistas, é muito maior do que esse. Só a
Comissão Pró-Índio do Acre, para dar um
exemplo de uma organização de apoio que
sempre investiu muito neste tipo de atividade, já editou mais de 100 publicações
para as escolas indígenas do Acre.
Entre os materiais já editados por organizações de apoio e secretarias estaduais encontra-se uma rica variedade de
temas, assuntos e abordagens. Há
cartilhas para o ensino do português nas
escolas da floresta e cartilhas em várias
línguas indígenas. Há atlas com mapas
preparados pelos professores indígenas,
que explicam desde a origem do universo, na concepção indígena, até a localização da aldeia do povo indígena no
mapa do mundo. Há livros que inventariam o acervo de cultura material de um
povo indígena, outros que trazem recei-
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EDUCAÇÃO ESCOLAR
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tas, outros que falam dos animais e das
plantas. Há coletâneas de mitos, de cantos e de histórias. Há dicionários e vocabulários bilíngües. Há livros de História,
de Matemática, de Saúde, de Geografia.
Há livros escritos só em português e outros só nas línguas indígenas, e há também livros bilíngües. Alguns trazem apenas textos, mas a maioria estão ilustrados com lindos desenhos, que expressam o estilo cultural de cada povo com
muita força estética.
Além de sua importância didático-pedagógica, por apoiarem o desenvolvimento de currículos diferenciados para as escolas indígenas, eles são importantes
nos “processos de construção de conhecimento e pesquisa pelos próprios professores indígenas em formação”. Estes
podem, assim como assinala o documento do MEC sobre formação de professores indígenas, sair “da condição de destinatários passivos do saber dominante,
tão comum até agora na maioria dos processos educacionais, receptores silenciosos de conhecimentos transmitidos pela
cultura escolar em uma língua que normalmente é sua segunda língua, ou em
uma variedade de português, o português padrão culto, que muitas vezes dominam de forma incipiente. Ao contrário, nestes processos de elaboração de
materiais, os professores indígenas tornam-se sujeitos de sua formação,
sistematizadores e intérpretes dos conhecimentos interculturais que selecionam,
sintetizam, interpretam e elaboram como
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material escrito e ilustrado” (MEC, 2001
p. 37).
Nesse mesmo documento estabelecem-se as funções educacionais da produção de materiais didáticos diferenciados. São elas: “impulsionam a formação
profissional relacionada à preparação
didática e pedagógica dos professores
para sua ação educacional nas escolas;
apóiam a renovação curricular da educação intercultural e bilíngüe, incentivando a construção e a pesquisa não só
de novos conteúdos culturais, antes ausentes do currículo, mas permitindo que
estes estejam formulados em línguas
indígenas e em português; apóiam a divulgação e o intercâmbio intercultural
entre as diversas sociedades indígenas
e entre estas e as sociedades não-indígenas, sendo matéria-prima de compreensão e difusão da natureza pluricultural
e lingüística do país”. (MEC, 2001)
Ao serem editados, esses materiais
não só constituem instrumento de trabalho do professor indígena em sua sala
de aula, como vimos, mas usualmente
tornam-se motivo de orgulho e de afirmação étnica. Ao circularem fora da
sala de aula, dentro da comunidade indígena e em outras comunidades indígenas,
e
mesmo
na
sociedade
envolvente, estes materiais divulgam
uma literatura em língua indígena e
uma escrita de autoria indígena, seja
na língua nativa seja em português,
nova e surpreendente, quer por sua
densidade, quer pela beleza de suas
DE MATERIAL DIDÁTICO
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EDUCAÇÃO ESCOLAR
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ilustrações. Neste sentido, acabam por
constituir-se em produtos culturais que
divulgam a riqueza do conhecimento e
dos saberes construídos nos processos
de convivência interétnica. Alguns destes materiais têm chamado a atenção
de um público não-indígena, como porta de entrada para conhecer valores e
saberes desses povos. É o caso, para
darmos um exemplo, do belo livro elaborado pelos Ticuna, do Alto Solimões,
O livro das Árvores, que foi distribuído
pelo MEC para as bibliotecas das escolas nãs-indígenas do país, ou a coletânea de mitos dos Kaxinawá, Shenipabu
Miyui – História dos antigos, que foi editada pela Universidade Federal de Minas Gerais, e incorporada na lista de
livros do vestibular daquela universidade. Esses dois casos revelam o potencial desta produção de autoria indígena,
normalmente coletiva, que tem origem
em processos escolares e em momentos de formação, mas que podem alçar
vôos mais altos, revelando novas concepções e modos de ver o mundo.
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FORMAÇÃO DE PROFESSORES
Bibliografia
Lopes da Silva, Aracy e Ferreira, Mariana
Kawall (org.). Práticas pedagógicas na
escola indígena. São Paulo: Fapesp,
Global, Mari, 2001.
Gruber, Jussara Gomes (org.). O livro das
árvores. Benjamin Constant: Organização Geral dos Professores Ticuna
Bilíngües, 1997.
Grupioni, Luís Donisete B. (editor). Coleção de livros didáticos do Referencial
curricular nacional para as escolas indígenas: informações para o professor.
Brasília: MEC/SEF, 1998.
Monte, Nietta. Escolas da floresta: entre o
passado oral e o presente letrado. Rio
de Janeiro: Multiletra, 1996.
Ministério da Educação. Referencial
Curricular Nacional para as Escolas Indígenas. Brasília: MEC, 1998.
Ministério da Educação. Referenciais para
implantação de programas de formação
de professores indígenas nos sistemas
estaduais de ensino. Brasília: MEC,
2001, mimeo.
Organização dos Professores Indígenas do
Acre. Shenipabu Miyui: história dos antigos. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2000.
DE MATERIAL DIDÁTICO
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“Essa escola foi o governo quem construiu. Mas ela é da
comunidade e é a comunidade quem diz como ela vai funcionar. A escola pode contribuir muito para a comunidade. No
passado, a escola trouxe muita coisa ruim. Hoje, queremos
reverter essa história, fazendo com que a escola nos traga
coisas boas, coisas novas”
(Prof. Enilton Wapichana/RR)
“A escola diferenciada também dá oportunidade a muitas de
nossas crianças de melhorar o seu aprendizado e conhecer
os costumes do nosso povo. Eu, como professora indígena,
acho muito importante a oportunidade que tenho de aprender
a cultura e os costumes dos nossos antepassados”.
(Profa. Rita Tapeba/CE)
“É importante discutir com toda a comunidade para a gente
decidir o tipo de escola que nós precisamos.”
(Prof. Paulo Galibi / AP)
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A proposta de uma escola indígena
intercultural, bilíngüe, diferenciada e comunitária só se realiza com a efetiva participação da comunidade indígena. É por
meio do envolvimento dos pais dos alunos, dos chefes da comunidade, das pessoas mais velhas do local, discutindo e
pensando junto com os professores ín-
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dios e com os representantes do sistema
educacional, que a escola, uma instituição tipicamente ocidental, pode ganhar
uma feição indígena, atendendo às demandas daquele povo e servindo aos seus
interesses, na perspectiva da autonomia
e de um melhor relacionamento desses
povos com segmentos da sociedade bra-
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EDUCAÇÃO ESCOLAR
I N D Í G E N A
sileira. Para que isso seja possível, o primeiro cuidado a ser tomado em relação à
escola é que ela não substitua ou interfira nos processos tradicionais de transmissão de conhecimentos e de formação
dos indivíduos, que existem em todas as
sociedades, mas que interaja com eles,
completando-os naquilo que a comunidade considere relevante.
Todos os povos indígenas possuem
processos próprios de socialização de seus
membros mais jovens. Entende-se por
processos de socialização todos os momentos e procedimentos empregados por
determinadas pessoas do grupo social
para incutir normas, valores, conceitos,
práticas, atitudes, modos de se comportar, maneiras de se proceder diante dos
fatos da vida... Enfim, tudo aquilo que se
deseja que os mais novos aprendam, valorizem e perpetuem pela vida afora,
transformando-se em membros ativos e
participantes de seu grupo.
Embora os pais sejam os responsáveis mais diretos pela criação dos filhos,
o processo mais amplo de socialização
das crianças indígenas é também efetivado pelos parentes mais próximos e pela
comunidade como um todo: tios e tias,
irmãos e irmãs mais velhos, avôs e avós
participam ativamente deste processo.
De modo geral, pode-se dizer que as
crianças indígenas são criadas num ambiente de muita liberdade, participando
ativamente do dia-a-dia do grupo, seja
em atividades domésticas, atividades de
produção de alimentos, como ir à roça
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FORMAÇÃO DE PROFESSORES
ou participar de uma pescaria, seja em
atividades rituais. Participar desses momentos é sempre oportunidade para
aprender coisas novas. Assim, quando
acompanham seus pais na roça, aprendem sobre as técnicas para cultivar o
solo, sobre o crescimento das plantas,
sobre os hábitos de certos animais que
rondam as plantações, sobre as estações
do ano, sobre os conhecimentos acumulados pelo grupo em relação aos seres
da floresta. Isto porque nas sociedades
indígenas, o conhecimento é transmitido dos mais velhos para os mais novos, e
tradicionalmente não havia escolas nem
livros para efetuar essa transmissão de
saberes: ela se dá de forma oral, dos pais
para os filhos, dos mais velhos para os
mais novos.
Ouvindo histórias que falam sobre a
origem do mundo, dos homens e dos animais, das plantas e dos seres que habitam o cosmo, que são contadas e
recontadas é que se vai, gradativamente,
entendendo como e porquê as coisas são
do jeito que são.
Outro mecanismo tradicional de socialização é aprender fazendo, imitando
os mais velhos. Desde cedo, meninos e
meninas colaboram com seus pais em
afazeres domésticos, de modo que vão,
aos poucos, aprendendo a executar tarefas que deverão desempenhar quando
forem adultos. Socialização, enfim, refere-se aos processos e práticas tradicionais de transmissão de conhecimentos
próprios a cada sociedade indígena,
E COMUNIDADES INDÍGENAS
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EDUCAÇÃO ESCOLAR
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abarcando os processos pelos quais esta
sociedade internaliza em seus membros
um modo próprio e específico de ser, que
garante sua sobrevivência e reprodução,
ao longo de gerações, possibilitando que
valores e atitudes considerados fundamentais sejam transmitidos e perpetuados. Trata-se, portanto, do modo pelo
qual se “constroem” os indivíduos, moldando homens e mulheres segundo os
ideais particulares de pessoa humana,
em cada sociedade.
Esses processos tradicionais de socialização das crianças nas comunidades indígenas convivem hoje com a instituição
escolar. E esta relação nem sempre se dá
de forma pacífica e harmoniosa. Normalmente são desencontros causados pela
falta de diálogo entre os responsáveis pela
escola, os professores ou os agentes do
sistema educacional, e os representantes da comunidade, na figura dos chefes
das aldeias, dos líderes, dos xamãs, dos
mais velhos e dos pais dos alunos. Para
evitar tais desencontros, é preciso que
haja uma efetiva participação da comunidade em todos os principais momentos
da vida escolar, desde sua implantação
até a sua gestão cotidiana.
Como vimos acima, os povos indígenas contam com mecanismos próprios
de transmissão de saber e de socialização de seus membros que não pressupõem a escola. Quando esta se torna uma
realidade no meio indígena, ela deve
cumprir funções específicas, sem competir com momentos importantes da vida
BOLETIM – PGM 4 - E SCOLA
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grupal, em suas atividades cotidianas e
cerimoniais. Fundamentalmente, cabe à
escola propiciar às crianças indígenas
momentos formalizados de aprendizagem da escrita e da leitura, tanto em
português, quanto nas línguas indígenas, abrindo-lhes a oportunidade de desenvolver capacidades que lhes permitam entender e lidar com o mundo moderno e adquirirem ferramentas que lhes
possibilitem obter e assimilar conhecimentos acumulados pela humanidade,
integrando-os aos conhecimentos
construídos por seu povo. O ritmo, a intensidade, a forma e os procedimentos
para a efetivação desse aprendizado podem e devem ser discutidos com a comunidade, para que a escola não funcione como uma instituição alijada da vida
social, mas participe dela de forma ativa
e integrada.
A comunidade tem muito a dizer sobre como a escola vai funcionar e que
tipo de indivíduo ela deve formar. Vejamos, por exemplo, a questão do calendário. Em que pese a obrigatoriedade de
certo número de horas e dias letivos, o
calendário da escola indígena precisa ser
acertado entre o professor e os líderes
da comunidade, de modo que a mesma
funcione de acordo com as práticas econômicas e rituais do grupo. Assim, momentos de caçada coletiva, que normalmente antecedem a realização dos grandes rituais, ou momentos de coleta de
produtos silvestres ou de trabalho intensivo na roça, que mobilizam boa parte
E COMUNIDADES INDÍGENAS
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EDUCAÇÃO ESCOLAR
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da comunidade, são momentos em que
a escola não tem como funcionar, pois
as crianças estarão acompanhando seus
pais nessas empreitadas. Por outro lado,
os períodos de férias regulares, estabelecidos pelos sistemas educacionais, não
necessariamente são os melhores períodos para a escola não funcionar. Decisões como essa não devem ser tomadas
de forma unilateral ou burocratizada,
mas a partir de processos de consulta,
informação e discussão dentro da comunidade.
A comunidade também pode e deve
acompanhar o que se ensina e como se
ensina na escola, controlando não só o
trabalho exercido pelo professor indígena, como também sobre os rumos do que
é feito na sala de aula. Assim, cabe à
comunidade, por meio de seus representantes e líderes, verificar se o professor
cumpre horários, se tem rotina, se prepara suas aulas, se é atencioso com seus
alunos, se promove o interesse e a pesquisa sobre a vida na comunidade, se
colabora com os agentes de saúde para
melhoria das condições de higiene e saúde das crianças, se envolve outras pessoas da comunidade no trabalho escolar, se trabalha ou não com temas da
vida do grupo, como rituais e histórias
tradicionais. Esses dois últimos tópicos,
por exemplo, não são de decisão restrita
e exclusiva do professor, mas, ao contrário, constituem um ótimo caso sobre o
qual os representantes da comunidade
têm muito a dizer. Em algumas situa-
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FORMAÇÃO DE PROFESSORES
ções é muito proveitoso que o professor,
juntamente com os velhos da comunidade, aprofunde o interesse das crianças e dos jovens por determinados aspectos da vida cultural do grupo. Em
outras situações, a escola pode ter pouco a dizer e a oferecer neste sentido.
Quem pode dizer se é bom ou não a entrada da escola em temas como esse é a
própria comunidade. Para tanto, ela precisa estar mobilizada e ser incentivada a
participar das discussões sobre o destino da escola.
No Referencial Curricular Nacional
para as Escolas Indígenas, entre as características que definem a escola indígena, está firmada a de ser comunitária:
“porque conduzida pela comunidade indígena, de acordo com seus projetos,
suas concepções e seus princípios. Isto
se refere tanto ao currículo quanto aos
modos de administrá-la. Inclui liberdade de decisão quanto ao calendário escolar, à pedagogia, aos objetivos, aos conteúdos, aos espaços e momentos utilizados para a educação escolarizada” (MEC,
1998).
Com isso, o que se quer dizer que é
somente na medida em que os povos indígenas de fato assumirem a escola,
apropriando-se dela, tanto nos aspectos
pedagógicos quanto nos aspectos
gerenciais, é que ela será de fato uma
escola indígena. Para isso, não basta ter
a sua frente professores índios, é preciso mais: é preciso que o seu cotidiano, o
seu dia-a-dia seja gerido por represen-
E COMUNIDADES INDÍGENAS
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EDUCAÇÃO ESCOLAR
I N D Í G E N A
tantes indicados pela comunidade, de
modo que esta escola esteja a serviço dos
interesses e dos projetos das comunidades indígenas, dando respostas às demandas por elas formuladas e colaborando para os diferentes processos de autonomia cultural e de cidadania indígena
almejados pelos povos indígenas.
Bibliografia
D’Angelis, Wilmar e Veiga, Juracilda
(orgs.). Leitura e escrita em escolas indígenas. Campinas: ALB e Mercado
de Letras, 1997.
BOLETIM – PGM 4 - E SCOLA
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FORMAÇÃO DE PROFESSORES
Grupioni, Luís Donisete Benzi, Vidal, Lux
e Fischmann, Roseli (orgs.). Povos Indígenas e Tolerância: construindo práticas de respeito e solidariedade. São
Paulo: Edusp e Unesco, 2001
Lopes da Silva, Aracy e Ferreira, Mariana
Kawall (orgs.). Antropologia, História e
Educação: a questão indígena e a escola. São Paulo: Fapesp/Global/Mari,
2001.
Ministério da Educação. Referencial
Curricular Nacional para as Escolas Indígenas. Brasília: MEC, 1998.
E COMUNIDADES INDÍGENAS
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EDUCAÇÃO ESCOLAR
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FORMAÇÃO DE PROFESSORES
PGM 5 – ESCOLA INDÍGENA E PROJETOS DE FUTURO
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“Se não tivesse branco no meio dos Ticuna, talvez até hoje
não teria escola.”
(Prof. Alírio Moraes, Ticuna/ AM)
“Hoje, as organizações e movimentos de professores indígenas trabalham na reflexão do caminho feito até aqui. Têm
a escola como projeto próprio e dela se apropriam como instrumento de luta pela autonomia.”
(Profa. Darlene Taukane, Bakairi/MT)
“A escola indígena tem que estar referenciada no território,
na língua, na cultura, se não ela não tem sentido, não nos
ajuda em nada. A idéia de fundo da educação escolar indígena é a da construção da autonomia.”
(Prof. Euclides Pereira, Macuxi/RR)
“Precisamos conhecer as leis e os direitos indígenas, porque nós temos direito a uma educação diferenciada. A escola indígena no passado tinha um papel civilizatório. Hoje
isso mudou. São os próprios professores indígenas com
suas comunidades que devem refletir como será a escola,
porque isso tem relação com o projeto de futuro de cada
comunidade indígena.”
(Profa. Francisca Novantino, Pareci/MT)
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A escola surge como instituição para
os povos indígenas a partir da situação
de contato. Ao longo da história de relacionamento dos povos indígenas com representantes do poder colonial e, posteriormente, com representantes do Estado-nação, a escola se impôs por meio de
diferentes modelos e formas, cumprindo objetivos e funções muito diversas.
Como num movimento pendular, podese dizer que a escola se moveu, num longo percurso, do passado aos dias de hoje,
de algo que foi imposto aos índios a uma
demanda, que é atualmente por eles
reivindicada. Utilizada para aniquilar
culturalmente estes povos, hoje tem sido
vista como um instrumento que pode
lhes trazer de volta o sentimento de
pertencimento étnico, resgatando valores, práticas e histórias esmaecidas pelo
tempo e pela imposição de outros padrões socioculturais.
Num primeiro momento, a introdução da escola em meio indígena foi um
dos instrumentos empregados para promover a “domesticação” dos povos indígenas, para alcançar sua submissão e
para aniquilar suas identidades, promovendo sua integração na comunhão nacional, desprovidos de suas línguas de
origem e de seus atributos étnicos e culturais.
O exemplo mais acabado deste tipo
de estratégia foi a criação de internatos
indígenas, administrados por padres e
freiras, com o intuito de promover a educação formal das crianças indígenas. Es-
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tas eram retiradas do convívio familiar,
colocadas em internatos, onde eram
proibidas de se comunicarem em suas
línguas, obrigadas a aprenderem o português e introduzidas ao aprendizado de
uma série de ofícios. Ao atingirem determinada idade, eram devolvidas às
suas comunidades, mas ali encontravam
inúmeras dificuldades de adaptação: não
tinham mais laços afetivos com seus parentes, pois haviam vivido longe deles a
maior parte de suas vidas; não conseguiam se comunicar na língua de origem, porque ela fora soterrada pelas práticas da escola monolíngüe; não se integravam à vida cotidiana e ritual do grupo, pois lhes faltavam referenciais para
entender e viver aquele modo de vida.
Seu caminho natural era a busca por
centros urbanos, integrando-se aos estratos mais baixos da vida produtiva e
social. Esse caminho foi trilhado por
muitos indivíduos indígenas. Alguns
conseguiram realizar o movimento de
volta, outros integraram-se à sociedade
regional.
Felizmente este não foi o único modelo de escola empregado para promover a educação formal dos índios. Tentou-se, também, a criação de escolas junto às comunidades indígenas, por meio
da presença de professores não-índios,
assistidos por alguns índios, que falantes do português, tornavam-se os tradutores das determinações dos professores.
O ensino bilíngüe foi adotado como estratégico para o efetivo aprendizado do
INDÍGENA E PROJETOS DE FUTURO
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EDUCAÇÃO ESCOLAR
I N D Í G E N A
português e dos valores da sociedade
dominante. Nesse processo de tradução
daquele que ensina, criou-se uma nova
categoria: a dos monitores bilíngües, previsto no quadro de funções do órgão
indigenista oficial. Com o abandono da
escola por parte desses professores nãoíndios, quase sempre despreparados
para o tamanho e a dificuldade da tarefa, esses monitores acabavam por assumir as escolas, tomando a si a função da
docência nas escolas indígenas: é daí
que surgem vários dos professores indígenas em atuação ainda hoje.
Esses são dois exemplos das muitas
situações vividas pelos povos indígenas
em relação aos processos de escolarização
que chegaram até eles. Foram apresentados aqui de forma muito esquemática,
com o intuito de demarcar um cenário
que começou a se configurar com força
nos últimos anos: o da apropriação da
escola pelos próprios povos indígenas. De
algo historicamente imposto, a escola
passou a ser tomada e depois reivindicada por comunidades indígenas, que
pressentiram nela a possibilidade de
construção de novos caminhos para se
relacionar e se posicionar frente aos representantes da sociedade mais ampla,
com a qual estão cada vez mais em contato. Novos modelos de escola indígena
estão surgindo, pautados por paradigmas de respeito ao pluralismo cultural e
de valorização das identidades étnicas.
Os povos indígenas no Brasil têm reivindicado uma escola indígena que lhes
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sirva de instrumento para a construção
de projetos autônomos de futuro, dando-lhes acesso a conhecimentos necessários para um novo tipo de interlocução
com o mundo de fora da aldeia. Nesse
processo, a escola ganhou relevância
dentro do movimento indígena, e os professores indígenas, organizados em uma
nova categoria de profissionais, têm hoje
uma pauta própria de luta e reivindicações. A questão da educação está na
agenda do movimento indígena contemporâneo, presente em todas as assembléias e reuniões, vista como um tema
central para a conquista da autonomia
indígena.
Nesse novo cenário, associações de
professores indígenas têm surgido e
cumprido um importante papel na organização dos professores, na reivindicação junto a diferentes órgãos de governo, na proposição de encontros, seminários e estudos de temas relacionados
à prática escolar, na formulação de princípios e de metas a serem conquistadas.
Algumas destas organizações são constituídas a partir de bases étnicas, como
é o caso da OGPTB, a Organização dos
Professores Ticuna Bilíngües, no Amazonas, ou a da APBKG, Associação dos
Professores Bilíngües Kaingang e
Guarani, no Rio Grande do Sul, que reúnem respectivamente os professores
Ticuna, na primeira, e os Kaingang e
Guarani, na segunda. Outras reúnem
professores de várias etnias, mas localizados num mesmo estado, como a OPIR,
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EDUCAÇÃO ESCOLAR
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Organização dos Professores Indígenas
de Roraima, que congregam representantes dos professores Macuxi, Wapichana, Taurepang e outros povos que vivem
naquele estado, ou a OPIAC, Organização dos Professores Indígenas do Acre,
que levou anos para ser formalizada,
embora já estivesse há um bom tempo
em gestação. E há também aquelas que
se propõem a uma articulação mais regional, para fazer frente não só as demandas locais, mas também nacionais.
O atual Copiam, Conselho de Professores Indígenas da Amazônia, que reúne
anualmente, desde 1988, delegações de
professores indígenas da região Norte,
tem formulado questionamentos e apresentado proposições interessantes em
termos de novas concepções de educação escolar indígena, que têm influenciado positivamente alguns órgãos responsáveis pela execução da política de educação indígena.
Nesse cenário, um novo papel está
sendo desenhado para a escola indígena no país. E o protagonismo desse processo está com os professores indígenas
e suas comunidades: cabe a eles definir
o perfil da escola indígena, de modo que
ela possa responder aos projetos de futuro que cada povo está procurando construir. Hoje, a escola pode contribuir para
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que os povos indígenas encontrem um
lugar digno no mundo contemporâneo,
vivam em paz, mantendo suas línguas e
suas tradições e repassando-as às novas
gerações. Isso implica terem o direito
de tomar decisões sobre o seu próprio
destino, com autonomia e liberdade. Já
não é de agora que se decide para os
povos indígenas o que é melhor para
eles. O que se assiste, hoje, é que os próprios povos indígenas estão reclamando
para si o direito de decidirem seu próprio caminho, a partir de relações mais
equilibradas com o mundo de fora da aldeia, assentadas no respeito às suas concepções nativas. Edificar escolas indígenas que possam contribuir para esse processo de autonomia faz, sem dúvida, parte dos diferentes projetos de futuro dos
povos indígenas no Brasil.
Bibliografia
Grupioni, Luís Donisete Benzi, Vidal, Lux
e Fischmann, Roseli (orgs.). Povos Indígenas e Tolerância: construindo práticas de respeito e solidariedade. São
Paulo: Edusp e Unesco, 2001.
Ricardo, Carlos Alberto (Ed.). Povos Indígenas no Brasil 1996-2000. São Paulo:
Instituto Socioambiental, 2000.
Santilli, Márcio. Os Brasileiros e os índios.
São Paulo: Editora Senac, 2001.
INDÍGENA E PROJETOS DE FUTURO
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FORMAÇÃO DE PROFESSORES
Presidente da República
Fernando Henrique Cardoso
Ministro da Educação
Paulo Renato Souza
Secretário de Educação a Distância
Pedro Paulo Poppovic
MEC
Secretaria de Educação a Distância
Programa TV Escola – Salto para o Futuro
Diretora do Departamento de
Política de Educação a Distância
Carmen Moreira de Castro Neves
Coordenadora-Geral de Material
Didático-Pedagógico
Vera Maria Arantes
Coordenadora-Geral de
Planejamento e
Desenvolvimento de Educação a
Distância
Tânia Maria Magalhães Castro
Supervisora Pedagógica
Rosa Helena Mendonça
Diretor de Produção e
Divulgação
de Programas Educativos
Antonio Augusto Silva
Coordenadoras de Utilização e
Avaliação
Mônica Mufarrej e Leila Atta
Abrahão
Copidesque e Revisão
Magda Frediani Martins
Programadora Visual
Norma Massa
Consultoria Pedagógica
Luís Donisete Benzi Grupioni
e.mail: [email protected]
Maio de 2002
Home page: www.tvebrasil.com.br/salto
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