EDUCAÇÃO ESCOLAR: UMA NECESSIDADE A PARTIR DAS MUDANÇAS NAS RELAÇÕES DE TRABALHO Reginaldo Peixoto1 UEM Marcio de Oliveira2 UEM Eliane Rose Maio3 RESUMO O presente estudo tem como objetivo compreender as mudanças ocorridas nos modos de produção e nas relações sociais a partir do século XVIII. As Revoluções Industriais no seu ápice alteraram o modo de vida, e as relações familiares dos trabalhadores. A configuração de sociedade passou por uma redefinição. O trabalho artesanal que acontecia nas oficinas residenciais passa a ser executado dentro da indústria, remunerado e sob o olhar do capitalismo. Nesse contexto, surge a necessidade da preparação do indivíduo para desempenhar não somente a função do trabalho manual, mas também de operar a máquina e compreendê-la. Assim, é a partir das mudanças nas relações de trabalho, que as ideias de uma educação para todos começam a se acentuar em todo o mundo, corroborando para acordos internacionais, diretrizes para a educação e leis que normatizem a implantação, a organização, o financiamento, o acesso e a permanência e a universalização do ensino. A educação formal escolar passa a se configurar como uma necessidade social que ao longo da sua trajetória tem reforçado e se somado aos saberes popular através de conceitos científicos, preparando o sujeito para a vida social e para o trabalho. Como base principal de análise, investigamos nos preceitos de Marx. Palavras-chave: Revolução Industrial; Sociedade; Educação Escolar; Capitalismo. INTRODUÇÃO Para pensar a educação formal e as relações que esta tem com a sociedade é necessário retomar alguns fatores históricos e compreender como ao longo dos anos, a 1 Aluno do Programa de Mestrado em Educação da Universidade Estadual de Maringá 2 Aluno do Programa de Mestrado em Educação da Universidade Estadual de Maringá 3 Doutora em Psicologia, professora do Programa de Mestrado em Educação - UEM 1 relação entre a escola, trabalho e sociedade foi se constituindo e com isso, é necessário perceber qual a importância que a educação escolar tem para a emancipação do sujeito. A partir das transformações sociais causadas pela ordem capitalista da industrialização, a necessidade de ensinar e aprender se tornam cada vez mais necessárias dentro e fora do ambiente de trabalho. Historicamente, a educação não formal sempre existiu, seja nas práticas diárias, nas relações com o outro, ou em ambientes afins como nas oficinas e nas indústrias, com o propósito de despertar nos sujeitos ações necessárias para o convívio familiar, para o trabalho e para tantas outras práticas sociais. A Revolução Industrial criou uma série de mudanças na estrutura social, de ordem econômica, política e cultural, afetando profundamente a vida das pessoas que sob a nova ordem perderam sua identidade e passaram por um processo cruel de alienação. O desenvolvimento da maquinaria e a divisão do trabalho levaram o trabalho dos proletários a perder sua característica e se tornar apenas acessório da máquina que exige apenas a operação mais simples, mais monótona, mais fácil de aprender. Diante da nova ordem produtiva, o mundo passava por um amplo processo de transformação, exigindo uma nova escola, capaz de introduzir o ensino técnico e profissional, capaz de garantir a mão de obra qualificada, para atuar em favor do crescimento da indústria e gerar riqueza para a burguesia capitalista, uma vez que a escola teria o desafio de instruir os trabalhadores, tornando-os mais eficientes em suas funções, serem bons cidadãos e trabalhadores disciplinados. Com isso surgem dois modelos de escola: a escola do rico e a escola do pobre, com níveis mais elevados para os ricos e apenas o ensino primário para os pobres, mas por pressões de movimentos trabalhadores como sindicatos, a escola para “todos” não tardou a chegar. Nesse sentido, a educação escolar, historicamente, representa uma parte da educação que se processa em outras instituições como na família, no trabalho, na igreja, nos clubes, etc., tem o desafio de transformar a sociedade e sujeito histórico, nas suas mais singelas manifestações. 2 Para cumprir o objetivo da nossa pesquisa, refletiremos sobre a importância da educação, da afetividade e da prática pedagógica, como uma constante luta para transformar o sujeito, através dos conhecimentos científicos, que somente a escola enquanto instituição séria, planejada, instruída, aliada ao trabalho do professor, pode provocar. AS REVOLUÇÕES INDUSTRIAIS E AS TRANSFORMAÇÕES SOCIAIS A Revolução Industrial consistiu em um conjunto de mudanças tecnológicas com profundo impacto no processo produtivo em nível econômico e social. Iniciada na Inglaterra em meados do século XVIII. Pode-se afirmar que este fato é um divisor de águas na história. Por volta de 1830, após ter se completado na Inglaterra, o fenômeno migrou para o continente europeu. Em meados do século XIX, atravessou o Atlântico e se estabeleceu nos Estados Unidos, perfazendo um ciclo de transformações nos meios de produção, nas relações de trabalhos e modos de viver. No final do século, a Alemanha, Itália e o Japão também renunciam ao novo modelo econômico e de produção (MARX, 1984). As principais características da Primeira Revolução Industrial se baseiam nos meios de produção industrial têxtil de algodão e da siderurgia, dada à importância que o aço tem na instalação de um período técnico apoiado na mecanização do trabalho (Idem). A tecnologia característica é a máquina de fiar, o tear mecânico. Todas são máquinas movidas por energia produzida da combustão do carvão, a máquina a vapor. O sistema de transporte característico é a ferrovia e a navegação marítima, cujas máquinas, também são movidas pela energia do vapor do carvão. Junto a isso, a base do sistema de trabalho da Primeira Revolução Industrial é o trabalho assalariado, cujo cerne é o trabalhador por ofício. Um trabalhador qualificado é geralmente pago por peça (MARX, 1984). Sobre o trabalho parcial, Marx (1984, p. 393) afirma: 3 De produto individual do artífice de Nuremberg, o relógio transformou-se no produto social de numerosos trabalhadores parciais, cada um com o encargo de um produto parcial, como as rodas em bruto, as molas, o mostrador, a mola espiral, os furos para as pedras e as alavancas de rubis, os ponteiros, a caixa, os parafusos, o douramento. Assim, segundo nos observa Marx (1984), a Primeira Revolução Industrial mudou a forma de pensar dos indivíduos, suas relações com a família e com o trabalho, uma vez que o artesão que trabalhava em todas as partes de um determinado objeto passa a produzir apenas uma parte desse todo, alterando sua relação com o objeto. No caso de um relógio que era confeccionado na sua totalidade por um único artesão, com as modificações do sistema de trabalho, passa a ser produzido por vários trabalhadores, uma vez que o trabalhador já não tem mais o domínio do todo, e sim da parte apenas. Marx (1992, p. 15) ainda explicita que “devido à divisão de trabalho no interior dos diferentes ramos, assiste-se ao desenvolvimento de diversas subdivisões entre os indivíduos que cooperam em trabalhos determinados”. A Segunda Revolução Industrial começou por volta de 1870, embora seus efeitos tenham se efetivado somente nas primeiras décadas do século XX, mais nos Estados Unidos que em outros países europeus. A segunda Revolução Industrial foi a grande responsável por todo desenvolvimento técnico, científico e de trabalho que ocorreu nos anos da Primeira e, principalmente, da Segunda Guerra Mundial (MARX, 1984). A Segunda Revolução Industrial tem suas bases nos ramos metalúrgicos e químicos. Neste período, o aço torna-se um material básico, facilitando a ampliação da indústria automobilística que assume grande importância. O trabalhador típico desse período é o metalúrgico e o sistema de técnica e de trabalho é o fordista, termo que se refere ao empresário Ford, criador, na sua indústria de automóveis em Detroit, Estados Unidos, do sistema que se tornou o paradigma de regulação técnica e do trabalho conhecido em todo o mundo industrial (FORD, 1964). Nesse período as tecnologias estão ligadas ao aço, a metalurgia, a eletricidade, a eletromecânica, o petróleo, o motor a explosão e a petroquímica. A eletricidade e o petróleo são as principais formas de energia. 4 A forma mais característica de automação é a linha de montagem, criada por Ford (1920), com a qual introduz na indústria a produção padronizada, em série e em massa. Nesse período, o modelo de trabalhador é o de sujeito desqualificado, que desenvolve uma função mecânica, que não exige raciocínio. Pensar é a função de um especialista, o engenheiro, que planeja para o conjunto dos trabalhadores dentro do sistema da fábrica (FORD, 1964). Ford criou uma nova relação entre o trabalhador e o objeto, conforme ilustra no seguinte excerto: Nosso primeiro passo no aperfeiçoamento da montagem consistiu em trazer o trabalho ao operário ao invés de levar o operário ao trabalho. Hoje todas as operações se inspiram no princípio de que nenhum operário deve ter mais que um passo a dar; nenhum operário deve ter que se abaixar (FORD, 1964, p. 65). Considerando o trecho acima, temos aqui, a principal característica do período técnico da Segunda Revolução Industrial: a separação do sujeito que pensa (o engenheiro) de quem executa (o trabalhador). O trabalhador cumpre a determinação de manipular e dirigir a máquina, mas não conhece o seu funcionamento. A Terceira Revolução Industrial tem início na década de 1970, tendo por base a alta tecnologia. O sistema de produção em massa, iniciado a partir da indústria automobilística, permanece como padrão em todo o mundo. O Toyotismo ganha cada vez mais espaço, devido ao seu sistema de produção enxuta, uma vez que evita os altos custos da produção artesanal e a inflexibilidade da produção em massa. Assim, operários com várias habilidades trabalham ao lado de máquinas automatizadas, produzindo grande quantidade de bens, mas com variedade de escolha. O sistema de hierarquia gerencial e as chamadas linhas de produção são substituídos por equipes multiqualificadas que trabalham em conjunto, o que diminui significativamente o esforço humano e os custos (SILVA, 2009). A tecnologia se renova, na medida em que antigas invenções são aprimoradas, novas são criadas estabelecendo conexões entre os diferentes ramos da ciência. A informática produz computadores e softwares; a microeletrônica, chips, transistores e inúmeros produtos eletrônicos. Surge a robótica. As telecomunicações, utilizando os satélites, viabilizam transmissões de rádio e televisão em tempo real. A telefonia - fixa e 5 móvel conjugada à Internet, transforma a comunicação em um processo instantâneo. A indústria aeroespacial fabrica satélites e leva homens e robôs a novas fronteiras no espaço. Medicamentos, plantas e animais são transformados pela biotecnologia. Acerca dessas transformações, Lopes (2002, p. 13) corrobora observando que: Quem poderia afirmar com segurança que em menos de vinte anos o sistema bancário seria totalmente informatizado? Ou admitir que, há cerca de dez anos, um computador poderia ser carregado no bolso (palmtop), com uma capacidade de memória bem maior do que os existentes em, por exemplo, 1961 e a um preço tão mais acessível? Desta forma, pontuamos que todas essas inovações são introduzidas no processo produtivo, criando máquinas capazes de realizar não apenas o serviço pesado, mas tarefas sutis e que exigem cálculos complexos e grande precisão. Computadores e robôs, unidos, extraem matéria-prima, manufaturam, distribuem o produto final e realizam serviços gerais, substituindo a mão de obra humana e eliminando a necessidades de determinados materiais, como o papel e a caneta. Percebe-se, tanto, que a compressão de tempo passa a exigir respostas e decisões mais rápidas. O tempo e o conhecimento tornam-se mercadorias e os postos de trabalhos são substituídos por máquinas e computadores, desaparecendo o trabalhador tradicional, conforme observa Lopes (2002, p. 11-13) que o conhecimento, por isso, tem caminhado para ser a mola propulsora da economia mundial e cujo valor de produtos e serviços depende cada vez mais da parcela do conhecimento a eles incorporados [...] é claro que isto inclui a aptidão de desenvolver, preservar e utilizar os mesmos, não se descuidando de maneira a permitir que o processo se dilua no dia a dia da administração da empresa como um todo [...] importante ressaltar, entretanto, que por trás de toda e qualquer mudança estão as pessoas, quer pela aplicação de novas tecnologias, quer pelo conhecimento advindo de pesquisas e práticas administrativas. Operar a máquina e o computador exige do trabalhador níveis maiores de conhecimento, pois as atividades nesse novo contexto passam a ser mais criativas, exigindo um grande domínio de conhecimento, da linguagem e maior autonomia para resolver os problemas encontrados no ambiente de trabalho. (LOPES, 2002). Assim, a educação passa a ter um significado bastante importante para preparar o sujeito para os novos desafios, torná-lo criativo e autônomo. A educação que se 6 processa na instituição escolar, deve se unir àquela aprendida fora do contexto escolar e transformar esse novo sujeito para a vida social e para o trabalho. A EDUCAÇÃO EM SUA TRAJETÓRIA HISTÓRICA A educação está presente em todos os momentos da história da humanidade. Por mais primitiva que seja a sociedade há a prática educativa a fim de aprender a viver seja em grupos isolados ou em grupos constituídos em sociedade. Na educação, os objetivos de se educar aos poucos foram se evoluindo, assim como suas finalidades. Nas sociedades tribais o ato de aprender acontecia a todo instante e em todos os lugares. Aprendia-se em qualquer relação social: no trabalho, nas atividades de caça e coleta de alimentos, nas festas e nos ritos religiosos, enquanto os egípcios desenvolveram a educação a fim de resolver problemas práticos e concretos, sendo uma das sociedades mais ricas nas concepções educacionais. (MOSER, 2011) A educação grega visava à formação do cidadão, o saber era algo menos importante que o treinamento militar. O importante era o desejo apaixonado da glória, ser o melhor no campo de lutas e guerras (FERREIRA, 2010). Na educação da Roma antiga a fonte fundamental era a família. Assim, privilegiava a aprendizagem literária, dando ênfase à arte da retórica e do debate, em detrimento da ciência, da educação musical e do atletismo. (FERREIRA, 2010). Ainda sobre a educação romana, Moser (2011, p. 57) acrescenta que os patrícios romanos tinham grande respeito e necessidade de educação. Davam uma educação primorosa para seus filhos. Contratavam-se escravos gregos educados e pregadores para ensinar seus filhos. Aos pobres na antiga Roma não era fornecida uma educação formal, eles eram, contudo, ensinados a ler e escrever. Durante a Idade Média, a educação tinha cunho cristão e se desenvolveu principalmente por meio dos monges que tinham a vida sagrada em Deus, enquanto o Renascimento foi um Movimento que trouxe mudanças para o modo de viver e pensar de muitas pessoas. Apesar de persistirem algumas metodologias da Idade Média, no 7 Renascimento houve maior interesse pela educação e maior integração entre professores e alunos (MOSER, 2011). Na Contra Reforma, os jesuítas sistematizaram um novo modelo de educação e estenderam a ideia para a maioria dos países da Europa. Esse sistema procurou desenvolver aspectos religiosos e a potencialidade das pessoas. A partir do século XVIII surgem várias escolas, porém passa a existir a separação de escola do rico e a escola do pobre. A escola do rico ofertava o ensino primário, ginasial e superior, enquanto que a escola do pobre apenas o ensino primário, considerando as mudanças do modo de produção capitalista. Neste mesmo período surge a escola única, que atende as duas demandas sociais: pobres e ricos (MOSER, 2011). A partir das mudanças nas relações de trabalho é que as ideias de uma educação para todos começam a se acentuar em todo o mundo, corroborando para acordos internacionais, diretrizes para a educação e leis que normatizem a implantação, a organização, o financiamento, o acesso e a permanência e a universalização do ensino. O CONTEXTO DA EDUCAÇÃO BURGUESA E O SURGIMENTO DA ESCOLA “PARA TODOS” Até o advento das revoluções burguesas, escola era privilégio dos nobres. Grande parte da população contava apenas com educação que se processa fora da instituição escolar, a educação não formal. As classes sociais compostas por operários, artesões, camponeses, entre outros, não tinham nenhum tipo de instrução. A educação ministrada em moldes anteriores, até o final do século XVIII, estava ultrapassada. O advento do capitalismo industrial forçou as estruturas do feudalismo e do absolutismo a passarem por um complexo processo de transformação, assim como contribuíram para uma mudança significativa na estruturação do mundo moderno, uma vez que, instituíram a separação entre a Igreja e o Estado, incentivando o surgimento dos sistemas públicos de educação (PILLETTI e PILLETTI, 2006). As revoluções burguesas acabaram, então, por definir novos tempos, visto que se impuseram contra a antiga ordem do Absolutismo Monárquico, que não respeitava os 8 novos valores introduzidos pelas principais revoluções desde período: Revolução Industrial, Revolução Americana e a Revolução Francesa. Assim, a educação escolar seguia os moldes da sociedade burguesa conservadora, conforme descrevem: a escola que educava os filhos dos nobres e os futuros membros do clero era uma escola voltada ara o passado, para a conservação da ordem vigente, que fornecia privilégios às classes dominantes. Dava muita importância à moral e à religião, ao domínio da palavra, ao latim e a outros símbolos da tradição que se queria preservar (PILLETTI; PILLETTI, 2006, p. 98). Neste sentido, com o advento da Revolução Industrial a utilização da máquina transformou o mundo do absolutismo e do feudalismo. As relações de produção foram alteradas, dando espaço, inserindo na realidade, uma nova consciência de si mesmo e do mundo. Essas novas classes adquiriram, desta forma, uma nova consciência de sua importância social e dos seus direitos. O poder que outrora se concentrava na mão da aristocracia rural, é tomado pela burguesia industrial. A classe operária formada pelos trabalhadores fabris pobres, também começou a lutar por melhores salários e condições dignas de trabalho. Neste contexto de transformação a escola é pressionada a adaptar-se à nova ordem e não fazia mais sentido ficar restrita apenas às elites da sociedade. O rápido desenvolvimento da indústria e as mudanças nas relações de trabalho exige um número crescente de trabalhares forçando a escola a formar os futuros trabalhadores por meio de um modelo de educação tecnicista. “A escola é forçada a modernizar-se, a dar mais importância aos conteúdos técnicos e científicos ao longo das antigas matérias clássicas e literárias” (PILLETTI, 1996, p. 98). A Revolução Industrial criou uma série de mudanças na estrutura social, de ordem econômica, política e cultural, afetando profundamente a vida das pessoas, e como consequência, muitas delas perderam sua identidade e passaram por um processo cruel de alienação, conforme explicam Marx e Engels (1996, p. 72): o desenvolvimento da maquinaria e a divisão do trabalho levam o trabalho dos proletários a perder todo caráter independente e com isso qualquer atrativo para o operário. Esse se torna um simples 9 acessório da maquina, do qual só se requer a operação mais simples, mais monótona, mais fácil de aprender. Desta forma, os trabalhadores, estavam sob nova ordem produtiva. O mundo passava por um amplo processo de transformação, exigindo uma nova escola, capaz de introduzir o ensino técnico e profissional, capaz de garantir a mão de obra qualificada, para atuar em favor do crescimento da indústria e gerar riqueza para a burguesia capitalista. Assim, o trabalhador era impulsionado pela nova ordem produtiva a (re) significar as suas relações com o trabalho, conforme aponta Goia e Pereira (1988, p. 169): O trabalhador perde o controle do processo de trabalho. E ele quem se adapta ao processo de produção, (e não mais o contrário, como acontecia na manufatura). A máquina determina o ritmo do trabalho e é responsável pela qualidade do produto. Também a quantidade de produção e o tempo de trabalho necessário à elaboração de um produto deixam de ser determinados pelo trabalhador. Assim, era vantajoso para os capitalistas instruir os trabalhadores, tornando-os mais eficientes em suas funções, ser bons cidadãos e trabalhadores disciplinados, conforme salienta Manacorda (2000, p. 272): Tentam-se então, duas vias diferentes: ou reproduzir na fábrica os métodos “platônicos” da aprendizagem artesanal, a observação e a imitação, ou derramar no velho odre da escola desinteressada, o vinho novo dos conhecimentos profissionais, criando várias escolas não só sermocionales, mas reales, isto é, de coisas, de ciências naturais: em suma, escolas científicas, técnicas e profissionais. Com isso, surgem dois modelos de escola: a escola do rico e a escola do pobre, com níveis mais elevados para os ricos e apenas o ensino primário para os pobres. Ao passo em que as classes trabalhadoras começaram a se organizar em sindicatos, surgem não somente reivindicações trabalhistas conforme já descrito, mas também as de que o ensino seja público e igual para a classe trabalhadora (pobre) e para classe burguesa (ricos) e “devagar, o sistema de duas escolas, uma para ricos e outra para os pobres, vai sendo substituído por um único sistema” (PILLETTE, 1996, p 99). O modelo de educação burguesa, criado a partir do século XXI, influencia a educação do contexto moderno. Com o advento do capitalismo, a educação tornou-se 10 mais prática e tecnicista, uma vez que a demanda da mão de obra fabril exigiu operários qualificados, abandando suas práticas referenciadas em tradições, aproximando-se dos valores modernos relacionados às transformações sociais e do mundo capitalista. (PILLETTE, 1996) Ao longo da sua trajetória e reconhecimento pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) 9394/96, o Artigo 10 aponta que “a educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações sociedades civil e nas manifestações culturais” (BRASIL, 1996). A educação escolar, desde seu surgimento representa uma parte da educação e unida a outras possibilidades formativas exteriores tem a função da transformação social do sujeito histórico, nas suas mais singelas manifestações. Portanto, o trabalho do professor também tem uma participação bastante importante na ruptura, desconstrução e construção e emancipação do sujeito. AS CORRELAÇÕES ENTRE A EDUCAÇÃO FORMAL E INFORMAL A educação no discurso político e contemporâneo em face da globalização tem sido a palavra-chave para enfrentar os novos desafios. A educação informal que até a década de 1980 foi um campo de menor importância ganha espaço e reconhecimento tanto nas políticas públicas, quanto no olhar dos educadores. Neste sentido, a ampliação do conceito de Educação, na atualidade, não se restringe mais aos processos de ensino e aprendizagem nos espaços institucionais escolares, transpõe os espaços físicos da escola para outros, como a casa, o trabalho e a qualquer espaço de convivência com os outros. A partir dos anos 90, após aprovada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, LDB 9394/96, a educação informal passou a ter um destaque mais relevante na educação, devido a uma série de mudanças na estrutura social como economia, relações de trabalho e uma nova configuração de sociedade (BRASIL, 19966). Passaram-se grupos e os valores culturais articulados às ações dos indivíduos, conforme se apresenta o Artigo 1º da LDB 9394/96. 11 A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais. (BRASIL, 1996, p. 34). Embora a educação que se processa na sociedade somente tenha sido reconhecida como modalidade no presente, historicamente contribui para a formação de grandes civilizações ao longo da história da humanidade. Acreditamos que ao ganhar espaços nos discursos educacionais, a própria constituição de escola, currículos, metodologias e formação de professores internalizam a importância das aprendizagens extraescolares que são complementadas com o conhecimento científico, institucional e construídas historicamente. Há ainda que considerar, conforme corrobora Oliveira (2011, p. 38), que “na educação informal não há lugar predestinado, horários ou currículos, onde o ensino e a aprendizagem acontecem de forma espontânea, através da interação sociocultural e do meio”. Percebemos, assim, a importância do meio social na formação dos indivíduos. Ao ocupar lugar de destaque na legislação educacional brasileira, a educação formal tem estrutura e dinâmicas próprias, além de fins e objetivos determinados (BRASIL, 1996), uma vez que deve favorecer experiências positivas de aprendizagem e de ajustamento, uma vez que as rápidas transformações sociais exigem um melhor desdobramento da comunicação e das relações humanas. A escola, reconhecida como um espaço das reproduções sociais desenvolve uma forma de pensar bastante específica, baseada na experiência culturalmente acumulada, conforme afirma Rego (1995, p. 104): na escola, as atividades educativas, diferentes daquelas que ocorrem no cotidiano extra-escolar, são sistemáticas, tem uma intencionalidade deliberada e compromisso explícito (legitimado historicamente) em tornar acessível o conhecimento formalmente organizado. Nesse contexto, as crianças são desafiadas a entender as bases dos sistemas de concepções científicas e a tomar consciência de seus próprios processos mentais. Dada à importância da contribuição da autora citada, faz-se necessário reconhecer a importância da construção histórica do saber, desde os tempos mais remotos, quando na pré-história, ainda que não processassem a linguagem verbal, os sujeitos aprendiam nas relações do grupo, pela observação e repetição. 12 Assim, a educação que se processa fora da escola, contempla seu sentido na contribuição dialógica entre o trabalho pedagógico da escola e a reflexão que esta faz sobre direitos, deveres, sociedade etc. AS RELAÇÕES ENTRE ESCOLA E SOCIEDADE Ao longo de sua existência, a escola passou por diversas transformações, embora fosse inevitável, uma vez que é uma instituição social, reflexo de uma sociedade em processo de mudança e (re) construção. A cada tipo de sociedade, existe, então, uma forma de conceber a educação. A tendência à universalização da educação escolar ampliou o atendimento escolar a todas as crianças, fruto de um processo estrutural que mudou as relações sociais principalmente nos três últimos séculos, seja nas relações de trabalho, seja no convívio familiar (FONTANA, 1997). Embora a nossa discussão não inclua análise específica sobre a Revolução Industrial, faz-se necessário registrar as mudanças que esta exigiu da sociedade, alterando sua estrutura e levando novas funções para a escola, como a de preparar o indivíduo para o trabalho, fornecer-lhe os conhecimentos básicos da língua e do cálculo, ganhando importância e ampliando suas funções. Em nossa sociedade, atualmente, a escola tem a missão de transmitir conhecimentos, enquanto que em outras, essa função é realizada de forma exteriorizada, seja pela família seja por outros grupos de convivência, conforme contribui Fontana (1997, p. 65) no seguinte excerto: em nossas sociedades, a escola é uma instituição encarregada de possibilitar o contato sistemático e intenso das crianças com o sistema de leitura e de escrita, com os sistemas de contagem e de remuneração, com os conhecimentos acumulados e organizados pelas diversas disciplinas científicas [...]. Partindo do pressuposto de que a criança constrói aprendizagens nas relações e interações com outros sujeitos, quer seja nas relações com os familiares, seja no grupo que brinca, já chega à escola dominando uma série de conhecimentos que possibilitam agregar outros. Durante o processo de escolarização, a criança encontra mecanismos 13 que para Fontana (1997, p. 66) permitem a “reelaboração desses conhecimentos mediante o estabelecimento de uma nova relação cognitiva com o mundo e com seu próprio pensamento”. Corroborando com Fontana (1997), Vigotsky (2007, p. 94) diz que a educação formal se une com experiências que a criança já vivenciou. Qualquer situação de aprendizado com a qual a criança se defronta na escola tem sempre uma história prévia. Por exemplo, as crianças começam a estudar aritmética na escola, mas muito antes elas tiveram algumas experiências com quantidades – tiveram que lidar com operações de divisão, adição, subtração e determinação de tamanho. Consequentemente, as crianças têm sua própria aritmética pré-escolar, que somente psicólogos míopes podem ignorar. Assim, há que se reconhecer na escola a sua importância para a formação do sujeito, uma vez que ela desde o seu início na história da educação, tem um papel formador que vai além dos papéis que outras instituições, mesmo importantes nas relações sociais, têm. Para Bock (2002, p. 261), a escola é, entre outras, uma instituição de reconhecida importância e valor, uma vez que transmite valores e cultura, “além de modificar o comportamento do sujeito”. Com a prática da educação proferida na escola, a criança deixa de imitar os comportamentos aprendidos informalmente, e aos poucos, “vai se apropriando de outros valores que possibilitam a mudança, a construção da autonomia e o reconhecimento individual do sujeito dentro de um contexto social” (Idem). Conquistar um modelo de escola democrática não foi algo tão fácil na história da educação. As pressões das Revoluções Industriais, o desenvolvimento das cidades e a extensão do capital, são fatores que contribuíram para que a escola se transformasse. Todo desenvolvimento exige uma maior demanda de mão de obra. Assim, conforme as classes trabalhadoras foram se fortalecendo, suas lutas também foram se intensificando. Assim, os movimentos de trabalhadores passaram a exigir o direito de ter seus filhos em escola, à cultura e ao conhecimento dominantes. Uma vez pressionada, a escola abriu suas portas com a finalidade de atender outras demandas sociais além da burguesia. Assim, conforme assinala Bock (2002, p. 263), “a escola universalizava-se”. 14 Esses fatores, então, contribuíram para que a escola, conforme seus ideais contemporâneos, se revelasse como instituição da sociedade, que trabalha em prol desta sociedade, que gera os recursos que a mantém fincada na sua proposta, as pessoas de tantos problemas e conflitos internalizados. Segundo Fontana (1997), na escola se adquire conhecimentos que faz o sujeito pensar e explicar o mundo, organizados segundo uma lógica que ele deverá apreender. Comungando com as ideias de Fontana (1997), Bock (2002, P. 263) diz que a escola precisa exercer funções especializadas. A escola cumpre, portanto, o papel de preparar as crianças para viverem no mundo adulto. Elas aprendem a trabalhar, a assimilar as regras sociais, os conhecimentos básicos, os valores morais, coletivos, os modelos de comportamento considerados adequados pela sociedade. Até aqui, enquanto explicitando a importância da aprendizagem, as funções da escola e as relações desta com a sociedade, nos parece que a escola é uma instituição neutra dos problemas que acometem a sociedade, mas enquanto instituição social, muitos são os desafios a enfrentar, sejam nas concepções pedagógicas, sejam na realidade cotidiana. A APRENDIZAGEM E A CONSTRUÇÃO DO SUJEITO É sabido que os seres humanos necessitam de contínuas aprendizagens que iniciam mesmo durante seu processo de formação biológica. Entendemos que o aprender é o caminho para o crescimento, maturidade e desenvolvimento como sujeito de um mundo organizado. As interações com o meio e com o outro nos permitem organizar uma série de conhecimentos, portanto, a aprendizagem é um processo contínuo que ocorre durante toda a vida. Defendemos que se por um lado devemos considerar que o sujeito nasce biologicamente, por outro é importante destacar que também nasce socialmente, uma vez que o sujeito biológico em contato com o ambiente adquire conhecimentos capazes de construir a história. As formas de aquisição de conhecimento são muito variadas, visto que o processo de desenvolvimento e aprendizagens e relações que a criança estabelece com o 15 outro varia muito entre as sociedades, que vão desde um ensino com intervenções muito diretas dos adultos ou indivíduos mais experientes a uma aprendizagem mais autônoma. (SALVADOR, 1999) Sobre a educação que se processou no meio social, Salvador (1999, p. 146) afirma que de maneira bastante geral, o processo de desenvolvimento das crianças inicia-se na família, sendo os pais os primeiros cuidadores e educadores ao mesmo tempo; é o primeiro contexto de desenvolvimento, que em todas as culturas é visto, mais cedo ou mais tarde, progressivamente ampliado. As crianças participam, assim, de outros contextos e interagem com outras pessoas em uma diversidade de modalidade. Assim, o conhecimento do mundo social efetiva-se por meio da participação da criança nas atividades de relações com o outro, à medida que seu desenvolvimento permite observar o mundo, as regras, a negação sobre o que culturalmente está errado, assim como a afirmação do que é certo. Inferimos, então, que com a finalidade de complementar a educação processada socialmente, a educação escolar surgiu como uma possibilidade de transmitir habilidades instrumentais, produto da acumulação cultural, como a escrita, a leitura e ao longo da sua história passou a ocupar-se do conhecimento científico, baseado em princípios gerais, devido aos enormes progressos e desenvolvimento da ciência. CONCLUSÃO Apesar de as Revoluções Industriais terem trazido uma série de mudanças e transformações nas relações sociais, há que considerar que também trouxe inovações, progresso e tecnologias que na contemporaneidade não conseguimos nos desvincular, mesmo que sob uma grande influência e pressões do sistema capitalista, estampado nos mais variados meios de comunicação, reafirmando o seu propósito de consumo. Com o advento da industrialização e a necessidade de mão de obra qualificada, a escola surge a fim de dar competência aos sujeitos que sob o mando do capitalismo, precisavam cumprir ordens, operar máquinas e cumprir tarefas diárias que até então eram feitas de acordo com as condições de trabalho, tempo e estimativas dos artesãos 16 que trabalhavam em pequenas oficinas, muitas vezes dentro de suas casas e conheciam todo o processo de confecção inicial até o final do produto. A exigência de uma escola para todos, parte das necessidades da industrialização, uma vez que além da necessidade da formação técnica, as mães deixam seus afazeres domésticos para trabalhar na indústria, exigindo um novo espaço para as crianças. A educação ao longo da sua trajetória tem sido uma necessidade que acompanha a humanidade desde os tempos mais remotos. Aliada à educação escolar, a educação que se processa no meio social se completa, a fim de tornar os sujeitos mais autônomos e independentes nas suas relações. REFERÊNCIAS BOCK, Ana M. B. Psicologias: uma introdução ao estudo de psicologia. São Paulo: Saraiva, 2002. BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Câmara dos Deputados. Série Separata de Leis, Decretos etc. n.11/96. Centro de Documentação e Informação. Brasília, DF, 1996. FERREIRA, José Ribeiro. Educação em Esparta e em Atenas: dois métodos e dois paradigmas. In: FIALHO, Maria do Céu. Cidadania e Paideia. Coimbra: Simões & Linhares, 2010. p. 11-46. FONTANA, R.; CRUZ, N. Psicologia do trabalho pedagógico. São Paulo: Atual, 1997. FORD, Henry. Os princípios da prosperidade: minha vida e minha obra. São Paulo/ Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1964. GOIA, Silvia C.; PEREIRA, Maria E. Para compreender a ciência: uma perspectiva histórica. Rio de Janeiro: Espaço e tempo, 1988. LOPES, Ricardo de Moura. Gestão do conhecimento: o desafio de um novo paradigma como alternativa estratégica para implantação na Câmara dos Deputados. Biblioteca Digital da Câmara dos Deputados. Centro de Documentação e Informação. Coordenação de Biblioteca. Brasília, 2002. Disponível em: http://bd.camara.gov.br/bd/bitstream/handle/bdcamara/381/gestao_conhecimento_lopes. pdf?sequence=3. Acesso em: 30/07/2013. MANACORDA, Mario A. História da Educação: da antiguidade aos nossos dias. São Paulo: Cortez, 2000. 17 MARX. Karl. O capital. São Paulo: Difel, 1984. MARX, Karl. ENGELS, Friedrich. Sistema de ensino e divisão do trabalho. In: _______. Textos sobre educação e ensino. São Paulo: Moraes, 1992. p. 15-26. MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto do partido comunista. Rio de Janeiro: Vozes, 1996. MOSER, Giancarlo. História da Educação. 2 ed. Indaial: Uniasselvi, 2011. OLIVEIRA, Fernanda G. de. Psicologia da educação e aprendizagem. Indaial: Uniasselvi, 2011. 228 p. PILETTI, Nelson; PILETTI, Claudino. História da educação. São Paulo: Ática, 2006. PILETTI, Nelson. História da educação. São Paulo: Ática, 1996. REGO, Teresa Cristina. Vygotsky: uma perspectiva históricocultural da educação. Petr ópolis, RJ: Vozes, 1995. SALVADOR, Cesar Coll. Psicologia da educação. Porto Alegre: Artmed, 1999. SILVA, Rafael Alves da. Toyotismo e neoliberalismo: novas formas de controle para uma sociedade-empresa. Surveillance em Latin America. Vigilância, segurança e controle social. PUCPR. Curitiba 04 a 06 mar. 2009. Disponível em: https://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=1&ved=0CC 4QFjAA&url=http%3A%2F%2Fwww2.pucpr.br%2Freol%2Findex.php%2FSSSCLA% 3Fdd1%3D2677%26dd99%3Dpdf&ei=1FT4UcHaDvDyyAHP4IGgAw&usg=AFQjCN GIZnMfYFOELX3fb0K_WaaRZyrCKg&sig2=Y6BpuNlNxjRohpMvNSrO9Q. Acesso em: 30 jul. 2013. VIGOTSKY, L. S. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. São Paulo: Martins Fontes, 2007. 18