SOBRE O SISTEMA DE ACESSO AO DIREITO DOS MAIS CARENCIADOS Uma proposta simples e imediatamente exequível (continuação de outros congressos…) No VI Congresso apresentei a seguinte comunicação (aqui reproduzida no essencial, por limitação regulamentar): A pretexto que ninguém trabalha gratuitamente, o que é objectivamente falso, pôs-se de pé um sistema, tabelado, em que o Advogado ganha o que... o Juiz manda! E, este manda, de acordo com que o legislador... manda!; mal fica o Advogado, que é quem sabe o que vale o seu trabalho, pior fica o Juiz, espartilhado pela tabela, nuns casos, violentado pela mesma, noutros. Depois o número de Advogados foi crescendo, crescendo, crescendo... as nomeações oficiosas passaram a ser disputadas, porque a tal tabela se afigurava como tábua única de salvação para tantos e tantos Advogados em risco de sobrevivência. Criou-se, assim, uma verdadeira subsídio dependência, aviltante e tantas vezes desprestigiante para os Advogados. Pergunta-se: mas os pobres passaram a ser melhor defendidos? Penso que não, na falta de dados seguros. É que, não existam dúvidas, está-se a criar um embrião de um novo sistema nacional de saúde, que o Estado vai ser incapaz de manter, ao mesmo tempo que se destrói a Advocacia livre e independente (já tivemos passeatas de Advogados de toga pelo meio da rua; greves ou ameaças de!... Quando acordarmos, teremos as pessoas mal servidas, os Advogados proletarizados e o Estado sem dinheiro... Penso que ainda não é tarde para se evitar o princípio do fim da nossa profissão, entendida com a mais livre de entre as livres, devendo, imediatamente: - Proceder-se à elaboração, a nível de comarca, de uma lista de Advogados que se prestem a, gratuitamente, nos seus escritórios, dar consulta jurídica aos beneficiários de apoio judiciário; - Proceder-se à elaboração, a nível de comarca, de uma lista de Advogados que se prestem a, gratuitamente, patrocinar até 10 processos novos todos os anos aos mesmos beneficários; - Fazer-se a divulgação das listas pelos sítios de estilo, (tribunais, delegações, locais de consulta gratuita, etc.) para assegurar, ao máximo, a liberdade de escolha do cidadão. São passos concretos: - Mostrar à comunidade nacional que os Advogados são um conjunto de profissionais sólido, unido e solidário com o próximo, particularmente com os mais carenciados, como sempre, ao longo de séculos, aconteceu; - Regressar-se à pureza do exercício da advocacia, em que se pedem honorários (dívida de honra) e não se cobra preço, que é profissão e não comércio, que assenta, antes de tudo, em princípios éticos e de solidariedade social; - Acabar com a tendência para ser criada mais uma “subsídio-dependência” em que os Advogados estão a deixar-se cair; - Assegurar que os esquemas montados de apoio judiciário não sirvam para angariação de clientela, mesmo que de forma inconsciente, pois a liberdade de escolha do cidadão – também do mais pobre – deve ser defendida tanto quanto for possível; - Acabar com as falsas expectativas que vêm sendo criadas aos mais jovens Advogados, que versam, ao fim e ao cabo, sobre a criação de um conjunto de “empregos”, para já para-públicos mas certamente cada vez mais públicos, propiciadores da ilusão de rendimento certo à custa do Estado, no âmago da mais liberal das profissões liberais, da mais independente das profissões independentes; - Acabar com ilusão estatal do controlo da advocacia - que a não ser rapidamente aplacada matará o Estado de Direito - por permitir que os Advogados e a sua Ordem gritem bem alto a sua completa independência, antes de mais financeira; - Assegurar que as verbas do I. A. D. ou congénere cheguem e sobrem para os fins a que se destinam, o que, além do mais, criará um magnífico precedente da afirmação autêntica da sociedade civil face ao Estado, dado pelos Advogados no seu conjunto. É que, claramente, quem financiava o sistema antigo era o Advogado, com o seu saber e empenho, mas também os Constituintes deste, os quais, pagando honorários e despesas, suportam os escritórios; e o Estado, isentando os mais pobres de pagar impostos ao recorrerem a Juízo. Nos novos esquemas actuais e nos pensados de financiamento público quem paga é o Estado, quem recebe é o Advogado; será que o Estado vai pagar sem impor regras? Será que o Advogado vai estar face ao Estado, que lhe paga, com a mesma independência e firmeza com que hoje se pode apresentar, por dele não depender? A outro nível: as verbas públicas de financimento não vão chegar (as verbas públicas nunca chegam para coisa nenhuma, como se sabe das finanças públicas); Quando acabarem? Acumulará o Estado dívida, como acontece com as farmácias? Vão suceder-se acções de “honorários” contra o I. A. D.? Ou contra o Estado? (…) Mais: o que proponho só não se faz se os Advogados não quiserem, o que é raro. Em Portugal está sempre tudo dependente de alguma coisa, que por seu turno depende de outra coisa e assim sucessivamente. Para a comarca de Setúbal, têm-me desde já como voluntário.” O que se passou depois? O que se conhece: todo o mundo a discutir porque o dinheiro não chega, porque é mal pago, porque há enganos erros e aldrabices, porque, porque, porque… E no meio de tudo, o cidadão? Bem servido? Mediamente servido? Há que ver as coisas como elas são: o sistema actual vai levar à criação do defensor público, ao estilo do M. P., pago por 1/3 do valor e dez vezes mais subserviente dos interesses mais diversos, menos os do cidadão. Ou então, o Estado vai enriquecer com o petróleo do Algarve, caso em que tudo pagará e reinará paz e concórdia… É mais certo dar-se a primeira hipótese do que a segunda, alvitro... Haverá muitos Colegas que vivem do sistema de acesso ao Direito, o que em si não está mal, mas significa que algo está mal: em princípio profissionais qualificados e com padrão de conduta que necessariamente é dos mais elevados não devem depender de sistema residual de apoio aos mais carenciados. Estes Colegas terão de ser ajudados, ao progressivamente migrar-se de um sistema para outro. A Ordem deve procurar junto do Estado a forma mais correcta de ir diminuindo a despesa e ao mesmo tempo permitir aos Colegas que se habituaram a viver dos subsídios – não são honorários – e que não têm culpa disso, conseguir a mais suave e menos gravosa transição possível. O que nem sequer é difícil. A nobre profissão de Advogado aparecerá como é: a nobre entre as mais nobres, por ser a única que gratuitamente fará aceder à Justiça os mais carenciados e então, então sim, em pé de igualdade com os mais abonados. Porque certamente não haverá advogado qualificado que fique de lado, se ponha à margem, se negue a ajudar; se já o fazemos todos os dias, porque não fazê-lo organizadamente? Conclusões: 1.ª O sistema actual de acesso ao Direito não tem remendo, indo conduzir à criação de depauperado e muito discutível defensor público, ao arrepio do interesse do cidadão mais carenciado; 2.ª O Advogado só recebe honorários dos seus clientes e portanto não pode viver a receber subsídio do Estado; 3.ª A Ordem deve organizar listas de voluntários para assegurar consulta jurídica e patrocínio aos que precisam, devendo o sistema actual, reformado ou não, assumir papel complementar; 4.ª A Ordem deve, assim, em conjunto com o Estado financiador, à medida que a despesa deste for reduzindo, criar mecanismos que permitam aos advogados que dependem do sistema de acesso ao Direito migrar para o novo sistema, suavemente e da forma menos penosa possível; 5.ª Os cidadãos acabarão por ser melhor servidos, os advogados recuperarão a sua independência (que antes de tudo tem de ser financeira), a Ordem o seu prestígio e, não menos importante, diga-se, menos dinheiro de todos será (mal) gasto. Setúbal, 20 de Outubro de 2011 Luís Fuzeta da Ponte | Advogado C. P. n.º 622 - E Largo de São Domingos, 14 – 1º 1169-060 LISBOA-PORTUGAL Tel. +351 21 8823556 | + 351 236 209 650 [email protected] www.oa.pt