Anais do X Seminário de Iniciação Científica SóLetras – CLCA – UENP/CJ - ISSN 18089216 LEITURA DE HISTÓRIAS INFANTIS: ANÁLISE DE CHAPEUZINHO AMARELO Paula Cristina de Souza Albano (G-CCHE-UENP/CJ) Fernanda Arioso (G-CCHE-UENP/CJ) Tania Regina Montanha Toledo Scoparo (Orientadora-CLCA-UENP/CJ) Introdução Ao entrar no universo da história de Chapeuzinho Amarelo, livro que inseriu Francisco Buarque de Holanda na literatura, encontramos um mundo poético, lúdico e com muitas marcas da relação intertextual com o conto consagrado Chapeuzinho Vermelho. A obra teve um importante papel para a contribuição da literatura infantil brasileira na década de 1970, e que vem se mostrando cada vez mais importante para as crianças atualmente, por ser um livro considerado altamente recomendável para as crianças, pela Fundação Nacional do livro Infanto Juvenil. A obra também é ganhadora do Prêmio Jabuti de Ilustração pela Câmara Brasileira do Livro, em 1998. E foi ilustrada por Ziraldo Alves Pinto em 1997. Logo na introdução da história o autor intensifica que o livro foi escrito para todos. A historinha foi feita para a Luísa. O livro é dela, de Silvia, da Helena, da Janaína, da Alaíde, da Luiza, do Antônio e de outros. Todos porque a temática remete ao medo, que é um conflito universal, possui características culturais modernas, em contraste com a passividade da antiga personagem; e o autor utiliza marcas linguísticas e semânticas para brincar com as palavras; enfim, um conto inovador e repleto de magia, que intensifica a eficácia simbólica da poesia. Dessa forma, o objetivo desse artigo é ressaltar o autor dessa obra, o valor mágico das palavras e a conexão de sua versão com o texto dos Irmãos Grimm, utilizando para isso, autores de obras infanto-juvenis, principalmente Maria Antonieta Antunes Cunha, para a análise da história. 318 Anais do X Seminário de Iniciação Científica SóLetras – CLCA – UENP/CJ - ISSN 18089216 Considerações sobre a obra Ao se falar de Chapeuzinho Amarelo, não tem como não se lembrar de Chapeuzinho Vermelho feita por Perrault e depois pelos irmãos Grimm, em ambas as obras a busca por uma literatura ligada as crianças é evidente, conforme afirma Cunha (2003, p. 23), “Perrault e depois os irmãos Grimm, colecionadores dessas histórias folclóricas, estão assim ligados à gênese da literatura infantil”. Ao embarcar na história de Chapeuzinho Vermelho, alguns adjetivos da menina são ressaltados, como: coragem de enfrentar um bosque cheio de perigos, a desobediência em relação à sua mãe e no fim da historia o medo de perder a avó. Já em Chapeuzinho Amarelo, o adjetivo destacado é o medo, que é superado ao fim da história. O Autor Chico Buarque no decorrer da história brinca com as palavras. Cabe observar o jogo de palavras envolvendo o amarelo. Conforme Cunha (2003, p. 89), “[...] o amarelo sugere-nos o desagradável; falamos, por exemplo, em ‘sorriso amarelo’ (de desconforto), em pessoa amarelo (de susto, de anemia)”. A ilustração dos versos, realizada por Ziraldo, mostra com intensidade o rosto de uma menina receosa e entristecida, em que o amarelo do chapéu transfere-se para as suas faces: Fig. 01 – Chapeuzinho Amarelo Fonte: http://encantamentosdaliteratura.blogspot.com.br/2010/04/releitura-chapeuzinho-amarelo-chico.html As versões mais conhecidas de Chapeuzinho Vermelho, de Perrault e dos irmãos Grimm, destacam, na ação narrada, os terríveis males que podem acontecer a uma criança desobediente, servindo, portanto, de admoestação. E assim, utiliza uma pedagogia do medo, o que não contribui ao desenvolvimento de autoconfiança dos pequenos. A narração é pautada pela relação de poder e saber do adulto sobre a criança. No entanto, na versão de Chico Buarque, ou seja, Chapeuzinho Amarelo, há um rompimento com essa atitude. Não se abandona a função utilitária do texto infantil, mas se muda o foco da mesma, que deixa de ser 319 Anais do X Seminário de Iniciação Científica SóLetras – CLCA – UENP/CJ - ISSN 18089216 autoritária, de admoestação, e passa a apresentar-se como libertária na medida em que valoriza a reflexão, a autocrítica e a autonomia da criança. Análise dos aspectos textuais e gráficos Logo ao entrar no mundo do livro, Chico diz que “A historinha foi feita para Luisa. O livro é dela, da Silvia, da Helena, da Janaína, da Alaíde, da Luiza, do Antônio e de outros”. De todos, portanto. E, na sequência, inicia a narração: Era a Chapeuzinho Amarelo. Amarelada de medo. Tinha medo de tudo, aquela Chapeuzinho. Já não ria. Em festa, não aparecia. Não subia escada nem descia. Não estava resfriada mas tossia. Ouvia conto de fada e estremecia Essa é a apresentação que o autor faz de Chapeuzinho Amarelo, uma menina “amarela de medo”. O jogo de palavras envolvendo o amarelo remete à ideia de que o amarelo é negativo, facilitado pelo conhecimento de mundo do leitor, uma vez que essa cor, em nossa cultura, está ligada a estes estados: ao medo e às doenças. É possível associar o amarelo a doenças como o “amarelão” e a hepatite, e ao medo na expressão “amarelou”: desistiu porque teve medo. Logo em seguida o autor intensifica o medo: Tinha medo de trovão. Minhoca, pra ela, era cobra. E nunca apanhava sol porque tinha medo de sombra. Não ia pra fora pra não se sujar. Não tomava sopa pra não se ensopar. Não tomava banho pra não descolar. Não falava nada pra não engasgar. Não ficava em pé com medo de cair. Então vive parada, deitada, mas sem dormir, com medo de pesadelo. Fig. 02 – “com medo de pesadelo” Fonte: Ibid 320 Anais do X Seminário de Iniciação Científica SóLetras – CLCA – UENP/CJ - ISSN 18089216 O autor descreve e transforma a fantasia do conto de fadas em realidade nas atitudes da menina, ao visualizar a ilustração nota-se a menina encolhida no canto da pagina do livro ocupando o menor espaço possível, enquanto seus medos atravessam toda a pagina, transformando as figuras maiores do que o tamanho real. Na imagem, fig. 02, a menina sem cor, e o medo representado por cores fortes, para destacar sua força e poder sobre ela. Esse medo leva a Chapeuzinho Amarelo parar de ser criança, pois ela já não brincava, não falava, entre outras atitudes normais realizadas por uma criança. Na página seguinte, aparece novamente a frase “Era a Chapeuzinho Amarelo”, em letras maiores que ocupam toda uma página, na intenção de encerrar esse primeiro momento de apresentação da personagem. A imagem ilustrativa que aparece nesta pagina, fig. 01, se assemelha com a imagem da capa, ou seja, a parte de um rosto, dominado por grandes olhos negros espantados. Em seguida, na próxima pagina, aparece o tão temido lobo, tão temido que o medo chega a ser medonho, e mesmo o lobo sendo fruto de sua imaginação, ele era maior que seu medo. Morava em lugar sombrio, “cheio teia de aranha”, como bem ilustra a imagem, fig. 03 E de todos os medos que tinha o medo mais que medonho era o medo do tal do LOBO. Um LOBO que nunca se via, que morava lá pra longe, do outro lado da montanha, num buraco da Alemanha, cheio de teia de aranha, numa terra tão estranha, que vai ver que o tal do LOBO nem existia. Fig. 03 – “que morava lá pra longe” Fonte. Ibid : Na continuidade, o narrador utiliza-se da repetição do substantivo medo para demonstrar a intensidade de temor que o lobo causava na menina. A frase “Um LOBO que não existia”, já explicitado em verso similar anteriormente, reitera a noção de que o lobo não é senão um produto do pensamento temeroso da Chapeuzinho. A ilustração correspondente a esse trecho é representada por uma perna da menina, que, numa passada larga, sugere um movimento de fuga, e que ao mesmo tempo, sua própria sombra, fig. 04, remete à imagem do lobo, intensificando a existência dele: 321 Anais do X Seminário de Iniciação Científica SóLetras – CLCA – UENP/CJ - ISSN 18089216 Mesmo assim a Chapeuzinho tinha cada vez mais medo do medo do medo do medo de um dia encontrar um LOBO Um LOBO que não existia. Fig. 04 - “Um LOBO que não existia” Fonte: Ibid Mas acontece que: E Chapeuzinho Amarelo, de tanto pensar no LOBO, de tanto sonhar com o LOBO, de tanto esperar o LOBO, um dia topou com ele que era assim: carão de LOBO, olhão de LOBO, jeitão de LOBO e principalmente um bocão tão grande que era capaz de comer duas avós, um caçador, rei, princesa, sete panelas de arroz e um chapéu de sobremesa. Fig. 05 – “um dia topou com ele” Fonte: Ibid Tal lobo, por ter uma boca tão grande, “era capaz de comer duas avós, um caçador, rei, princesa, sete panelas de arroz e um chapéu de sobremesa”. Sobre essa passagem, Cunha (2003, p. 92) esclarece: [...] a enumeração do que o lobo é capaz de comer é, por si, exagerada – o que nos faz desconfiar de sua veracidade e do real perigo do lobo. Além do exagero, a enumeração mistura elementos imprevisíveis. Aparecem (aumentados ou em situação inversa) elementos da história de Chapeuzinho Vermelho, como duas avós, o caçador (aqui caçado), rei e princesa (dos contos de fadas), ao lado da trivialidade de “sete panelas de arroz” e um chapéu, de sobremesa. Observe-se o uso do sete, número ‘mágico’, que aparece com freqüência nos relatos infantis ou bíblicos, e que reforça aqui a ‘conta de mentiroso’ – o exagero na descrição da periculosidade do lobo. E o chapéu tem duplo sentido: pode ser o objeto que se usa na cabeça (comido pelo lobo, por seu mau gosto e apetite), como pode ser a Chapeuzinho. Na ilustração, há uma Chapeuzinho sem medo, encarando o lobo, com valentia. Ela não o vê mais como um animal feroz, predador, cruel. O chapéu, talvez sua proteção, é subjetivamente “engolido” pelo animal. Definitivamente, o medo foi embora: 322 Anais do X Seminário de Iniciação Científica SóLetras – CLCA – UENP/CJ - ISSN 18089216 Mas o engraçado é que, assim que encontrou o LOBO, a Chapeuzinho Amarelo foi perdendo aquele medo, o medo do medo do medo de um dia encontrar um LOBO. Foi passando aquele medo do medo que tinha do LOBO. Foi ficando só com um pouco de medo daquele lobo. Depois acabou o medo e ela ficou só com o lobo. Fig. 06 – “ela ficou só com o lobo” Fonte: ibid Assim, a partir deste encontro, Chapeuzinho, que se fechava para o mundo, presa à sua imaginação, começa a enxergar o lobo como um animal qualquer, provavelmente incapaz de devorar pessoas. Percebe também que o medo já não faz sentido. Assim afirma Cunha (2003, p. 92), “[...] a palavra LOBO, que aparecia em letras grandes, acaba por ter a dimensão das outras palavras: tornou-se comum”. A partir deste momento, a Chapeuzinho deixa de ter medo do lobo e acaba ficando sozinha com ele, fig. 06. Em seguida, a historia apresenta um lobo chateado e envergonhado, percebe que já não é visto como malvado, sem a função de amedrontar crianças: O lobo ficou chateado de ver aquela menina olhando pra cara dele, só que sem o medo dele. Ficou mesmo envergonhado, triste, murcho e branco azedo, porque um lobo, tirado o medo, é um arremedo de lobo. É feito um lobo sem pelo. Lobo pelado. Fig. 07 - “Ficou mesmo envergonhado” Fonte: Ibid Neste momento da história, o lobo é desmascarado e encarado como um animal qualquer, sem risco para as pessoas e principalmente para as crianças. Ele é representado pela cor branca, neutra, sem força e sem poder, fig. 07. A frase “O lobo ficou chateado” ocupa, em letras grandes, a página dupla seguinte, sintetizando o sentimento de tristeza que desperta no lobo quando percebe que não amedrontava mais a Chapeuzinho. 323 Anais do X Seminário de Iniciação Científica SóLetras – CLCA – UENP/CJ - ISSN 18089216 Não se contentando em ser desmascarado e ignorado, o lobo tenta restabelecer a ordem: E ele gritou: sou um LOBO! Mas a Chapeuzinho, nada. E ele gritou: sou um LOBO! Chapeuzinho deu risada. E ele berrou: EU SOU UM LOBO!!! Chapeuzinho, já meio enjoada, com vontade de brincar de outra coisa. Ele então gritou bem forte aquele seu nome de LOBO umas vinte e cinco vezes, que era pro medo ir voltando e a menininha saber com quem não estava falando Fig. 08 – ‘EU SOU UM LOBRO” Fonte: Ibid Revoltado, o lobo grita e berra seu nome várias vezes e reafirma sua autoridade de malvado e que todos o temem, fig. 08. Em contrapartida, Chapeuzinho dá risada e vai se enjoando daquela gritaria e “ficando com vontade de brincar de outra coisa”. Com propriedade, afirma Cunha (2003, p. 93) que: Vemos aí novamente o exagero que desmoraliza e um caso interessante de clichê modificado: a expressão ‘com quem não estava falando’, sem a negativa, é um chavão usado para sugerir que estamos falando inadequadamente com alguém importante. É sempre uma ameaça. Aqui, a negativa torna o lobo ridículo. A ilustração correspondente mostra uma Chapeuzinho renovada, descontraída, sem medos e com segurança de que todo aquele medo não passava de sua imaginação. E o lobo continua tentando se reafirmar na página dupla seguinte: “LO-BO-LOBOLO-BO-LO-BO-LO-BO-LO-BO-LO-BO-LO-BO-LO-BO-LO-BO-LO”. Nessa grafia, há uma junção entre signos verbais, sonoros e visuais, compondo um todo significativo: o lobo vira um bolo. A inversão das sílabas remete ao estado interno da personagem: o medo ficou para trás e em seu lugar entrou a confiança, o prazer de ser livre. E como se fosse mágica, o lobo se transforma em bolo, ou seja, em todo momento era um bolo, no entanto a imaginação de Chapeuzinho a levou acreditar que o lobo era real. A desagradável repetição “LO-BO-LO-BO-LO” é interrompida pela menina: 324 Anais do X Seminário de Iniciação Científica SóLetras – CLCA – UENP/CJ - ISSN 18089216 Aí Chapeuzinho encheu e disse: “Pára assim! Agora! Já! Do jeito que você tá!” E o lobo parado assim do jeito que o lobo estava já não era um LO-BO. Era um BO-LO. Um bolo lobo fofo, tremendo que nem pudim, com medo da Chapeuzim. Com medo de ser comido, com vela e tudo, inteirim. Fig. 09 – “Era um BO-LO” Fonte: Ibid O lobo - “LO-BO-LO-BO-LO” - virou um bolo fofo, por meio da semelhança de sílabas e de alternâncias da palavra repetida. O narrador, nessa elaboração sonora e gráfica, inverte os papeis: agora era o lobo que estava morrendo de medo de ser comido “inteirim” pela “Chapeuzim”. Note-se que as palavras “Chapeuzim” e “inteirim” foram escritas com o propósito de dar um efeito sonoro ao poema, rimando com a palavra pudim. E Chapeuzinho nem se quer comeu o bolo, pois não gostava de bolo de lobo: Chapeuzinho não comeu aquele bolo de lobo, porque sempre preferiu de chocolate. Aliás, ela agora come de tudo, menos sola de sapato. Não tem mais medo de chuva nem foge de carrapato. Cai, levanta, se machuca, vai à praia, entra no mato, trepa em árvore rouba fruta, depois joga amarelinha com o primo da vizinha, com a filha do jornaleiro, com a sobrinha da madrinha e o neto do sapateiro. Fig. 10 – “depois joga amarelinha” Fonte: Ibid A narrativa faz bom uso do humor, ao dizer que “Chapeuzinho não comeu aquele bolo de lobo” porque ela sempre gostou do bolo de chocolate. Nesse momento, o lobo, que virou bolo, desaparece da história e Chapeuzinho aparece com uma nova apresentação, fig. 10: come de tudo, vai à praia, entra no mato, joga amarelinha, brinca com todos os amigos. Na ilustração, há o jogo de amarelinha, cujo final é representado pela palavra “LUA”, ou seja, fora da Terra, o espaço, o infinito. Observemos como Ziraldo representou bem o espírito da menina: não há limite para a felicidade, para não se ter medo. Outra observação 325 Anais do X Seminário de Iniciação Científica SóLetras – CLCA – UENP/CJ - ISSN 18089216 importante é o que destaca Cunha (2003, p. 94), “[...] as orações, antes na forma negativa, tornam-se afirmativas, e formam um longo período de orações coordenadas, sugerindo o dinamismo atual da menina. O último verbo que aparece com negação é exatamente aquele que antes vinha na afirmativa: ter medo (e fugir)”. Note-se que o texto não se atenta à separação de sexo e de classe social, ao dizer que a menina “joga amarelinha com o primo da vizinha, com a filha do jornaleiro, com a sobrinha da madrinha e o neto do sapateiro”. Ou seja, todos são crianças e tem por direito brincarem juntos sem medos, sem preconceitos, apenas livres para viverem o momento de criança. Nos últimos versos, Chapeuzinho cria novos caminhos para superar os seus medos. Mesmo quando está sozinha, inventa uma brincadeira. E transforma em companheiro cada medo que ela tinha: o raio virou orrái, barata é tabará, a bruxa virou xabru e o diabo é bodiá. Fig. 11 – “inventa uma brincadeira” Fonte: Ibid Assim como o lobo virou bolo quando a menina o encontrou, agora, à base de trocadilhos e deslocamentos entre palavra-som-imagem, ela brinca com os medos que tinha, transformando-os em companheiros, o velho em novo. Na ilustração, fig. 11, a menina diferentemente das outras imagens, aparece com uma barata no chapéu com os cabelos ao vento, braços abertos como se fosse abraçar o mundo sem medo, e agora com uma nova postura e com um belo sorriso em seu rosto rosado. A palavra FIM que segue os últimos versos é um despiste. Ao virar a página, o autor sugere, por meio de uma interjeição, algo que deixou de contar: 326 Anais do X Seminário de Iniciação Científica SóLetras – CLCA – UENP/CJ - ISSN 18089216 Ah, outros companheiros da Chapeuzinho Amarelo: O Gãodra, a Jacoru, o Barão-Tu, o Pão Bichôpa e todos os trosmons Fig. 12 – “outros companheiros da Chapeuzinho” Fonte: Ibid Ao brincar com as palavras, o autor brinca também com as imagens ao transformar os monstros em seres engraçados, todos em formas diferenciadas. Não há mais monstros perigosos, nem medo, tudo vira brincadeira de criança. Vale ressaltar, por fim, a ilustração do Ziraldo, pai do eterno Menino Maluquinho, e destacar que desde a capa até a ultima página do livro, sua ilustração mostrou com minúcias cada momento da historia, intensificando as expressões de medo de Chapeuzinho, o momento da descoberta do bolo de lobo e sua liberdade interagindo com o mundo real e imaginário, e assim ser uma menina feliz. Aspectos Intertextuais O livro de Chico Buarque, por meio do seu título, traz a marca da relação intertextual com a tradicional história Chapeuzinho vermelho, conhecida em todo mundo, retirada do folclore europeu pelo francês Charles Perrault e, posteriormente, em versão dos irmãos alemães Grimm. Chapeuzinho vermelho conta a história de uma menina que, por não observar os conselhos da mãe acaba desviando do caminho, e por consequência acaba sendo engolida por um lobo. De acordo com Cunha (2003, p. 95), “[...] em Chapeuzinho Vermelho, a menina é comida (ou quase, conforme versão) pelo lobo, porque desobedeceu à mãe. Castigada com a morte ou um grande susto, perceberá que deve ouvir os mais velhos; quando salva, um adulto, o caçador, é que irá redimi-la”. No século XIX as pessoas passam e ver as crianças de um modo diferente do adulto, isso faz com que Chapeuzinho Vermelho, dos irmãos Grimm, tenha um final diferenciado. A obra de Perrault tem um final trágico. Para um adulto, pode não ser chocante, mas para uma criança é assustador. Nessa vertente, afirma Coelho: 327 Anais do X Seminário de Iniciação Científica SóLetras – CLCA – UENP/CJ - ISSN 18089216 Dentro desse processo renovador, a criança é descoberta como um ser que precisa de cuidados específicos para a sua formação humanística, cívica, espiritual, ética e intelectual. E os novos conceitos de Vida, Educação e Cultura abrem caminhos para os novos e ainda tateantes procedimentos na área pedagógica e na literária. Pode-se dizer que é nesse momento que a criança entra como um valor a ser levado em consideração no processo social e no contexto humano. (1991, p.108). Desde então a criança passa a ser vista como criança, a qual precisa ser protegida da violência. No final da história na versão dos Grimm, o caçador chega como herói e salva a menina Chapeuzinho e sua avó, permitindo, dessa forma, um final feliz e menos traumático para a criança. Esse final sugerido pelos Grimm permite que as crianças tenham certeza de que Chapeuzinho e sua avó não morreram, pois, ao serem libertadas pelo caçador, as duas voltam a viver normalmente. Vale ressaltar que a moral prevalece e as crianças não devem dar atenção a desconhecidos, como explana Bettelheim: a história deixa bem claro que as duas não morreram ao serem engolidas. isso é evidenciado pelo comportamento de chapeuzinho vermelho ao ser libertada. “a menina pulou para fora gritando: que medo que eu tive! como estava escuro dentro do lobo!”. ter sentido medo mostra que a pessoa estava bem viva, e significa um estado oposto à morte, quando não se sente ou pensa mais. o medo de chapeuzinho vermelho era da escuridão, porque devido a seu comportamento, ela havia perdido sua consciência mais elevada, a qual havia lançado luz sobre o seu mundo. como a cria que, sabendo que agiu errado, ou não se sentindo mais bem protegida pelos pais, sente cair sobre si a escuridão da noite com seus terrores. (1975, p. 249). Como bem se sabe a história de Chapeuzinho Vermelho foi traduzida em várias línguas, e modificada no decorrer de todos esses anos, ao comparar Chapeuzinho Amarelo de Chico Buarque e Chapeuzinho Vermelho dos Grimm, chega-se a conclusão que Chico fez uma paródia da história dos Grimm. Vale ressaltar que Chico ao criar Chapeuzinho Amarelo busca inspiração na criança contemporânea, cheia de temores e restrições. Isso se dá em um âmbito social em que a criança já conhece os perigos, sabe as coisas horríveis que pode enfrentar ao sair de casa. Chapeuzinho Vermelho era inocente, que por sua vez não conhecia o lobo, nem as suas maldades, já Chapeuzinho Amarelo, no texto de Chico, conhece o lobo e seus perigos, suas traições. A criança dos dias atuais prefere ficar em casa, pois possui meios de comunicação e informação para se manter distraída, não é mais uma criança inocente, pois conhece os perigos. Assim, o medo de Chapeuzinho Amarelo, na verdade, é o medo da violência que a sociedade está à mercê. 328 Anais do X Seminário de Iniciação Científica SóLetras – CLCA – UENP/CJ - ISSN 18089216 Vale acentuar que na história de Chapeuzinho Vermelho o caçador é o grande herói que salva chapeuzinho e sua vovozinha, ou seja, ela recebe ajuda de alguém e assim consegue superar seus medos; diferente da história Chapeuzinho Amarelo, em que a menina precisa superar seus medos sozinha. Olhando para o texto sob outra perspectiva, considerando a época em que foi produzido, a história de Chico Buarque dialoga com o período de ditadura militar no Brasil (final da década de 1970 e início da década de 1980), em que os cidadãos (Chapeuzinho) começaram a protestar contra a opressão da ditadura (todos os medos da menina). Acerca da influência desse período na produção literária infantil, Bordini pontua (1998, p. 40): Se ao fim dos anos 70 a tendência dominante no gênero era a contestatória, expressando as insatisfações populares e humanistas com os resultados da política desenvolvimentista do regime militar, nos anos 80, mais liberalizados, tudo podia ser matéria para ficção infanto-juvenil. Enfim, a linguagem artística e humana, presente em Chapeuzinho Amarelo, busca sugerir ideias e experiências, num jogo em que as palavras, os sons e as imagens se cruzam e constroem uma leitura poética plena e cheia de descobertas, suscitando um debate de que nem sempre será necessária a redundância verbo-visual para a compreensão do texto pelos pequenos leitores, por sua vez também provocando a imaginação dos mesmos. Considerações finais O estudo crítico do livro Chapeuzinho Amarelo, paráfrase do conto Chapeuzinho Vermelho, permite-nos concluir, assim como em todos os processos históricodialéticos, que devemos encarar o novo como consequência do antigo, ou seja, uma nova visão de mundo com base no que já aconteceu. Sendo assim, cada texto deve ser interpretado de formas diferentes, mas como produto intencional de um autor que, por sua vez, também é fruto de determinado tempo e espaço. Somente assim pode-se visualizar a literatura como um fenômeno efêmero, provocador do pensamento. O livro de Chico Buarque traz justamente esta questão: Chapeuzinho Amarelo provoca a imaginação do pequeno leitor, estimula o questionamento da vida e da existência dos seus medos, valoriza o lúdico num jogo de palavras, sons e imagens, ensina a renovar o velho num processo constante de transformação, tendo o novo como resultado. E 329 Anais do X Seminário de Iniciação Científica SóLetras – CLCA – UENP/CJ - ISSN 18089216 são essas possibilidades, inatas a uma literatura infantil de caráter artístico-humanístico, que fomentam um encanto invisível que desperta o gosto da criança pela leitura. Vale dizer que Chapeuzinho Amarelo não é somente um livro de histórias infantis, mas seu contexto está presente na prática social, escolar e, o mais importante, é um livro formador de pequenos leitores, considerando, assim, a leitura como ato libertáriotransformador e prazeroso. Salienta-se, ainda, que o livro de Chico Buarque, assim como o conto tradicional Chapeuzinho Vermelho, trabalha num plano metafórico, permitindo as mais diversas interpretações. Sendo assim, o presente estudo, por meio de um olhar crítico, buscou ilustrar alguns conceitos implícitos na obra, mas que faz todo sentido em relacionar algumas das condicionantes que influenciaram a produção de Chapeuzinho Amarelo. Referências BETTELHEIM, Bruno. A psicanálise dos contos de fadas, Rio de Janeiro: Paz e terra, 2007. BORDINI, Maria da Glória. A literatura infantil nos anos 80. In: SERRA, Elizabeth D’Angelo (Org.). 30 anos de literatura para crianças e jovens: algumas leituras. Campinas, SP: Mercado de Letras: Associação de Leitura do Brasil, 1998. BUARQUE, Chico. Chapeuzinho Amarelo. 27. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2001. COELHO, Nelly Novaes. Literatura infantil. São Paulo: Ática, 1991. CUNHA, Maria Antonieta Antunes. Literatura infantil: teoria e prática. 18. ed. São Paulo: Atica, 2003. GRIMM, Irmãos. Chapeuzinho Vermelho. São Paulo: Cortez, 1985. Ilustração Disponível em: http://encantamentosdaliteratura.blogspot.com.br/2010/04/releitura-chapeuzinhoamarelo-chico.html. Acesso em 06 nov. 2013. 330 Anais do X Seminário de Iniciação Científica SóLetras – CLCA – UENP/CJ - ISSN 18089216 Para citar este artigo: ALBANO, Paula Cristina de Souza; ARIOSO, Fernanda. Leitura de histórias infantis: análise de chapeuzinho amarelo. In: X SEMINÁRIO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA SÓLETRAS - Estudos Linguísticos e Literários. 2013. Anais... UENP – Universidade Estadual do Norte do Paraná – Centro de Letras, Comunicação e Artes. Jacarezinho, 2013. ISSN – 18089216. p. 318 – 331. 331