PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP VILMA SILVA LIMA As regras da TV Universitária: lutas para a constituição de um campo DOUTORADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS SÃO PAULO 2011 PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP VILMA SILVA LIMA As regras da TV Universitária: lutas para a constituição de um campo Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Ciências Sociais sob a orientação da Profa. Doutora Silvia Helena Simões Borelli DOUTORADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS SÃO PAULO 2011 Banca examinadora --------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- Dedicatória Ao meu maior e eterno mestre que soube ser parceiro no exercício diário dessas lições: João Elias Aos meus filhos, Rodrigo e Pedro e enteados Gabriel e Vitor que este trabalho sirva de estímulo aos desafios da vida. Agradecimentos Seria impossível hierarquizar as dezenas de pessoas, que de uma forma ou de outra, estiveram presentes nesta longa jornada. Todas elas são especiais, independentemente de sua participação ativa ou não na produção desse trabalho. E todas merecem meus agradecimentos. Na certeza de cometer injustiças tentarei elencar seus nomes não em ordem de importância, mas na medida em que eles e as imagens dessas pessoas aparecerem em minha lembrança: Angela Fernandes, Samuel Paiva, Regina Tavares, Luana Carregari, Gabriel Priolli, Adriano Adoryan, Eliana Nogueira, Mary Wakabara, Sandra Botelho, Sandra Reimão, Ricardo Terra, Kelly Pereira, Daniela Barbassa, Carlos Fernando, Luiz Alberto de Farias, Willian Santanna, Inês Conforto, Marília Franco e tantos outros amigos queridos que para nomeá-los teria que ocupar o espaço de outra tese. Agradeço também à minha família: Vera, Taynara, Tuany, Rodrigo, Pedro, Val e os gêmeos. Ao João Elias, mais do que agradecer e dedicar o trabalho, tenho que pedir desculpas pelas noites mal dormidas, crises de choros e muitas vezes desespero. À Silvinha, pelo apoio, orientação e indicação da Vera (um anjo que apareceu em minha vida). À Universidade Cruzeiro do Sul pelo apoio. Aos amigos do Canal Universitário de São Paulo. Aos amigos do Campus Virtual Cruzeiro do Sul. E ao CNPQ, pela concessão da bolsa. Resumo LIMA, Vilma Silva. As regras da TV Universitária: lutas e constituição de um campo. 2011. Tese (Doutorado) – Programa de Ciências Sociais, Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, 2011. As relações entre os campos universitário/científico e o televisivo e as tensões que se criaram para a constituição de um campo televisivo universitário são objeto deste trabalho. O objetivo principal do trabalho é a partir da análise do campo universitário e do campo televisivo – compreender – o lugar ocupado pela tevê universitária na imbricação com esses campos. Tomou-se como exemplo paradigmático as televisões universitárias que fazem parte do Canal Universitário de São Paulo (CNU-SP), primeiro canal universitário do País a fazer uso da Lei do Cabo (8.977) que em seu artigo 23 disponibiliza para uso gratuito das universidades de sua área de prestação de serviço um canal de televisão. A fundamentação teórica teve em Bourdieu e nos conceitos de habitus e campo suas principais referências. A metodologia incluiu pesquisas bibliográficas e de campo com 4 (quatro) agentes (diretores) das tevês universitárias que participam do CNU-SP. Palavras-chave: televisões universitárias; universidade; televisão; habitus, campo social Abstract LIMA, Vilma Silva. The rules of the University TV: struggles and constitution of a field. 2011. Thesis (Ph.D.) - Program of Social Sciences, Catholic University, São Paulo, 2011. The relations between the camps university / scientific and the television and the tensions that arose for the establishment of a television field are the subject of this university. The main objective of this work is based on the analysis of the university campus and field television - understand - the role played by TV at university overlap with those fields. Was taken as a paradigmatic example of the televisions that are part of the University Channel University of São Paulo (SP-CNU), the first university channel in the country to make use of theCable Law (8977) which in its Article 23 provides for free use of universities its area of service a television channel. The theoretical approach was in Bourdieu and the concepts of habitus and field his main references. The methodology included literature searches and field with four (4) agents(directors) of TV universities that participate in the CNU-SP. Keywords: university TV; university; television; habitus; social Field. Sumário Introdução............................................................................................................................................. 16 Capítulo 1 1 Trajetórias do Campo Universitário ............................................................................................... 26 1.1 A Universidade: colocando o time em campo ..................................................................... 27 1.2 A Universidade na contemporaneidade ............................................................................... 34 1.3 A Universidade no mercado ou o mercado da Universidade .............................................. 37 1.4 Brasil – A Universidade tardia ............................................................................................ 41 1.5 Um raio X da Educação Superior ........................................................................................ 46 1.6 O campo Universitário ........................................................................................................ 60 Capítulo 2 2 O campo televisivo: formulações contemporâneas......................................................................... 67 2.1 A tevê e seus desdobramentos na vida em sociedade .......................................................... 68 2.2 Das aventuras de Chatô à tevê segmentada e digital ........................................................... 70 2.3 A televisão por assinatura.................................................................................................... 75 2.3.1 Tevê por assinatura e a distribuição dos sinais .................................................... 77 2.3.2 Distribuição por micro-ondas .............................................................................. 78 2.3.3 Distribuição por satélite ....................................................................................... 78 2.3.4 Distribuição por cabo .......................................................................................... 79 2.3.5 Distribuição pelo TVA – Serviço Especial de TV por Assinatura ...................... 80 2.3.6 Legislação ............................................................................................................ 80 2.4 A televisão segmentada ....................................................................................................... 81 2.5 Tevê digital .......................................................................................................................... 85 2.5.1 Panorama da tevê digital no mundo .................................................................... 90 2.6 A tevê brasileira e seus modelos: público, estatal e privado ............................................... 95 2.6.1 Os modelos públicos no contexto da digitalização ............................................ 103 2.7 O campo televisivo ............................................................................................................ 104 2.8 Universidade e televisão – tensões em campo .................................................................. 120 Capítulo 3 3 Televisão universitária: modos de fazer ........................................................................................ 124 3.1 A tevê educativa na contemporaneidade ........................................................................... 125 3.2 A televisão da universidade ............................................................................................... 135 3.2.1 A televisão universitária e seus agentes ............................................................ 139 3.2.2 O perfil das tevês universitárias do Brasil ......................................................... 142 3.2.2.1 Programação baseada no gênero discursivo............................................ 149 3.2.2.2 A tevê especializada: ciência e difusão do conhecimento ...................... 151 3.2.2.3 TV Universitária e a prática do ensino ................................................... 152 3.2.2.4 TV Universitária e a prática da pesquisa e da extensão .......................... 154 3.2.3 Tevê universitária: entre a ciência e o senso comum ........................................ 157 3.2.4 Há espaço para a universidade fazer tevê .......................................................... 160 Capítulo 4 4 Canal Universitário de São Paulo: antena coletiva para as tevês das universidades Paulistanas ..................................................................................................................................... 163 4.1 Uma apresentação necessária ............................................................................................ 164 4.2 O aquecimento: CNU–SP: a universidade fazendo tevê ................................................... 165 4.3 Apresentação do Time: Habitus e dinâmicas do Canal Universitário de São Paulo ........................................................................................................................................ 167 4.3.1 Apresentação do time: as tevês universitárias do CNU-SP ............................... 176 4.3.2 Apresentação do Time: diversidade de objetivos; convergência na produção ............................................................................................................. 189 4.3.3 Apresentação do Time CNU-SP: os agentes em campo .................................... 192 4.4 Televisões Universitárias de São Paulo: apropriação das linguagens da universidade pela televisão e da televisão pela universidade .......................................... 195 4.5 Pesquisa: O que está em jogo nas tevês universitárias de São Paulo ................................ 199 4.5.1 Apresentando os jogadores: pesquisa com diretores ......................................... 202 4.5.1.1 Coerências e incoerências em jogo ......................................................... 205 4.5.2 Os cartolas em campo: pesquisa com reitores ................................................... 214 4.6 Fim de jogo: resultados das pesquisas ............................................................................... 217 4.6.1 Agentes : trajetórias e disposições ..................................................................... 219 4.7 CNU-SP: uma tentativa de emancipação .......................................................................... 222 Considerações Finais .......................................................................................................................... 227 Referências .......................................................................................................................................... 231 Anexos ............................................................................................................................................. 245 Lista de Figuras Figura 1 - Instituições Universitárias Figura 2 - Regiões / Números de Instituições Lista de Gráficos Gráfico 1 - Número Instituições de Ensino – 2009 Gráfico 2 - Regiões / Evolução número de matrícula Gráfico 3 - Regiões / Números de Inscritos Gráfico 4 - Regiões / Número de Concluintes Gráfico 5 – Evolução matrículas de Graduação Gráfico 6 – Evolução Cursos / Região Gráfico 7 - Oferecimento de Cursos Presencial e a Distância Gráfico 8 - Professores Gráfico 9 - Alunos / Professor Doutor Gráfico 10 - Regiões /Doutor Gráfico 11 – Assinante por tecnologia Gráfico 12 –Políticos proprietários de RTV Gráfico 13 - Audiência Nacional – 2008 Gráfico 14 - Quota de Mercado– 2008 Gáfico 15 - Números de emissoras comerciais por rede – 2008 Gáfico 15 - Números de emissoras comerciais por rede – 2008 Gráfico 16 – IES no Brasil Gráfico 17 – Universidades com TV Gráfico 18 – Estrutura da instituição Gráfico 19 – Relação institucional Gráfico 20 – Sistema operacional Lista de Quadros Quadro 1 - Normas e Regulamentação Quadro 2 - Desaceleração do Crescimento das IES Quadro 3 - Matrículas por Organização Acadêmica Quadro 4 – 10 Maiores cursos Quadro 5 - Número matrículas Período Quadro 6 - As 10 Maiores Universidades do Brasil Quadro 7 – Calendário da TV Digital no país Quadro 8 – Padrões Tecnológicos Quadro 9- Fim das transmissões analógicas (switch-off) Quadro 10 – Vendas receptor digital Quadro 11 - Fim das transmissões analógicas (switch-off) Quadro 12 – Origem Familiar dos proprietários de TVs no Brasil Quadro 13 - Outorgas de televisão controladas por políticos Quadro 14 - Veículos das 4 maiores redes de TV e suas afiliadas Quadro: 15 – Emissoras Educativas – vinculação Quadro 16 - Assuntos Projeto Pauliceia em Debate Quadro 17 - Desafio Brasil (agosto de 2005 a junho de 2006) Quadro 18 - Cenário que compreende o espaço de produção das televisões universitárias participantes do CNU-SP. Quadro 19 – Agentes das tevês universitárias Quadro 20 – Perfil dos Agentes do Campo Quadro 21 – habitus dos entrevistados Lista de siglas ABEPEC - Associação Brasileira de Emissoras Públicas Educativas e Culturais ABERT – Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão ABMES - Associação Brasileira Das Mantenedoras Do Ensino Superior ABTA - Associação Brasileira de TV por Assinatura ABTU – Associação Brasileira de Televisões Universitárias ADTB-T - Advanced Digital Television Broadcast-Terristrial Anatel – Agência Nacional de Telecomunicações Ancine - Agência Nacional do Audiovisual ANDIFES- Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior ATSC - advanced television systems committee CDTB-T - Chinese Digital Television Broadcast-Terrestrial CNN – Cable News Network CNU-SP – Canal Universitário de São Paulo COC – Curso Osvaldo Cruz CONTEL - Conselho Nacional de Telecomunicações CRUB - Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras DMB-T - Digital Multimedia Television Broadcasting-Terrestrial DTH – Direct to Home DVB - digital video broadcasting EAD – Ensino a Distância EBC - Empresa Brasil de Comunicação EDTV - Enhanced Definition Television ENADE - Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes EPCOM – Estudos de Pesquisa da Comunicação FCBTV - Fundação Centro Brasileiro de TV Educativa FCC - Federal Communications Commission FNDC - Fórum Nacional para a Democratização da Comunicação HDTV - High Definition Televisin IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IES – Instituições de Ensino Superior INEP - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira ISDB - integrated services digital broadcasting ISDB-Tb - International System for Digital Broadcasting - Terrestrial Brazil Lavid - Laboratório de Vídeo Digital LDB - Lei de Diretrizes e Base MEC - Ministério de Educação e Cultura Minicom - Ministério das Comunicações MMDS – Multipoint Multichannel Distribution System MTV – Music Television NBR – Canal de Televisão do Brasil PBS - Public Broadcasting Service PNE - Plano Nacional de Educação RART - Rede Amazônica de Rádio e Televisão RBS - Rede Brasil Sul de Televisão RNCP - Rede Nacional de Comunicação Pública SACI - Satélite Avançado de Comunicações Interdisciplinares SARFT - State Administration of Rádio, Film and Television SBT – Sistema Brasileiro Televisão SBTVD - Sistema Brasileira de TV Digital SDTV - Standard Definition Television SEB – Sistema Educacional Brasileiro SEED – Secretaria de Educação a Distância SESC – Serviço Social do Comércio SET - Sociedade Brasileira de Engenharia de Televisão e Telecomunicações SINRED – Sistema Nacional de Radiodifusão Educativa SMCC - Synchronized multi-Carrier CDMA TVA - Serviço Especial de TV por Assinatura TVE – Televisão Educativa UHF – Ultra Hight Frequency VHF – Very High Frequency Introdução - Universidade e tevê no Brasil: caminhos cruzados As esquinas nas quais universidade e tevê se cruzam são muitas. A universidade surgiu nas décadas iniciais do Século XX como parte do processo de modernização do país. O Estado foi inicialmente seu único mecenas e responsabilizouse por todas as etapas de sua implantação, orientada, num primeiro momento, para atender a uma parcela privilegiada da sociedade (Bosi, 1992). A tevê surgiu também em função do processo de modernização, fazendo parte de ―[...] um importante período de mudanças na estrutura econômica, social e política‖ (Mattos, 2002:27). O mecenas de plantão, porém, foi o ―excêntrico empresário‖, Assis Chateaubriand (Mello, 1994), que transformou a novidade tecnológica importada em bem acessível a poucos que podiam comprar o aparelho e acessar as mensagens audiovisuais. Segundo Mattos (2002:78), esta é a fase elitista da tevê brasileira1. Tendo o Estado como catalisador de suas ações, tanto universidade quanto tevê desenvolveram-se e ampliaram sua presença na sociedade brasileira. Coube ao Regime Militar – 1964/1985 – definir os padrões existentes hoje para ambas. Para a universidade, mudança radical em seus rumos: saíram os modelos implantados ao longo da primeira metade do século XX, nos quais o Estado é o principal agente do processo de organização e oferecimento de vagas, e entrou a iniciativa privada, financiada pelas mensalidades e pelas verbas concedidas pelo Estado por meio de bolsas, financiamentos e filantropia. Para a tevê, o Regime implantou, com dinheiro público, a infraestrutura necessária, atraiu fabricantes dos aparelhos e organizou vendas financiadas, o que possibilitou o acesso de grande parte das famílias brasileiras ao meio de comunicação que se tornaria, a partir daí, o principal meio para veiculação de ideias. Sustentada pelo sistema publicitário a tevê serviu ao propósito de difundir os valores da sociedade de consumo e, ao mesmo tempo, o ideário do Regime Militar. 1 SODRÉ (1997:95) relata que a ausência de uma estrutura comercial e a pequena audiência formada pela elite foram fatores determinantes que levaram a tevê a enfatizar certos tipos de programas. Por exemplo: em 1954, quando o televisor ainda era considerado um bem de luxo, o IBOPE (Instituto Brasileiro de opinião Pública) divulgou que 48% dos proprietários de aparelhos tinham assistido a uma apresentação de Ballet. 1 ―Coincidentemente, nos anos sessenta, tanto a Unesco como os Estados Unidos estavam aconselhando a utilização dos meios de comunicação de massa para promover o desenvolvimento nacional‖ (MATTOS, 2002:27). Para operar o sistema, o empresário ―excêntrico‖, foi substituído pela Rede Globo, empresa organizada a partir de padrões técnicos, tecnológicos e estéticos de emissoras dos EUA. A tevê deixou de ser uma aventura para ser um investimento estratégico (Mattos, 2002), operado por empresas privadas, focadas em metas mercadológicas e na eficiência operacional. O ―Padrão Globo de Qualidade‖, slogan veiculado insistentemente, há décadas, pela Rede Globo, resume a filosofia adotada pela empresa em sintonia com o Estado brasileiro, durante e depois do Regime Militar, o que levou Mello (1994)2 a afirmar que a emissora tem uma vocação ―governista‖ e Mattos (2002), a demonstrar a intervenção direta e indireta do Estado no desenvolvimento da tevê no Brasil, principalmente a partir de 1964. Segundo este autor ―O governo é quem decide até o tipo de tecnologia a ser utilizada‖ (Mattos, 2002:44). Desde o seu início a tevê tem sido estudada a partir de vários pontos de vista, dos mais pessimistas, "apocalípticos" (Eco, 1970), que enxergam a cultura de massa como uma "anticultura", aos mais otimistas, "integrados" (Eco, 1970), que a veem como um fenômeno, uma possibilidade de crescimento do campo cultural. A universidade, por sua vez, também não escapa aos antagonismos de sua comunidade, que ora a vê como guardiã da produção científica e cultural da sociedade e ora, como ideário do neoliberalismo, tendo sido incorporada ao mercado como resultado do processo de globalização (Bosi, 1992). Dicotomias à parte, buscando uma reflexão acerca da televisão e da universidade em tempos de globalização e de mudanças nos modelos vigentes, este trabalho pretende superar as cisões existentes nas perspectivas das análises citadas. Para isso, tem-se como objeto de estudo o Canal Universitário de São Paulo (CNUSP), que veicula a programação produzida por tevês de universidades paulistanas. 2 Geraldo Anhaia Mello, na versão escrita do documentário da televisão inglesa Channel 4, Brasil: Beyond Citizen Kane, sobre a Rede Globo. 2 A proposta inicial para esta pesquisa tinha em vista aferir a recepção da programação veiculada pelo CNU/SP. Porém, em 2007, o Canal Universitário de São Paulo realizou uma pesquisa quantitativa encomendada pelas Instituições que o compunham3. Tal pesquisa constatou que, depois de dez anos no ar, era irrelevante o número de alunos e professores que viam a sua programação. A pesquisa citada contribuiu para o redirecionamento desta tese, já que, de posse dos dados, os quais, num primeiro momento, indicavam haver um distanciamento entre tevê universitária e seu público de maior interface dentro do segmento universitário, ou seja, professores e alunos, vários pressupostos foram levantados: inadequação da programação; qualidade editorial e técnica; meio de veiculação; entre outros. A perspectiva primeira de realização de uma pesquisa com ênfase na recepção foi descartada, já que o público - alunos e professores - que seria o foco, a audiência esperada do CNU/SP, não acompanha sua programação. Como fazer, então, um estudo de recepção e analisar a programação de um canal que não é visto por aqueles que seriam, aparentemente, seu "principal" público? Neste momento é oportuno fazer um recorte, visando especificar algumas posições: não se entende que o único público de um Canal Universitário sejam alunos e professores. Estes constituem-se como público "idealizado", no entanto não se pode esquecer os demais públicos, uma vez que o Canal Universitário de São Paulo é veiculado por cabo e, em função disso, pode ser visto por qualquer telespectador, desde que este tenha acesso a essa modalidade de tevê. Além disso, uma das afirmações mais recorrentes junto aos produtores/diretores do setor, acerca da recepção da programação, aponta para um público "zapeador", ou seja, aquele que, à procura de uma programação não específica, ao passar pelo canal, permanece em função de seu interesse pelo tema que está sendo exibido naquele momento. Importante ressaltar que essa fragilidade verificada no CNU/SP é realidade em todos os Canais Universitários do País, como pode ser observado nos documentos produzidos pela Associação Brasileira de Tevês Universitárias - ABTU - e em diversos fóruns do segmento4. 3 Material interno do CNU/SP, disponível para consulta na entidade. Disponíveis em www.abtu.org.br. Tais documentos serão utilizados na análise da construção e desenvolvimento da tevê universitária no Brasil, capítulo 3 desta tese. 3 4 Na busca de pistas que orientassem o desenvolvimento do trabalho, decidiu-se, no primeiro semestre de 2008, pela realização de uma pesquisa experimental com (12) doze pesquisadores-professores (sem vínculo com o CNU-SP), com o objetivo de identificar assuntos relevantes que, em sua opinião, deveriam ser abordados numa tevê universitária; além disso, questionou-se o conhecimento sobre o segmento Tevê Universitária, introduzindo a entrevista com a pergunta: você conhece ou já ouviu falar na tevê universitária? Outro assunto abordado nessa entrevista foi a pré-disposição negativa da academia em relação à televisão. Segundo Siqueira (2008 - Doc eletrônico), analisando esse meio do ponto de vista da divulgação científica, o uso que se faz da televisão no Brasil ainda é problemático. Uma possível explicação para essa ―prédisposição negativa‖, bem como para seu ―uso problemático‖ talvez seja a questão do tempo televisivo. Para Bourdieu (1997), existe um ―elo entre o pensamento e o tempo‖ e, considerando que a tevê se submete à lógica do mercado, torna-se inimiga do pensamento, criando, segundo o autor, a figura do fast-thinkers (pensadores rápidos), que, a partir de ―ideias feitas‖, analisam temas diversos. O autor afirma ainda que, visto tratar-se de ideias feitas, ou seja, opostas ao pensamento, não propiciam sequer a comunicação. O pesquisador, diante da possibilidade de expor seus pensamentos na tevê, vê-se num dilema: ocupar o espaço midiático correndo o risco de submeter o conhecimento científico à lógica da tevê ou recusar-se e manter-se no âmbito das formas de comunicação legitimadas pelo ethos científico. A relação tevê/conhecimento científico suscitou diversas afirmações por parte dos entrevistados. As ideias apresentadas demonstram haver relativo consenso entre eles e as considerações de Bourdieu, ou seja, entendem que tevê e pensamento crítico são incompatíveis, têm tempos e objetivos diferentes, habitus e ethos que os separam, como pode ser observado nos excertos das entrevistas transcritos a seguir: [...] não é que temos resistência ou medo em relação à TV, o fato é que, ao falar na academia, no caso de interpretação errônea, podemos voltar e esclarecer o assunto. Já na televisão isso não é possível. [...] criticamente a academia é muito peculiar. 5 5 (áudio e vídeo) Prof. Dr. Marco Antonio Moreira - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em entrevista para esta pesquisadora-2008. 4 [...] o cientista é muito ensimesmado, é muito pela avaliação de seus pares - esse sujeito virou ator de televisão (análise, segundo o entrevistado da academia sobre aquele professor que tem prática de aparecer na tevê). [...] nós não temos uma fala editada, como os jornalistas gostam; respostas prontas em 30 segundos [...]6 Com base nos resultados pouco reveladores no que tange à programação, já que nada do que foi sugerido apontou para mudanças ou ajustes relevantes, e, em função das recorrentes queixas sobre o tempo da televisão, diferente do tempo da academia, decidiu-se dar continuidade às pesquisas bibliográficas, buscando encontrar, nos autores e em suas obras, algum caminho que levasse a novas respostas. O autor/teoria que apresentou contribuição significativa para a proposta desta pesquisa e trouxe à cena aspectos relevantes para o estudo do objeto foi Pierre Bourdieu, que, em uma entrevista para a televisão do Collège de France, fez a seguinte reflexão, muito próxima às obtidas na pesquisa mencionada: Eu gostaria de tentar levantar aqui, na televisão, certo número de questões sobre a televisão. Intenção um pouco paradoxal, já que acredito que, em geral, não se pode dizer grande coisa na televisão. [...] Parece-me que não se tem de aceitar essa alternativa absoluta [...] Creio que é importante ir falar na televisão, mas sob certas condições. Hoje, graças ao serviço audiovisual do Collège de France, beneficio-me de condições inteiramente excepcionais: em primeiro lugar meu tempo não é limitado; em segundo, o assunto de meu discurso não me foi imposto [...] em terceiro, ninguém está ali, como nos programas comuns, para me chamar à ordem, em nome da técnica, em nome do público que não me compreenderá ou em nome da moral da conveniência etc. (Bourdieu, 1997:15) As dificuldades para realizar uma pesquisa de recepção da programação do CNU/SP, pelas razões já expostas, levaram à mudança no viés do trabalho, que deslocou seu foco para a compreensão do espaço ocupado pelas tevês universitárias a partir dos estudos realizados por Bourdieu, os quais contribuíram para fundamentar uma das hipóteses levantadas para a questão do distanciamento entre público universitário e CNU-SP. Essa hipótese é a de que esse espaço ainda não está bem delineado, visto que, em função de sua posição, as tevês universitárias aglutinariam habitus de ambos os campos – universitário e televisivo: no âmbito acadêmico, não se legitimariam como um elemento da universidade; e no âmbito televisivo, não se comportariam ou se configurariam como um veículo de comunicação constituído de 6 (áudio e vídeo) Prof. Dr. José Peres Angotti - Universidade Federal de Santa Catarina, em entrevista para esta pesquisadora-2008. 5 linguagem e objetivos próprios. As tevês universitárias, nessa perspectiva, apresentariam dificuldades em definir seu campo, seu espaço de atuação. Ao delimitar o cenário de atuação das tevês universitárias de São Paulo– inseridas na tensão entre dois campos – pretendeu-se entender as práticas realizadas em seu interior, bem como contextualizá-las junto aos campos televisivo e universitário. Para esboçar o quadro de referência das tevês universitárias foi necessária uma metodologia que identificasse a posição histórica dos canais universitários em seu campo de poder; a estrutura interna destes; e a gênese dos habitus dos indivíduos responsáveis por sua efetivação, uma vez que, para Bourdieu (1998), habitus é visto como um princípio correspondente e mediador entre as práticas individuais e a condição de existência. A noção de campo, por sua vez, está vinculada às relações sociais instituídas dentro do espaço pré-estabelecido para o "jogo" e o modo de pensar e agir dos produtores/diretores das tevês universitárias demarca a posição de cada instituição/indivíduo diante das estratégias engendradas pelos diversos atores sociais envolvidos. É a partir destas relações de conflitos que se estabelecem as alianças, as estratégias, os métodos, enfim, os caminhos da programação definida por esses profissionais. A definição da fundamentação teórica tornou essencial buscar referências que norteassem o estudo, no sentido de configurar os elementos que compõem os campos – televisivo e universitário – bem como indicou a necessidade de caracterizar as intersecções entre esses campos e sua influência sobre as tevês universitárias. O Canal Universitário de São Paulo (CNU-SP), objeto de estudo desta pesquisa, é tomado como paradigma de tevê universitária no Brasil. O foco da análise nas experiências do CNU/SP, uma modalidade de tevê criada em função da tecnologia que possibilitou a veiculação de mensagens por outros meios além do ar, permitiu tanto um aprofundamento no objeto em si quanto a generalização dos resultados. Outro aspecto considerado relevante para a definição do objeto é que o CNU-SP é o mais antigo na modalidade – por cabo –, considerado exemplo, uma vez que foi o primeiro canal universitário a operar no Brasil por essa modalidade. Antes dele existiam experiências isoladas, desenvolvidas por algumas poucas universidades. O 6 conceito de canal, no entanto, surgiu somente em 1997 com a união das nove universidades fundadoras do CNU-SP (Thomaz, 2007). A inauguração do Canal Universitário de São Paulo data de 10 de novembro de 1997, a partir da união de 09 (nove) instituições de ensino superior da cidade de São Paulo (Mackenzie, PUC/SP, São Judas, Uniban, Unicsul, Unifesp, Unip, Unisa, USP). O CNU-SP foi o primeiro a utilizar a prerrogativa da Lei de tevê por cabo (8.977) que, em um de seus artigos, prevê a criação de um canal de tevê mantido e gerido pelas universidades existentes nos municípios. O CNU-SP define-se como uma emissora de televisão de caráter educativo e cultural, sem fins lucrativos, que tem como objetivo a elevação intelectual do público telespectador (código de ética,1997). Cabe exclusivamente ao CNU-SP, enquanto instituição, a difusão dos programas produzidos pelas tevês (universidades) que o integram. Por isso, um conceito bastante utilizado para denominá-lo é o de ―antena coletiva‖, termo que, no decorrer do trabalho, será explicado. Tanto a administração quanto o financiamento do Canal Universitário de São Paulo são de responsabilidade das universidades integrantes, já que não há espaço na Lei para inserção publicitária. Além disso, sua gestão ainda não foi profissionalizada, ou seja, não há uma administração, exclusiva, do CNU/SP; toda a sua gerência ou ingerência é determinada pelas instituições que o compõem. Uma organização bastante difícil, na medida em que há, num mesmo espaço, e com isonomia, IES com orientações e objetivos diferentes (Lima, 2002). Entendeu-se que para a realização do estudo em questão seria necessário adotar uma metodologia articulada e organizada, visto tratar-se de dois assuntos - tevê e universidade – de grande complexidade e relevância, amplamente explorados como temas em pesquisas acadêmicas. Acompanha-se, neste sentido, o posicionamento de Johnson (2004), segundo o qual a adoção de um plano metodológico que revise as abordagens adotadas, que reconsidere os objetivos, a competência e limites do objeto, pode apontar para perspectivas que permitam olhar a totalidade e não fragmentos. Ainda segundo ele, cada abordagem pode apontar para diversos aspectos. [...] um tipo particular de estratégia de definição que revise as abordagens existentes, identificando seus objetos característicos e a abrangência de sua competência, mas também os seus limites. Na verdade não é de uma definição ou de uma decodificação que nós precisamos, mas de ‗sinalizadores‘ de novas transformações. Não se 7 trata de uma questão de agregar novos elementos às abordagens existentes (um pouco de Sociologia aqui, um tanto de Linguística acolá), mas de retornar os elementos das diferentes abordagens em suas relações mútuas (Johnson, 2004:19). Diante do arcabouço de ideias apresentado e das inúmeras interpretações que estas poderiam gerar, para organizar as atividades, elegeram-se, do ponto de vista metodológico, quatro aspectos acerca do setor para serem observados, os quais nortearam a pesquisa e orientaram as escolhas durante o processo de obtenção de respostas. O primeiro deles diz respeito às condições históricas e sociais que propiciaram a formação dos campos televisivo e universitário e, a partir desses, de cerca de 150 tevês universitárias no Brasil; o segundo, à identificação do perfil dos pensadores/pesquisadores/produtores, enfim, especialistas que diariamente são responsáveis pela escolha e produção dos assuntos abordados pela programação do CNU/SP; o terceiro, consequência do segundo, tem por objetivo refletir a questão dos habitus dos produtores/diretores e da universidade impregnados na programação e na dinâmica de produção dos programas; e o quarto e último elemento pesquisado buscou identificar o posicionamento dos reitores das IES participantes do CNU-SP acerca do papel da tevê universitária na missão dessas instituições. ―[...] a ação das obras sobre as obras [...] sempre se exerce tão somente por intermédio dos autores cujas estratégias devem considerar também sua orientação aos interesses associados à sua posição na estrutura do campo‖ (Bourdieu, 1996:226). A investigação realizada tem como eixo norteador as práticas dos diretores/produtores, visando identificar seu poder de escolha e de decisão diante de fatos oferecidos ora pelo campo televisivo ora pelo campo universitário/científico. Para a utilização do critério de campo definido por Bourdieu, é necessária também a identificação dos agentes e/ou das instituições responsáveis pela organização do setor que estabelecem seus princípios, seus sistemas de avaliação, suas práticas e produções. Segundo o autor, essas instituições são importantes para a recepção, visto que asseguram sua existência e a dos agentes capazes de reproduzir e renovar os produtos. ―[...] a natureza das pressões externas, a forma sob as quais elas se exercem, créditos, ordens, instruções, contratos, e sob quais formas se manifestam as resistências que caracterizam a autonomia‖ (Bourdieu,1997:21). 8 Descrevem-se, a seguir, os procedimentos metodológicos adotados neste trabalho: Pesquisa secundária efetivada com o levantamento bibliográfico e estudo de documentos do segmento; Pesquisa primária envolvendo levantamento de informações por meio de entrevistas – inquérito pessoal - com diretores de tevês universitárias. A técnica adotada para obtenção das informações a serem utilizadas no trabalho incluiu, como já relatado, um estudo de caso realizado junto ao Canal Universitário de São Paulo. O procedimento compreendeu visitas a todas as instituições integrantes, com a finalidade de observar os seguintes aspectos: rotina de trabalho; habilidades; parque tecnológico; relacionamentos. Para as entrevistas, utilizou-se um roteiro estruturado, visando identificar o lugar ocupado pelos diretores/produtores no processo de sugestão de pautas e elaboração da programação, uma vez que suas práticas tendem a se refletir nos produtos produzidos e veiculados pelo Canal Universitário de São Paulo. O principal objetivo definido para o estudo foi, a partir da análise do campo universitário e do campo televisivo, e buscando fundamentação nos referenciais teóricos de Pierre Bourdieu - em especial, os conceitos de campo e de habitus -, compreender o lugar ocupado pela tevê universitária na imbricação com esses campos. Pretendia-se, ao articular as noções de campo e habitus, entender, primeiramente, como se processam as tensões que surgem com a convergência entre os campos televisivo e universitário e, num segundo momento, analisar o surgimento de práticas relativas a esses campos que incidiriam sobre o fazer televisivo desenvolvido na modalidade universitária. Além disso, buscou-se identificar, com base nos conceitos bourdianos, os elementos que caracterizam o lugar ocupado pela tevê universitária, bem como estabelecer os nexos que explicam suas dinâmicas. Para organizar e orientar as noções acerca dos temas, optou-se pela distribuição dos dados obtidos e compilados, a partir das pesquisas, em quatro capítulos: o primeiro deles, - Trajetórias do Campo Universitário – tem como objetivo apresentar e refletir, com sustentação em uma análise bibliográfica e de dados secundários, coletados em diversas fontes - órgãos governamentais, instituições de pesquisa, entre 9 outros - , o estado da arte do Campo universitário e científico. Para que essa reflexão fosse profunda e metódica, considerou-se conveniente apresentar a estrutura atual desse cenário. No segundo capítulo, - O Campo Televisivo: Formulações Contemporâneas apresenta-se, tendo como alicerce uma pesquisa bibliográfica e documental, a televisão no contexto contemporâneo. Para isso, buscaram-se dados relativos às condições de sua implantação e desenvolvimento no país - quem eram seus agentes na época; quais lutas se travaram para a distribuição das posições dentro desse campo. Nesse capítulo dois aspectos relevantes foram abordados: a relação entre tevê pública (canais universitários, canais legislativos, canais comunitários) e tevê privada; e o contexto da digitalização da tevê e suas consequências são temas tratados neste capítulo. O terceiro capítulo, que recebeu o título - Televisão Universitária: Modos de fazer – apresenta o estado da arte dos Canais Universitários brasileiros e indica dados relevantes acerca do segmento. Além disso, expõe conceitos que ajudam a ampliar o olhar sobre a televisão universitária. No quarto e último capítulo – Canal Universitário de São Paulo: antena coletiva para as tevês das universidades paulistanas –, com base em um estudo de caso realizado por meio de observação e aplicação de um questionário estruturado, apresentam-se o Canal Universitário de São Paulo, seus agentes, seus habitus, suas dinâmicas, coerências e incoerências. Os dados coletados permitiram identificar e apresentar o grau de autonomia que o canal universitário tem em relação aos campos universitário e televisivo. Bourdieu, durante conferência em Paris (1997), afirma que ―o grau de autonomia de um campo tem por indicador principal seu poder de refração, de retradução‖. Os resultados do trabalho indicam que, depois de estranharem-se ao longo de décadas, é possível ocorrer o encontro e a legitimação entre tevê e universidade a partir da inserção de tecnologias que permitiram o surgimento de modalidades de tevê de acesso pago, a universidade expandiu sua presença no campo televisivo, ampliando as possibilidades de comunicação com a sociedade. 10 Capítulo 1 - Trajetórias do Campo Universitário Este capítulo tem como objetivo apresentar e refletir, a partir de uma análise bibliográfica, o estado da arte do campo universitário e científico. Para que esta reflexão seja profunda e metódica, considerou-se conveniente apresentar a estrutura atual deste grande cenário - Campo Universitário - por meio de pesquisas secundárias realizadas nos setores afins. Os conceitos de Habitus e Campo, de Pierre Bourdieu, perpassarão todo o capítulo, uma vez que se entende que ambos serão ponto de partida para entender o complexo jogo que se produz nesse campo. ―Numa sociedade desencantada, o reencantamento da universidade pode ser uma das vias de simbolizar o futuro (...) Tal papel é uma microutopia. Sem ela, a curto prazo, a universidade só terá curto prazo‖ (Santos,1994:200). 11 1.1 A Universidade: colocando o time em campo O acúmulo do capital financeiro, a capacidade científica e o desenvolvimento tecnológico são características fundamentais da globalização nos países desenvolvidos e, atualmente, caracterizam-se como elementos diferencias nas relações internacionais. Pode-se afirmar que o grande diferencial deste século reside no uso que as nações fazem do conhecimento produzido. A universidade, em qualquer lugar do mundo, apresenta-se como palco ideal para esse desenvolvimento, uma vez que se configura como polo catalisador de ideias que alimentam o desenvolvimento econômico, científico e tecnológico. Para Porcello (2002), a universidade surgiu da necessidade de perpetuar o conhecimento, uma vez que, antes dela, a educação ocorria a partir das práticas cotidianas. Estudar a universidade é importante na medida em que ela se configura como locus no qual grande parte da pesquisa básica das ciências fundamentais é produzida. Portanto mostrar sua relevância significa explicitar suas contribuições como meio de acesso ao conhecimento científico, como instrumento de cultura e de desenvolvimento social. Este posicionamento está presente no Plano Nacional de Educação (PNE) de 2001, que tem, como diretriz, a expansão com qualidade do ensino superior, entendendo que cabe ao Estado a organização desse segmento da educação como fator essencial ao desenvolvimento do país. A instituição universitária adquiriu espaço relevante na vida cultural da sociedade contemporânea, passando a representar o auge na hierarquia escolar, configurando-se tanto como produtora de conhecimentos quanto como responsável pela formação dos intelectuais que lidarão com esses conhecimentos e com a difusão da cultura em diversos outros setores. Gramsci (1988:9) analisou o papel dos intelectuais na sociedade. Para ele, O enorme desenvolvimento alcançado pela atividade e pela organização escolar (em sentido lato) nas sociedades que surgiram do mundo medieval indica a importância assumida no mundo moderno pelas categorias e funções intelectuais: assim como se buscou aprofundar e ampliar a ―intelectualidade‖ de cada indivíduo, buscou-se igualmente multiplicar as especializações e aperfeiçoá-las. É este o resultado das instituições escolares de graus diversos, 12 inclusive dos organismos que visam a promover a chamada ―alta cultura‖, em todos os campos da ciência e da técnica. A escola é o instrumento para elaborar os intelectuais de diversos níveis. A complexidade da função intelectual nos vários Estados pode ser objetivamente medida pela quantidade das escolas especializadas e pela sua hierarquização: quanto mais extensa for a ―área‖ escolar e quanto mais numerosos forem os ―graus‖ ―verticais‖ da escola, tão mais complexo será o mundo cultural, a civilização, de um determinado Estado. No Brasil, o papel dos intelectuais tem sido discutido ao longo da história, havendo, desde o início do Século XX, reconhecimento da sociedade quanto à importância destes para o desenvolvimento do país. A partir do Estado Novo 1937/1945 - há a profissionalização dos intelectuais que atuam dentro de setores do Estado, principalmente educação e cultura, e, desde então, os ―especialistas‖ têm presença cada vez maior para indicar políticas, ações e estratégias, tanto para o Estado, quanto para o setor privado. O desenvolvimento da ciência e da tecnologia é inerente ao mundo contemporâneo e, em consequência dessa realidade, criou-se uma demanda por profissionais qualificados para o desenvolvimento de pesquisas e projetos inovadores. Para alguns pesquisadores, no Brasil, diferentemente do que ocorre na maior parte do mundo, a universidade está relativamente apartada dessa realidade, mesmo ocupando, desde 2007, a 15ª posição mundial de indexação de artigos em publicações acadêmicas. Para Aranha (2008)7, o país não consegue transformar o conhecimento produzido em produtos ou serviços disponíveis para o mercado e o grande desafio da inovação consiste na efetivação de um trabalho que sintonize todos os atores envolvidos nesse processo, ou seja, empresa, universidade e consumidores. A falta de sintonia entre mercado e universidade é uma questão bastante controversa, como demonstra Audy (2006), e intensamente discutida por diversos setores da academia. Há aqueles que defendem a redefinição das relações entre universidade e mercado, visando ao estabelecimento de uma mão dupla, e há aqueles que intensificam as distâncias, uma vez que, para estes, os objetivos de ambos os setores – mercado e universidade – são excludentes. 7 José Alberto Aranha, diretor do Instituto Gênesis – PUC Rio de janeiro – durante lançamento do portal Innoversia, ocorrido no dia 03 de abril de 2009. 13 A universidade e a empresa são regidas por valores absolutamente próprios e distintos. São diferentes os seus ciclos de tempo, os seus objetivos e as suas motivações. No entanto, é necessário que haja complementaridade entre elas, em proveito do todo social (Marcovitch, 1999:15). Se Marcovitch apresenta um posicionamento relativista, encontram-se autores que propõem uma aproximação maior, como Audy (2006), que justifica ser necessário às universidades obter novas fontes de receita e garantir sustentabilidade para realização dos projetos de pesquisa e demais atividades acadêmicas. Já Chauí (2003), numa direção oposta, acredita que as políticas da Educação superior pautadas pela lógica de mercado produzem o que denomina de Universidade Operacional, ou seja, aquela voltada para si mesma, que, em detrimento do saber científico, forma para o mercado de trabalho. O que se observa, independentemente das análises dos diversos autores acerca da relação entre universidade e mercado, é que esta, vista como locus da produção de conhecimento, tem papel fundamental na vida social, na medida em que seu posicionamento, em relação a temas como economia, política e sociedade, pode interferir na direção adotada pelo Estado. Cabe a ela não somente a formação de profissionais competentes para atuarem no mercado de trabalho, mas, principalmente e efetivamente, operar junto à comunidade no sentido de disseminar o conhecimento produzido e produzir conhecimentos e técnicas que contribuam para desenvolvimento da vida social. Evidentemente, ao cumprir esse papel, a universidade pode contribuir para atender demandas da sociedade, as quais, na maioria das vezes, existem em função de opções políticas mais amplas, destacando, porém, que não cabe a ela um papel funcional e tampouco a de substituta do poder público. Vista sob a ótica da autonomia universitária, a relação com a sociedade deve ocorrer de forma mediada; visando, única e exclusivamente, por meio de um diálogo permanente, à produção e à disponibilização do conhecimento. Segundo Audy (2006:340), À medida que a sociedade vai se tornando mais baseada no conhecimento, as empresas vão mudando suas características e o mercado de trabalho vai se tornando mais intensivo em conhecimento, gerando demandas por um novo tipo de profissional. Ao mesmo tempo a sociedade passa a esperar mais das Universidades em termos de contribuições ao processo de desenvolvimento econômico e social. 14 Se, por um lado, como visto, há destaque para o distanciamento entre mercado produtivo e universidade, por outro, deve-se registrar que alguns segmentos da sociedade civil têm espaço privilegiado junto à vida acadêmica – principalmente aqueles menos favorecidos - proporcionando a abertura de novos campos de investigação em várias áreas do conhecimento. Evidentemente que esse destaque aos menos favorecidos se dá de modo instrumental, na medida em que as pesquisas impulsionadas pelos principais órgãos buscam soluções para os problemas dessa parcela da sociedade. A manutenção da parceria entre universidade e sociedade é desejável e vista com bons olhos por ambas, já que essa relação reafirma valores da democracia e da ética dos indivíduos. Essa questão - parceria entre universidade e sociedade – será abordada com mais ênfase no capítulo 4, visto que a tevê universitária, objeto deste trabalho, apresenta-se à sociedade e à universidade como um elo entre ambas. A inclusão de atividades de ―extensão‖ nos projetos que antes incluíam ensino e pesquisa expressa a disposição de aproximar essas instituições da realidade das maiorias para além da utilização dos produtos decorrentes das pesquisas científicas. Para as universidades particulares, em especial, a extensão assume papel não desprezível, porquanto conforma o principal eixo de construção de legitimidade e expansão da ação institucional. Dos hospitais universitários ao atendimento em outros setores da ―vida inteligente‖ – jurídico, psicológico, comunicacional –, procurou-se apresentar à sociedade justificativa para a designação de instituição ―sem fins lucrativos‖ que caracterizou, por muito tempo, a totalidade das universidades ―não públicas‖ do país. A universidade deve ser necessariamente ideológica e não inevitavelmente ideológica, pois a qualidade política não é um pacote que se compra ou se impõe, mas sim uma questão de opção individual e social no horizonte da liberdade possível, ou seja, uma conjuntura histórica que supõe a rejeição de propostas reconhecidas como incorretas e a aceitação de outras abraçadas como a construção prática de um compromisso político coletivo (Demo, 1994:43). Se, por um lado, a questão da autonomia universitária e o distanciamento da universidade dos ditames do mercado são referenciados, por outro, pesquisas apontam a necessidade de reestruturação da universidade. As mudanças na educação não vêm de hoje; seus objetivos vêm se alterando ao longo dos tempos: para os gregos 15 representava a felicidade; os medievais viam-na como salvação da alma; e a modernidade a vê como empregabilidade e renda. A função pública da universidade, com o livre exercício de docência, pesquisa e serviços à comunidade, deve ser mantida, coerentemente, dentro do contexto das exigências educacionais e das necessidades de cultura e conhecimento de toda a sociedade. Todavia, a própria qualidade do ensino e da pesquisa nas universidades públicas brasileiras está sendo prejudicada por uma estrutura obsoleta, que não premia qualidade, não atende necessidades do mercado de trabalho, nem contempla a expansão do número de vagas oferecidas e de atividades de extensão (Guralnik, 1998).8 Divergências à parte, há recorrências significativas nos discursos dos diversos agentes acerca de temas relacionados ao papel da universidade: a questão da autonomia, a necessidade de reestruturação, a aproximação ou não do mercado, a qualidade no ensino ou, na maioria das vezes, a falta dela, os custos do sistema universitário, entre outras. A crise do modelo, principalmente o público, é evidente. O setor privado, apesar da demanda da sociedade e do apoio, inclusive econômico, do Estado, também apresenta relevantes carências e limitações que preocupam o segmento e alguns setores da sociedade civil que acompanham a expansão das instituições de ensino superior brasileiras. É esta situação que explica o alto nível de controvérsia que circunda a educação superior privada brasileira. Em um extremo, estão os que entendem existir uma contradição insanável entre os fins públicos da educação e os interesses privados dos proprietários das instituições privadas. Nesta perspectiva, seria inadmissível a existência de instituições privadas de fins lucrativos, e a própria existência de um setor privado é vista como questionável. A expansão do setor privado e sua natureza frequentemente empresarial são percebidas como uma aberração que caberia limitar ou coibir, sendo no máximo tolerada como mal inevitável, mas nunca apoiada ou subvencionada. No outro extremo estão os que defendem que as instituições privadas, sobretudo as de natureza confessional, religiosa e comunitária, desempenham função social relevante e deveriam ser subvencionadas com recursos públicos, que não deveriam ser limitados ao financiamento das instituições estatais. Finalmente, no setor mais claramente empresarial, predomina a busca de uma liberdade empresarial absoluta do setor privado, em que se considera como abusivos quaisquer atos do poder público que busquem 8 Hernan Chaimovich Guralnick, Em nome da Rosa / Junho de 1998 – Disponível em: http://ftp.abc.org.br/arquivos/chaimo_rosa.html 16 garantir a qualidade e regular a provisão de serviços do setor (Schwartzman, J., Schwartzman, S., 2002).9 A crise pela qual passa a universidade no dias de hoje não é assunto exclusivo da contemporaneidade, podendo-se afirmar tratar-se de um processo iniciado há algumas décadas. Retornando à gênese desta ―crise‖, muito do que se debate hoje está presente no Relatório Atcon10, que revelou o estrangulamento no canal de acesso à universidade, quando milhares de jovens, apesar de aprovados nos exames, ficavam fora da universidade em função de falta de vagas. A partir daí, a preocupação do Estado foi a ampliação de vagas sem planejamento ou investimentos significativos. Evidentemente outras questões devem ser consideradas, entre elas a de que, naquela época, logo após o golpe de 1964, os militares vinculavam o progresso do país à ideologia desenvolvimentista. A educação, em todos os níveis, passou a ser responsável por promover o sucesso do projeto político e foi reorganizada visando a adaptar-se ao princípio norteador daquele tempo - o binômio ―segurança e desenvolvimento‖ – conceitoschave para se compreender as ações do Estado. Foi dessa maneira que, segundo Shiroma et al (2002), o sistema educacional adaptou-se a uma concepção econômica de desenvolvimento e transformou educador e educando em mercadorias que, se bem moldadas, podem gerar lucros. No final dos anos 1960, com base em estudos realizados, o Estado passou a argumentar que o ensino privado superior cumpriria função complementar, visto que o poder público não dispunha de mecanismos para arcar, isoladamente, com esse ônus. Soma-se a isso a orientação do Relatório produzido pelo professor Rudolph P. Atcon que, seguindo inspiração no modelo americano, disseminou a ideia de privatização nesse nível de ensino. Como se pode verificar, a iniciativa privada entra nesse cenário para suprir uma demanda reprimida. Essa iniciativa, segundo alguns especialistas da época, possibilitaria atender a anseios da sociedade, sem onerar o Estado, como já O ensino superior privado como setor econômico – Trabalho realizado em 2002 para o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – Disponível em: http://biblioteca.planejamento.gov.br/biblioteca-tematica-1/textos/educacao-cultura/texto-982013-o-ensino-superior-privado-como-setor-economico.pdf 10 Nome dado ao relatório produzido (1965/66) pelo professor norte americano – Rudolph P. Atcon – que foi contratado pelo MEC para planejar mudanças no ensino superior brasileiro. 9 17 ocorrera no ensino nos níveis fundamental e médio, com resultados pedagógicos e sociais discutíveis (Cunha, 1988). Em decorrência dessa atitude, alguns resultados foram sentidos e perduram até os dias de hoje: aumento no número de escolas privadas de ensino superior; acesso das camadas menos favorecidas ao ensino superior; organização didática e pedagógica de cursos distintos daqueles oferecidos pelas instituições públicas; questões de eficiência e lucratividade em detrimento da qualidade do ensino. [...] a massificação da empresa educativa de nível pós-secundário trouxe consigo vários efeitos combinados: mesocratização da matrícula, com crescente participação dos setores médios baixos em carreiras curtas, médias e semiprofissionais; feminilização da matrícula, que levou a uma distribuição mais equitativa da mesma entre sexos, ainda que as carreiras profissionais de prestígio permaneçam preponderantemente masculinas; regionalização da matrícula, com crescente participação de instituições situadas fora da capital ou das duas ou três maiores cidades de cada país; terceirização da matrícula, que tende a concentrar-se na carreiras de ciências sociais, educação, comércio e administração de empresas; e, finalmente, privatização da matrícula (Brunner, 2001:28). Posteriormente, segundo Chauí (2003), a reforma do Estado realizada no período de 1995/1998 definiu alguns setores – Educação, Saúde e Cultura - como de serviços não exclusivos do Estado, provocando, na Educação, algumas alterações significativas: a educação superior deixou de ser direito e passou a ser serviço; educação superior deixou de ser serviço público e passou a ser público e privado. Além dessas alterações, segundo a autora, outra, ainda mais expressiva, foi engendrada, definindo a universidade como organização social que presta um serviço ao Estado e com ele mantém um contrato de gestão e não como instituição social11 como considerada até então. Em outras palavras, a instituição se percebe inserida na divisão social e política e busca definir uma universalidade (imaginária ou desejável) que lhe permita responder às contradições impostas pela divisão. Ao contrário, a organização pretende gerir seu espaço e tempo particulares aceitando como dado bruto sua inserção num dos 11 A distinção entre instituição social e organização social é de inspiração frankfurtiana, feita por Michel Freitag em Le naufrage de l'université. Paris: Editions de la Découverte, 1996. 18 polos da divisão social, e seu alvo não é responder às contradições, e sim vencer a competição com seus supostos iguais (Chaui, 1999). As universidades, inclusive as privadas, existentes antes da reforma do Estado, precisaram passar por um processo de reestruturação para atuarem como organização social. Nesse novo modelo, a eficiência na escola passou a ser produzir bastantes resultados de modo planejado e gerenciado. Com isso, as instituições de ensino superior passaram a perceber a educação não mais como um direito social e, sim, como direito do consumidor. Neste novo cenário, o que passa a ser perseguido pelas instituições de ensino superior privado é a visão empreendedora e a prestação de serviço de resultados em detrimento da autonomia intelectual. Neste contexto a universidade organização torna-se cúmplice de um mercado que dita regras, já que este a sustenta. Neste novo cenário cabe à universidade organizar-se, buscando estar sempre à frente de seu concorrente na busca de seu aluno, agora cliente, que precisa ser valorizado como proprietário que elege, escolhe e adquire mercadorias de diferentes tipos, entre elas a educação. 1.2 A Universidade na contemporaneidade Atualmente proliferam pelo país estabelecimentos de ensino superior, tanto públicos quanto privados, de tamanhos e qualidades diversos. O segmento conta com mais de 160 mil professores com níveis de qualificação distintos, mais de cinco milhões de estudantes com chances e competências desiguais. Na mesma linha de diferenças e incoerências, o título de Universidade, que é determinado para caracterizar instituições de ensino pós-secundário com características específicas, vem sendo utilizado e atribuído a instituições indiscriminadamente. Enquanto, em outros países, o título é usado para rotular instituições específicas, no Brasil, é sinônimo de ―faculdade‖. Legalmente, evidentemente, existem distinções claras e objetivas entre as instituições de ensino, porém, na prática, todos são ―estudantes universitários‖, todos têm ―nível universitário‖. 19 A ideia de Gustavo Capanema12 de uma Universidade modelo, que serviria de padrão e paradigma com o qual todo o sistema de ensino superior deveria se igualar, inverteu-se: ao invés de uma universidade padrão e outras de menor graduação, vê-se a homogeneização. Porém, essa igualdade, que num primeiro momento pode parecer positiva, por ser meramente formal, reforça ainda mais as desigualdades existentes entre aqueles que estão em universidades de ponta e aqueles que estão nas demais instituições. Para Eunice Durham (2006), tanto os legisladores quanto os agentes presentes neste campo estão afetados pelo ―mito da universidade‖, ou seja, acreditam que o único modelo para o ensino superior seja o da universidade pública e gratuita que associa ensino, pesquisa e extensão. A força do mito faz com que se omitam da reflexão duas questões fundamentais. A primeira é o fato de que as universidades, tanto do Brasil como em todos os demais países, constituem um tipo específico de instituição que coexiste, creio que necessariamente, com outros tipos de estabelecimentos de ensino superior, como faculdades de formação profissional, institutos tecnológicos, escolas vocacionais e todo um enorme campo de cursos de menor duração, genericamente denominados de pós-secundários. [...] A segunda é que não se dá a devida consideração à profunda diversidade existente no próprio conjunto das universidades brasileiras, que integra, além das públicas, instituições privadas muito diversas, incluindo as comunitárias e as lucrativas, a maioria das quais, aliás, não preenche os requisitos constitucionais que definem as universidades, porque não associa o ensino à pesquisa (Durham, 2006:84). Segundo dados do último censo (2007) da educação, realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – INEP -, órgão do Ministério de Educação e Cultura - MEC –, há, no setor privado, predomínio de instituições educacionais não universitárias, o que difere do paradigma considerado ideal, ou seja, a organização do ensino superior em instituições universitárias - estas IES representam 86,7% do setor. Outro dado a ser considerado é a questão relativa à pesquisa, que quase não existe no setor privado, visto que a obrigatoriedade de sua exigência concentra-se na instituição universitária; a instituição universitária dá ênfase 12 Gustavo Capanema, foi ministro da educação de 1937 a 1945, foi responsável pela organização do ministério da educação nos moldes semelhantes aos praticados hoje. 20 a profissões mais clássicas e científicas, já o setor privado concentra-se nas profissões sociais. Para Schwartzman J. e Schawartzman S. (2002), dois pontos devem ser destacados, uma vez que são periodicamente discutidos pelos analistas e estudiosos do setor: a participação dos professores na gestão e decisões acadêmicas - quase nula - na iniciativa privada e o fato de a atividade cultural e intelectual ser percebida como de natureza altruística, ou seja, oposta à busca do lucro. Pesquisas como a de Sampaio (2000) têm identificado com mais clareza as funções pedagógicas e educacionais do setor, enxergando-o como um sistema de educação superior de massas, heterogêneo e complexo, dentro do qual o modelo tradicional não pode ser considerado mais do que uma parte de um todo mais complexo. Isso implica em rompimento com o ideário da universidade como paradigma para o ensino, sendo possível afirmar que, no Brasil, há duas modalidades para o ensino superior – o público e o privado – com formas de sociabilidade distintas, que se complementam e que são pouco excludentes. O setor público, neste cenário, configura-se como uma parte e não o todo e o setor privado como um participante legítimo e não como um mal necessário como comumente é visto. Inúmeras instituições de ensino superior privado, com o título e as prerrogativas de Universidade, vêm surgindo no cenário brasileiro como parte de um processo que tomou fôlego com a primeira Lei de Diretrizes e Base – LDB –, regulamentada ainda nos anos 1960, e assegurou-se na Constituição de 1988, quando se efetivou a profissionalização do setor. Importante destacar que a legislação que regulamenta o setor de ensino no país, seja ele público ou privado, baseia-se em dois instrumentos legais: a Constituição Federal de 1988, especificamente nos artigos 207, 208, 213 e 218 e a Lei 9.394/96, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Para Schwartzman J, Schwartzman S. (2002), o excesso de regulamentação e normas impossibilita a sistematização de um marco regulatório para o ensino superior privado. Segundo eles, no ano de 2001, foram editados 234 documentos para o setor. Atualizando esses dados para 2007, obtêm-se os seguintes resultados: 21 Quadro 1 - Normas e Regulamentação Atos normativos sobre o Ensino Superior Privado Brasileiro Documentos 2001 2007 Emenda Constitucional 1 0 Leis 10 5 Medidas Provisórias 22 1 Decretos 17 13 Resoluções 32 25 Portarias 94 66 Pareceres do Conselho de Educação 58 9 Fonte: ABMES (Associação Brasileira de Mantenedores do Ensino Superior) A regulamentação em questão diz respeito somente às instituições privadas categorizadas pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação em seu artigo 20 como: particulares em seu sentido estrito; comunitárias; confessionais; e filantrópicas. No passado, em função de questões fiscais, a maioria das instituições de ensino privadas denominava-se como filantrópica ou sem fins lucrativos. Atualmente apenas cerca de um terço dessas entidades enquadram-se nessas categorias, uma vez que, segundo seus mantenedores, as vantagens são poucas e, além disso, a organização fica mais suscetível à fiscalização governamental. 1.3 A Universidade no mercado ou o mercado da Universidade ―Grande negócio‖. É assim que, atualmente, vêm sendo tratadas as questões relativas ao segmento do ensino superior no Brasil. Após o crescimento do número de instituições privadas a partir de 1997, aproximadamente 13% ao ano, chegou-se ao momento do investimento na profissionalização da gestão e da venda de ações na bolsa de valores. De empreendimento de grupos familiares, passou-se às S/A da educação. 22 A inserção da economia brasileira, a partir da década de 1990, no processo de globalização, segundo Kuenzer (2001), apresentou impactos expressivos para a educação em função, principalmente, das novas tecnologias de produção que exigiram um redesenho dos processos de aprendizagem. Em pesquisa realizada para o BNDES, Schwartzman, J., Schwartzman, S. (2002) afirmam que o preço médio pago, anualmente, pelo aluno do setor privado é de 5.300 reais. Ao final do curso, em média de quatro anos, o discente poderia levar para casa um carro popular, mas o que leva é um canudo e, na maioria das vezes, vazio, já que até o certificado de conclusão de curso, na maior parte das instituições privadas, tinha, até recentemente, custo adicional. Em função do sucesso do setor, que movimenta mais de 20 bilhões anualmente, investidores de outras áreas passaram a atuar neste segmento. A previsão dos especialistas da área é de que, no período compreendido entre 2008 a 2012, cinco a oito grupos educacionais abram seu capital. Isso se explica a partir de alguns fatores que, inicialmente, parecem distintos, mas que, para o setor educacional, caminham lado a lado: o econômico, que indica que o Brasil está vivendo momentos de estabilidade e crescimento, mesmo em tempos de crise mundial, fazendo da bolsa excelente negócio para a captação de recursos; o espaço para o crescimento13 do número de alunos no ensino privado - atualmente são cerca de 5 milhões no país. Esse crescimento tem algumas explicações: o aumento do PIB per capta, acesso maior ao crédito e crescimento dos concluintes do ensino médio. E, para completar a equação, a discussão acerca da participação de investimentos estrangeiros, que não encontrou ressonância na última discussão sobre a reforma universitária e, consequentemente, provoca interesse de investidores estrangeiros neste setor (Schwartzman, J., Schwartzman, S., 2002). 13 ―A educação no Brasil está em expansão, já que possuímos atualmente apenas 12% da faixa de 18 a 24 anos da população brasileira nas escolas superiores, um índice ainda muito baixo perto dos 70% a 80% registrados nos países desenvolvidos, ou mesmo em relação aos nossos vizinhos. A Bolívia, por exemplo, para surpresa de muitos, inclusive do mercado internacional, tem registrado um crescimento no número de alunos matriculados no ensino superior bem maior que o nosso‖. Declaração de A. Carbonari Netto, presidente do Grupo Anhanguera Educacional, em matéria publicada na Revista Ensino Superior, de Agosto de 2008 – Disponível em HTTP://revistaensinosuperio.uol.com.br/textos.asp?codigo=12195 23 As características deste segmento vêm sendo redesenhadas nas últimas décadas em função do aumento do número de instituições de ensino, de matrículas, de cursos, de funções docentes, etc. Além desses fatores, outra questão relevante diz respeito à pluralidade das diversas realidades educacionais com formatos, vocações e práticas acadêmicas diferenciadas. A diversificação e a multiplicidade de instituições criaram um setor altamente competitivo e fragmentado no qual realidades pedagógicas e econômicas distintas são praticadas sem controle. A projeção de especialistas do setor é de que essa fragmentação diminua, haja vista a concentração da direção destas IES nas mãos de alguns mantenedores e a criação de grandes grupos educacionais. Segundo dados da Hoper Consultoria (2008), cerca de 26% dos alunos estão matriculados nos 18 principais grupos de ensino. De 2007 para 2008, os dez maiores grupos da educação registraram um aumento de 39% no número de alunos matriculados (de 640 mil para 889 mil).14 De acordo com o Ministério da Educação, existem, hoje, no país, 2.281 Instituições de Ensino Superior Privado, que, em função de suas dimensões e do capital de giro envolvido nos negócios, vêm recebendo dos analistas do mercado financeiro atenção especial. Segundo Petta (2007), ―Os analistas do mercado informam aos investidores que educação superior é um bom negócio 15‖. Três grandes grupos educacionais (Estácio de Sá, Anhanguera e Kroton Educacional) têm ações na Bovespa há cerca de três anos. Além desses grupos, o SEB – Sistema Educacional Brasileiro, que atua com a marca COC, atua na Bovespa. Além destes, outros grupos educacionais preparam-se para abrir seu capital e investem na aquisição de outras instituições16. Questões econômicas fazem parte do dia a dia das sociedades e, atualmente, estão presentes em discussões acerca da educação superior. Os resultados econômicos sempre se fizeram presentes em todas as formas de civilização, podendo-se afirmar 14 GAZETA MERCANTIL 18/02/2009 Maria Clotilde Lemos Petta é professora licenciada da PUCCampi e secretária de Comunicação Social da CONTEE – Confederação Nacional do Trabalhadores dos Estabelecimentos de Ensino. 16 Revista Ensino Superior, Agosto de 2008 – Disponível em HTTP://revistaensinosuperio.uol.com.br/textos.asp?codigo=12195 24 15 que são inerentes à vida humana. A origem das universidades, ainda na Idade Média, foi marcada por transformações de cunho econômico, político e cultural. De acordo com Ponce (1989), sob a influência da nova burguesia, que exigia espaço na vida intelectual europeia, a escola catedralícia foi o germe da universidade que ocorreu por volta do século XI, em função da expansão do comércio e da circulação de dinheiro. Antes disso, a educação superior ocorria em instituições ligadas à Igreja, única autoridade no mundo medieval com competência para outorgar o ius ubique docendi – titulação necessária para exercer o magistério. As primeiras universidades17 surgiram com iniciativas oriundas de alguns professores que, por diversos motivos, deixaram de se alinhar com as normas da Igreja e fundaram corporações de ofícios - associações civis autônomas - que organizavam os mais variados ofícios (de barbeiro a cirurgiões) a partir do conhecimento disciplinado pela lógica. Ainda segundo Ponce (1989), as primeiras universidades podem ser consideradas como reuniões livres de homens que se propunham ao estudo da ciência. A Universidade, em qualquer lugar do mundo, desde a revolução burguesa, configura-se como uma instituição pautada pela permanente reforma, buscando soluções para o seu tempo. Para alinhar-se às necessidades da Revolução Francesa, tornou-se profissionalizante ou napoleônica; para adequar-se ao movimento científico da Prússia, tornou-se pesquisadora; e para responder às demandas de países em desenvolvimento, entre o final do século XIX e XX, tornou-se de massas (Trindade, 2000). A universidade tem, como característica, o princípio de reforma permanente, porém nenhuma alteração ocorrida anteriormente tem sido tão profunda quanto as ocorridas nas últimas décadas. Para Santos apud Germano, o ideal clássico de universidade começa a se descaracterizar a partir dos anos 1960: 17 Precisar a origem das mais antigas universidades - Salerno, Bolonia, Paris, Montpellier, Orleáns e Oxford - não é possível, no entanto seus registros remontam ao século XII. Já no século XIII, encontramos constituídas as universidades de Angers e Toulouse (1229), na França; Cambridge na Inglaterra (1209); na Espanha, Palencia (1212), Salamanca (antes de 1293) y Lérida (1300); em Portugal, Coimbra e Lisboa (1288); na Itália, Pádua (1222), Nápoles (1224), Siena, Plasencia (1246). Roma e Avignon tiveram universidade desde (1303). Na Alemanha e em Praga (1347), Heidelberg (1385). Na Áustria, Viena (1365), em Polônia, Cracóvia (1364). Fonte: RUIZ – Unisinos (Doc eletrônico). 25 [...] pelas inúmeras funções que passam a ser atribuídas a ela, que vão desde a prestação de serviços (extensão), o fornecimento de mão-de-obra qualificada, o fortalecimento da competitividade da economia, a mobilidade social para os filhos de famílias operárias, a preparação de pessoas para o exercício de liderança social, até o estabelecimento de paradigmas de aplicação de políticas públicas (Germano, 2001:226). Segundo Eunice Durham (2006), o fortalecimento da universidade ocorreu a partir da obtenção de uma bula papal consolidada por um decreto real ou imperial que autorizava a outorga do diploma. Nascida na Europa, onde se consolidou com as universidades de Bolonha e Paris, sua legitimação social foi uma questão de tempo. Hoje, funda-se na autonomia do saber frente à religião e ao Estado. As instituições universitárias, que surgiram como cenário para pensamentos de vanguarda, romperam com o clero na Idade Média e chegaram à modernidade com a missão de se opor à tradicional visão de criação, gestão e transmissão do saber. A sociedade atual vê a universidade como guardiã do conhecimento e como elemento decisivo para a inclusão social. Isso ocorre a partir do tripé ensino, pesquisa e extensão, que norteia as instituições desde a segunda metade do Século XX. Dessa forma, as universidades iniciam suas atividades exclusivamente voltadas ao ensino (século XI), incorporam a pesquisa como tarefa essencial (Século XVII) e incluem o terceiro item – extensão – já no século XX, aproximando o fazer acadêmico da vida social. Nesse processo, a academia, segundo Audy (2006:343), ―tem convivido com as tensões geradas pelo novo ambiente, envolvendo a sua missão de ensino (original), pesquisa (primeira revolução) e desenvolvimento econômico e social (segunda revolução)‖. 1.4 Brasil – A Universidade tardia O ensino superior brasileiro é considerado, na América Latina, um caso peculiar em função, principalmente, de dois fatores: o primeiro diz respeito à alta qualidade de seus cursos, de suas escolas de pós-graduação e de seus programas de pesquisa; o segundo, seu atraso, pois, em outros países da região, as universidades 26 surgem entre os séculos XVI e XIX, ao passo que as universidades brasileiras começam a aparecer nos anos 1930 e 1940. Contudo, os primeiros cursos superiores organizados no Brasil coincidem com a chegada da Família Real ao país, em 1808. Nessa época a política de Portugal era bastante restritiva às colônias no que concerne a questões relativas ao saber. As ordens religiosas eram os núcleos responsáveis pela disseminação do conhecimento e da cultura. Para entender a história das Instituições de ensino superior no Brasil, é importante buscar explicações acerca do tema no final do século XIX, quando três grandes forças políticas da época buscavam soluções para a implantação da Universidade Brasileira. Segundo Romano (1996), naquela época existia um grupo composto pela igreja, outro pelos civis liberais e um terceiro pelos pensadores positivistas. Havia grandes divergências quanto ao papel da universidade na vida política e social brasileira: a igreja católica via na universidade a possibilidade de aumentar seus quadros intelectuais; os liberais, orientados pelas Revoluções Francesa e Industrial, buscavam uma universidade totalmente desvinculada da igreja; já os positivistas entendiam que os brasileiros precisavam de ensino técnico. Foi nesse contexto que o governo federal, em 1922, ou seja, cem anos após a emancipação política e trinta e três anos após a substituição da monarquia pela república, no Rio de Janeiro, criou, após junção das escolas politécnicas de medicina e direito, a primeira universidade brasileira, recebida pela sociedade sem grande interesse, visto que se deu para que fosse possível conceder ao Rei da Bélgica um título de Doutor Honoris Causa em função de sua visita ao país. [...] existia na época, a Universidade do Rio de Janeiro, mas só no papel. Ela foi criada pelo presidente Epitácio Pessoa para, numa demonstração de status cultural, receber o rei Alberto da Bélgica. Mas o rei foi embora, passou poucos dias aqui e a universidade do Rio foi fechada: já tinha cumprido seu papel (Azevedo apud Favero, 1977:30). O estabelecimento da Universidade do Rio de Janeiro, mesmo que apenas no papel, aguçou alguns questionamentos acerca do tema, possibilitando, à época, o surgimento da Associação Brasileira de Educação, criada em 1924; a formação do Ministério dos Negócios de Educação e Saúde Pública, em 1930; e a movimentação de 27 vários educadores e pesquisadores, com posicionamentos diversos, visando a reformas educacionais que atendessem às novas necessidades da sociedade. Neste contexto, em função de todo esse movimento, em 1932, foi apresentado um documento denominado Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, que objetivava traçar as diretrizes de uma nova política para a educação nacional em todos os níveis, aspectos e modalidades (Azevedo, 1932). Diante do atraso com que se configuraram as instituições universitárias no Brasil, consideradas tardias por Schwartzman (2006)18, pois surgiram somente nos anos 1930 e 1940, o país não participou de movimentos que ocorreram em outros países da região, como afirma o autor citado: Com isso, o ensino superior brasileiro permaneceu por muito tempo imune ao movimento de ―reforma universitária‖ que, começando em Córdoba, Argentina, em 1918, espalhou-se por muitos países da região – Argentina, Peru, Uruguai, Venezuela, México – e engendrou não só uma mescla peculiar de autonomia e politização da universidade, mas também padrões acadêmicos que deixaram bastante a desejar (Schwartzman, 2006). Embora houvesse, segundo Romanelli (1996), experiências e tentativas independentes para se organizar universidades em Minas Gerais, São Paulo, Paraná e no Rio de Janeiro, na prática, as instituições educacionais do período configuravam-se como a união de algumas escolas. Os primeiros embriões para a organização das universidades brasileiras também ocorreram nessa época. Onze anos após a criação da Universidade do Rio de Janeiro – criada para oferecer o título ao Rei Belga - nasceu a primeira legislação que visava a organizar o setor - Decreto 19.851, de 11 de abril de 1931 - que, segundo Schwartzman (2006), tinha como missão controlar os padrões e os tamanhos das profissões e, em função disso, criou controles rígidos de fiscalização. Tanto a legislação quanto as práticas daquele período pressupunham a criação de uma ―universidade modelo‖, a partir da qual as demais seriam criadas. 18 Texto de uma conferência: ―The Flagship University and Development: The Role of ResearchOriented Universities in Middle-Income and Developing Countries‖, Boston College, June, 2005 e publicado, simultaneamente, como Brazil‘s leading university: between intelligentsia, word standards and social inclusion, em Philip G Altbach and Jorge Balán (ed.) Empires of knowledge and development: the roles of research universities in developing countries (Baltimore, MD: Johns Holpkins University Press, 2006). 28 É importante destacar que, ainda que existissem, no país, cursos superiores realizados em instituições que não se caracterizavam como universidade, a primeira instituição de ensino organizada, realmente, de acordo com o Estatuto das Universidades Brasileiras foi a Universidade de São Paulo-USP, criada em 1934. Nela, a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras consistia no cérebro do sistema, pois possuía o objetivo de formar professores para o magistério secundário e, além disso, a pesquisa configurava-se, nesse cenário, como suporte que perpassava todo o processo didático pedagógico. Portanto, 1934, não mais em função do servilismo político brasileiro, mas como resultado da vontade e da luta de intelectuais brasileiros e franceses, nasceu a Universidade de São Paulo, considerada, até hoje, umas das principais instituições de ensino do país. Segundo Schwartzman (2005)19, ―A Universidade de São Paulo é a principal Universidade de pesquisa e ensino de Pós-Graduação no Brasil, e sua produção acadêmica é comparável à de várias das universidades consideradas de classe internacional.‖ À universidade criada incorporaram-se as escolas superiores e os institutos de pesquisas existentes, entre eles: Faculdade de Medicina, Faculdade de Direito, Escola Politécnica, Escola Superior de Agricultura, Escola de Farmácia e Odontologia, Medicina Veterinária, Instituto Butantã, Instituto de Pesquisas Tecnológicas. É evidente que algumas razões explicam o sucesso da empreitada. O primeiro e mais importante talvez seja o fato de o Estado de São Paulo, na época, configurar-se como o mais significativo polo de desenvolvimento econômico do país, visto ser a principal região de plantio e exportação cafeeira; além disso, mais tarde, tornou-se um dinâmico centro industrial. Por outro lado, não se pode esquecer que a elite paulista liderou a frustrada Revolução Constitucionalista. Segundo Schwartzman (2006), a combinação entre riqueza e frustração certamente contribuiu para explicar as ambições e os êxitos dos primeiros anos da Universidade de São Paulo. Um personagem bastante significativo na constituição da USP é Júlio de Mesquita Filho, que descreve as motivações para o empreendimento da seguinte forma: 19 Na conferência The Flagship University and Development: The Role of Research-Oriented Universities in Middle-Income and Developing Contries, Boston College, june 2005. 29 Derrotados pela força das armas, sabíamos perfeitamente bem que só pela ciência, e com um esforço contínuo, poderíamos recuperar a hegemonia gozada na federação por várias décadas. Paulistas até os ossos, tínhamos herdado dos nossos antepassados bandeirantes o gosto pelos projetos ambiciosos e a paciência necessária para as grandes realizações. Que monumento maior do que uma universidade poderíamos erigir àqueles que tinham aceito o sacrifício supremo para defender-nos do vandalismo que conspurcara a obra dos nossos maiores, desde as bandeiras até a independência, da Regência até a República? […] Saímos da revolução de 1932 com o sentimento de que o destino tinha colocado São Paulo na mesma situação da Alemanha depois de Jena, do Japão depois do bombardeio pela marinha norte-americana, ou da França depois de Sedan. A história desses países sugeria os remédios para os nossos males. Tínhamos vivido as terríveis aventuras provocadas, de um lado, pela ignorância e incompetência daqueles que antes de 1930 tinham decidido sobre o destino do nosso estado e da nossa nação; de outro, pela vacuidade e a pretensão da revolução de outubro [de 1930]. Quatro anos de contatos estreitos com os líderes das duas facções nos convenceram de que o problema do Brasil era acima de tudo uma questão de cultura. Daí a fundação da nossa universidade, e mais tarde da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (Mesquita Filho, 1969 apud Schawartzman, 1991). Desde a sua concepção, a Universidade de São Paulo foi uma organização globalizada, buscando, nos centros mais avançados, os intelectuais para formar o seu corpo docente. Naquela época, mais do que formar quadros competentes para fazer crescer a economia, tinha-se, com meta, aproximar o Brasil, por meio da ciência e do pensamento, da civilização europeia. Nos anos 1940 outras universidades públicas e privadas foram formadas com a fusão de faculdades isoladas. Em 1950, registravam-se cerca de 30 universidades em todo o país, como demonstra Romano (1996). Hoje, no Brasil, coexistem universidades e instituições de ensino superior federais, estaduais, municipais e privadas. Menos de um século depois da criação da primeira Universidade do Brasil (1922), o panorama do ensino universitário no país mudou consideravelmente, com o crescimento vertiginoso do número de instituições de ensino de nível superior, abrangendo, evidentemente, os setores público e privado. No decorrer do tempo ocorreu uma mudança no perfil da Universidade Brasileira que deixou de ser, majoritariamente, entidade pública para tornar-se privada. Para Cristovam Buarque, ministro da Educação (2003 a 2004), 30 Houve um surpreendente crescimento do setor privado e uma inesperada interiorização da universidade estatal, voltada, na sua luta pela sobrevivência, para a defesa dos próprios interesses. A universidade privatizou-se de duas formas: a predominância das instituições privadas no número total de alunos e a perda de um projeto social nacional por parte das universidades públicas (Buarque, 2003:22). A universidade, no Brasil, ganhou legitimidade somente na segunda metade do século XX, profissionalizando a intelectualidade, sem, porém, manter vínculos com a vida simbólica e material da sociedade brasileira (Bosi, 1991). Seja pela iniciativa do Estado, seja pela aparente contradição entre ciência e cotidiano, esse ―distanciamento‖, no geral, manteve-se. No período em que, tardiamente, a universidade consolidava sua presença no país como responsável pela formação dos quadros para a burocracia estatal e elites políticas, a televisão, precocemente, instalava-se no país, participando da vida dos brasileiros e disputando a hegemonia na formação da opinião pública, questão que será aprofundada no capítulo 4, no qual se discutirão temas relativos às tensões que se estabelecem entre o campo televisivo e o universitário. 1.5 Um raio X da Educação Superior A universidade se materializa no corpo docente e discente, no quadro técnico-administrativo, em sua estrutura física e em todos os mecanismos que propiciam seu funcionamento. Assim, pensar a universidade é pensar as pessoas concretas, corações e mentes que se harmonizam em determinados aspectos e se antagonizam em outros (Silva, 2002).20 Para o autor, a universidade não é uma entidade abstrata e constitui-se de um campo de interesse no qual jogadores lutam para conquistar ou manter certas posições e/ou poderes; em outras palavras, agora buscando referência em Bourdieu, pode-se afirmar tratar-se de um ―palco de disputas‖. 20 Antonio Ozai da Silva – Apologia da Competência e a defesa da universidade pública – Disponível em: http://www.espacoacademico.com.br/014/14pol.htm. Acesso em 25 de fevereiro de 2011. 31 Ainda visando à compreensão desse campo de poder, apresentam-se a seguir dados do Censo da Educação Superior (2006, 2007 e 2009)21, produzido anualmente pelo INEP, que tem por finalidade traçar uma radiografia da situação desse nível de ensino no país. A partir destas informações será possível estabelecer análises precisas relativas ao campo universitário, visto tratar-se de um documento oficial e bastante criterioso em suas apurações. Para fins deste trabalho, dados relevantes do segmento foram selecionados para a pesquisa ora realizada, portanto, não serão apresentados, na íntegra, os resultados aferidos pelo INEP, mas, sim, aqueles considerados decisivos para a pesquisa, análise e configuração do campo universitário. O crescimento das instituições de ensino, no Brasil, vem sendo desacelerado, ano a ano, nesta primeira década do Século XXI. Uma explicação possível é a recorrente integração, por fusão ou compra, prática comum a partir de 2002, que tende a gerar uma situação nova para o segmento, na medida em que provocará concentração de escolas nas mãos de alguns poucos grupos de mantenedoras. Ano Quadro 2 - Desaceleração do Crescimento das IES Total de IES Percentual de crescimento 2002 1.637 2003 1.859 13,6% 2004 2.013 8,3% 2005 2.165 7,6% 2006 2.270 4,8% 2007 2.281 0,5% 2008 2.252 -2,03% 2009 2.314 0,5% Fonte: Censo da Educação Superior 2007 – Ministério da Educação (INEP) Como pode ser verificado pelo censo da Educação Superior em 2009, existiam, no país, 2.314 instituições de ensino superior. 21 Os dados do Censo da educação são divulgados anualmente, no entanto, foi necessária a utilização de informações de três anos diferentes, tendo em vista, que as informações não são as mesmas de um ano para o outro. A cada nova edição o INEP dá prioridade para determinado enfoque do processo. Por exemplo: no último Censo divulgado (2009) o foco foi na educação a distância; em 2006 o foco maior foi no perfil do professor. 32 O número de instituições públicas cresceu, segundo dados do Censo 3,8% (236/245) entre o período de 2008 a 2009, no entanto, no mesmo período as IES privadas cresceram 2,6% (2.016/2.069). Gráfico 1 - Número Instituições de Ensino – 2009 Fonte: Censo da Educação Superior 2009 – Ministério da Educação (INEP) A figura 1 demonstra a divisão por categoria administrativa, ou seja, quantas destas instituições tinham no ano de 2009 o título de universidade e quantas estavam registradas como centros universitários (127), Faculdades isoladas (1.966) e Institutos Federais e Cefets (35). Isso significa dizer, que 85% do ensino superior (1.966) está concentrado em Instituições denominas Faculdades. Figura 1 - Instituições Universitárias TOTAL IES NO BRASIL 2.281 186 2.128 OUTRAS ORG. ACADÊMICAS UNIVERSIDADES 92% 8% Fonte: Censo da Educação Superior 2009 – Ministério da Educação (INEP) 33 Ainda assim, como demonstra o gráfico a seguir, em 2007 o número de matriculados em IES com status de Universidades ultrapassava a casa dos 50%: Quadro 3 - Matrículas por Organização Acadêmica Organização Acadêmica Matrículas % TOTAL 4.880.381 100,0 Universidades 2.644.187 54,2 Centros universitários 680.938 13,9 Faculdades integradas 1.555.256 31,9 Fonte: Censo da Educação Superior 2007 – Ministério da Educação (INEP) A educação superior brasileira concentra grande número de matriculados num pequeno número de instituições, para se ter uma ideia, em 2009, apenas 117 IES detinham a matrícula de 2.505.670 alunos, ou seja, um pouco menos da metade, se considerar-se que em 2009, segundo o censo, existiam no país 5.954.021 alunos matriculados no ensino superior. Para Bourdieu (1977), a educação perde seu papel de instância transformadora e democratizadora, já que, no lugar de igualdade de oportunidade, meritocracia e justiça social, passou-se à reprodução e à legitimação das desigualdades. Essa situação fica evidenciada quando se observa a apresentação e a análise dos dados apurados pelo INEP, no censo de 2007, e aplicados nos gráficos reproduzidos a seguir. A partir da análise dos resultados é possível ratificar uma das hipóteses mais difundidas pelo autor, que afirma haver relação entre sistema de ensino e estrutura das relações de classe. O que se percebe, com base nos dados apurados, é que a concentração do número de escolas, de vagas, de matrículas, de concluintes e inscritos, no nível superior, ocorre justamente na região mais privilegiada do Brasil, a região sudeste, na qual há, também, predomínio da riqueza e urbanização. Ainda é possível apreender deste cenário que, das dez maiores universidades do Brasil, oito estão situadas nessa região. 34 Figura 2 - Regiões / Números de Instituições 2006: 412 (18,1%) 2006: 135 (5,9%) 2007: 422 (18,5%) 2007: 140 (6.1%) 2006: 1093 (48,1%) 2006: 243 (10,7%) 2007: 1.095 (48%) 2007: 249 (10,9%) 2006: 387 (17%) 2007: 375 (16,4%) Fonte: Censo da Educação Superior 2007 – Ministério da Educação (INEP) Gráfico 2 - Regiões / Evolução número de matrícula Fonte: Censo da Educação Superior 2007 – Ministério da Educação (INEP) 35 Gráfico 3 - Regiões / Números de Inscritos Fonte: Censo da Educação Superior 2007 – Ministério da Educação (INEP) Gráfico 4 - Regiões / Número de Concluintes Fonte: Censo da Educação Superior 2007 – Ministério da Educação (INEP) 36 O Número de matriculados na Educação Superior22 (graduação presencial + ensino a distância) ultrapassava em 2007 a casa dos cinco milhões; destes, 4.880.381 estavam matriculados na graduação presencial. Atualizando os números para 2009 tem-se o seguinte: dos 5.954.021 alunos matriculados, 5.115.896 estão cursando disciplinas em cursos da modalidade presencial e 838.125 na modalidade a distância. Gráfico 5 – Evolução matrículas de Graduação Fonte: : Censo da Educação Superior 2009 – Ministério da Educação (INEP 22 O INEP entende como Ensino Superior a soma dos dados obtidos nas avaliações da Graduação a distância e Graduação presencial. Dados sobre a educação tecnológica foram abordados em análises separadas. 37 Gráfico 6 – Evolução Cursos / Região Fonte: Censo da Educação Superior 2007 – Ministério da Educação (INEP) Pode-se afirmar que a educação superior se tornou um recurso social disputado no mundo contemporâneo, uma vez que se consolidou como instrumento legítimo de conservação social e princípio considerado adequado para o estabelecimento de hierarquias. Tem-se a ilusão de que, a partir da escolarização, haverá uma chance maior de ascendência social por meio da ocupação de cargos valorizados na estrutura ocupacional. Para Bourdieu (1979), o valor de um título escolar depende da capacidade do indivíduo de tirar proveito deste no grupo social ao qual pertence. A isso, o autor deu o título de ―Lei do rendimento diferencial do diploma‖. 38 Quadro 4 – 10 Maiores cursos Fonte: Censo da Educação Superior 2009 – Ministério da Educação (INEP) A pesquisa divulgada em 2007 revelou que 62,6% dos alunos de graduação das escolas públicas estavam matriculados no período diurno. No ensino privado, os números invertiam-se, pois quase 70% dos matriculados encontravam-se no período noturno. Quadro 5 - Número matrículas Período CAT. ADM. DIURNO DIURNO NÚMERO % NOTURNO NOTURNO NÚMERO TOTAL % PÚBLICA 776.399 62,6 464.569 37,4 1.240.968 PRIVADO 1.094.449 30,1 2.544.964 69,9 3.639.413 TOTAL 1.870.848 38,3 3.009.533 61,7 4.880.646 Fonte: Censo da Educação Superior 2007 – Ministério da Educação (INEP) Registrou-se um aumento de 6,3% no número de cursos de ensino superior (graduação presencial + graduação a distância) em relação ao ano de 2006. Como em quase todos os outros quesitos, aqui também, as IES privadas destacam-se como responsáveis pela oferta de maior número de cursos. 39 Gráfico 7 - Oferecimento de Cursos Presencial e a Distância 30.000 25.000 20.000 15.000 10.000 5.000 0 2002 2003 2004 2005 2006 2007 Total 14.445 16.505 18.751 20.596 22.450 23.896 Federais 2.341 2.417 2.470 2.474 2.837 3.135 Estaduais 2.568 2.799 3.311 3.212 3.246 2.967 Municipais 380 482 520 578 591 642 9.156 10.807 12.450 14.332 15.776 17.152 Privadas Fonte: Censo da Educação Superior 2007 – Ministério da Educação (INEP) Para dar conta destes mais de cinco milhões de alunos matriculados, há, segundo o Censo de 2009, 304.817 (trezentos e quatro mil oitocentos e dezessete) em atividade. Desses 36% são mestres, 29% são especialistas 27% doutores e 8% graduados. De acordo com os gráficos abaixo, pode-se perceber que nas instituições públicas a soma de professores mestres e doutores corresponde 75% enquanto nas IES privadas 55%. Destaque que, para as públicas maioria de doutores. 40 Gráfico 8 - Professores Fonte: Censo da Educação Superior 2009 – Ministério da Educação (INEP) As instituições de ensino com melhor relação professor doutor, segundo os dados de 2006, por aluno são as federais - 1 doutor para cada 22,8 alunos. No outro extremo, encontram-se as particulares com a pior relação - 1 doutor para cada 178,9 alunos. Gráfico 9 - Alunos / Professor Doutor Fonte: Censo da Educação Superior 2006 – Ministério da Educação (INEP) Se essa relação for analisada a partir das regiões, mais uma vez percebe-se que a sudeste leva vantagem - 1 doutor para cada 61 alunos. 41 Gráfico 10 - Regiões /Doutor Fonte: Censo da Educação Superior 2006 – Ministério da Educação (INEP) Outro dado relevante acerca do segmento é a questão do ranking das instituições. Das dez maiores universidades, as quais respondem por quase 14% do total das matrículas do país, apenas três são públicas. Quadro 6 - As 10 Maiores Universidades do Brasil Instituição Localização Rede de Ensino Matrículas Concluintes Universidade Paulista São Paulo/SP Privada 145.498 24.789 Universidade Estácio de Sá Rio de Janeiro/RJ Privada 116.959 17.093 Universidade Nove de Julho São Paulo/SP Privada 84.398 4.573 Universidade Bandeirante de São Paulo São Paulo/SP Privada 69.074 9.385 Universidade Presidente Antônio Carlos Barbacena/MG Privada 57.291 10.953 Universidade de São Paulo São Paulo/SP Pública 49.774 6.734 Universidade Salgado de São Gonçalo/RJ Privada 47.853 9.469 42 Oliveira Universidade Luterana do Brasil Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Universidade Federal do Pará Canoas/RS Privada 43.620 5.670 São Paulo/SP Pública 32.204 5.803 Belém/PA Pública 32.092 4.557 Fonte: Censo da Educação Superior 2007 – Ministério da Educação (INEP) Ainda na linha do raio X da Educação Superior, é importante destacar que as alterações não ocorreram somente nas instituições enquanto corporações educativas, mas também, e significativamente, no perfil do jovem universitário. De acordo com dados do ENADE - Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes - o crescimento das IES privadas possibilitou o acesso dos estudantes de baixa renda ao curso superior. Em 2006 foi apurado que 26% dos universitários ganhavam entre três e dez salários mínimos; em 2004, esse percentual era de 21%. Se, à primeira vista, esse crescimento parece positivo, para Bourdieu, porém, o crescimento da taxa de escolarização forçará a concorrência entre os grupos sociais pela posse dos capitais cultural e escolar, pois o número de postos de trabalho não cresce proporcionalmente ao número de diplomados, o que, consequentemente, segundo o autor, provocará desvalorização do certificado escolar. ―[...] os alunos ou estudantes provenientes das famílias mais desprovidas culturalmente têm todas as chances de obter, ao fim de uma longa escolaridade, muitas vezes paga com pesados sacrifícios, um diploma desvalorizado.‖ (Bourdieu; Champagne, 1992:221) Em decorrência desse aumento do grau de escolarização, os agentes deste campo buscam deslocar suas estratégias, a fim de galgar níveis cada vez mais altos na hierarquia acadêmica, ou, ainda, reforçar o que chamam, no meio, de ―ilhas de excelência‖, ou seja, ramo de ensino elitizado (engenharias, medicina, etc) ou tipo de escolarização mais seletiva ou mais rara (escolas internacionais ou bilingues, estudos no exterior, etc) - processo denominado por Bourdieu (1998) de ―translação global‖. 43 Com essas estratégias, as distâncias que separam os agentes dentro do campo alcançarão patamares cada vez mais elevados e difíceis de serem alcançados. [...] um jovem da camada superior tem oitenta vezes mais chances de entrar na Universidade que o filho de um assalariado agrícola e quarenta vezes mais que um filho de operário, e suas chances são, ainda, duas vezes superiores àquelas de um jovem de classe média. (Bourdieu, 1998:41) É certo que a universidade espelha as relações sociais existentes na sociedade e, portanto, os conflitos gerados dentro dela expressam maniqueísmos universais e particulares vividos pelos agentes fora da universidade. O crescimento das camadas médias urbanas, consequência da industrialização e da urbanização, gerou um novo contingente estudantil bastante heterogêneo. Por muitos anos a universidade recebeu e formou os filhos das elites que, uma vez egressos da universidade, passavam a ocupar os cargos mais relevantes no setor público e no privado. O acesso ao curso superior por parte de um jovem oriundo de famílias sem recursos, de pessoas mais velhas já inseridas no mercado e de mulheres, que era raro, hoje é bastante comum. O ensino universitário, para a maioria dos brasileiros, configura-se como uma utopia libertadora, ou seja, entende-se que, ao se obter um diploma de nível superior, o agente protagonizará ascensão cultural e, prioritariamente, econômica. Para Bourdieu (1999), esse mito não se sustenta, visto que a escola conserva as características sociais, pois legitima as desigualdades existentes na sociedade. O ingresso à universidade é marcado pela desigualdade social, haja vista que a classe dominante possui estrutura bem maior (em alguns casos 80 vezes) que as outras classes sociais. A escola - e o trabalho pedagógico por ela desenvolvido -, na perspectiva bourdieusiana, só pode ser entendida, quando relacionada ao sistema das relações entre classes, porquanto não se trata de uma instância neutra que transmite um conhecimento superior às outras formas de conhecimento; a universidade não é a única fonte do saber, e, assim sendo, desprezar o popular, o folclórico, em detrimento do erudito é, no mínimo, um equívoco. A seleção de significações que define objetivamente a cultura de um grupo ou de uma classe como sistema simbólico é arbitrária na medida em que a estrutura e as funções desta cultura não podem ser deduzidas de nenhum princípio universal, físico, biológico ou espiritual, não estando unidas por nenhuma espécie de relação 44 interna à natureza das coisas ou à uma natureza humana (Bourdieu; Passeron, 1975:23). 1.6 O campo Universitário ―[...] a universidade também é o lugar de uma luta para saber quem, no interior desse universo socialmente mandatário para dizer a verdade sobre o mundo social (e sobre o mundo físico), está realmente (ou particularmente) fundamentado para dizer a verdade.‖ (Bourdieu, 1990:116). No Brasil o ensino superior, num espaço relativamente pequeno de tempo, protagonizou significativas mudanças. Nos anos 1960, o sistema contava com aproximadamente cem instituições de ensino, a maioria delas de porte médio ou pequeno. Essas organizações eram responsáveis por formar os intelectuais da elite nacional da época e, em geral, mantinham uma conduta de princípios ou, segundo Bourdieu (1985), - um ethos23 - que orientava todos os processos da hierarquia escolar. Na citação abaixo, Bourdieu chama atenção para a relação que se estabelece entre o agente e a instituição da qual faz parte; no caso, o autor faz uma alusão ao curso de filosofia e ao cenário francês, mas que pode ser transportado para a realidade brasileira. Produtos puros de uma instituição escolar triunfante, que concedia a sua "elite" um reconhecimento incondicional, transformando, por exemplo, um concurso escolar de recrutamento [...] numa instância de consagração intelectual [...], essas espécies de crianças prodígios se viam conferir por decreto, aos vinte anos de idade, os privilégios e as obrigações do gênio. Numa França econômica e politicamente diminuída, mas sempre tão senhora de si intelectualmente, podiam se consagrar com toda inocência à missão que lhes atribuíam a Universidade e toda uma tradição universitária habitada pela certeza de sua universalidade: ou melhor, uma espécie de magistério universal da inteligência (Bourdieu, 2005:57). Incoerências e contradições, como foi visto, são inerentes às questões acerca da universidade brasileira desde a sua criação até os dias de hoje. Segundo Santos (2005), a universidade passa por uma crise formada a partir de três aspectos: o primeiro diz respeito à legitimidade, haja vista a manutenção de um conhecimento hierarquizado e de restrito acesso, por um lado, até a luta pela igualdade de oportunidade, por outro; o 23 Bourdieu caracteriza ethos como um sistema de valores implícitos e interiorizados, que contribui para definir as atitudes face ao capital cultural e à instituição escolar. 45 segundo envolve uma questão de hegemonia, visto que não cabe mais ao Estado, exclusivamente, a oferta do ensino superior e pesquisa, o que, consequentemente, resulta em produção de conhecimento extrauniversidade; e o terceiro reside numa questão puramente institucional que versa entre a contradição da autonomia universitária e a pressão exercida pela lógica do mercado. As questões de legitimidade, de hegemonia e institucionais relacionadas por Santos (2005), para caracterizar a crise das universidades, somadas ao conceito de campo desenvolvido por Bourdieu (1983), podem configurar-se como marcos iniciais para o estudo que se pretende. O conceito de campo relaciona-se ao espaço temático no qual se estabelecem relação de força mais ou menos desigual e onde os agentes travam luta pela manutenção de suas posições. Para Bourdieu, é característica de um campo possuir hierarquia interna, espaços estruturados de posições, objetos de disputa e de interesses que são irredutíveis aos objetos, às lutas e aos interesses constitutivos de outros campos. O campo científico é sempre o lugar de uma luta, mais ou menos desigual, entre agentes desigualmente dotados de capital específico e, portanto, desigualmente capazes de se apropriarem do produto do trabalho científico que o conjunto dos concorrentes produz pela sua colaboração objetiva ao colocarem em ação o conjunto dos meios de produção científicos disponíveis (Bourdieu, 1983:136). A universidade configura-se como uma entidade que se materializa nos corpos docente e discente, no quadro técnico e administrativo, enfim, em sua estrutura física e administrativa, tendo suas práticas e ideias determinadas pela e para a sociedade e, portanto, reproduz as relações e os conflitos vivenciados tanto pelos agentes internos quanto pelos externos a este campo. O campo universitário configura-se como um espaço no qual há diversos interesses em jogo e os jogadores têm posições diversas, muitas vezes, consolidadas e, por isso, lutam para a manutenção ou conquista de posições. Segundo Bourdieu (2000:85), ―o jogador é obrigado a tomar posição, a se comprometer‖, em contexto no qual ―A única liberdade absoluta que o jogo concede é a liberdade de sair do jogo por meio de uma renúncia heróica, a qual, a não ser que crie outro jogo, não obtém a ataraxia senão à custa daquilo que é, do ponto de vista do jogo e da illusio, uma morte social‖ (Bourdieu, 2000:85). 46 Apreende-se, portanto, que os agentes sociais fazem parte espacialmente de determinados campos sociais e a posse de alguns capitais, entre eles o cultural24, condiciona a posição que eles ocupam no campo. Assim, espera-se que cada jogador conheça as regras do jogo dentro do campo social do qual faz parte. Evidentemente os agentes sociais criam realidades, travam lutas e relações visando à imposição de seus objetivos, porém sua influência está determinada em função da posição que ocupam no espaço que pretendem transformar. As práticas que ocorrem no campo universitário orientam-se para a obtenção da autoridade científica, de status e, principalmente, do reconhecimento, o que, em maior ou menor grau, determinará as táticas e as diretrizes do jogo científico. A estruturação deste campo dá-se a partir de relações objetivas que se estabelecem entre os diferentes agentes. A magnitude da estrutura do campo, entre eles o científico, é medida em função da distribuição do capital - científico, social, político, artístico, esportivo e econômico – entre os agentes. Segundo Bourdieu (1989), os portadores de um quantum de capital (de qualquer natureza) optam por aceitar ou não as diretrizes da sociedade, uma vez que o espaço social constitui-se de posições diversas, definidas em função do tipo específico de capital que cada agente detém. [...] falar de estratégias de reprodução não é atribuir ao cálculo racional, ou mesmo à intenção estratégica, as práticas através das quais se afirma a tendência dos dominantes, dentro de si mesmos, de perseverar. É lembrar somente que o número de práticas fenomenalmente muito diferentes organizam-se objetivamente, sem ter sido explicitamente concebidas e postas com relação a este fim, de tal modo que essas práticas contribuem para a reprodução do capital possuído. Isto porque essas ações têm por princípio o habitus, que tende a reproduzir as condições de sua própria produção, gerando, nos domínios mais diferentes da prática, as estratégias objetivamente coerentes e as características sistemáticas de um modo de reprodução (Bourdieu,1989:386). Se, por um lado, as questões relacionadas ao campo orientam-se pelas dinâmicas das disputas ocorridas em seu interior, por outro, consubstanciam-se na 24 Bourdieu (1998) observa que o capital cultural pode se apresentar em três modalidades: a primeira, a Objetivada, que diz respeito à propriedade de objetos culturais valorizados (livro / obras de artes); a segunda, trata-se da Incorporada, que se relaciona à cultura legítima, ou seja, aquela internalizada pelo indivíduo (habilidades linguísticas, crenças, conhecimentos, comportamento) ligada à cultura dominante; a terceira e última delas, a Institucionalizada, que compreende a posse de atestados que certificam a formação cultural. 47 estrutura do habitus dos agentes existentes no campo, visto que o agente/jogador incorpora propriedades inerentes à lógica do campo. Para Bourdieu (2000), o habitus configura-se como um núcleo de sistema de classificação da realidade que pode ser desenvolvido ou incorporado pelos indivíduos dentro dos respectivos campos. Habitus não é destino, embora, na maioria das vezes, seja entendido como um sistema gerado no passado e direcionado para ação presente (Setton 2002). O Conceito de habitus defendido por Bourdieu (1979, 1990, 1996, 1997, 1980) consiste no princípio norteador de práticas e de representações articuladas a partir de esquemas mentais construídos ao longo da trajetória do indivíduo. [...] um sistema de disposições duráveis e transponíveis que, integrando todas as experiências passadas, funciona a cada momento como uma matriz de percepções, de apreciações e de ações – e torna possível a realização de tarefas infinitamente diferenciadas, graças às transferências analógicas de esquemas [...] (Bourdieu, 1983:65). O conceito de habitus surge para conciliar a aparente oposição entre as realidades externa e interna na busca de mediação entre o mundo objetivo e o mundo subjetivo, visto como um sistema de esquemas individuais formado no mundo social (estrutura) e na mente (estruturante). Trata-se, portanto, de uma matriz geradora de práticas distintas e distintivas, fruto da incorporação da estrutura social e da posição social de origem no interior do próprio sujeito. Extrapolando a noção de habitus para a realidade acadêmica, seria como questionar o que veste e como veste o intelectual, seu esporte e seu modo de praticálo, suas opiniões e suas maneiras de expressá-las. Evidentemente, seu consumo e atividades seriam substancialmente diferentes dos de seus alunos, do corpo técnico administrativo e até de alguns de seus pares, mas é fato que cada sujeito, em função de sua posição social, vivencia uma série de experiências que estruturam seu comportamento, o qual não precisa ser seguido indeterminadamente, visto não se configurar como um conjunto inflexível de regras e, sim, como um princípio que pode ser adaptado de acordo com a conjuntura. A cada classe de posições corresponde uma classe de habitus (ou de gostos), produzidos pelos condicionamentos sociais associados à condição correspondente e, pela intermediação desses habitus e de suas capacidades geradoras, um conjunto sistêmico de bens e de propriedades, vinculados entre si, por afinidades de estilo. Uma das 48 funções da noção de habitus é a de dar conta da unidade de estilo que vincula as práticas e os bens de um agente singular e de uma classe de agentes (Bourdieu, 1979:21). A ação educativa/universidade sempre se revestiu de uma complexidade bastante exacerbada. Essa característica, na contemporaneidade, é ainda mais marcante devido à presença, em função da ―democratização‖ do ensino, de jovens das mais variadas origens sociais e culturais, sem falar das tecnologias da informação e da comunicação. A realidade mudou, mas será que as escolas e os professores também acompanharam essas mudanças? Como visto, as questões relativas à educação estão subordinadas a um conjunto de pressupostos históricos que determinaram e ainda determinam o processo de ensino e aprendizagem, e, evidentemente, esses mesmos pressupostos também foram decisivos para a formação do Estado Brasileiro e do habitus inerente a esse campo. A instituição escolar, com raríssimas exceções, não dialoga com as realidades sociais; sua estrutura basicamente seriada e predominantemente meritocrática, com tempos e espaços rígidos, difere-se da realidade e dos habitus de seus alunos. Florestan Fernandes (1979), ao refletir sobre a universidade, ressalta que, ―quando se tentou instituir a ‗universidade‘, não se pensou em corrigir os defeitos estruturais da ‗escola superior‘, e a ‗universidade brasileira‘ assumiu o caráter de uma conglomeração de escolas superiores‖. Se o habitus, como afirma Bourdieu, é o princípio gerador e unificador de uma classe que traduz seu estilo de vida, escolhas e práticas, talvez isso explique a dicotomia existente entre os interesses dos diversos agentes desse campo. O campo universitário caracteriza-se pelo enraizamento de velhos habitus, muitas vezes cultivados propositalmente, para conferir status a seus agentes mais célebres. Concebido para legitimar a dominação exercida pelas classes dominantes, todas as práticas neste campo são orientadas pela busca da autoridade científica que determina, entre outras coisas, o prestígio e o reconhecimento de seus pares. A busca pela autoridade científica, na prática, produz o afastamento do professor pesquisador do ensino e da extensão, uma vez que estes preferem permanecer em seus laboratórios para obter maiores recursos financeiros, prestígio social e, consequentemente, progressão funcional, o que, para Bourdieu (1983), denomina-se como lucro simbólico, espécie de reconhecimento concedido pelos pares, no interior do campo. 49 Bourdieu (1984) entende o sujeito da ciência - o homo academicus - como elemento do objeto da ciência, afastando-se da ilusão de ―intelectual‖ sem laços e nem raízes, e o caracteriza a partir de interesses específicos (postos acadêmicos, contratos de edição, reconhecimentos e gratidões), na maioria das vezes, imperceptíveis aos olhos daqueles que não fazem parte deste universo. Para ele, os intelectuais são, enquanto ‗detentores do capital cultural, um fragmento (dominado) da classe dominante, e muitas de suas posições, em relação à política, por exemplo, devem-se à ambiguidade de sua posição de dominados entre dominantes. A crítica de Bourdieu ao homo academicus torna-se ainda mais severa, à medida que analisa a sedução causada por produções supostamente científicas, por temas da moda. Se, como diz Bourdieu, o habitus se apresenta em cada sujeito em função de sua posição na estrutura social, o que provoca uma série de experiências que estruturam internamente sua subjetividade, é importante destacar que as características do professor no Brasil – reflexo das dicotomias existentes no ensino superior – não são uniformes. Segundo Schwartzman; Balbachevsky (1997), existem três grupos de docentes no país: a) Nas instituições paulistas (de referência) e em menor grau nas federais professores mais qualificados, trabalhando em tempo integral, envolvidos em pesquisas com financiamento próprio, com pouca participação sindical e grande envolvimento acadêmico; b) Nas instituições privadas e estaduais - professores com títulos de mestre e especialização, trabalhando em tempo parcial, dando expressivo número de aulas e prestando serviço ao setor; c) Nas instituições públicas federais – predominância de professores de qualificação média, estáveis, de tempo integral, com grande envolvimento em atividades sindicais e corporativistas e produção científica relativamente pequena. A Instituição Universitária brasileira não forma uma única categoria com os mesmos interesses, porém forjou-se a partir de um habitus característico de seus agentes, que a legitimam em função da transmissão de conteúdos e cultivo de avaliações de produtividade e competência, provocando seu distanciamento da 50 comunidade que a compõe e que a rodeia. Nesse cenário, a universidade orienta-se pela geração, disseminação, ampliação e aplicação de conhecimentos, visando a dar sentido à vida na sociedade e, para isso, é necessário o rompimento com velhas fórmulas e conceitos. Esse campo é delimitado por muros, que num primeiro momento o protege, mas também o afasta do caminho da socialização de suas produções. A tevê universitária, objeto deste trabalho, coloca os agentes do campo universitário em situações novas em relação àquelas desenvolvidas entre os muros, podendo significar uma ampliação do campo. Questões relativas à disseminação e à ampliação da atividade científica constituem-se como temas amplamente discutidos nos diversos campos subjacentes ao universitário. O ponto crucial desta discussão refere-se ao habitus dos agentes deste campo que, normalmente, utilizam uma linguagem elitizada e de difícil entendimento por parte daqueles que não compõem o campo. A autoridade científica, como visto, legitima-se na luta concorrencial, travada entre os agentes do próprio campo, não existindo espaço para julgamentos externos. O estado da arte acerca da divulgação científica será amplamente discutido no capítulo três, por ser o momento no qual se discutirá o espaço do Canal Universitário neste amplo campo, entendido como um eficiente espaço para a divulgação científica, na medida em que se constitui como uma vitrine pela qual as inúmeras possibilidades acadêmicas podem ser descortinadas e divulgadas para a sociedade. Neste primeiro capítulo discutiram-se aspectos relevantes da inserção da universidade no Brasil. Na sequência, discutiremos a trajetória da televisão no Brasil, para, no capítulo seguinte, analisar caminhos de convergência entre estes dois campos, que teria ocorrido com a implantação das tevês universitárias. 51 Capítulo 2 - O campo televisivo: formulações contemporâneas Este capítulo tem como foco a apresentação, a partir de uma pesquisa bibliográfica e documental, da televisão no contexto contemporâneo. Para isso buscaram-se dados relativos às condições de sua implantação e desenvolvimento no país – quem eram seus agentes na época; quais lutas se travaram para a distribuição das posições dentro deste campo; a tevê pública (canais universitários, canais legislativos, canais comunitários) X tevê privada; o contexto da digitalização da tevê e suas consequências. “Tire a televisão de dentro do Brasil e o país desaparece” Eugênio Bucci, presidente da Radiobrás 52 2.1 A tevê e seus desdobramentos na vida em sociedade A televisão é muito mais do que um aglomerado de produtos descartáveis destinados ao entretenimento da massa. No Brasil, ela consiste num sistema complexo que fornece o código pelo qual os brasileiros se reconhecem brasileiros. Ela domina o espaço público (ou a esfera pública) de tal forma, que, sem ela, ou sem a representação que ela propõe do país, torna-se quase impraticável a comunicação – e quase impossível o entendimento nacional. [...] O espaço público no Brasil começa e termina nos limites postos pela televisão [...] O que é invisível para as objetivas da TV não faz parte do espaço público brasileiro. O que não é iluminado pelo jorro multicolorido dos monitores ainda não foi integrado a ele (Bucci,1997:9). Exercendo fascínio em uns e repulsa em outros, a televisão está presente, direta ou indiretamente, na vida dos brasileiros e exerce um papel decisivo na formação e nas atitudes da sociedade. A tevê pode ser considerada uma vitrine pela qual o mundo é descortinado em tempo real e as cenas do cotidiano do planeta são veiculadas, atiçando a sensibilidade e a inteligência do sujeito. Nessa vitrine de acontecimentos, fatos dispersos e inexplicáveis se sucedem – são imagens fragmentadas e, muitas vezes, incompreensíveis do mundo que ajudam a formar a opinião de muitos brasileiros. A televisão preenche o vazio social e é utilizada, pela maioria das pessoas, como uma fuga para as dificuldades do cotidiano. Segundo Bourdieu (1997), a televisão não manipula só pelo que transmite, mas, sobretudo, pelo que omite. E talvez seja por isso que ele insista na tese de que a [...] televisão tem uma espécie de monopólio de fato sobre a formação das cabeças de uma parcela muito importante da população. Ora, ao insistir nas variedades, preenchendo esse tempo raro com o vazio, com nada ou quase nada, afastam-se as informações pertinentes que deveria possuir o cidadão para exercer seus direitos democráticos (Bourdieu,1997:23). Antes as pessoas saíam às ruas ou ficavam nas janelas de suas casas para se informarem sobre o que ocorria nas proximidades, na região e até mesmo no mundo. A conversa cara a cara com os vizinhos e com os viajantes possibilitava a troca e a renovação das informações. Hoje a janela é a tela da tevê; através dela é possível saber tudo o que ocorre em tempo real e em todas as partes do mundo. De qualquer lugar e a 53 qualquer hora, através da televisão, pode-se saber desde a previsão do tempo até os fatos que sacodem o mundo, como a queda do Muro de Berlin, o atentado de 11 de setembro de 2001 ou uma final de uma copa do mundo de futebol. O conteúdo oferecido pela programação televisiva passou a orientar a vida da maioria dos cidadãos. Pessoas de todas as idades, condições econômicas e níveis intelectuais vivem "ligadas na televisão". Segundo o IBGE (2008), dos 175 milhões de brasileiros com mais de 14 anos, 49,2% assistem à tevê por mais de três horas ao dia. 25 Observa-se nas sociedades contemporâneas, marcadas pelo consumo, pela massificação e pela violência, principalmente nos centros urbanos, o crescente abandono dos espaços coletivos, com a rua perdendo seu aspecto de lazer e assumindo um caráter utilitarista, de passagem e de transporte. Na contramão desse processo, a vida íntima e familiar passa a ser cultuada, com atividades como o lazer e a socialização, cada vez mais, restringindo-se ao ambiente familiar. Dessa forma, o cidadão urbano contemporâneo também se encontra cada vez mais recolhido ao espaço de sua casa, reduzindo seu convívio à família e a um pequeno grupo. No plano subjetivo, esse contexto estimula o recolhimento afetivo das pessoas, em um processo cada vez maior de ensimesmamento e restrição das suas relações interpessoais (Sennet, 1989). Nesse contexto de valorização da vida familiar e íntima e de desvalorização da vida coletiva, pode-se entender a influência da televisão na contemporaneidade, pensando no trabalho relativo à instituição do espaço imaginário e na mediatização da esfera pública, pois, na expressão de Soares (1994), na atualidade encontramos o espaço público mediatizado. A televisão colabora para a "reorganização do homem com o ambiente" por meio de um processo complexo: reforça o espaço privado ao estimular a vida familiar, muitas vezes até solitária, em frente ao aparelho; veicula "notícias e imagens" do que acontece "na rua", simulando, de certa forma, a participação do indivíduo na vida pública. Ao transmitir o que acontece fora do convívio familiar, ou seja, na rua, ocorre a interpretação do ocorrido, transformando, na maioria das vezes, a versão em realidade. Segundo Marilena Chaui (2006), a 25 Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) 2008, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgado em 31/03/2010. Disponível em http://www.abril.com.br/noticias/brasil/ibge-43-acima-14-veem-tv-mais-3h-dia-981447.shtml 54 sociedade capitalista pós-moderna somente consegue produzir simulacros. E o simulacro é o espetáculo ―[...] quando capturado, produzido e enviado pelos meios de comunicação‖. Ainda segundo a autora: [...] multimídia potencializa um fenômeno que já tínhamos frisado ao nos referirmos à televisão, qual seja, a indistinção entre as mensagens e entre os conteúdos. Como todas as mensagens estão integradas em um mesmo padrão cognitivo e sensorial, uma vez que educação, notícias e espetáculos são fornecidos pelo mesmo meio, os conteúdos se misturam e se tornam indiscerníveis. (Chaui, 2006:43). A televisão, tal qual vemos hoje, pode ser considerada como um dos aparelhos ideológicos mais centrais e abrangentes da sociedade contemporânea, configurando um aparente paradoxo entre manutenção do status quo e incentivo à mudança, motivo que levou Althusser (1985) a designar, como Aparelho Ideológico do Estado de Informação, aquele que inclui a imprensa, o rádio e a televisão. 2.2 Das aventuras de Chatô à tevê segmentada e digital Quase sessenta anos já se passaram após a chegada dos 200 aparelhos de tevê importados por Assis Chateaubriand e espalhados pela Cidade de São Paulo em setembro de 1950. A televisão chegou ao Brasil, após cinco anos de consolidação nos três principais países do mundo, por meio da TV Tupi, primeira tevê do país; a primeira da América Latina e a quarta do mundo (Castro, 2006:49)26. Sua chegada ao Brasil, segundo Mattos (2002:27), coincidiu com o começo de um importante período de mudanças na estrutura econômica, social e política do país e do mundo. O fim da Segunda Guerra Mundial, no plano externo, e do Estado Novo, no interno, levaram o Brasil a reorganizar diversos setores da vida social, e a implantação da televisão no país fez parte do processo, caracterizado, conforme Muniz Sodré 26 Trabalho realizado a convite do Governo Federal, no ano de 2005, por um grupo de pesquisadores ligados à linha teórica da Economia Política da Comunicação e dos Estudos Culturais Críticos. 55 (1971:24), pelo desenvolvimento industrial, por grandes projetos, pelo populismo getulista, pela ampliação do proletariado e da classe média urbana, formada por membros de uma aristocracia decadente e por famílias de migrantes e de imigrantes. Durante esse período, o país sofreu uma série de transformações econômicas, centradas principalmente na industrialização, o que contribuiu para intensificar o processo de modernização das cidades brasileiras. A gestação do processo de criação da tevê brasileira data de 1949, quando Chateaubriand adquiriu, da RCA Victor, os equipamentos necessários para a efetivação de uma emissora e nomeou quatro diretores para implantá-la (Mattos, 2002:49). No entanto é importante ressaltar que as táticas para a sua implantação foram promovidas dois anos antes, quando os Diários Associados passaram a desenvolver estratégias, objetivando, além, evidentemente, do treinamento de seus ―radioatores‖, a popularização dos atores e a publicidade do novo veículo. Para se ter uma ideia, meses antes de a tevê Tupi entrar efetivamente no ar, os jornais e revistas dos Diários Associados passaram a divulgar que estava para chegar ao país a televisão ou o ―cinema a domicílio‖, maneira que encontraram para tentar explicar ―aquele símbolo de modernidade‖ (Simões, 1986). Neste mais de meio século, muitas coisas mudaram e, do amadorismo característico das primeiras transmissões, passou-se a ―modelos‖ extremamente complexos e profissionais do fazer televisivo. Em termos cronológicos, identifica-se que cada década transcorrida teve características próprias e marcantes para o desenvolvimento do veículo de comunicação de maior presença na sociedade desde os anos 1970. Segundo Mattos (2002:), a origem e o desenvolvimento histórico da televisão no Brasil compreendem seis fases. A fase elitista (1950 a 1964), quando a televisão ainda era considerada um artigo de luxo, destinado a uma parcela bastante pequena da população, ou seja, um bem disponível somente à elite econômica. Neste período, há que se registrar que o preço de um televisor era três vezes maior que o da mais sofisticada radiola da época (Mattos, 1982) e pouco menor que o de um carro. Além disso, não existia no país uma indústria de componentes para os televisores, fazendo com que até mesmo as válvulas fossem importadas dos 56 EUA (Sodré, 1977). Nesta fase havia destaque para uma programação cultural bastante intensa. Em 1954, o IBOPE divulgou que 48% dos proprietários de aparelho de televisão tinham assistido pela televisão, pelo menos, a uma apresentação de balé. Porém, em 1958, a fim de expandir o tamanho da audiência, as emissoras abandonaram a programação cultural (Revista Veja, 1970:63). Gabriel Cohn (Apud Mattos, 2002) escreveu que, durante os anos 1950, a televisão brasileira foi elitista, enquanto a vida política foi marcada pelo populismo. Já, durante os anos 1960, a programação televisiva deu destaque a programas populares, enquanto, em total contraste, a vida política do país já havia se afastado da prática populista. A fase populista (1964 a 1975) foi marcada pela grande influência política. Segundo Mattos (2002), o golpe de 1964 comprometeu diretamente os meios de comunicação de massa, visto que o sistema político e a situação socioeconômica do país foram alterados em função da adoção de um novo modelo econômico que visava a um acelerado crescimento nacional. Coube à televisão, neste período, o papel de difusora da ideologia do regime. Ainda durante a década de 1960, impulsionadas pela ideia de desenvolvimento econômico, as indústrias eletrônicas começaram a produzir aparelhos televisores. A televisão, nesta fase, foi considerada um exemplo de modernidade. Em 1968, para intensificar as vendas, o governo instituiu uma política de crédito que permitia adquirir um televisor em 12, 24 ou 36 meses; com isso, o número de telespectadores aumentou significativamente e a televisão passou a definir-se como veículo publicitário nacional, por meio do qual a indústria podia apresentar seus bens de consumo. Esse período, que corresponde à segunda etapa do desenvolvimento da televisão, foi marcado pela profissionalização do segmento e pela adoção do modelo de gestão baseado nos padrões de administração das tevês norte-americanas. A fase do desenvolvimento tecnológico (1975 a 1985) foi determinada por alguns fatos que alteraram a dinâmica da esfera pública: o fracasso eleitoral de 1974, quando a ARENA, partido base do regime, elegeu somente seis senadores versus dezesseis do MDB, partido de oposição; o fechamento do Congresso Nacional em 1977; a publicação das reformas políticas e jurídicas; o 57 início do processo de abertura. Nesta fase, a autoridade política foi bastante presente na programação televisiva, pois, a partir dos anos 1970, o governo começou a expressar preocupações com a influência dos conteúdos dos programas veiculados. As redes eram constantemente lembradas de suas responsabilidades para com a cultura e com o desenvolvimento nacional. Foi durante essa fase que a nacionalização da programação televisiva passou a ser perseguida. Segundo Mattos (2002), o governo queria substituir a violência dos enlatados americanos por programas mais amenos. Para isso, foi disponibilizado crédito nos bancos oficiais, isenções fiscais, coproduções (TV Educativa, Embrafilmes), além da concentração da publicidade oficial em algumas empresas. Esta foi a fase da padronização da programação televisiva em todo o país e da solidificação do conceito de rede de televisão. Nas três primeiras fases do desenvolvimento da televisão brasileira, tanto a publicidade quanto o governo tiveram uma participação preponderante: A televisão transformou-se também no maior e mais importante veículo publicitário do país e as corporações multinacionais se tornaram os seus maiores anunciantes [...] o conteúdo transmitido neste período sofreram influências tanto do governo como dos anunciantes através das agências de publicidade (Mattos, 2002:115116) Ao final da terceira fase, o campo televisivo contava com quatro redes comerciais operando em escala nacional (Globo, Bandeirantes, Manchete e SBT), duas regionais (Record e Brasil Sul) e uma rede estatal (TV educativa). A fase da transição e da expansão internacional (1985 a 1990) caracterizou-se pela transição do regime militar para o regime civil, no qual as principais mudanças no setor das comunicações decorreram da promulgação da Constituição de 1988, que legisla, inclusive, sobre a comunicação social. Esse período foi marcado, antes da publicação da Carta Máxima, pelas inúmeras concessões de rádio e televisão ocorridas entre 1985 e 1988, quando foram outorgadas 90 concessões de canais de televisão. Nesta fase, percebe-se uma maior competitividade entre as grandes redes, o contínuo avanço em direção ao mercado internacional e maior maturidade técnica e empresarial. 58 A fase da globalização e da TV paga (1990 a 2000) foi o período em que o país buscava a modernidade a qualquer custo e a televisão adaptou-se aos novos rumos da redemocratização. Foi nesta fase do desenvolvimento da tevê que duas novas leis foram aprovadas e representaram dois grandes marcos para a história da comunicação no país: Lei 8.389, de 30 de dezembro de 1991, que regulamenta o Conselho de Comunicação Social, e a Lei 8.977, de 6 de janeiro de 1995, que regulamenta a tevê por cabo. Pode-se afirmar que, nos últimos dez anos do século passado, a televisão brasileira sofreu inúmeras transformações, e a tevê por assinatura teve papel decisivo na mudança do perfil desse veículo. Há que se destacar que, em função do impacto do Plano Real, as camadas mais pobres da população tiveram seu poder aquisitivo aumentado, o que gerou aquecimento nas vendas de novos televisores e culminou com o crescimento das audiências das classes C, D e E. Essa nova audiência, bem como o fato de grande parte da audiência das classes A e B terem migrado para a tevê por assinatura, acirrou a briga entre as redes de tevê aberta. Na disputa pela audiência C, D, e E que, apesar de menos qualificada, é quantitativamente maior, as emissoras apelaram para os programas popularescos, sensacionalistas, e também passaram a lançar mão de sexo e violência [...] (Mattos, 2002:150). A fase da convergência e da qualidade digital inicia-se no ano 2000, com perspectivas tecnológicas nunca antes vistas. Esse período vem sendo marcado pela interatividade cada vez maior dos veículos de comunicação, principalmente entre a televisão, a internet e outras tecnologias da informação. Segundo vários especialistas, um passo bastante importante diz respeito ao desenvolvimento da tevê digital brasileira, que vai além da superação da qualidade de som e imagem. O que se promete são outros serviços, inclusive navegação na internet. Segundo Mattos, a ideia de uma televisão do futuro foi apresentada, em 1999, no Canadá: 59 A ideia de que a televisão do futuro chegará aos lares via internet, através de diversos canais de acesso ao sistema, por cabo de fibra óptica ou através de sinal enviado diretamente por satélite, foi apresentada pela primeira vez em 1999, por Robert Herbold, vice-presidente executivo da Microsoft Corporation, em depoimento durante um congresso mundial organizado pela Iafei – The International Association Of Financial Executives Institutes, em Vancouver, Canadá, cujo tema central foi: ―sucesso Global: desafios e oportunidades‖. Segundo suas previsões, num futuro não muito distante, o cidadão, ao ligar o aparelho de TV, estará automaticamente conectado a todo tipo de informação, como televisão e arquivos de imagens gravadas, podendo acessar, através do telefone, com ou sem imagem, mensagens que hoje chegam em sua maior parte via internet (Mattos, 2002:152). A força da tevê no Brasil pode ser entendida a partir de, pelo menos, dois aspectos. O primeiro deles diz respeito à baixa escolaridade dos telespectadores: segundo o Datafolha (2004), apenas 25% dos brasileiros com mais de 15 anos dominam plenamente a leitura; 8% são analfabetos; 30% são classificados como analfabetos funcionais, ou seja, aqueles que leem, mas não entendem o conteúdo dos textos e 37% conseguem identificar uma informação curta, mas não vão além disso (Dimenstein, 2004). O segundo aspecto refere-se ao fato de que, por não saber ler, grande parte dos brasileiros compreende o país e o mundo por meio da televisão. Bucci (1997) explica o valor da tevê em países como o Brasil: A importância da televisão numa sociedade, atualmente, é diretamente proporcional às taxas de analfabetismo e subdesenvolvimento. A influência do veículo tende a ser maior na pobreza do que na riqueza, maior em continentes como a América Latina do que nos Estados Unidos. [...] nos países mais ricos, a Imprensa escrita, a família e a escola fazem a mediação da influência da televisão, e há leis que estabelecem limites para as grandes redes (Bucci, 1997:15). 2.3 A televisão por assinatura A televisão brasileira, desde seu início, vem introduzindo significativas modificações tecnológicas e ampliando sua ação na sociedade. Os anos 1990 foram ricos nesse aspecto, apresentando novas possibilidades de acesso à produção e à 60 veiculação de mensagens, em função de novas tecnologias de transmissão. É nesse cenário que novos modelos de transmissão televisiva começaram a ocupar o espectro. O modelo de televisão paga pelos telespectadores, e não apenas pelos anunciantes, é tão antigo quanto o próprio meio em questão. Apesar disso, grandes discussões éticas e técnicas foram travadas, já que há a necessidade de convencer o telespectador a pagar por algo que tradicionalmente é gratuito e, ao mesmo tempo, encontrar um meio de restringir o sinal aos não assinantes.27 A história faz constar que a televisão por assinatura surgiu na década de 1940, nos EUA, para resolver problemas de recepção de sinais da tevê aberta. No Brasil, a história foi semelhante, já que também surgiu para resolver problemas de ordem técnica: fazer com que a tevê aberta chegasse às cidades serranas do Rio de Janeiro com boa qualidade de imagem e som. Essas cidades passaram a ser atendidas por uma rede de cabos coaxiais que transportavam os sinais depois de serem recebidos por antenas que simulavam a cabeça de rede (espécie de headend)28. Se o Brasil foi o primeiro país da América Latina a implantar a tevê, foi o último país a ter o sistema de tevê por assinatura29. Para Hoineff (1998), esse atraso tem algumas justificativas: a primeira delas diz respeito à hegemonia das redes abertas; a segunda está relacionada à pequena capacidade cultural da sociedade brasileira; a terceira e última justificativa reside no limitado espírito empreendedor dos envolvidos no negócio das comunicações no país, uma vez que, ainda segundo esse 27 Quando falamos em ―gratuito‖, falamos acerca do serviço de distribuição via satélite – como o Direct to Home / DTH –, que utiliza o ar público sem pagar nada. Segundo Duarte (1996), o Comitê de Comércio do Senado (dos EUA , em 1958) requereu à FCC (Federal Communication Commission) que parasse os testes com TV paga até que o congresso decidisse o que fazer com a questão. Isso fez com que, na época, qualquer teste com TV paga pelo ar fosse bloqueado. Cabe lembrar que, naquele momento, os testes com TV por assinatura via cabo, que não precisavam de autorização do FCC, continuavam a todo vapor. 28 Central onde ficam todos os equipamentos de imagem da empresa, de onde se gerencia toda a operação. 29 A primeira regulamentação ocorreu em 1985, quando José Sarney e Antonio Carlos Magalhães, respectivamente, Presidente da República e Ministro das Comunicações, assinaram o decreto 95.744/85. 61 autor, os empresários deste setor sempre dependeram do Estado para desenvolver as atividades da área. A tevê por assinatura, segundo Brittos (2001), define-se como um sistema de transmissão de imagens e som que utiliza qualquer meio de emissão de sinais codificados, sendo acessado mediante pagamento. 2.3.1 Tevê por assinatura e a distribuição dos sinais Desde 1817, quando o químico sueco Jakob Berzelius descobriu o selênio, muitas coisas relativas às tecnologias de transmissão de imagens mudaram – da tevê colorida à transmissão digital. No Brasil, a partir dos anos 1980, quem tem possibilidade para pagar e manter uma assinatura mensal pode optar pelas seguintes tecnologias de transmissão: microondas (MMDS), satélite (DBS, DTH) e cabo. Este último, atualmente, configura-se como o suporte mais popular entre os sistemas de distribuição de sinais encontrado no país. Há ainda uma quarta possibilidade, no entanto, pouco relevante em função de sua pequena expressão no segmento – UHF – codificado com apenas um canal de programação. O gráfico a seguir indica a hegemonia da tecnologia do cabo. Gráfico 11 – Assinante por tecnologia Fonte: ABTA março 2010 62 2.3.2 Distribuição por micro-ondas MMDS - Multipoint Multichannel Distribution System Esse modo de distribuição de sinal, a mais antiga forma de oferecimento de tevê paga (1991 – grupo Abril), configura-se de maneira similar à de uma emissora de televisão, ou seja, recebe, codifica e transmite os sinais das programadoras por meio de micro-ondas terrestres. O número de canais deste tipo de sistema é inferior ao do cabo – 31 (trinta e um) analógicos -, no entanto espera-se que, com a implantação da tevê digital, sua capacidade seja ampliada. O custo do MMDS é pequeno, visto que suas antenas são instaladas à medida que surgem novas solicitações. Essa tecnologia foi regulamentada, no Brasil, pelo Decreto n.º 2.196, de 1997, como uma das modalidades do Serviço Especial de Telecomunicações. Os sinais do MMDS cobrem uma área com raio de até 50 quilômetros, levando a programação tanto às áreas urbanas quanto às rurais. Permite também a transmissão de programação local, pois o headend está situado no local da prestação do serviço. 2.3.3 Distribuição por satélite DTH – Direct to Home Esse modo de distribuição de sinal ocorre a partir da instalação de uma miniantena parabólica e de um receptor/decodificador na residência do assinante. O sinal é emitido diretamente de um satélite. O custo desse sistema é bastante alto, já que envolve aluguel de espaço em satélite. A grande diferença do DTH em relação ao cabo e ao MMDS é a não inserção de programas com conteúdo local, uma vez que a programação do DTH é a mesma para todos os assinantes de sua área de cobertura, que se dá em nível nacional ou até mesmo continental. Todos os serviços desse tipo de transmissão usam sinais digitais, visando a um melhor aproveitamento do espaço que 63 ocupa nos satélites. Assim como o MMDS, o DTH também é regulamentado pelo decreto 2.196. 2.3.4 Distribuição por cabo A rede de cabo é o sistema de distribuição de sinal de tevê por assinatura mais utilizado no país, como foi demonstrado pelo levantamento realizado pela ABTA Associação Brasileira de TV por Assinatura. Apesar de o preço de instalação ser o mais alto em relação aos demais sistemas, deve-se levar em conta, no entanto, que uma rede de cabo pode ser utilizada para outros serviços, como transporte de dados, acesso à internet, telefonia, etc. Em São Paulo o primeiro sistema de distribuição de sinais de tevê por cabo ocorreu no ano de 1976, com a implantação de um sistema de cabos que distribuía sete canais de VHF em São José dos Campos. O sistema de distribuição por cabo combina cabos ópticos e coaxiais. Os ópticos, que são os mais sofisticados e caros do sistema, transportam o sinal de headend (cabeça de rede) até os hubs (distribuidores) secundários. A partir daí, os sinais ópticos são transformados em sinais elétricos que transportam os sinais, via cabos coaxiais, até a residência dos assinantes, por via aérea ou subterrânea. O serviço de tevê por cabo cobre, basicamente, as áreas urbanas e permite a transmissão de programação com conteúdo local, já que o headend está situado no local da prestação de serviço da operadora. Para que o assinante receba o sinal da tevê por cabo, o televisor deve ser compatível para receber sinais do cabo e, além disso, utilizar um conversor, 30 que recebe os sinais e os torna compatíveis com o aparelho. 30 Em caso de canais codificados, será necessário, em lugar de um conversor, um decodificador. 64 2.3.5 Distribuição pelo TVA – Serviço Especial de TV por Assinatura UHF – Ultra Hight Frequency O canal UHF localiza-se acima do VHF (tevê aberta) e abaixo do sinal da tevê por cabo. Essa modalidade de tevê foi criada em 1988, na gestão do Presidente José Sarney, e previa a distribuição de sons e imagens para assinantes com sinais codificados. No decreto de criação (95.744/88) estava prevista também a transmissão de parte da programação via sinal aberto, ou seja, para todos os cidadãos que recebessem sinal da tevê aberta. Atualmente 25 (vinte e cinco) grandes grupos têm licença para transmitir por meio dessa modalidade de tevê, entre eles destacam-se a RBS, a Abril, o Globo, o Dia. Se hoje essa modalidade de tevê tem sido vista como bom negócio, já que tem as mesmas características da tevê digital (sinais codificados em canais UHF) e pode levar a tevê móvel para o celular, em sua fase inicial foi considerada um grande fracasso, pois, logo após sua implantação, chegaram ao país as tevês distribuídas por cabo, satélite e micro-ondas. Das vinte e cinco licenças autorizadas a transmitirem em UHF, quatro estão em São Paulo, cinco estão no Rio de Janeiro, duas em Porto Alegre, três em Curitiba, cinco estão em Belo Horizonte, duas em Brasília (DF), uma em Fortaleza (CE), uma em Salvador (BA), uma em São Luis (MA) e uma em Itapemirim (ES). 2.3.6 Legislação As tevês por assinatura, no Brasil, são regulamentadas pelas seguintes leis, normas e regulamentos: Lei Geral das Comunicações (Lei 9.472/97); Lei do Cabo (Lei 8.977/95); Norma de TV por cabo (Norma 13/96 – REV97); 65 Norma do MMDS (002/94 – REV97)– Multipoint Multichannel Distribution System; Regulamento do Cabo (Decreto 2.206/97); Regulamento dos Serviços Especiais (Decreto 2.196/97); Norma do DTH – Direct to Home (008/97). O serviço de tevê por assinatura, no caso do cabo, é autorizado por meio de concessão, após processo licitatório solicitado à Anatel – Agência Nacional de Telecomunicações. Para os sistemas MMDS e DTH, não é dada concessão, e sim uma autorização. A Anatel divulga, por meio de editais publicados no Diário Oficial da União e nos principais jornais, a relação das localidades para as quais os serviços serão licitados e, a partir daí, as empresas interessadas em participar do processo podem se candidatar e participar. No caso de inexistência de interessados, a Anatel permite que qualquer cidadão, desde que cumpra as exigências legais, candidate-se a uma outorga. Esse pedido é levado à consulta pública e, caso não haja manifestações em contrário, a concessão pode ser dada. Essa prática tem por objetivo dar condições para que todos os municípios tenham, pelo menos, uma concessão de tevê paga. 2.4 A televisão segmentada As sociedades na modernidade veem suas estruturas serem alteradas diariamente em função da tecnologia, que teima em mudar a vida e o cotidiano de parcelas significativas da população. Passamos pela primeira, segunda, terceira e já estamos na quarta onda, na qual as transformações de cunho econômico, social e cultural apoiam-se, sobretudo, nas evoluções tecnológicas acentuadas no início deste século. Foram, de fato, revoluções no sentido de que um grande aumento repentino e inesperado de aplicações tecnológicas transformou os processos de produção e distribuição, criou uma enxurrada de novos produtos e mudou de maneira decisiva a localização das riquezas e do poder no mundo, que, de repente, ficaram ao alcance dos países e 66 elites capazes de comandar o novo sistema tecnológico (Castells, 2001:53). Todo esse cenário de economia em tempo real, resultado da alta tecnologia existente em todas as áreas e setores, oculta novas formas de consumo e exclusão. A sociedade vive a fase de uma ―economia altamente segmentada que funciona por conexão e desconexão.‖31 O padrão econômico baseado no consumo de massa vem sendo substituído pelo consumo segmentado. Essa tendência, reforçada pelo impacto das tecnologias de distribuição dos sinais de tevê, contribuiu para uma crescente segmentação do setor televisivo. Em 1996, quando o pesquisador Luiz Guilherme Duarte escreveu É Pagar para Ver – A TV por Assinatura em Foco, a tevê segmentada era apresentada pelo autor como um modelo diferenciado, visto que oferecia uma programação diversificada, direcionada a ―nichos‖ específicos do mercado, diferentemente do que ocorria com a tevê aberta, que produzia uma programação muito mais generalista e com foco na audiência de massa. Já Borelli e Priolli (2000:101), em A deusa ferida: por que a globo não é mais a campeã absoluta de audiência, citando Dominique Wolton, também indicam que a tevê segmentada apareceu em oposição à tevê generalista. No entanto ressaltam que a segmentação não é algo novo, mas, sim, uma prática comum, presente desde o surgimento das grandes redes. O fenômeno da segmentação, desta forma, não é novo em televisão nem é exclusivo das tevês pagas, já que a grade de programação das TVs abertas também permite uma estratégia, muitas vezes bem sucedida, criando uma segmentação por faixa etária, por gênero e até mesmo por classe social. Assim, por exemplo, a parte da manhã é tradicionalmente reservada aos programas infantis e a parte da tarde é, majoritariamente, dedicada aos chamados programas femininos (Borelli; Priolli, 2000:101). Para eles, assim como para Duarte, a segmentação tem relação com a ideia de uma programação diferenciada, visando alcançar pessoas ou grupos distintos. 31 CASTELLS, Manuel. Entrevista virtual. In: Dossiê Castells. Disponível no portal El Varapalo: www.elvarapalo.com/modules/wfsection/article.php?articleid=25. 67 Segundo Duarte (1996), a tevê segmentada chegou ao Brasil, efetivamente, nos anos 1980, com a CNN e a MTV, que focavam sua programação em nichos específicos do mercado32. Borelli e Priolli (2000) destacam, como exemplos de segmentação da tevê aberta transmitida pelo sistema UHF, as seguintes iniciativas: MTV, que dirigia sua programação para o público jovem; Rede Mulher, com programação voltada para mulher; Rede Vida, que dirigia sua programação ao público ligado à Igreja Católica; Rede Gospel, que dirigia sua programação à comunidade evangélica; Shoptur, canal de compras; e Canal 21, ligado à Rede Bandeirantes, que oferecia uma programação baseada em jornalismo e em filmes. Com a chegada da tevê por assinatura, no início dos anos 1990, a tevê segmentada teve impulso bastante relevante. Desde então o título de ―segmentada‖ vem sendo utilizado pelas redes de tevê paga para selecionar o público e oferecer ao anunciante um grupo de consumidores menos heterogêneo. Segundo a ABTA Associação Brasileira de Televisão por Assinatura - a audiência da tevê paga é mais segmentada, o anunciante sabe com que tipo de telespectador está interagindo, e, em função disso, a exposição do produto é personalizada e a eficácia das mensagens, maior. Por ser um serviço pago, a tevê por assinatura favorece a segmentação de seu público, tanto pelo alto volume de canais, quanto pela diversidade de programas. Isso ocorre desde o início das operações dessa modalidade de tevê e permanece como característica fundamental para a definição de estratégias das operadoras. É importante ressaltar, no entanto, que houve uma mudança significativa quanto ao financiamento de tal serviço, que, no início das transmissões no Brasil, tinha, como principal fonte de renda, a mensalidade paga pelo assinante, cabendo à publicidade participação menor. 32 CNN – Cable News Network e MTV – Music Television –, à época, ambas transmitiam em UHF. 68 Atualmente não é bem isso que se vê; um estudo33 feito pela Pro Teste para o Ministério Público Federal, no início de 2010, indica que um dos canais de tevê paga, em São Paulo, chegou, num período bastante curto, a preencher a sua grade de programação com cerca de 20% de veiculação de publicidade. Uma possível explicação para esse fato pode ser encontrada na própria legislação brasileira, que é omissa a respeito desta questão. O Código Brasileiro de Telecomunicações prevê limite de 25% da grade de programação para veiculação de publicidade na tevê aberta. Sem que haja regras que definam limites, o segmento da tevê paga insere mensagens publicitárias de acordo com suas ―vontades‖, abandonando a promessa inicial de oferecer programação sem interrupções, um diferencial apresentado inicialmente como vantagem em relação à tevê aberta e ―gratuita‖. O segmento, atualmente, oferece duas possibilidades para que o telespectador não veja qualquer tipo de publicidade na tevê brasileira: a primeira delas é adquirir programação exclusiva, por meio do Pay-per-view34, que dá ao telespectador, a partir de um pagamento extra, ou seja, fora do contrato com a operadora de tevê, o direito de assistir a determinados eventos, filmes ou programas; a outra é por meio do video on demand35, um serviço que dá ao telespectador a possibilidade de ver um filme no momento que desejar, evidentemente, pagando por isso. 33 A Pro Teste é uma entidade civil sem fins lucrativos, apartidária, independente de governos e de empresas, e tem como objetivo a defesa do consumidor no Brasil. No início de 2010, realizou pesquisa junto a cinco canais de TV por assinatura e constatou que, em média, o consumidor está submetido a 15% de publicidade durante a programação, ou seja, paga pela programação e é obrigado a assistir a uma carga cada vez maior de comerciais. O estudo apontou que, no canal infantil Nickelodeon, por exemplo, a média de comerciais durante a programação é de 19,64%; e na Fox 23%. Foram monitoradas e gravadas as programações da MTV, Nickelodeon, Sport TV, Fox e GloboNews. Esses canais foram escolhidos de forma aleatória pela Pro Teste, visando a abranger o público infantil, jovem e adulto. Foi gravada toda a programação transmitida nos dias 03 e 04 de março, durante 24 horas, por uma empresa de monitoramento de TVs, contratada pela Pro Teste. O estudo feito como uma contribuição à consulta pública "televisão por assinatura e transparência das relações de consumo: quantidade de programação, quantidade de publicidade e o direito do consumidor à informação‖, promovido pelo Ministério Público Federal (MPF). 34 Pay-per-view ou Pagar-para-ver, sigla PPV, é o nome dado a um sistema no qual os que assistem à televisão podem adquirir uma programação específica. Neste caso, a programação é vista, ao mesmo tempo, por todos os que a compraram. 35 Vídeo sob demanda que utiliza a tecnologia digital via telefone ou banda larga, possibilitando ao usuário o acesso ao conteúdo contratado na hora em que desejar. 69 Como parte do processo de implantação da tevê por assinatura, surgiram os canais universitários, objeto dos capítulos 3 e 4 deste trabalho. Esses canais caracterizam-se como veículos segmentados pelos quais instituições de ensino superior difundem informações dirigidas, basicamente, ao segmento universitário (Priolli, 1998). 2.5 Tevê digital A convergência entre telefonia, telecomunicações, informática e produção de conteúdos audiovisuais, observada nas últimas décadas do século XX, serve de pano de fundo para uma possível compreensão da tevê digital, vista como uma plataforma tecnológica capaz de realizar a integração de inúmeros serviços de comunicação. Atualmente existem três padrões diferentes de tevê digital difundidos em todo o mundo, os quais, inclusive, foram testados por especialistas brasileiros durante o período de definição do padrão brasileiro de tevê digital. Padrão americano ATSC (advanced television systems committee): em operação no Canadá, Coreia do Sul e Taiwan. Trabalha com HDTV, ou seja, em alta definição. O sistema americano garante a melhor imagem, porém restringe a transmissão a um só programa por canal e não há possibilidade de tevê móvel e portátil. Padrão europeu DVB (digital video broadcasting): modelo adotado por todos os países europeus. Trabalha com três configurações de imagens – HDTV (High Definition Television - Televisão de Alta Definição), EDTV (Enhanced Definition Television - Televisão de Definição Aprimorada) e SDTV (Standard Definition Television – Televisão de Definição Padrão) –, assim, não limita o número de programas a serem oferecidos. O conversor é o mais barato do mercado, porém apresenta problemas de interferência de ruídos. Padrão japonês ISDB (integrated services digital broadcasting), que, segundo especialistas brasileiros, é o mais completo e flexível de todos. Está em desenvolvimento desde 1999, sendo o Japão o único país a adotar o sistema. 70 Segundo especialistas, as características do ISDB são muito parecidas com as do padrão americano e é o sistema que apresenta maior eficácia na recepção móvel e portátil. Além dos três padrões descritos acima, é importante ressaltar que existem, na China, cinco padrões de transmissão terrestre em fase de testes. São eles: DMB-T (Digital Multimedia Television Broadcasting-Terrestrial); CDTB-T (Chinese Digital Television Broadcast-Terrestrial); ADTB-T (Advanced Digital Television BroadcastTerristrial; SMCC (Synchronized multi-Carrier CDMA). Todas essas possibilidades foram apresentadas ao SARFT (State Administration of Rádio, Film and Television), órgão chinês equivalente à ANATEL aqui no Brasil. As primeiras discussões acerca da digitalização dos sinais de televisão no Brasil ocorreram em 1994, quando a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão e a Sociedade Brasileira de Engenharia de Televisão e Telecomunicações (ABERT / SET) realizaram estudos sobre as tecnologias disponíveis. A primeira emissora de tevê a realizar testes no novo sistema foi a Rede Globo, em 1997, exibindo o último episódio da série Mulher em padrão digital. Focando seus estudos nos três sistemas (ATSC, DVB e ISDB), a Anatel, segundo Becker (2005), iniciou suas pesquisas sobre tevê digital e mercado de telecomunicações em 1998. A Agência avalizou, ainda, a iniciativa ABERT / SET, dando continuidade ao trabalho que vinha sendo desenvolvido. O objetivo inicial das pesquisas era escolher um dos três padrões para ser adotado no Brasil. Nesse período, o desenvolvimento de um sistema nacional estava totalmente fora de questão. Assim, em 1999, foram importados os equipamentos necessários para testar os três sistemas de transmissão. A ideia de um padrão estritamente brasileiro só foi efetivada, segundo Becker (2005), após a finalização dos testes com os três modelos, a partir do Decreto 4.901, de 26/11/04, que definia um Comitê de Desenvolvimento (CD), um Grupo Gestor (GG) e um Comitê Consultivo (CC), visando ao estabelecimento do modelo de referência para a televisão digital no Brasil. Segundo o decreto, as pesquisas geradas pelos grupos em questão deveriam ser fundamentadas em estudos técnicos, econômicos, regulatórios e sociais e que, ao final, pudessem viabilizar soluções e 71 tecnologias compatíveis com as características do País. O decreto previa ainda a constituição dos modelos de exploração, ou seja, os modelos de serviços e de negócios e também a implantação do plano de transição da tevê analógica para a digital, gerando conhecimentos para os diversos agentes envolvidos: governo, emissoras, indústrias, empresas de software e de serviços e sociedade. Para Becker (2009), o documento norte dessa nova fase da pesquisa, além de guiar a transição do sistema analógico para o digital, evidenciou a preocupação com a inclusão social por intermédio da tevê e com o desenvolvimento da indústria nacional. O decreto deixou claro que a tevê digital seria uma ferramenta com finalidades sociais, não uma simples evolução tecnológica que atendesse apenas a interesses mercadológicos ou econômicos. Em 2006, com a publicação do Decreto Presidencial de número 5.820, o governo brasileiro pôs fim às discussões sobre o padrão tecnológico a ser adotado pelo país. Esse decreto previa uma cooperação entre Brasil e Japão na busca de um modelo que atendesse às especificidades brasileiras. Até se chegar a esse entendimento, vários debates foram travados, dos quais participaram, além de diferentes agentes sociais, pesquisadores da área da Comunicação de longa data, como descreve Castro (2009). O Decreto, além de deliberar sobre as tecnologias componentes do ISDB-Tb (International System for Digital Broadcasting - Terrestrial Brazil), título comercial adotado pelo SBTVD (Sistema Brasileira de TV Digital), também prevê as regras de implantação da tevê digital no Brasil, determinando, em sete anos, o limite para que o sinal digital cubra todo o território nacional. Com isso ficou estabelecido que, em 2016, toda transmissão terrestre no Brasil deverá ser digital e as concessões de canais analógicos devolvidas pelos operadores privados à União. Além disso, o mesmo documento define que a tevê digital brasileira terá alta definição, mobilidade, portabilidade, multiprogramação e interatividade. Para desenvolver e implementar plenamente o ISDB-Tb, foi criado o Fórum do SBTVD-T, composto por representantes do setor de radiodifusão, do setor industrial e da comunidade científica e tecnológica, entre outros. O principal objetivo do Fórum é promover a definição, desenvolvimento, planejamento da implantação e implementação dos padrões técnicos voluntários e obrigatórios do ISDB-Tb. Com a 72 viabilização da tecnologia digital na radiodifusão de tevê (TV Digital Terrestre), o telespectador poderá optar por uma das seguintes situações: Continuar a receber a tevê aberta da forma atual, utilizando a sua tevê analógica; adquirir um conversor (set top box) que permitirá receber o sinal digital e convertê-lo para um formato de vídeo e áudio disponível em seu receptor de tevê; adquirir um aparelho de tevê novo que já incorpore o conversor. As transmissões de televisão por sinal digital começaram a partir de São Paulo e são estendidas para o resto do país progressivamente (quadro abaixo). Os conversores que possibilitam aos televisores comuns receberem os sinais digitais podem ser encontrados em lojas de eletrodomésticos e eletrônicos, bem como os televisores preparados para a tevê digital. Espera-se que, até dezembro de 2016, a tevê digital substitua, totalmente, a tevê analógica no país. Assim, como ocorreu nos EUA, quando isso acontecer no Brasil, toda a transmissão analógica será interrompida e será necessário ter um conversor ou um televisor compatível com o sistema para poder assistir aos programas de tevê. Haverá mudanças para as emissoras de televisão, que deverão ter os equipamentos apropriados para transmissão em sinal digital, e para os consumidores, que deverão ter os aparelhos de tevê compatíveis com a tecnologia para receber os sinais de televisão. 73 Quadro 7 – Calendário da TV Digital no país Calendário da TV Digital no país 2006 29 de junho: Governo decide adotar padrão japonês para a TV Digital 2007 Julho: começam a ser vendidos os primeiros conversores de sinal analógico-digital 2 de dezembro: começam as transmissões do sinal digital para a Grande São Paulo 2010 Primeiro semestre: Belo Horizonte, Brasília e Rio de Janeiro começam a receber o sinal digital Segundo semestre: Salvador e Fortaleza 2011 O sinal digital passa a ser obrigatório em todas as capitais 2013 Transmissoras e retransmissoras de todas as cidades do país são obrigadas a passar o sinal digital 2016 O sinal analógico de televisão sai do ar. Quem não tiver um aparelho HD ou um conversor de sinal, não poderá ver tevê Fonte: Anatel O sucesso da implantação da tevê digital depende, em grande parte, da disponibilidade de conversores (set top box) com preços baixos, acessíveis para a população, o que só é possível com grandes escalas de produção. Esta é uma das justificativas para se adotar um padrão único de tevê digital para o Brasil. Poucas tecnologias foram tão esperadas quanto a tevê digital. Esperava-se a tão prometida convergência entre duas importantes invenções do homem: a televisão e a internet; um “hiper” terminal de lazer e serviços on line e interativo estava por vir. Mas não foi bem o que ocorreu. Mais de três anos se passaram desde o discurso do Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva – 2003-2010 – em 02 de dezembro de 2007, durante a inauguração da tevê digital na cidade de São Paulo, porém pouca coisa, efetivamente, mudou. Nenhuma emissora desenvolveu programação interativa, 74 um dos maiores diferenciais entre a tevê digital e a analógica, e a mobilidade e a portabilidade, duas promessas recorrentes nos discursos sobre a tevê digital, ocorreram somente em testes36. O impacto mais substancial e perceptível diz respeito à qualidade de som e de imagem para aqueles que adquiriram aparelhos capazes de receber o sinal digital ou para assinantes de tevê por cabo. A tevê digital pode ser entendida como o quarto grande marco da televisão brasileira. Inicialmente vieram as transmissões inaugurais, quando, em 200 pontos da cidade de São Paulo, pôde-se assistir à primeira exibição da televisão brasileira, com o programa TV na Taba; em dezembro de 1959, começou a operar o primeiro equipamento de vídeo tape na emissora carioca TV Continental, o que alterou a maneira de se fazer televisão e proporcionou novos rumos à sua história; em 31 de março de 1972, a tevê em cores entrou efetivamente em operação; trinta e cinco anos depois, entrou em operação a tevê digital, que prometeu revolucionar o modo de ver e fazer televisão no Brasil, configurando-se como o quarto marco histórico da televisão brasileira. ―A TV digital é uma mudança de paradigma que afeta diversos segmentos. Não só a radiodifusão, mas também a telefonia, internet, os fabricantes de eletrônicos, entre outros‖ (Marcelo Zuffo, professor da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo).37 2.5.1 Panorama da tevê digital no mundo 36 Em 1998 foi celebrado um convênio entre a ABERT (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão), a SET (Sociedade de Engenharia de Televisão) e a Universidade Presbiteriana Mackenzie com o objetivo de comparar o desempenho dos três sistemas de TV Digital: ATSC, DVB-T ISDB-T. O convênio teve o patrocínio financeiro da empresa NEC do Brasil, através de incentivos fiscais concedidos pelo Ministério da Ciência e Tecnologia. Para a execução dos testes, a Universidade Presbiteriana Mackenzie montou um laboratório dotado de instrumentos de última geração, tais como: transmissor de TV digital, emulador de ruído térmico, emulador de interferências por multicaminhos, emulador de ruído impulsivo, medidores de taxa de erro de bits, etc. Ao mesmo tempo, enquanto eram realizados os testes de laboratório, também foram feitos testes práticos em campo. Foi utilizado um transmissor digital no canal 35 da faixa de UHF, com antena instalada na torre da TV Cultura, em São Paulo. A Universidade Presbiteriana Mackenzie equipou uma viatura com instrumentos de medição, tendo sido realizados testes de recepção em aproximadamente 150 localidades da grande São Paulo. Os testes se estenderam entre novembro de 1998 e maio de 2000. O relatório final foi entregue à ANATEL, como subsídio técnico para uma futura decisão sobre o sistema de TV Digital a ser adotado no Brasil. 37 EUA, Europa e Japão: conheça os três padrões de tevê digital, por Daniela Moreira, repórter do IDG Now! Publicada em 13 de fevereiro de 2006, às 09h48, atualizada em 13 de fevereiro de 2006, às 11h24. 75 A implantação da tevê digital no mundo, assim como no Brasil, passará por uma era de transição, que deverá durar entre 10 e 15 anos. Nesse período, as emissoras transmitirão dois canais de 6 MHz, simultaneamente, sendo um analógico e outro digital. A transição das duas tecnologias já é realidade em vários países do mundo. A seguir descreve-se a situação em algumas áreas do mundo: América Latina Quadro 8 – Padrões Tecnológicos País Padrão Implantação A implantação do modelo Americano teve início em 2004. México ATSC O final do processo está previsto para 2022, com o desligamento dos sinais analógicos. A implantação do modelo ―nipo-brasileiro‖ (modelo híbrido japonês+brasileiro) teve início em 2007. Brasil ISDB-T O final do processo está previsto para 2016, com o desligamento dos sinais analógicos. A implantação do modelo europeu teve início em 2007. DVB-T Uruguai e DVBH O final do processo ainda não está previsto. Com a eleição do atual presidente José Mujica cogita-se a possibilidade de alteração do modelo europeu para o sistema japonês. A implantação do europeu teve início em 2007. Colômbia DVB-T O final do processo está previsto para 2020, com o desligamento dos sinais analógicos. A implantação do modelo híbrido (japonês+brasileiro) teve início Peru ISDB-T em 2009. O final do processo está previsto para 2024, com o desligamento 76 dos sinais analógicos. O Peru tornou-se o primeiro (23/04/2009) país na América do Sul a aderir ao padrão denominado nipobrasileiro. A implantação do modelo híbrido (japonês+brasileiro) teve início em 2009. Argentina ISDB-T O final do processo ainda não foi previsto. A Argentina tornou-se o segundo (28/08/2009) país na América do Sul a aderir ao padrão denominado nipo-brasileiro. O governo do Chile anunciou, em 14 de setembro 2009, a adesão Chile ISDB-T ao padrão ISDB-T. A previsão é de que as primeiras transmissões digitais no país sejam realizadas a partir de 2010. O governo da Venezuela anunciou, no dia 6 de outubro de 2009, a Venezuela ISDB-T decisão de adotar sistema japonês de televisão digital. O sistema de televisão analógico deverá ser desativado no país em 2018. Em 26 de março 2010, o governo do Equador anunciou a adesão ao sistema ISDB-T. Com a decisão, o Equador tornou-se o sexto Equador ISDB-T país da América Latina a aderir oficialmente ao padrão. O prazo de implantação do sistema é estimado em sete anos e o desligamento definitivo das transmissões analógicas deverá acontecer em 2017. O país está testando, pelo menos, três sistemas de televisão digital. Cuba - Embora, não tenha prazo fixo para que seja tomada uma decisão, espera anunciar o padrão até o final deste ano. Costa Rica - O Brasil vem discutindo a possibilidade de adoção do padrão ISDB-T na Costa Rica. 77 EUA & Canadá Nos Estado Unidos, as transmissões da tevê digital ocorreram a partir de 2002 e, em 12 de junho de 2009, a transmissão analógica foi encerrada definitivamente. Já, no Canadá, a exibição por meio do sistema digital deverá ocorrer a partir de 2011. Europa No continente europeu, a transmissão digital já foi implementada em 21 países membros da comunidade europeia (Áustria, Bélgica, Bulgária, República Tcheca, Dinamarca, Alemanha, Estônia, Grécia, Espanha, França, Hungria, Itália, Lituânia, Luxemburgo, Malta, Países Baixos, Letônia, Finlândia, Suécia, Eslovênia e Reino Unido). Em outros cinco países (Chipre, Irlanda, Polônia, Portugal e Eslováquia), a implantação da tevê digital teve início em 2010. Quadro 9- Fim das transmissões analógicas (switch-off) Switch-off Julho de 2009 2010 Países Luxemburgo, Países Baixos, Finlândia, Suécia, Alemanha, Bélgica (flandres) e em grande parte da Áustria Estônia, Dinamarca, Espanha, Malta, Eslovênia e restante da Áustria Bélgica, Bulgária, Chipre, República Tcheca, Grécia, França, Entre 2010-2012 Hungria, Itália, Lituânia, Letônia, Portugal, Romênia, Eslováquia e Reino Unido. 2015 Polônia 2017 Rússia Fonte: Forrester Research - Jul/07 e Portal da União Europeia 78 Ásia e Oceania No Japão a tevê digital terrestre se tornou disponível em todas as capitais em dezembro de 2006, apenas três anos após o seu lançamento em 2003. O número de domicílios que pode receber a tevê digital no Japão atingiu 39,5 milhões (84%) em 2006. Até dezembro de 2006 já haviam sido vendidos 17,3 milhões de receptores de tevê digital terrestre, como apresentado na tabela a seguir. Quadro 10 – Vendas receptor digital Vendas 2006 até 2006 até 2007 TVs Digitais 5.485 10.667 19.219 Gravadores Digitais 1.926 2.817 5.702 102 296 430 1.413 3.506 5.099 PCs - - 974 Total 8.925 17.286 31.424 Tuners TV a cabo STBs Fonte: Dibeg/JEITA A TV Digital no Japão apresenta a seguintes características: HDTV – alta definição Multiprogramação – programação simultânea Mobilidade – capacidade de capitação de imagem em movimento TV Interativa – transferência de dados, áudio e vídeo Broadcasting de dados – transmissão de dados Advanced caption – qualidade superior captação das imagens 79 Quadro 11 - Fim das transmissões analógicas (switch-off Switch-off Países 24/07/2011 Japão 2012 Coréia do Sul 2013 Astrália 2015 Índia 2012 Hong Kong 2015 China Fonte: Forrester Research - Jul/07 e Portal da união Européia 2.6 A tevê brasileira e seus modelos: público, estatal e privado A constituição federal brasileira faz referência, em seu artigo 223, a três distintos modelos de televisão: o estatal, o público e o privado. Ainda segundo a Constituição, esses modelos, apesar de diferentes, são complementares. Art. 223 - Compete ao Poder Executivo outorgar e renovar concessão, permissão e autorização para o serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens, observado o princípio da complementaridade dos sistemas privado, público e estatal. As redes de televisão privadas, no Brasil, já existem há pelo menos 60 anos. Estão muito bem estruturadas e fornecem uma programação que segue o modelo comercial, definindo-se exatamente por seu vínculo com o mercado, com a audiência e com o sistema publicitário. As redes estatais ou governamentais (TV Senado, TV Câmara, TV Justiça, etc) são aquelas utilizadas pelos governos, nos âmbitos federal, estadual e municipal, para prestação de contas à população. Já a rede pública saiu do 80 papel a partir de 2007 com a chegada da tevê digital. Há, neste campo, formulações, como a de Orlando Senna38 (2006), que contribuem para aprofundar equívocos acerca da caracterização de tevê pública e estatal, já que, segundo ele, existem centenas de canais públicos de tevês, entre os quais estão as tevês educativas e culturais abertas e, por cabo, as universitárias, as comunitárias e as institucionais dos poderes Legislativo, Judiciário e Executivo. Como se pode observar, o público e o estatal são relacionados como semelhantes. Outra formulação é a de Lemos, Carlos e Barros (2008), para os quais a tevê pública é um serviço que deve funcionar independente do Estado, tanto do ponto de vista burocrático, quanto de produção e emissão de conteúdos. Cruvinel (2008) diz que, diferentemente da tevê comercial, a tevê pública deve oferecer uma programação com ênfase na informação artística, cultural, científica e educacional. Deve ainda espelhar a diversidade territorial, abrir espaço para o debate de questões de interesse público, incorporar informações sobre as realidades regionais e valorizar a produção das tevês públicas associadas. Ela tem que representar os brasis dentro do Brasil. Em um artigo publicado no Jornal Folha de São Paulo, em 2007, Jorge da Cunha Lima39, numa tentativa de diferenciar as três modalidades de tevê, diz que o produto da televisão pública é a programação, tendo como ponto de referência a formação crítica do telespectador; em relação à televisão comercial, diz que a regra é a audiência, baseada no entretenimento; e finaliza dizendo que na televisão estatal, o produto é a divulgação de ações e atos do Poder Executivo. Porém um estudo mais aprofundado sobre o assunto demonstra que os modelos estatal e público, na maioria das vezes, podem se confundir. Por exemplo, segundo Rangel (2007)40, a TVE do Rio, a TV Cultura e a TV Nacional são consideradas, ao mesmo tempo, públicas e estatais. Em função disso, muitos pesquisadores têm dito que no Brasil não há um modelo de tevê pública e, sim, algumas tevês de caráter público. Essa dificuldade de se distinguir claramente as diferenças de ambos os modelos reside principalmente na questão do financiamento e da autonomia. É 38 Orlando Senna foi Secretário do Audiovisual do Ministério da Cultura no período de 2003 a 2007 e, a partir de dezembro de 2007, tornou-se diretor geral da TV Brasil 39 FSP de São Paulo, Tendências e Debates. TV estatal não é TV pública. 05/04/2007 40 Diretor Presidente da Agência Nacional do Audiovisual (Ancine), Manoel Rangel. Durante o I Fórum de Nacional de TVs Públicas. 81 importante destacar que, mesmo não fazendo parte do modelo de tevê estatal, aquele que, segundo Cunha (2007), tem como produto as ações e atos dos três poderes, as tevês públicas são dotadas de verbas governamentais. Segundo Miola (2008:72): No Brasil, a estrutura do sistema de radiodifusão é extremamente verticalizado, concedendo pouca autonomia às empresas públicas, que dependem das políticas de comunicação federais e as estratégias estaduais de investimento e controle. Em qualquer situação, evidencia-se a importância de mecanismos independentes do Estado de regulação e fiscalização atividades de radiodifusão. Para Leal Filho (2007)41, o sistema estatal é formado pela NBR, que é a tevê do executivo, representada pela Voz do Brasil, que tem seu espaço diário para informar a sociedade sobre os poderes executivo, legislativo e judiciário, e pela Agência Brasil, que funciona como uma agência de notícias da União, além das emissoras do legislativo e do judiciário, cuja programação é, geralmente, transmitida pelas tevês por assinatura. Na tentativa de diferenciar esses modelos, entendeu-se, para fins deste estudo, a tevê pública como uma emissora sem fins lucrativos, de gestão subordinada à sociedade civil organizada e independente de governos; e a tevê estatal como aquela diretamente vinculada ao Estado, ou seja, diretamente subordinada ao governo, configurando-se também como uma ―possibilidade‖ de tevê pública. Assim, como afirma Bucci (2007), a tevê estatal deve ser uma modalidade da tevê pública, ou seja, deve ser independente de qualquer partido que esteja no governo. Para Orlando Senna, a tevê pública se constitui como: [...] uma janela de acesso estratégico para o contato da população com a mais vasta gama de bens e serviços culturais, constituindo um canal privilegiado para a valorização e a universalização do patrimônio simbólico nacional. A rede de emissoras públicas é uma opção de grande potencial como veículo difusor da produção audiovisual oriunda dos distintos agentes culturais da sociedade, assegurando a expressão de nossa rica diversidade cultural, assegurando a prática da democracia (Senna, 2006:10). 41 Laurindo Lalo Leal Filho, professor e pesquisador - Durante o I Fórum Nacional de TVs Públicas, realizado em Brasília no ano de 2007. 82 Segundo Leal Filho (2007), diferentemente do que ocorreu na Europa, no Brasil, as tímidas iniciativas para implantar serviços públicos de radiodifusão foram continuamente vinculadas ao modelo comercial, atuando, sempre, de forma complementar a ele (o que, aliás, está previsto na Constituição Federal) ou, ainda, ocupando os espaços que não atraíam os interesses da iniciativa privada. Com isso pode-se afirmar que a história da radiodifusão, desde seu início, teve, como característica, a prevalência dos interesses do mercado em detrimento do interesse público; essa particularidade pode ser percebida nos processos de consolidação do rádio e, posteriormente, na formação da televisão. O rádio, que em sua fase inicial – entre 1920 e 1935 – teve financiamento significativo por parte de seus ouvintes, foi paulatinamente assumindo um caráter mais comercial. A introdução, na década de 1930, de aparelhos mais baratos possibilitou a ampliação do público ouvinte e, em consequência disso, a mídia tornou-se mais atraente para os negócios. Esse processo, evidentemente, foi se consolidando a partir de alterações na legislação que permitiram o aumento do percentual de tempo destinado à publicidade durante a programação: em 1932, o espaço permitido era de 10%; em 1952, 20%; e, posteriormente, com a aprovação do Código Brasileiro de Telecomunicações (CBT), em 1962, 25% (Ortiz, 2006:39-40). O Governo de Vargas, ainda que tivesse uma visão centralizadora e uma expectativa de utilização da radiodifusão como instrumento ―na promoção da educação e transmissão da palavra oficial‖ (Ortiz, 2006:51), mostrou-se hesitante no momento de implantar um sistema de radiodifusão sob controle do Estado. Segundo Ortiz, a contribuição do Estado naquele período foi decisiva para consolidar a desordem histórica entre interesse público e interesse privado: Apesar de sua tendência centralizadora, tinha que compor com as forças sociais existentes (neste caso o capital privado, que possuía interesses concretos no setor de radiodifusão). Não deixa de ser sugestivo observar que a própria Rádio Nacional, encampada pelo governo Vargas, praticamente funcionava nos moldes de uma empresa privada. Seus programas (música popular, radioteatro, programas de auditório) em nada diferem dos outros levados ao ar pelas emissoras privadas. [...] quando se olha a porcentagem da programação dedicada aos chamados ―programas culturais‖, observa-se que eles não ultrapassam 4,5%. Por outro lado, entre 83 1940 e 1946, o faturamento da emissora, graças à publicidade, é multiplicado por sete. Ao que tudo indica, a acomodação dos interesses privados e estatais se realiza no seio de uma mesma instituição sem maiores problemas (Ortiz, 2006:53). Segundo Leal Filho (2007), esse destaque de Ortiz é a referência histórica mais significativa para entender a absoluta falta de limites entre o público e o privado na radiodifusão brasileira. Hoje ela (radiodifusão) se dá com o financiamento do Estado às empresas concessionárias dos serviços de televisão sob as formas de publicidade, patrocínios, renúncias fiscais, isenções alfandegárias, entre outras (Leal Filho, 2007:04). A análise do Decreto 24.655/34 evidencia a política do governo Vargas para o serviço de radiodifusão, com a formação de uma Rede Nacional de Radiodifusão, o controle das outorgas pelo governo e a exploração econômica do setor. Ainda nesse decreto, estabelecem-se as exigências técnicas para a exploração da radiodifusão. Na opinião de Jambeiro (2002:16), ―este foi certamente um fator importante na introdução e consolidação do poder econômico na mídia eletrônica‖, pois [...] a exigência de obrigações técnicas que só poderiam ser cumpridas mediante vultosos recursos financeiros não só reduziu drasticamente o número de concorrentes como favoreceu a concentração de emissoras nas mãos de poucos. Foi graças a isto que Assis Chateaubriand conseguiu organizar a primeira rede brasileira privada de emissoras, a partir de 1938. Em 1945, ele contava com 15 emissoras de rádio, além de jornais, revistas, editora de livros e agências de notícias (Jambeiro, 2002:15). O nascimento da televisão na década de 1950 teve, como referência econômica, cultural e política, o rádio; porém, diferentemente deste, a televisão no Brasil nasceu como empreendimento comercial (modelo que segue hegemônico até os dias de hoje), ainda que considerada, desde seu início, como um serviço público, como descrito por diversos autores que analisam a história da tevê no país, alguns citados neste item do texto. Segundo Leal Filho (2007)42, as iniciativas em torno da implantação de um serviço público podem ser consideradas marginais, diante da desproporção da abrangência de acesso existente entre ela e o sistema comercial. O mesmo autor 42 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho ―Economia Política e Políticas de Comunicação‖, do XVI Encontro da Compós, na UTP, em Curitiba, PR, em junho de 2007. 84 destaca, ainda, que a história da radiodifusão pública é reduzida; para ele, é possível destacar, dessa história, apenas cinco momentos significativos: a fundação da Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, em 1923; a implantação da Fundação Padre Anchieta, em São Paulo, em 1969; a promulgação da nova Constituição da República, em 1988; a aprovação da lei número 8.977, Lei do Cabo, em 1995; e o lançamento pelo Ministério da Cultura do 1º. Fórum Nacional de TVs Públicas, em 2006. A primeira tevê pública de cunho educativo/cultural de que se tem notícia é a TV Universitária do Recife,43 que nasceu na Universidade Federal de Pernambuco, em 1968, como um dos veículos do Núcleo de TV e Rádios Universitárias daquela universidade. Seu objetivo primordial era o de ampliar os horizontes da informação, da cultura e da educação. Numa tentativa de buscar traçar o campo da tevê pública no Brasil, buscou-se, a partir de uma pesquisa secundária, identificar, em primeiro lugar, quantas e, posteriormente, quais são essas tevês e onde estão localizadas. Observou-se, no entanto, que as informações acerca deste segmento são absolutamente conflitantes. Em um trabalho realizado em 2005, a convite do Governo Federal, publicado em 2006, um grupo de pesquisadores ligados à linha teórica da Economia Política da Comunicação e dos Estudos Culturais Críticos realizou uma pesquisa com essa finalidade. Nesse trabalho, publicado como ―Cartografia Audiovisual Brasileira de 2005‖, organizado por Castro (2006), encontra-se a seguinte informação acerca deste segmento de tevê: ―[...] elas (TVs Públicas) começaram no Brasil no final dos anos 1960 com uma programação institucional, com programas dirigidos às escolas como se fossem aulas, para ajudar a escola e o professor‖ (p.112). Como se pode ver, nesse trabalho, tevê pública e tevê educativa são sinônimos; ora fala-se de tevê educativa, ora de tevê pública. Ainda no mesmo trabalho, segundo Beth Carmona, ex-presidente da TVE/RJ: [...] há mil emissoras educativas espalhadas pelo Brasil de maior ou menor alcance entre as geradoras e retransmissoras. ―1.500 municípios brasileiros estão perto das TVs educativas e representam 27% dos municípios e dos domicílios com TV. Atingimos 15 milhões, sendo esse um número que pode ser maior‖. Isso significa quase 38% da população e dos domicílios com TV são atingidos pela 43 Atualmente, a TV Universitária integra a Rede Pública de Televisão e atinge 98 milhões de telespectadores em todo Brasil. A rede, formada a partir da criação da Abepec - Associação Brasileira das Emissoras Públicas Educativas e Culturais - possui 22 emissoras afiliadas e transmite sua programação para Pernambuco e parte dos estados que, com esse, fazem divisa. 85 programação das TVs educativas no momento de transmissão simultânea (Carmona apud Castro, 2006;113). Durante palestra no Senado Federal, em 2006, Beth Carmona44 apresentou as seguintes emissoras como de caráter público: TVs Educativas e Culturais ligadas ao SINRED e à ABEPEC TVs Universitárias ligadas à ABTU TVs Escola ligadas ao SEED MEC STV ligada ao SESC Futura ligada à Fundação Roberto Marinho TV Câmara ligada às câmaras dos deputados TV Senado ligada ao Senado Federal TV Justiça ligada ao Ministério da Justiça NBR ligada à Radiobrás TVs Comunitárias Em 2009, a TV Brasil mapeou as tevês públicas de todo o mundo. No Brasil, segundo esse mapeamento, existem 25 tevês públicas45: Aperipê TV - Fundação Aperipê de Sergipe TV Aldeia Rio Branco - Fundação Televisão e Rádio Cultura do Amazonas TV Antares - Fundação Universidade Estadual do Piauí TV Brasil _ TV Brasil TV Brasil Central - TV Brasil Central TV Ceará - Fundação de Teleducação do Ceará – FUNTELC TV Cultura Belém - Fundação de Telecomunicações do Pará – FUNTELPA TV Cultura Manaus - Fundação Televisão e Rádio Cultura do Amazonas 44 Beth Carmona, em 2006, em palestra no Senado Federal, afirmou que as tevês públicas de maior destaque no mundo são a BBC (Inglaterra), PBS (EUA), ARD e ZDF (Alemanha), visto que todas elas têm tradição, independência, credibilidade e, principalmente, continuidade de gestão e propostas relevantes. Já, na America Latina, segundo Carmona, esta modalidade de tevê nunca se configurou por inteiro. 45 Informação disponível em http://www.tvbrasil.org.br/tvspublicas/aperipetv.asp 86 TV Cultura SC - Fundação Catarinense de Difusão Educativa e Cultural Jerônimo Coelho TV Cultura SP - Fundação Padre Anchieta TVE Bahia - Instituto de Radiodifusão Educativa da Bahia – IRDEB TVE Maceió - Instituto Zumbi dos Palmares TV Brasil Pantanal - Fundação Jornalista Luiz Chagas de Rádio e Televisão TVE Paraná - Rádio e Televisão Educativa do Paraná TVE Vitória - Rádio e Televisão Espírito Santo - Centro Cultural Carmélia N. Souza TVE RS - Fundação Cultural Piratini - Rádio e Televisão TV Miramar - Fundação Virginius da Gama e Melo TV Palmas - Fundação Universidade do Tocantins - Instituto de Radiodifusão Educativa TV Pernambuco - TV Pernambuco TVU João Pessoa – UFPB TV Universidade Cuiabá- UFMT TV Universitária Natal / RN - Superintendência de Comunicação Universitária TV Universitária Recife - Núcleo de TV e Rádio – UFPE TV Universitária de Roraima - Fundação Universidade Federal de Roraima – Núcleo de Rádio e TV Universitário Rede Minas - TV Minas Cultural e Educativa - Belo Horizonte/MG A tevê pública brasileira é compreendida, para o escopo desta pesquisa, como aquela que possibilita a diversidade de pontos de vista, a partir de expressão das diferentes vozes que compõem a sociedade, de forma a abranger uma maior gama de conteúdos e experimentações, visando tratar temas de interesse dos cidadãos do conjunto das localidades que formam o país. Trata-se de um campo complexo e estimulante. E, ainda que tenha em comum essa aura pública, inclui emissoras com especificidades bastante distintas e processos próprios. Talvez em função dessas 87 características, somadas, evidentemente, à novidade que trata essa modalidade de tevê, seja tão difícil se encontrar, na literatura e em pesquisas de dados secundários, definições consolidadas a respeito desta questão. Para se ter uma ideia, somente em 03 de maio de 2010, ou seja, quase três anos após a efetivação da primeira televisão de cunho propriamente público do país – a TV Brasil data de 02/12/2007 –, a Rede Nacional de Comunicação Pública - RNCP, formada pelos quatro canais da Empresa Brasil de Comunicação – EBC, por sete emissoras universitárias46 e por 15 emissoras públicas estaduais, entrou no ar. A breve apresentação da trajetória da tevê pública no Brasil realizada neste item buscou identificar as principais características desta modalidade de tevê, uma vez que o Canal Universitário de São Paulo, objeto de estudo deste trabalho, é compreendido como parte do campo público de televisão e, como tal, deve ser analisado. 2.6.1 Os modelos públicos no contexto da digitalização A chegada da tecnologia digital permite colocar em pauta, mais uma vez, o papel da tevê pública no Brasil. É preciso, segundo Carmona (2006), construir um projeto único de tevê pública para o país, visando fomentar a produção nacional e garantir conteúdo de qualidade por todo o território nacional, contribuindo, assim, para a inclusão social e a democratização da comunicação. A formação da primeira televisão de cunho público, a TV Brasil, bem como da Rede Nacional de Comunicação Pública, deu-se, entre outros fatores, em função do espaço criado pela digitalização dos sinais de tevê. Com a digitalização, novos agentes passaram a reivindicar acesso ao espectro digital. Ainda que haja esse espaço garantido pela tecnologia, vários pesquisadores veem com desconfiança essa possibilidade ―mesmo com a garantia de um espaço para 46 Tevês operadas pelas Universidades Federais (Pernambuco, Rio Grande do Norte, Mato Grosso, Paraíba, Roraima, Rondônia e Amapá) 88 as TVs públicas no espectro digital, o perigo da complementaridade permanece (Leal Filho, 2007). Ou seja, se houver apenas a disponibilização de espaços, sem uma política efetiva que defina com clareza os direitos e os deveres das tevês públicas, esta modalidade de tevê tende a continuar, simplesmente, complementando o papel e a missão das tevês comerciais. Outra possibilidade seria a tecnologia digital configurar-se para essa modalidade de tevê como uma oportunidade para potencializar novas outorgas, novos espaços para exposição, na medida em que há espaços ociosos no espectro; a produção nacional, regional e de utilidade pública pode ser incentivada e racionalizada, possibilitando interação imediata entre os conteúdos. Além disso, a inclusão digital a partir das escolas poderia ser efetivada com a TV Educativa Digital, haja vista que o governo federal criou um canal específico para tratar de questões educativas, denominado ―Canal da Educação‖. 2.7 O campo televisivo Para delimitar o campo televisivo é preciso recorrer às observações de Bourdieu, que, em seu clássico texto ―Questões de Sociologia‖, define campo como: [...] espaços estruturados de posições (ou de postos) cujas propriedades dependem das posições nestes espaços, podendo ser analisadas independentemente das características de seus ocupantes. [...] há leis gerais dos campos: campos tão diferentes como o campo da política, o campo da filosofia, o campo da religião possuem leis de funcionamento invariantes (Bourdieu, 1983:89, grifo do autor). Pode-se depreender, dos excertos citados, que campo compreende um espaço social no qual seus sujeitos se engajam em relações recíprocas. Esclarece, ainda, que campos muito diferentes apresentam propriedades comuns entre si. A teoria em questão pode ser vista como uma tentativa de demonstrar que onde se pensava haver um sujeito livre, agindo de acordo com sua aspiração mais imediata, existe, na verdade, um espaço de forças estruturadas que molda a capacidade de ação e de decisão de quem dele participa. 89 [...] quanto mais se avança na análise de um meio, mais se é levado a isentar os indivíduos de sua responsabilidade – o que não quer dizer que se justifique tudo o que se passa ali -, e quanto melhor se compreende como ele funciona, mais se compreende também que aqueles que dele participam são tão manipulados quanto manipuladores (Bourdieu, 1997:21). O conceito não imobilista, definido por Bourdieu como um campo de luta, coaduna-se perfeitamente à intenção de pensar a televisão como um espaço de poder constituído e constituidor de significados hegemônicos e contra-hegemônicos. Segundo Bourdieu, a televisão constitui-se como campo simbólico e tecnológico que se autorrecicla, recriando a cada momento o seu contrato de audiência, como dispositivo ora consensual ora dissensual, um dispositivo lábil, multiforme, na expressão de Noël Nel (1997). Antes da apresentação do estado da arte deste campo, constituído a partir de 1950, considerou-se conveniente buscar as referências acerca dos atores envolvidos em sua formação. Tal caminho se justifica em função do que Bourdieu define como habitus, entendido como o conjunto das disposições inconscientes que estariam presentes em distintos sujeitos, levando-se em conta – o que é determinante – que tais disposições seriam o resultado da interiorização de complexas estruturas objetivas presentes numa sociedade. [...] um sistema de disposições duráveis e transponíveis que, integrando todas as experiências passadas, funciona a cada momento como uma matriz de percepções, de apreciações e de ações – e torna possível a realização de tarefas infinitamente diferenciadas, graças às transferências analógicas de esquemas [...] (Bourdieu, 1983:65) Ora, condições sociais distintas produzem nos sujeitos disposições distintas e, consequentemente, habitus de classe: grupos identificáveis de subjetividades que, partilhando certas características em comum, articulam-se por esta via indireta com as diferenciadas posições objetivas das classes sociais. 90 Quadro 12 – Origem Familiar dos proprietários de TVs no Brasil Nome Emissora Origem social Formação Francisco de Assis TV Tupi Mãe tem origem em Direito Chateaubriand tradicional família de Bandeira de Mello senhores de engenho (Assis nordestinos. Pai foi chefe de Chateaubriand) polícia, inspetor de alfândega e magistrado na Paraíba. João Batista Amaral TV Rio (Pipa Amaral) João Jorge Saad Mario Wallace TV Filho de imigrante sírio, Direito Bandeirantes pequeno comerciante de (incompleto) TV Guanabara tecidos. Fez fortuna com TV Excelsior comércio de tecido e no ramo (ações) imobiliário de SP. TV Excelsior Tradicional família paulista Simonsen Paulo Machado de ligada à exportação de café TV Record Direito Carvalho Roberto Pisani TV Globo Marinho (Roberto Classe média. Pai foi Ensino jornalista. Secundário Marinho) Rubens Berardo Jornalista TV Industrial e usineiro de Continental Pernambuco Senor Abravane TV Studios Filho de imigrante judeu Técnico em (Silvio Santos) TV pequeno comerciante Contabilidad e Record (ações) Victor Costa TV Paulista Filho de imigrantes Italianos. 91 Petraglia Geraldini Iniciou sua vida profissional (Victor Costa) no teatro e no rádio Fonte: Sonia Wanderley A análise da origem social dos privilegiados com concessão de canais de televisão, desde a origem da tevê brasileira, aponta, segundo a pesquisadora Sonia Wanderley47 (2005), para uma diferenciação bem de acordo com as mudanças que vinham se processando na sociedade brasileira desde a década de 1950. Eles são representantes de tradicionais famílias ligadas à economia de exportação de gêneros primários ou membros de segmentos das classes médias, descendentes de imigrantes, que fizeram fortuna trabalhando com atividades comerciais. Seus filhos buscam na educação formal, principalmente com o bacharelado em Direito, desenvolver atividades profissionais de interesse para a manutenção do status quo. Encontraram na política de concessões o acesso ao poder político ou ao status almejado (Wanderley, 2005:03). Como se pode verificar, a disputa pelo direito de explorar emissoras de televisão, já na década de 1950, demonstrava sua capacidade na produção de significados. Tal distinção tornar-se-ia fundamental em um momento no qual o embate de diferentes projetos de inclusão do país na ordem internacional provocava disputas também no campo simbólico. A televisão, desde suas origens na primeira metade do século XX, vem significando para o indivíduo contemporâneo, muitas vezes, a única possibilidade de participação de um tempo histórico, de acesso às mais diversas experiências de realidade, informação e comunicação. ―Caminha-se cada vez mais rumo ao universo em que o mundo social é descrito-prescrito pela televisão. A televisão se torna o árbitro do acesso à existência social e política‖ (Bourdieu, 1997:29). Para Duarte (2004): [...] ao converter o mundo em acontecimentos acessíveis ao cotidiano planetário, a televisão não só pauta o que é realidade como a reduz ao discurso, manifesto em textos que se constroem na interrelação de diferentes sistemas intersemióticos e intermidiáticos. Somente a aceitação desse caráter inequivocamente discursivo da televisão pode, ao meu ver, trazer luz a muitas das questões polêmicas atualizadas por essa mídia. (Duarte, 2004:11). 47 Professora de Prática de Ensino de História e Diretora da COMUNS (Diretoria de Comunicação Social) da UERJ e professora de História Contemporânea na UGF. Graduada em Jornalismo pela ECO/UFRJ e História pela UERJ; fez Mestrado e Doutorado em História Social, na UFF/RJ. 92 O campo televisivo surge imbuído de paradoxos: do ponto de vista institucional, divide-se entre canais generalistas e temáticos, líderes ou complementares, abertos ou por cabo; do prisma econômico, destrincha-se em canais públicos, ou privados/comerciais; do ponto de vista social, discute-se a sua democratização, o seu poder, a sua influência no espaço público midiatizado. No mercado televisivo aberto, segundo Castro (2006), circulam anualmente 3 (três) bilhões de dólares, quantia dividida entre as seis principais redes privadas nacionais - Globo, SBT, Bandeirantes, Record, CNT e Rede TV (ex-Manchete). Juntas possuem 138 grupos afiliados e controlam 668 veículos, entre tevês abertas e por assinatura. O campo televisivo está desmembrado entre grupos econômicos familiares, além de ter sido repartido, nas últimas décadas, entre cerca de 80 políticos de diferentes regiões do país. Este fato, segundo Castro (2006), tem prejudicado as possibilidades de uma comunicação democrática e independente, além de se configurar como uma relação incestuosa das emissoras com o mundo político, visto que inclui um discurso midiático atrelado ao jogo de negociações políticas e econômicas. [...] a democracia consiste em submeter o poder político a um controle. É essa a sua característica essencial. Numa democracia não deveria existir nenhum poder político incontrolado. Ora, a televisão tornou-se hoje em dia um poder colossal; pode mesmo dizer-se que é potencialmente o mais importante de todos, como se tivesse substituído a voz de Deus (Popper, 1995:29). O chamado ―coronelismo eletrônico‖ (Santos; Caparelli, 2005) pode ser observado em distintas regiões do país. Para exemplificar tal caracterização, o quadro abaixo expressa a realidade da região Centro-Oeste em 2005. 93 Quadro 13 - Outorgas de televisão controladas por políticos: Geradora RTV Quantidade % total Quantidade % total DF 1 9,10% 3 11,53% GO 10 62,50% 213 42,68% MS 1 9,09% 8 3,22% MT 3 33,30% 23 8,02% 15 30,60% 247 23,17% Total Fonte: Ministério das Comunicações, 2005. O projeto Donos da Mídia48 identificou os políticos que possuem participação direta em emissoras de rádio e TV. O gráfico abaixo separa o total de políticos sócios por cargo. Gráfico 12 –Políticos proprietários de RTV Desde o início, a tevê caracterizou-se como concessão do Estado. A concepção dos governos militares (1964-1985) de fazer a televisão aberta chegar a todos os pontos do país converteu o Estado em importante distribuidor destes sinais a partir de 48 http://donosdamidia.com.br/inicial 94 critérios políticos. Existem pelo menos cinco tipos de concessões, como a de Radiodifusão de Sons e Imagens (geradoras), os serviços de Retransmissão de TV (RTV), os serviços de Televisão por Assinatura (TVA), as concessões de TV por Cabo ou os serviços de Distribuição de Sinais Multiponto/Multicanal (MMDS). No que diz respeito às emissoras de TV aberta que geram programação, registram-se cinco grupos nacionais (Rede Globo, Bandeirantes, Record, SBT e Rede TV) e cinco regionais (RBS, na região Sul; Organizações Jaime Câmara - OJC, no Centro-Oeste; Rede Amazônica de Rádio e Televisão - RART, na Região Norte; Zahran, no Estado do Mato Grosso; e Verdes Mares, no Nordeste). Âmbito Nacional Rede Globo de Televisão Fundação: 26 de abril de 1965 Fundador: Roberto Marinho Mantenedora: Organizações Globo Proprietário: Roberto Irineu Marinho Presidente: Roberto Irineu Marinho Cidade de Origem: Rio de Janeiro Sede: Rio de Janeiro Cobertura: 98,44% território nacional Grupos Afiliados: 35 Grupos Veículos: 340 veículos de Comunicação Rede Bandeirantes de Televisão Fundação: 13 de maio de 1968 Fundador: João Jorge Saad 95 Mantenedora: Grupo Bandeirantes de Comunicação Proprietário: Johnny Saad Presidente: Johnny Saad Cidade de Origem: São Paulo Sede: São Paulo Cobertura: 98% território nacional Grupos Afiliados: 22 Grupos Veículos: 166 veículos de Comunicação Rede Record de Televisão Fundação: 27 de setembro de 1953 Fundador: Paulo Machado de Carvalho Mantenedora: Central Record de Comunicação Proprietário: Edir Macedo Presidente: Alexandre Rapo Cidade de Origem: São Paulo Sede: São Paulo Cobertura: 98% território nacional Grupos Afiliados: 30 Grupos Veículos: 142 veículos de Comunicação Sistema Brasileiro de Televisão Fundação: 19 de agosto de 1981 Fundador: Silvio Santos Mantenedora: Grupo Silvio Santos Proprietário: Silvio Santos 96 Presidente: Daniela Beyruti Cidade de Origem: Rio Janeiro (TVS) São Paulo (SBT) Sede: São Paulo Cobertura: 98% território nacional Grupos Afiliados: 37 Grupos Veículos: 195 veículos de Comunicação Rede TV Fundação: 15 de novembro de 1999 Fundador: Amilcare Dallevo / Marcelo Carvalho Mantenedora: Grupo Tele TV Proprietário: Amilcare Dallevo / Marcelo Carvalho Presidente: Amilcare Dallevo Cidade de Origem: São Paulo Sede: São Paulo Cobertura: 82% território nacional Grupos Afiliados: 12 Grupos Veículos: 37 veículos de Comunicação Quadro 14 - Veículos das quatro maiores redes de TV e seus grupos afiliados Rede TV RAFM RAOC RAOM RAOT TVCom MMDS DTH TVAs 105 76 11 52 4 9 2 1 SBT 58 70 1 39 2 1 10 1 Band 39 48 5 44 3 13 1 Record 46 51 2 31 RedeTV 15 10 7 Globo 2 Canal TVA Jornal Revista Radcom Total 17 33 27 12 2 1 340 1 195 11 166 3 9 142 2 3 37 Fonte: Donos da Mídia 97 Dos principais grupos do setor de rádio e TV no país, segundo Caparelli e Lima (2004:29), poucos não são sócios (afiliados) das Organizações Globo. Os grandes conglomerados de mídia (Globo/Record/SBT/Bandeirantes/Rede TV) operam em distintos ambientes, como mídia impressa, eletrônica e mais recentemente internet, apostando na convergência tecnológica e nas possibilidades de produção de conteúdos para celulares e para a tevê digital. Os autores destacam, ainda, outros cinco grupos familiares ligados à comunicação que desenvolvem suas ações principalmente na mídia impressa. Famílias que atuam (principalmente) na mídia impressa Civita (Abril/SP) Mesquita (OESP/SP) Frias (Grupo Folha/SP) Martinez (CNT/PR) A estruturação do campo das maiores redes privadas de TV aberta ocorre, de acordo com o EPCOM – Estudos de Pesquisa da Comunicação, da seguinte forma: Rede Globo Vista como a maior rede de TV do país e também a quinta maior do mundo; aglutina o maior número de veículos de comunicação em todas as modalidades: TV, rádio e jornal (sem contar servidor internet, página web); tem quase o dobro de empresas de mídia que o SBT, que ocupa o segundo lugar; é o único grupo, entre as demais redes, que tem todos os tipos de mídia; tem o maior número de grupos diversificados – TV, rádio, jornal; a maioria dos principais grupos regionais de mídia são seus afiliados; está presente em todos os Estados; 98 o grupo Cabeça-de-rede49 tem 86% dos seus veículos concentrados na região Sudeste; no seu conjunto, apresenta uma disseminação equilibrada pelas diversas regiões, sem concentração excessiva nos pequenos mercados. Rede SBT Considerada a rede que apresenta uma programação mais popular; está presente em todo o país; tem o maior número de associações com grupos regionais, sendo integrada por 37 grupos afiliados; o grupo Cabeça-de-rede só tem TV, diferentemente da Rede Globo; está fortemente concentrada na região Norte. Rede Record Propriedade de família paulista, Machado de Carvalho, por décadas, no último período passou a fazer parte de grupo proprietário da Igreja Universal do Reino de Deus; apresenta grande concentração na Região Sudeste; o grupo cabeça-de-rede é o que mais detém veículos de comunicação próprios em todas as regiões do país em comparação com as demais redes; controla também duas redes de TV segmentadas: a Rede Mulher (três emissoras) e a Rede Família (duas emissoras). Rede Bandeirantes Bastante concentrada na Região Nordeste; a maior parte de seus Grupos Afiliados limita-se à mídia eletrônica. 49 Responsável pela geração dos sinais de imagem e/ou som que serão retransmitidos pelas afiliadas ou participantes da rede. 99 Rede TV! Dispõe de cinco emissoras de TV e 12 grupos afiliados; quase dois terços de seus veículos localizam-se nas Regiões Norte e CentroOeste; é a rede com menos presença na Região Sudeste; seus grupos afiliados limitam-se à mídia eletrônica. No campo televisivo, uma questão que não pode ser deixada de lado é o índice de audiência. Segundo Bourdieu, nas salas de redação do campo midiático há uma ―mentalidade-índice-de-audiência‖ (1997:37), visto que por toda a parte se pensa em termos de sucesso comercial; o mercado é a instância que legitima a legitimação. Para as empresas de comunicação, a audiência é o amplo argumento para a conquista de anunciantes e de efetivação do poder econômico, uma das finalidades do processo. Gráfico 13 - Audiência Nacional – 2008 Fonte: Mídia dados 2009 A importância da audiência para as emissoras de TV é bastante grande. Bourdieu (1997:37) define índice de audiência como ―uma medida da taxa de audiência de que se beneficiam as diferentes emissoras‖. Muitos pesquisadores, inclusive Bourdieu, dizem que as emissoras de televisão se renderam às pesquisas de opinião. 100 O índice de audiência exerce um efeito inteiramente particular sobre a televisão: ele se re-traduz na pressão da urgência. A concorrência entre os jornais e a televisão e a concorrência entre as televisões tomam a forma da concorrência pelo furo, para ser o primeiro (Bourdieu, 1997:39). É importante ressaltar, no entanto, que a guerra pelos índices de audiência não é um fato novo e tampouco restrito à televisão, ocorrendo igualmente nos outros meios. Ainda segundo Bourdieu (1997), ―essa medida‖ tornou-se o juízo final do jornalismo até em espaços mais autônomos. Os jornais de grande circulação, visando reconhecer sua cota de mercado, buscam aferir com regularidade seus números de tiragem e vendagem. Buscando uma aproximação com Bourdieu, esse modelo de ação sugere a presença de um habitus específico do campo, ou seja, seria habitus dos agentes do campo midiático a prática corrente de guiar as suas ações institucionais pelos índices de audiência. Já na década de 1970, o notável apresentador Chacrinha50, considerado um fenômeno da televisão brasileira, tinha sua performance balizada nos indicativos de audiência. Depreende-se dos dados do gráfico sobre audiência, bem como das afirmações apresentadas ao longo deste capítulo, que, além dos lucros financeiros, resultados da competência individual dos agentes, o prêmio aos primeiros colocados no Share51 dos veículos é a possibilidade de manipulação de uma grande massa humana, orientada em suas escolhas pessoais, políticas, culturais etc. e, assim, intervindo nesses campos. Na interpretação de Bourdieu (1997), a televisão constitui-se num importante instrumento de manutenção da ordem simbólica. A atual posição da Rede Globo é de total hegemonia. A rede de televisão administrada pelas organizações Roberto Marinho teve faturamento líquido, em 2009, de 7,7 bilhões de reais, ou seja, quase o triplo da segunda rede com maior faturamento em 2009, a Rede Record, com 2,15 bilhões de reais. Um fator bastante importante que merece destaque e talvez explique o contínuo crescimento do mercado da radiodifusão (TV e rádio) é a possibilidade jurídica, a partir da medida provisória 70/02, que regulamentou em 30% a participação do 50 Quem faz esta afirmação é Walter Clark, relatando o processo de formação da Rede Globo em CLARK, Walter e PRIOLLI, Gabriel. O Campeão de Audiência. São Paulo: Nova Cultural/Best Seller, 1991. Pág. 81- 82. 51 Termo utilizado em Marketing para se referir à participação de determinada empresa de mercado. 101 investidor estrangeiro neste mercado. Segundo a cartografia do audiovisual – Castro (2006:101) –, ―essa situação tem reforçado uma tendência de transnacionalização das empresas de radiodifusão, que se tornaram multimídias e passaram a atuar em várias áreas da comunicação‖. A hegemonia da Rede Globo na preferência dos brasileiros vem de longa data, mas é importante que se diga que na última década, em função de diversos problemas, a emissora vem enfrentando dificuldades para manter o status de líder absoluta de audiência. Abaixo se destacam alguns dos principais fatores para essa ―ameaça‖: investimentos mal dimensionados em negócios como a TV por cabo, portal na internet e internet de alta performance; inadequação de sua estrutura familiar a um mercado aberto, competitivo e global; sucessão do comando da organização pelos herdeiros do patriarca fragilizou a empresa; alteração nos hábitos das classes C, D e E brasileiras, principalmente no que se refere à aquisição do segundo aparelho televisor no domicílio, o que possibilitou novos habitus dos telespectadores; acessibilidade à internet, que amplia seu público e investimentos publicitários em ritmo muito maior que os demais meios. Essas afirmações estão presentes em diversos trabalhos de pesquisadores que estudam a televisão brasileira, dentre os quais destacam-se Santos e Caparelli, 2005; Bolaño, 2005; e Castro, 2006; além de Simões, 2003, que afirma: O Campo Organizacional dos Media está mapeado de uma forma que obrigue a Rede Globo a tomar a dianteira de alguns aspectos em relação à concorrência, uma vez que está correndo riscos de perder a sua hegemonia enquanto rede nacional de televisão e, até mesmo, de comprometer sua saúde financeira e sua própria existência. A necessidade de defender a sua posição de hegemonia faz com que a Globo busque, hoje, redefinir seus programas de acordo com a nova realidade. Dentre as medidas, a necessidade de unificar o discurso, mantendo a linha editorial sob domínio da rede (Simões, 2003:69). 102 Desde que a mídia televisão passou a desempenhar papel de destaque na sociedade, a publicidade firmou com ela parceria fundamental, portanto pode-se afirmar que a conexão entre o campo televisivo e o mercado publicitário é bastante estreita e, em função disso, faz-se mister apresentar, ainda que de forma panorâmica, essa imbricação. Como pode ser observado no gráfico abaixo, a televisão obtém a maior fatia dos investimentos publicitários no Brasil, concentrando quase 60% das verbas publicitárias. Gráfico 14 - Quota de Mercado dos Meios de comunicação - 2008 Fonte: Mídia dados 2009 As TVs abertas no Brasil representam um mercado consolidado, apresentando um panorama que o coloca entre os de maior concentração econômica da América Latina. 103 Em relação às emissoras de TV aberta que geram programação, destaca-se que apenas três grupos nacionais estão em quase 100% do território brasileiro 52. É possível observar ainda que os grupos regionais estão em mãos de famílias de políticos ou possuem parceria com as principais redes de TV, dominando mais de 70% dos locais nos quais atuam. Isso significa que eles têm uma grande influência política e cultural nos seus estados e regiões. Gáfico 15 - Números de emissoras comerciais por rede – 2008 Fonte: Mídia dados 2009 Como se pode observar no gráfico, o ―coronelismo televisivo‖ mantém-se, apesar das profundas mudanças que ocorreram no país desde o fim do Regime Militar, em 1985. A concentração das concessões para atuação no campo indica o grau de organização dos agentes do campo, que, reunidos em torno da ABERT, fazem valer seus interesses, muitas vezes em oposição a segmentos que desejam a democratização da televisão brasileira. 52 No caso da Rede Brasil (RBS), sua programação televisiva só não atinge 0,3% dos domicílios com televisão nos Estados de Rio Grande do Sul e Santa Catarina; considerando que a Organização Jaime Câmara atinge 180 municípios com a TV Anhanguera, o que implica que ela só não se faz presente em 66 municípios dos 246 do Estado de Goiás; a Rede Amazônica de Rádio e Televisão ainda não conseguiu levar sua programação, por enquanto, a 47 municípios dos 167, ou seja: a quatro do Amazonas, 29 de Rondônia, nove do Amapá, dois do Acre e três de Roraima; no caso do Grupo Zahran, como atua em 190 municípios, ele só não conquistou 26 dos 216 de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul; e no caso do Grupo Edson Queiróz, com a TV Verdes Mares, faltam-lhe somente 8% do Ceará para serem conquistados. Dados obtidos em artigo de Eula Cabral (2005). 104 2.8 Universidade e televisão – tensões em campo Para abordar as questões relativas às tensões existentes entre os campos televisivo e universitário, considera-se adequado utilizar uma afirmação da diretora do Departamento de Tecnologia Educacional da Fundação Roquete Pinto (Leite, 1998), no ano de 1998, quando da realização do I Fórum de Televisões Universitárias. Segundo ela: No início das TVs educativas, tentou-se reproduzir a escola, através da TV. Pensava-se que bastaria levar a tradicional aula da escola para a televisão que estaria garantida a aprendizagem dos alunos. Seria só colocar o professor na tela (o teleprofessor) dando aula para os alunos que o sucesso se faria presente. [...] Em um segundo momento histórico, já no final dos anos 70 e início dos anos 80, a sociedade vive um período de crítica ideológica aos meios de comunicação de massa, quando o politicamente correto seria ―desligar a TV‖. A televisão era vista como um poderoso meio de massificação e dominação, e tudo que nela aparecia estava implicitamente condenado, principalmente pela academia (Leite, 1998:24 grifo nosso). Essas palavras permitem uma reflexão, acerca da importância da televisão na sociedade, que possibilita observar que a televisão e a escola, apesar de serem instituições com características diferentes, podem se integrar. Essa argumentação é reiterada por Marcovitch, que diz: Aproveitar mais a mídia eletrônica é um processo inovador e possível dentro da atual realidade. Temos tratado até agora a escola e a televisão como rivais. Os pais alertam os jovens para diminuírem o seu tempo de televisão para poder estudar. Por que não transformar essa rivalidade em complementação? Como fazer com que o tempo dedicado à televisão, sem prejuízo do lazer que sempre é necessário, também seja útil para o aprendizado? (Marcovitch, 1998: 83). Se é válida e oportuna a comparação entre TV e Escola, já que ambas mantém alguns pontos de cruzamento, uma vez que cabe às duas a função de informar e educar, é preciso, no entanto, resguardar essas instituições naquilo que lhes é inerente. Tevê e escola configuram-se como realidades distintas uma da outra, seja pela suas origens, seja pelas suas naturezas. Tevê e escola não são perfeitamente complementares, nem se mostram como radicalmente contraditórias. Se o objetivo principal da escola é promover a educação formal, na qual está compreendida também a informação, cabe à tevê, fundamentalmente, propiciar lazer e divertimento ao 105 público por meio da informação e, ainda, por que não dizer, por meio de propostas educativas de caráter não-formal. Não se pode esquecer, que "se a escola impõe", "a TV oferece", e que "a escola foi feita para um tempo sem televisão" (Chalvon, 1979). Ainda que presente nos lares53 de praticamente todos os brasileiros, a televisão tem seu potencial educacional ainda pouco utilizado, de fato, nas instituições de Ensino. A experiência televisiva faz parte do cotidiano de professores e alunos e, apesar dos diferentes papéis que possuem na sociedade, a tevê e a escola têm aproximações, pois, enquanto a tevê detém um grande potencial de comunicação, a escola, embora não centralize mais a transmissão do saber e da cultura como fazia no passado, ainda mantém a função de formação do aluno. Bourdieu (1998) vê, na escola, o ambiente ao qual as crianças chegam com variadas quantidades e qualidades de conhecimento trazidas de casa, além de várias "heranças", como a postura corporal e a habilidade de falar em público. Atualmente, muitos desses conhecimentos são adquiridos no consumo televisivo. São habitus que se estabelecem a partir das relações desenvolvidas como telespectador e que interferem em diversas áreas da vida – moda, cultura, ideologia –, caracterizando um tempo no qual televisão é sinônimo de orientação para o cotidiano, o que acaba por influenciar os percursos formativos desenvolvidos no ambiente escolar. A escola, enquanto instituição de educação formal, ao longo de sua existência, protagonizou três diferentes papéis: num primeiro momento, o de redentora, responsável por grandes mudanças individuais e sociais; num segundo, o de reprodutora das desigualdades sociais, ou seja, reforço ao status quo, uma espécie de predestinação; e atualmente é vista como dialética, capaz de reproduzir e de transformar (Saviani, 2003). Bourdieu (1998), no entanto, entende que a escola se configura como sendo um espaço de reprodução das estruturas sociais e de transferência de capitais de uma geração para outra, papel que a televisão desempenha em conjunto com as demais instituições contemporâneas. 53 No Brasil, há 162,9 milhões de pessoas que moram em domicílios com televisão colorida — 32,3% a mais do que os 123,2 milhões que estão em domicílio com rede coletora de esgoto ou fossa séptica. Fonte: Programa da Nações Unidas para o Desenvolvimento 24/05/2010 106 Segundo Napolitano (2003), desde o século XIX até meados do século XX, a escola foi considerada hegemônica no processo de formação e transmissão de valores, atitudes e conteúdos de conhecimentos básicos. No entanto, esse processo teria sido paulatinamente ―compartilhado‖ com a mídia, especialmente com a televisão, que apresenta uma mescla de interesses ideológicos e comerciais: ―[...] boa parte dos objetivos e dos papéis tradicionais da escola se transferiu para a TV, acirrando a crise da instituição escolar e o questionamento de sua eficácia e lugar nas sociedades de massa contemporâneas‖ (Napolitano (2003:18). Segundo Eco (1970), a televisão, vista como um dos fenômenos de nossa civilização, deve ser estudada a partir de suas manifestações, mas também encorajada nas suas tendências mais válidas. Na perspectiva de Baccega (2000), a televisão faz com que o ambiente escolar deixe de ser um lugar privilegiado, ―[...] sacralizado de acesso à informação e ao conhecimento e passe a ser um espaço onde o ‗aprendente‘ desenvolve a capacidade de interrelacionar informações construindo e reconstruindo conhecimentos‖ (Baccega, 2000:43). A televisão proporciona ao cidadão oportunidades sem precedentes de progresso em sua capacidade de registrar, comunicar, pensar, raciocinar, consumir, etc. Num momento em que a educação necessita aperfeiçoar recursos tecnológicos para prender a atenção do aluno da geração imagética, ou geração Y 54, a televisão e a universidade têm as condições necessárias para trabalhar de forma colaborativa, utilizando-se da linguagem televisiva para disseminação do conhecimento científico e da cultura universitária, para atender às novas necessidades no campo da educação, criadas pela demanda de novos conhecimentos e, principalmente, pelas mudanças da contemporaneidade, entre as quais se destacam o intenso consumo audiovisual e a circulação de mensagens que relacionam o local e o global, vinculando o cidadão a complexos sistemas de difusão, formas e conteúdos que caracterizam a ―sociedade do espetáculo‖. 54 O conceito de ―geração Y‖ surgiu, nos Estados Unidos, para delimitar as novas características e hábitos dos jovens que nasceram no final da década de 70 ou início dos anos 80. As gerações anteriores, denominadas baby boom e geração X, são os pais (ou até mesmo avós) dos jovens da geração Y. Tapscott (1999) define a geração Y como sendo a parcela de indivíduos que nasceu entre 1977 e 1997. 107 Discutir televisão na universidade não é tarefa fácil; produzir é um desafio ainda maior. Ainda assim muitas instituições de ensino superior têm se lançado na difícil tarefa de tornar público aquilo que a universidade pensa e produz por meio da mídia televisiva. Talvez se possa atribuir às televisões universitárias o que Bourdieu (1997) chamou de meios subversivos. As tevês universitárias estão na contramão da mídia aberta e tradicional, uma vez que não se submetem ao índice de audiência. Para Bourdieu, a televisão não pode ser vista como um meio homogêneo: [...] há os pequenos, os jovens, os subversivos, os importunos que lutam desesperadamente para introduzir pequenas diferenças nesse enorme mingau homogêneo imposto pelo círculo (vicioso) da informação circulando de maneira circular entre pessoas [...] (Bourdieu, 1997:36) Nessa passagem o autor refere-se ao jornalista free-lancer. Para Bourdieu esse tipo de profissional, jovem, sem vínculo formal com os órgãos de imprensa, buscaria romper o círculo vicioso ao propor pautas ou interpretações que não atenderiam aos critérios de noticiabilidade da mídia comercial. Segundo Bourdieu tais iniciativas fracassarão em virtude de não atenderem os critérios definidos pelas empresas de comunicação, que, em grande parte, se resumem aos índices de audiência, que balizam o funcionamento da televisão e dos principais meios de comunicação de massa. A partir dessas considerações, é preciso verificar se a televisão universitária, nas condições atuais dos campos nos quais atua, caracteriza-se como alternativa e propõe habitus que incorporem os potenciais de mudança observados em função das relações e tensões entre os campos televisivo e universitário. A discussão acerca desses temas será retomada no capítulo 4, no qual as relações entre universidade e tevê universitária serão amplamente analisadas. 108 Capítulo 3 – Televisão universitária: modos de fazer Este capítulo apresenta, também, a partir de uma pesquisa bibliográfica e documental, o estado da arte dos Canais Universitários Brasileiros. Além disso, reflete sobre sua realidade no complexo jogo que se estabelece no cenário no qual dezenas de instituições se aventuram. 109 3.1 A tevê educativa na contemporaneidade Ao iniciar mais um capítulo desta pesquisa, novamente, busca-se amparo conceitual na teoria de campo de Bourdieu. Pode-se afirmar que a tevê educativa, junto com outras de caráter público, configura-se como um subcampo, parte de um campo maior, o da televisão; este, por sua vez, constitui-se, como determina a Lei, a partir dos três sistemas de radiodifusão: o público, o estatal e o privado. Segundo Bourdieu (2005), uma empresa55 constitui-se de um subcampo que goza de uma relativa autonomia em relação ao campo que a engloba. As estratégias das empresas não dependem somente da posição que elas ocupam na estrutura do campo. Elas dependem, também, da estrutura das posições de poder constitutivas do governo interno da firma ou, mais exatamente, das disposições (socialmente constituídas) dos dirigentes agindo sob pressão do campo do poder no seio da firma e do campo da firma em toda sua totalidade (que se pode caracterizar através de índices, tais como a composição hierárquica da mão de obra, o capital escolar e, particularmente, científico do quadro executivo, o grau de diferenciação burocrática, o peso dos sindicatos, etc.) (Bourdieu, 2005:42). Para entender a constituição e consolidação de um subcampo em determinado campo, Bourdieu sugere que se analise tanto o subcampo, em relação ao campo, quanto o próprio subcampo, enquanto um campo relativamente autônomo. Notadamente, o campo televisivo está situado em um campo ainda maior que é o da Comunicação Social, porém, em função de sua importância para a sociedade, ganhou autonomia e legitimidade em relação ao campo da Comunicação Social. Pode-se observar isso em várias partes do mundo, no entanto, no Brasil, a tevê tem presença decisiva em diversas áreas. Desde os anos de 1970, a tevê é um importante instrumento econômico, cultural e ideológico. É também objeto de estudos em diversas áreas do conhecimento. Já o subcampo da televisão educativa (TVE), no qual se podem incluir os canais universitários, essa autonomia e presença é quase ínfima. 55 Em função de seus estudos sobre o mercado de casa própria na França, Bourdieu (2005) propõe uma teoria econômica como ciência histórica. Para ele, o mercado é o produto da construção social da oferta e da construção social da demanda, para as quais o Estado contribui decisivamente, em particular nos aspectos jurídicos (Bourdieu, 2005). 110 A história das televisões educativas no mundo e no Brasil está vinculada diretamente à história da televisão como um todo. Tanto no modelo americano quanto no europeu, as tevês educativas foram decorrência imediata do aparecimento deste meio. A televisão, na Europa, nasceu pública, vinculada às ideias da teoria crítica, diferentemente dos Estados Unidos, país no qual o meio surgiu no bojo de teorias que buscaram compreender as funções da tevê para a sociedade e, particularmente, para os proprietários, interessados em desenvolver propósitos comerciais. Se na Europa a tevê deveria cumprir sua função de formar um cidadão crítico de sua sociedade, com informações suficientes para tomar decisões em seu benefício e do coletivo e sem fins lucrativos e comercias, nos EUA, nasceu como auxiliar de um sistema econômico em expansão, em busca da demanda reprimida com o pós-guerra (Gordon, 1967). As implicações do modo como cada nação enxergou o meio ficam evidentes ao se analisarem as TVEs dentro do contexto da radiodifusão. Nos países em que o modelo de referência é o americano, ou seja, com fim comercial e de incentivo ao lucro, as TVEs erguem-se às margens do processo. Nos EUA56, por exemplo, a tevê educativa ficou limitada às instituições de ensino, e seu uso circunscrito, basicamente, a circuitos fechados, ou seja, ao próprio ambiente acadêmico. A rede americana Public Broadcasting Service (PBS), que congrega as emissoras públicas com fins educativos e culturais, surgiu em 1967 e, até hoje, é limitada em sua abrangência e atuação (Intervozes, 2009). Por outro lado, na maior parte dos países da Europa, nos quais coube ao Estado o gerenciamento da TV em benefício do cidadão, o que implica na utilização do meio sem distinção de classe, sem qualquer fim comercial e voltado para a formação social do indivíduo, a tevê já nasceu educativa. 56 Registros históricos sugerem que as primeiras transmissões do que se pode chamar de tevê educativa ocorreram em 1932, quando alguns professores e estudantes de uma universidade localizada no centro-oeste dos Estados Unidos comunicaram-se por meio de uma estação experimental criada por alunos de engenharia eletrônica. Essa estação veiculou cerca de 400 programas, incluindo cursos de arte, taquigrafia, engenharia, arte dramática, entre outros, no período de 1932 a 1939. A partir de tal experiência, várias outras universidades americanas se interessaram pela novidade, já que, mesmo havendo dificuldades relativas à qualidade técnica e à aquisição dos aparelhos receptores, a televisão educativa inseriu-se na vida das pessoas, atraindo-as para o consumo das mensagens audiovisuais. (Lima, 2002:43) 111 O rádio e a televisão são veículos da produção cultural de um povo ou de uma nação e, para exercerem essa tarefa, não podem ser contaminados por interferências políticas ou comerciais. Ainda que marcada por uma forte dose de purismo, foi essa a concepção que sustentou durante quase sessenta anos o modelo de rádio e de televisão adotado na Europa ocidental (Leal Filho, 1997:17). Esta exposição acerca do modelo europeu de televisão revela que, na intenção, as televisões europeias nasceram com foco no cidadão e, consequentemente, mais próximas de um conceito de tevê educativa. Contudo é importante observar que o modelo adotado pelos europeus não resistiu à era dos satélites – a tevê americana atravessou oceanos e aportou na casa dos cidadãos europeus. Com isso, em pouco tempo, as tevês estatais europeias foram obrigadas a se adaptarem. Recentemente, inclusive, abriram espaço para comercialização e processos de privatização. Algumas peculiaridades do caminho das TVEs, no entanto, são singulares e devem ser lembradas. Trata-se de uma trajetória que carrega em si paradoxos e dilemas, transcendendo as tevês convencionais, no que tange tanto à amplitude de análise quanto à complexidade do seu contexto. Não é uma história autônoma, e o seu desenvolvimento é marcado por inúmeras influências. Pode-se dizer que a televisão comercial, em curto tempo, começou a andar com suas próprias pernas, recursos e conquistas. Já a televisão educativa esteve sujeita a tantos fatores que sua história se organiza a partir de fusões de outras histórias. O movimento das tevês educativas permeia a relação entre comunicação e educação, as oscilações teóricas de ambas as áreas, os períodos histórico-sociais, o desenvolvimento dos modelos americano e europeu de se fazer e pensar televisão, entre outros aspectos relevantes para a história do meio. Com relação, especificamente, ao conceito de televisão educativa, segundo Gordon (1967), no início das reflexões acerca deste tema, o conceito televisão educativa não dizia respeito às emissoras voltadas para fins educacionais, mas, sim, a toda forma de veiculação, via televisão, de programas e projetos que visavam ao ensino. ―O uso popular permitiu ao termo televisão educativa compreender quase todo tipo de programa educacional de televisão, apresentado para qualquer finalidade educativa ou que tente ensinar alguma coisa‖ (Gordon, 1967:14). 112 Ainda que sem especificar limitações de alcance ou desvendar qualquer pista sobre a programação, o conceito estabelecido pela Federal Communications Commission - FCC57, nos EUA, em 1963, para o Serviço Fixo de Televisão Educativa, constituiu-se como o embrião do que se entende como a finalidade de uma tevê educativa. Segundo esse órgão, a finalidade primordial deste modelo de tevê é transmitir matéria educativa visual e sonora a determinados locais receptores: escolas públicas e particulares, faculdades e universidades e outros centros de instrução para a educação formal dos alunos (Burke, 1974:151). Nota-se, nessa definição, uma característica bastante peculiar no que diz respeito à tevê educativa norte-americana, em comparação à europeia e à brasileira. A televisão educativa americana está diretamente vinculada a instituições de ensino ou de interesse social. Já, nos países da Europa, as próprias emissoras são as responsáveis pela programação educativa e esta é veiculada a toda sociedade indiscriminadamente. No Brasil, a opção foi pelo total atrelamento ao Estado: os colaboradores são funcionários públicos, suas diretorias são indicadas pelo governo, sua programação é definida nos padrões de controle social e de políticas governamentais. No entanto, sua veiculação abrange todo cidadão que disponha de sinal de tevê. No Brasil, essa modalidade de tevê surgiu após duas décadas da chegada da tevê ao país, quando, em 1967, o Conselho Nacional de Telecomunicações (CONTEL) aprovou o Decreto Lei nº 236, de 1967, instituindo a existência da televisão educativa, cujo objetivo era a divulgação de programas educacionais sem caráter comercial ou de publicidade. Segundo Valente (2009), essa modalidade de tevê nasceu da intenção dos militares de constituir um sistema de educação de massa através da televisão, corroborado pela acelerada industrialização e consequente carência de mão de obra qualificada a partir de meados dos anos 60. Nesse sentido, a TVE foi vista como um veículo capaz de massificar a educação, na medida em que ela apoiaria a educação formal e permitiria que parcela da população excluída do sistema oficial de ensino fosse incluída (Beltrán 2002). ―Os meios de radiodifusão e televisão são meios eficientes para realizar programas educativos destinados a grupos de população distribuídos sobre grandes extensões territoriais (MEC 1982:17). 57 Órgão regulador do campo de telecomunicações e radiodifusão dos Estados Unidos. Entre suas competências registra-se a fiscalização do espectro norte-americano de radiodifusão e a atribuição de canais de rádio, tevê e serviços de telefonia. Equivale, aqui no Brasil, à ANATEL. 113 Sobre o mesmo assunto, numa outra direção, Fradkin (2003) acredita que a tevê educativa foi criada sem planejamento e, portanto, sem um norte que a direcionasse. A televisão educativa foi implantada, no Brasil, sem obedecer a um planejamento que decorresse de uma política setorial de Governo. Algumas emissoras tiveram como raiz de sua criação razões de ordem política, outras deveram sua existência à tenacidade individual de idealistas, e poucas foram as que surgiram com objetivos explicitamente definidos (Fradkin 2003:56). A radiodifusão educativa, no Brasil, nasceu a partir da consolidação da Rádio MEC (Ministério da Educação e Cultura), nome dado à Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, que, em 1936, foi doada ao governo federal, por Edgar Roquete Pinto, que vinculou a transferência à manutenção de seu caráter educativo e à vinculação administrativa da emissora ao Ministério da Educação e Cultura. Até hoje a emissora vem sendo operada pelo executivo federal nesses moldes. Segundo Valente, o principal estímulo para o surgimento de um conjunto de televisões de caráter educacional, diferentemente do que aconteceu em outros países, não ocorreu em função da necessidade de informação, cultura e entretenimento, visto que as tevês comerciais tinham legitimidade nesse tipo de conteúdo, e, sim, pela ―demanda por educação, visto que o país experimentava, na época, uma industrialização bastante acelerada e para a qual não havia mão de obra qualificada num cenário de crescimento populacional relevante‖ (Valente, 2009:270). Em 1967, além do Decreto-Lei nº. 236, que legislava acerca das tevês educativas, foi criada a Fundação Centro Brasileiro de TV Educativa (FCBTVE), órgão voltado ao fomento da programação educativa. Nesse mesmo período, iniciou-se a implantação de emissoras de caráter educativo por parte dos governos estaduais, com a criação da primeira tevê educativa do país, a TV Universitária do Recife. Logo depois, em 1969, o governo do Estado de São Paulo adquiriu a TV Cultura, do grupo Diários e Emissoras Associados, e organizou a emissora que se tornaria a mais bem sucedida entre suas congêneres estaduais. Enquanto os governos estaduais construíam suas televisões educativas, o governo federal, por meio da FCBTVE, atuava como um centro de produção de programas educativos. Para referendar essas produções, em 1972, o Ministério da Educação – MEC - implantou o Programa Nacional de 114 Teleducação (Prontel), que passou a coordenar e organizar as atividades de teleducação no país. Em 1973, a FCBTVE produziu João da Silva, a primeira novela pedagógica destinada aos alunos do ensino de 1º Grau, atual ensino fundamental, que, curiosamente, foi veiculada primeiramente por emissoras comerciais - TV Globo e TV Rio. Somente em 1976, após a criação da TVE do Rio de Janeiro, que ocorrera um ano antes, ou seja, em 1975, a obra passou a ser veiculada por uma tevê educativa. Segundo Valente (2009:271), a TVE do Rio de Janeiro constituiu-se como ―janela de veiculação da produção da FCBTVE‖. Esse modo de administrar a programação educativa, por parte do governo federal, porém, começou a mudar ao longo da década de 1970, mais precisamente, a partir de 1975, com a aprovação da Lei nº. 6.301, que institui a Empresa Brasileira de Radiodifusão (Radiobrás), órgão responsável pela exploração dos serviços de rádio e TV do governo e da TVE do Rio de Janeiro. A partir daí, o executivo federal passou a atuar como operador direto de emissoras e não mais apenas como produtor de conteúdo. De 1968 em diante, com a inauguração das primeiras televisões educativas, e com a disponibilidade de canais exclusivos58 para emissoras dessa natureza, muitas Secretarias de Estado da Educação interessaram-se pela implantação de sua televisão. Segundo Fradkin (2003), entre os anos de 1967 e 1974, surgiram nove emissoras educativas, cuja razão social e vinculação eram as mais diversas, como pode ser verificado no quadro abaixo, citado por Fradkin, (2003:56): 58 ―[...] em 1965 o Ministério da Educação solicitou ao Conselho Nacional de Telecomunicação (Contel) a reserva de 100 (cem) canais de televisão para fins educativos – 50 VHF e 50 UHF)‖ (Nunes, 1987). 115 Quadro: 15 – Emissoras Educativas - vinculação Emissora Razão Social Vinculação TVE do Amazonas Fundação Pub. Estadual Sec. Comunicação TVE do Ceará Fundação Pub. Estadual Sec. Educação TVE do Espírito Santo Fundação Pub. Estadual Sec. Educação TVE do Maranhão Fundação Pub. Estadual Sec. Educação TVU de Pernambuco Universidade Federal Ministério da Educação TVE do Rio de Janeiro Fundação Pub. Federal Ministério da Educação TVU do Rio G. do Norte Universidade Federal Ministério da Educação TVE do Rio G. do Sul Admin. Direta Estadual Sec. de Educação TV Cultura de São Paulo Fundação Priv. Estadual Sec. de Cultura No entanto, mesmo considerando o crescimento - mais de uma ao ano - em tão pouco tempo de existência, e, portanto, o interesse que o empreendimento provocou nos estados, não se pode desconsiderar as críticas em relação ao seu desenvolvimento. Segundo Carmona (2006), as televisões educativas criadas na década de 1970 foram usadas como tábua de salvação para a educação e como instrumento político. No Brasil, há mais de quatro décadas no ar, essa modalidade de tevê continua merecendo debates acalorados e, muitas vezes, apaixonados acerca de sua missão e qualidade. Miola (2009:45), citando a Comissão Carnegie, que analisa a tevê educativa dos EUA, faz constar que, ―[...] na soma do que apresenta, [a televisão] é profundamente educativa, como o é a própria vida, e tanto mais porque não há um sumário formal que possamos consultar para apurar o que aprendemos‖. Tal afirmação deixa evidente a necessidade de analisarmos a televisão educativa brasileira, que apresenta deficiências relativas a diferentes aspectos, como sustentação financeira, descontinuidade de gestão, falta de legitimidade e de reconhecimento do seu papel social. Esse diagnóstico fica evidente na avaliação de Jambeiro: 116 A despeito de tanto suporte legal, a TV educativa atravessou a segunda metade do século XX desacreditada e fortemente criticada por ineficiência; chegou-se a dizer que ela gastava muito dinheiro para fazer nada. Sua programação carece de coerência. [...] No que se refere a sua missão educativa, alguns críticos argumentam que com os recursos que ela gastou durante sua existência teria sido mais barato e provavelmente mais eficiente pagar um professor particular para cada um de seus alunos, ou mandá-los estudar nas melhores escolas privadas (Jambeiro, 2001:124). A programação nessa modalidade de tevê teve, como base de formato, a reprodução do modelo convencional da sala de aula, ou seja, a lousa e o giz. Pouco se criou. Ocorreu, na verdade, uma transposição simples do que se fazia em sala de aula para a mídia televisiva. As aulas eram veiculadas, basicamente, pela manhã, com conteúdos da educação formal, o que causava desinteresse para o restante da audiência. Este modelo, segundo observa Fernández (2002:161), demonstrou- se incompatível com a realidade educacional e as especificidades da mídia televisiva: ―a cobertura maciça da mídia é incongruente com a audiência segmentada dos telealunos‖. No ambiente escolar, por sua vez, esses programas igualmente não cumpriam seus objetivos educacionais pela carência de equipamentos de recepção nas salas de aula, de videotecas e de formação dos professores. É importante, também, destacar que a própria legislação referenda o modelo educativo como reprodutor de ―aulas, conferências e debates‖ (decreto 236, de 28 de fevereiro de 1967). Acerca deste modelo, previsto em lei, Muylaert afirma que: A TV Cultura optou por ser uma televisão de cunho educativo, mas não strictu sensu, que são programas educativos por sua própria natureza. Mas o que é importante é que nós temos a preocupação de que a televisão seja educativa em toda a sua programação [...] eu falo de programas que deem uma contribuição para a sociedade e, para isso, nós procuramos sempre pesquisar, fazer painéis, pesquisas qualitativas, onde a gente busca saber como essa programação esta sendo recebida e quais são os anseios da sociedade em nosso estado [...] O conceito da TV educativa é um conceito que está se modificando no mundo inteiro [...] Quando a gente faz um documentário sobre o Marechal Rondon, sobre energia elétrica, que leva meses para fazer e ninguém faz, esse programa é educativo [...] aqui se repassa todo o conceito de TV educativa, sem ser o velho conceito que afugenta o telespectador (Muylaert, 1995:83). 117 Somente a partir da década de 1970 compreendeu-se que a linguagem televisiva é mais eficiente quando usada a partir da ficção e da identificação emocional, cabendo, portanto, a conceituação e a rememoração à linguagem escrita. A TV opera com uma linguagem lúdico-afetiva e dramática, que tem características associativas, polissêmicas, sugestivas e glamurosas, e que envolve mais a fantasia e o desejo, do que a razão analítica; ou seja, a linguagem televisiva tem uma eficácia própria, que pode ser complementar e enriquecedora, mas não é sinônimo da linguagem verbal e escrita da escolaridade, nem a substitui (Fernández, 2002:163). Leal Filho (1997), em relação a esse assunto, diz que o surgimento do sistema educativo de televisão, no Brasil, foi de interesse das emissoras privadas, pois, com a tevê educativa, elas se viram desobrigadas das tarefas culturais e educacionais exigidas por lei. A legislação brasileira, referendada pela constituição de 1988, ratificou o caráter público das tevês quando, em seu Artigo 221, fez constar que a televisão – aqui se referindo a todas as modalidades de tevê, independentemente de ser educativa ou não – deve: 1. Dar preferência a finalidades educativas, artísticas culturais e informativas; 2. Promover a cultura nacional e regional e estimular a produção independente que objetive sua divulgação; 3. Regionalizar a produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei; 4. Respeitar valores éticos e sociais da pessoa e da família. Na teoria todas as tevês - públicas, estatais ou privadas - têm fins educativos, porém, não é isso que ocorre; o que se vê é um grande distanciamento do que diz a lei, uma vez que as emissoras privadas têm sua programação orientada pela audiência, o que leva à busca incessante por mais telespectadores e valorização dos espaços publicitários em detrimento de uma programação que tenha autonomia em relação aos índices de audiência. Para Bourdieu (1997), o índice de audiência exerce um efeito absolutamente particular sobre a televisão. As tevês estatais, por outro lado, na maioria das vezes, configuram-se como uma espécie de vitrine eletrônica, pela qual as ações governamentais são apresentadas à sociedade. 118 Seguindo o modelo dos EUA, a televisão brasileira jamais foi entendida como um bem público. A tevê, de acordo com a legislação, mesmo em se tratando de um serviço de utilidade pública, baseado em concessões, sempre esteve na esfera da exploração privada, permanecendo o Estado como regulador das atividades. Com isso, estimulou-se uma produção de massa vinculada ao entretenimento, compatível com os parâmetros ditados pelo mercado de consumo. Para Lopes (2000), a televisão brasileira atingiu um padrão de excelência, no que tange à qualidade técnica e estética, que a coloca entre as mais bem conceituadas do mundo. No entanto essa mesma eficiência não é vista quando se trata dos aspectos jurídicos relativos à sua regulamentação. Sobre a legislação brasileira afirma: [...] comparada à legislação de outros países, a brasileira é de um laconismo que reflete com perfeição a falta de consciência da relevância do meio televisivo no mundo contemporâneo e, consequentemente, a responsabilidade social subjacente ao exercício desta atividade (Lopes, 2000:167). A constituição de 1988, ainda que considerada democrática, não constituiu grandes avanços para a radiodifusão; em vez disso garantiu privilégios aos concessionários. A legislação existente é obsoleta, varia entre o autoritarismo absoluto e o paternalismo, não garante a qualidade do serviço prestado e tampouco o direito ao cidadão de ser bem informado e de ter acesso à diversidade cultural. A garantia de se ter reservado espaço para programas educativos, como consta na legislação, é absolutamente ignorada. Considerando a televisão educativa como um subcampo do campo televisivo, procurou-se demonstrar neste subitem, utilizando as teorias de Bourdieu, que a autonomia de um subcampo em relação ao seu campo de referência ocorre a partir do processo de legitimação de seus agentes, de sua estruturação, da distribuição dos capitais, do ―modus operandi‖, ou seja, dos habitus dentro deste subcampo. A partir dessas concepções, é possível depreender, pela história e configuração da tevê no Brasil, que o campo televisivo, amplamente consolidado e legitimado nos diversos segmentos da sociedade, tende a manter a relação de hegemonia em relação ao 119 subcampo da tevê educativa, que, como se procurou demonstrar, não logrou obter autonomia e, portanto, tende a seguir uma trajetória de menor importância no contexto sociocomunicacional brasileiro. Importante destacar, ainda, que a razão apresentada pelo Estado, à época do Regime Civil-Militar (1964-1985) – reproduzir a sala de aula na tevê –, mostrou-se ineficaz e a educação formal universalizou-se com a ampliação do campo escolar, para o qual a televisão contribuiu como meio de acesso à informação e à cultura, levadas para as salas de aula, pelos alunos, como parte do repertório e da experiência de vida, em uma sociedade cada vez mais mediada. Esse assunto será discutido com maior profundidade no quarto capítulo deste trabalho, uma vez que se entende a televisão universitária como uma mídia educativa e sobre a qual os reflexos de todos os sucessos e insucessos das mídias educativas recaíram. 3.2 A televisão da universidade Para compreensão do termo televisão universitária, buscou-se, como parâmetro, a definição da Associação Brasileira de Televisões Universitárias – ABTU – que, em seu estatuto, define a tevê universitária como: [...] aquela produzida por Instituições de Ensino Superior (IES) e transmitida por canais de televisão (abertos ou pagos) e/ou por meios convergentes (satélites, circuitos internos de vídeo, Internet etc.), voltada estritamente à promoção da educação, cultura e cidadania (Priolli e Peixoto, 2004:22). Essa definição é importante na medida em que delimita a compreensão de tevê universitária também na perspectiva deste trabalho de pesquisa. Outro recorte importante a ser feito diz respeito a questões relativas às diferenças semânticas, dentro da lei do cabo (8.977), das expressões Instituições de Ensino Superior e Universidade. Essa questão foi bastante discutida nos primórdios do segmento, quando muitos dos envolvidos na formação dos canais universitários, entre eles os que propunham a implantação do que viria a ser do CNU-SP, entenderam que a lei determinava que apenas ―universidades‖ podiam fazer parte dos canais universitários. Em função disso, a ABTU fez questão de evidenciar que qualquer IES que transmitisse e produzisse 120 programas de caráter cultural e educacional poderia ser considerada uma televisão universitária. A televisão universitária de Recife, vinculada à Universidade Federal de Pernambuco, foi a pioneira da tevê educativa do Brasil e também a primeira tevê universitária do País. Tinha, como missão primordial, a promoção da educação, num momento em que o analfabetismo alcançava mais da metade da população. Em 1972, a Universidade Federal do Rio Grande do Norte também recebeu uma concessão de tevê para transmissão das aulas do Projeto Satélite Avançado de Comunicações Interdisciplinares – SACI. Ambas as tevês configuram-se como as precursoras das tevês universitárias no país. Assim, a primeira concessão pública para uma emissora de tevê educativa no Brasil foi dada à Universidade, apesar do desprestígio da televisão, ícone da cultura de massas, dentro da Academia, guardiã da cultura erudita. Ainda que a primeira tevê denominada universitária tenha nascido há mais de 40 anos, não é possível dizer que a tevê universitária começou no Brasil em 1967, visto que as emissoras operadas pelas universidades na radiodifusão (TV aberta, nas frequências VHF ou UHF) não ofereciam ao telespectador uma programação especificamente produzida na universidade ou em seu entorno, características essenciais pela definição da ABTU, aqui, reproduzida anteriormente. Segundo Priolli e Peixoto: No conceito adotado pela ABTU (Associação Brasileira de Televisão Universitária), a Televisão Universitária é aquela produzida no âmbito das IES ou por sua orientação, [...]. Uma televisão feita com a participação de estudantes, professores e funcionários, com programação eclética e diversificada, sem restrições ao entretenimento, salvo aquelas impostas pela qualidade estética e a boa ética. Uma televisão voltada para todo o público interessado em cultura, informação e vida universitária, no qual prioritariamente se inclui, é certo, o próprio público acadêmico e aquele que gravita no seu entorno: familiares, fornecedores, vestibulandos, gestores públicos da educação, etc. (Priolli e Peixoto, 2004:5) A ligação dessas tevês com suas universidades era, apenas, administrativa e financeira, até porque, consideradas as suas limitações de capacidade de produção, grande parte de seu conteúdo vinha de outras produtoras. A maior parte dessas tevês tem sua programação baseada nas produções da TV Cultura de São Paulo e da TVERJ. 121 Segundo matéria publicada pela Revista Ensino Superior (edição 91), as primeiras instituições de ensino superior a veicularem programas com as especificidades características da tevê universitária apontadas por Priolli e Peixoto foram a Universidade Federal de Santa Maria, (Rio Grande do Sul), que opera a TV Campus, e a Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP), que até hoje compartilha o Canal Universitário com outras universidades paulistanas. Antes de se apresentar o estado da arte deste segmento, faz-se necessário, para uma melhor compreensão das suas características, identificar as diferenças entre tevê universitária e canal universitário. Até 1995, o sistema de distribuição televisiva adotado pelo Brasil era o da Radiodifusão, aberto e gratuito, no qual uma mesma empresa tinha como responsabilidade a produção, programação e também a distribuição dos conteúdos. Na veiculação do sinal por cabo, o processo dá-se de maneira diferente. O tráfego do sinal deixa de ser responsabilidade do produtor de conteúdo e passa a ser uma responsabilidade das concessionárias dos canais por cabo. Desta forma, a denominação tevê universitária cabe à IES que produz o conteúdo e a denominação canal, ao órgão que empacota e envia os conteúdos à concessionária local de tevê por assinatura. Para facilitar o entendimento, toma-se como exemplo o Canal Universitário de São Paulo, que recebe, empacota e envia os conteúdos produzidos por Instituições de Ensino à concessionária de tevê por assinatura e esta os envia aos telespectadores que têm acesso a tal modalidade no município de São Paulo. Quando se pensa em tevê universitária, normalmente se faz alusão à tevê por cabo, uma vez que foi, por meio dessa possibilidade de veiculação televisiva, que as tevês universitárias se efetivaram e é, por meio dessa modalidade, que a maior parte das televisões universitárias dissemina a sua programação. Esse meio de veiculação de programas realizados por instituições de ensino é bastante importante, porém não é o único. Como já foi dito no segundo capítulo, existem várias maneiras de concessão de televisão e várias maneiras, também, para a distribuição dos sinais. Apesar de o objetivo central desta pesquisa ser trabalhar com a tevê universitária do município de São Paulo (que é organizada segundo os parâmetros da Lei de tevê por cabo), abaixo, 122 resumidamente, apresentam-se as outras várias possibilidades de veiculação de sinal de tevê universitária. Via sinal aberto – VHF ou UHF Bastante abrangente, pois qualquer canal e/ou televisão dentro da área de recepção de seu transmissor pode receber sua programação. O serviço disponibilizado é gratuito. Esse sistema é mais conhecido como televisão aberta. Para obter uma concessão VHF ou UHF, a instituição de ensino tem que obter uma outorga de uso de um canal. Pouquíssimas tevês ou canais universitários utilizam essa modalidade de veiculação de programação. Via cabo, tevê paga As universidades, dentro dos limites das operadoras de televisão por cabo, podem utilizar o espaço que será acessível a todos os assinantes, independentemente do plano escolhido. A Lei diz que as universidades devem compartilhar o uso desse canal, porém somente em algumas cidades ela foi considerada dessa maneira. Na maioria das cidades, entendeu-se que qualquer instituição de ensino superior poderia utilizar o serviço. Atualmente encontra-se em trâmite no Congresso Nacional um projeto de Lei que visa substituir ―universidade‖ por ―instituição de ensino superior‖, para que não haja qualquer dúvida na interpretação da Lei. 59 Essa modalidade de veiculação é a mais utilizada pelas tevês e/ou canais universitários. Por satélite As Instituições interessadas em utilizar esse recurso devem alugar um canal de satélite. Nesses casos, a cobertura da programação deixa de ser local e passa a ser nacional, podendo, inclusive, ser ampliada para outros países da América Latina; isso, se houver a utilização de um receptor especial que capte os sinais. Esse modo de exibição também é bem pouco utilizado em função do investimento necessário. Pela internet Para utilizar esse meio, a instituição de ensino deve ter uma estrutura de hardware bastante potente. O alcance é planetário. Atualmente não há legislação sobre 59 No Canal Universitário de São Paulo, quando de sua criação, só foi permitida exclusivamente a entrada de universidades, ocorrendo, então, um consenso sobre tal deliberação. Hoje, entretanto, há controvérsias, entre os integrantes do CNU/SP, sobre o assunto. 123 essa utilização, portanto não há restrições legais. A qualidade de transmissão de imagens é relativa. Em circuito interno Esse meio fica restrito ao campus e/ou campi das instituições, porém não pode ser desconsiderado, já que mesmo intramuros circula, dentro das IES, um número expressivo de indivíduos. 3.2.1 A televisão universitária e seus agentes A constituição de canais universitários é resultado de intensas disputas que ocorreram na sociedade brasileira no início dos anos 1990, processo que culminou na promulgação da Lei 8.977, em 1995. Dentre os participantes desse intenso processo, destacam-se, como agentes, órgãos do Estado e da sociedade civil que serão apresentados a seguir. No âmbito do Estado: Ministério das Comunicações (Minicom) É o órgão do poder Executivo Federal responsável pela elaboração, realização e controle das políticas públicas na área das telecomunicações. Secretaria de Serviços de Radiodifusão Integra o Minicom com a responsabilidade de administrar as concessões de Rádio e de Televisão aberta, abrangendo desde as questões relativas às licitações até a operação do sistema. Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) Vinculada ao Ministério da Comunicação, é uma autarquia administrativamente independente, financeiramente autônoma e que não se subordina hierarquicamente a nenhum órgão do Governo. Criada em 1997 para, entre outras 124 funções, viabilizar o atual modelo das telecomunicações brasileiras e para fazer cumprir o Plano Geral de outorgas. Empresa Brasileira de Comunicação – EBC Criada em 2007, com o objetivo de unificar e gerir, sob controle social, as emissoras federais já existentes, instituindo o Sistema Público de Comunicação, e, além disso, articular e implantar a Rede Nacional de Comunicação Pública. Em sua página na internet, apresenta-se como uma empresa criada para suprir uma lacuna no sistema brasileiro de radiodifusão, com o objetivo de implantar e gerir os canais públicos, aqueles que, por sua independência editorial, distinguem-se dos canais estatais ou governamentais. No âmbito da Sociedade Civil: Fórum Nacional para a Democratização da Comunicação - FNDC Criado em 1991 - como movimento social - e posteriormente transformado em entidade (1995), o Fórum congrega entidades da sociedade civil para enfrentar problemas relativos à área das comunicações no país. Associação Brasileira de Televisões por Assinatura – ABTA Entidade Civil sem fins lucrativos, com atividades relacionadas à prestação de serviços aos agentes ligados ao setor da televisão paga. Tem, como associados representantes das operadoras, fornecedores de equipamentos, prestadores de serviços e as programadoras. Sua atuação está concentrada na representação do segmento junto aos órgãos públicos. Associação Brasileira de Emissoras Públicas Educativas e Culturais – ABEPEC Entidade de direito privado, sem fins lucrativos, que reúne emissoras de televisão educativa e cultural do país. Atualmente congrega 21 emissoras geradoras de caráter educativo e cultural, não comercial. Associação Brasileira de Televisão por Assinatura – ABTU Associação de direito privado, com caráter público e sem fins lucrativos, integra as instituições de ensino superior e de pesquisa, públicas e privadas, com produção regular de televisão. A entidade é a responsável pela articulação política do 125 segmento, integrando os esforços das IES, no sentido de favorecer o intercâmbio de experiências entre as tevês universitárias. Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras – CRUB Associação Civil, sem fins lucrativos, que congrega as universidades brasileiras. O Conselho tem como objetivo integrar, por meio de seus reitores, as universidades brasileiras, fortalecer a sua autonomia e buscar o aperfeiçoamento da Educação Superior. Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior – ANDIFES Associação Nacional que representa as instituições federais de ensino superior na interlocução com o governo federal, com as associações de professores, funcionários, estudantes e sociedade em geral. Desde 2003, por meio da Rede IFES, organiza as questões relacionadas aos veículos de comunicação das instituições federais de ensino. Atualmente a Rede IFES vem pleiteando, junto ao governo federal (MEC), uma subfrequência do Canal de TV Nacional para transmitir a TV universitária em canal aberto. Desde 2008, um protótipo desenvolvido pela rede tem sido testado. Associação Brasileira Das Mantenedoras Do Ensino Superior - ABMES Representa os mantenedores das instituições de ensino do país, tendo como objetivo preservar, proteger e defender o segmento privado de educação superior junto aos órgãos governamentais e a sociedade civil. O cenário dos canais universitários admite, hoje em dia, uma gama variada de agentes, cujas ações vão desde a realização de serviços específicos, relativos à produção e veiculação dos objetos audiovisuais, até a congregação de iniciativas, projetos e experiências desenvolvidos pelas próprias instituições ou, ainda, o desenvolvimento e a implementação de metas e políticas relativas ao segmento da televisão universitária. Tais agentes participam de um ou de ambos os campos – universitário e televisivo –, o que tende a ampliar as tensões entre os campos. Os agentes descritos e os demais, que compõem o campo televisivo universitário, serão objeto de análise no capítulo 4. 126 3.2.2 O perfil das tevês universitárias do Brasil Na tentativa de buscar entender o complexo jogo que se trava no cenário no qual as tevês universitárias organizam seus habitus, apresenta-se, nas próximas páginas, o estado da arte desse setor. Para Bourdieu (1988), a construção do campo efetiva-se a partir de generalizações que vão, pouco a pouco, sendo efetuadas Os dados que na sequência serão apresentados foram extraídos basicamente de três trabalhos realizados por pesquisadores da área da tevê universitária. O primeiro, coordenado por Carvalho (2002), envolveu um grupo de estagiários da TV PUC de Campinas (SP) e teve como objetivo mapear o cenário da televisão universitária no Brasil, apontando a existência de aproximadamente 30 instituições de ensino superior com produção regular de programas de TV. O segundo, coordenado por Priolli e Peixoto (2004), atualizou os dados de 2002 e concluiu que, após dois anos da realização da primeira pesquisa, 85 instituições de ensino superior tinham tevês em sua organização; o relatório destaca a organização dessas tevês em rede aberta, no cabo, em ambos os sistemas e em circuito interno: São contabilizados, até o momento, pelo menos trinta e um canais de cabodifusão mantidos por sessenta e quatro Instituições de Ensino Superior, sendo onze canais compartilhados por várias Universidades [...] e vinte canais exclusivos, ou seja, ocupados por apenas uma Instituição de Ensino Superior. Operando em radiodifusão, temos mais doze canais, dirigidos por outras nove Instituições. Com exibição de suas programações em canais abertos e fechados (cabodifusão e radiodifusão) há trinta e seis canais, ligados a treze Instituições de Ensino Superior. Em MMDS (microondas) existe a TV FAG, de Cascavel (PR). Ao todo, são oitenta e cinco Instituições de Ensino Superior ocupando setenta e três canais de televisão no Brasil. (Priolli; Peixoto, 2004:5, grifos nossos). O terceiro e mais atualizado trabalho foi realizado por Ramalho (2010), que, entre 2008 a 2009, coordenou, com apoio da ABTU, uma pesquisa que visava atualizar os dados existentes e traçar um perfil do segmento quanto à sua institucionalização, financiamento, conteúdo e formas de veiculação. A pesquisa coordenada por Ramalho teve, como ponto de partida, o portal do INEP, que, em 2009, registrava a existência de 2.495 instituições de ensino no país (universidades, centros universitários, institutos, faculdades e fundações). A partir 127 desse universo, a pesquisadora, juntamente com a ABTU, buscou localizar os telefones de todas as instituições registradas, conseguindo contato com 1662 IES. Ao iniciarmos os contatos, deparamo-nos com o segundo problema: erros de informação no registro, como números com algarismos insuficientes ou que remetiam a outros assinantes (açougues, casas comerciais ou residências, por exemplo). Isso demandou um esforço imprevisto, levando a confirmações em sites por meio de ferramentas de busca, o que nem sempre se mostrou eficiente, pois muitas não se apresentam na Internet. E, ainda, mesmo que o número estivesse correto, frequentemente as ligações eram transferidas para uma média de cinco ramais diferentes, até conseguirmos concretizar contatos que pudessem oferecer informações qualificadas – normalmente nos departamentos de Marketing ou na coordenação de cursos de Comunicação (Ramalho, 2010:86). Gráfico 16 – IES no Brasil Segundo a pesquisa, das 1.662 instituições de ensino superior contatadas, 151 responderam positivamente à questão da existência de tevê universitária. Cabe esclarecer, no entanto, que se considerou como resposta positiva tanto aquela IES que 128 tem espaço próprio para veiculação, quanto aquela que produz apenas um único programa para veiculação em outros canais. Excluíram-se, desta contagem, aquelas instituições que produzem trabalhos para a postagem/veiculação, exclusivamente, no Youtube ou qualquer outra rede social. Segundo a pesquisa, a região que concentra o maior número de tevês universitárias é a sudeste. Gráfico 17 – Universidades com TV Acompanhando o ritmo de expansão do ensino superior no país e mantendo a tendência de concentração das atividades comunicacionais nas regiões sul e sudeste, a maioria das tevês universitárias no país também se localiza nessas regiões. 129 A pesquisa revelou que 72% das tevês universitárias estão localizadas em instituições de ensino com título de universidade60. Gráfico 18 – Estrutura da instituição Ainda que a maior parte das tevês universitárias esteja ligada a universidades, um ponto que merece destaque é a questão da subordinação dessas televisões no organograma das instituições: 60 Para as 151 instituições de ensino superior que responderam, via fone, positivamente a respeito da existência de televisões universitárias, foi enviado, via email, um questionário visando traçar o perfil dessas televisões. O retorno, segundo a pesquisadora, foi de apenas 35 IES. Isso explica a alteração da base da amostra dos gráficos apresentados na sequência. 130 Gráfico 19 – Relação institucional Como se pode perceber, apenas quatro das trinta e cinco instituições que responderam à pesquisa vinculam sua tevê às pró-reitorias. Porém é importante destacar que, ainda que a maior parte das tevês universitárias esteja presente em Universidades, por excelência, centros de pesquisa, nenhuma das tevês das escolas respondentes vincula sua programação à pró-reitoria de pesquisa. A partir dessa observação, vários pressupostos podem ser inferidos, entre eles o distanciamento entre tevê e universidade, que se fez presente desde a criação e a orientação da tevê para a massa. Além disso, esse afastamento entre tevê e pesquisa é muito prejudicial para a televisão universitária, na medida em que é nessa área que a maioria das experimentações é efetivada. Os reflexos desta cisão ficam evidentes na programação das tevês universitárias, que se configura como uma tentativa de imitar a programação e a linguagem da tevê aberta. Pouco se cria ou se experimenta nas televisões universitárias. ―[...] o limite de um campo é o limite dos seus efeitos ou, em outro sentido, um agente ou uma instituição faz parte de um campo na medida em que nele sofre efeitos ou que nele os produz [..].‖ (Bourdieu, 2000:32). 131 Sobre a questão das plataformas de veiculação, a pesquisa revelou que 37% das tevês universitárias veiculam sua programação exclusivamente por meio de cabodifusão. Isso é explicado, tendo em vista que o segmento teve impulso com a efetivação da Lei 8.977, que organizou a exploração do serviço e fez constar, em seu artigo 23, que as operadoras do serviço, dentro de sua área de abrangência, deveriam disponibilizar canais para uso compartilhado dos seguintes setores: universidade; câmara dos deputados; assembleia legislativa; senado federal; órgãos educativos; comunidade e supremo tribunal federal. Gráfico 20 – Sistema operacional Pelo gráfico, é possível visualizar a concentração da exibição pela radiodifusão e também constatar que as possibilidades de veiculação dos sinais das tevês têm ocorrido pelos diversos meios; aliás, é relevante ressaltar que existem tevês que transmitem sua programação por mais de uma plataforma de exibição. Segundo Ramalho (2010), das 35 respostas ao questionário, 13 (37%) estão exclusivamente no cabo, mas 27 (78%), além do cabo, veiculam seus programas também em rede aberta, na internet ou em circuito interno. 132 Segundo Bourdieu (1988), as lutas daqueles que pretendem assumir posições ou daqueles que pretendem manter suas posições dentro do campo envolvem a distribuição e a posse de um capital específico. Desta forma, identificar as maneiras de financiamento das tevês universitárias é relevante, na medida em que, segundo a lei do cabo, as operadoras devem apenas disponibilizar os canais para acesso, não havendo compromisso de repassar verba ou subsidiar qualquer tipo de gastos, como ocorre em outros países. Segundo Ramalho (2010), a maior parte dos gastos das tevês é suprida pela IES ou sua mantenedora, no caso das particulares. Apenas a TV Viçosa (MG), Ligada à Universidade Federal de Viçosa, alegou manter-se a partir de apoio cultural e lei de incentivo. No tocante a patrocínio e financiamento, é importante lembrar que as tevês universitária,s em todo o país, seguem o previsto no decreto lei 236/67, que proíbe a transmissão de qualquer propaganda, direta ou indiretamente, bem como o patrocínio aos programas, mesmo que nenhuma propaganda seja feita através dos mesmos. Na avaliação de Cruvinel (2009)61, "esse item do decreto precisa ser removido. É mais um filhote da ditadura sobrevivente. Ele é um entulho autoritário que trava todo o modelo público de televisão". Em um país que conheceu apenas o financiamento dos sistemas de comunicação pelo mercado publicitário, permanecem em aberto as questões relativas à televisão pública, uma vez que esta não tem a mesma dinâmica das tevês comerciais – a audiência, como critério básico e essencial de sua existência. O dilema permanece: obter financiamento por parte do Estado e, como decorrência, o atrelamento às dinâmicas das políticas públicas para o segmento, ou curvar-se aos valores do mercado. Qualquer que seja a alternativa escolhida, cabe lembrar que fazer televisão envolve altos custos, que, no caso das tevês universitárias, até o momento, são responsabilidade das universidades que participam do segmento. Estas, que têm como atividade-fim ensino e pesquisa, investem na tevê como parte de suas estratégias de marketing, objetivando obter reforço institucional. 61 Durante debate no II Fórum Nacional das TVs Públicas, ocorrido em Brasília, em Maio de 2009 133 Apesar do que está definido na lei, os participantes dos canais universitários – e também tevês públicas, como a Cultura de São Paulo - têm buscado parcerias e formas de financiamento para além das verbas estatais ou de mantenedoras a elas destinadas. 3.2.2.1 Programação baseada no gênero discursivo A programação dos canais universitários é, predominantemente, baseada no discurso a partir de programas gravados, em estúdio, com a presença de um especialista. Além deste, outro formato bastante comum são os documentários (Ramalho, 2010). Segundo Martinho (1999), as tevês universitárias privilegiam programas educativos. Para a pesquisadora, que acompanhou a programação do canal universitário de São Paulo por duas semanas, a Categoria Educação conta com 62%,06 do total dos programas veiculados. Na outra ponta, ou seja, 3,45% está a Categoria Entretenimento. Os gêneros mais recorrentes durante o período de análise foram Ciência e Informativo, respectivamente, com 61,12% e 57,15% de veiculação. Programas com foco no entretenimento, na ficção e em transmissões ao vivo são raros. Uma explicação talvez seja a falta de recursos financeiros para fazer frente aos custos de produção. Para Priolli e Peixoto (2004), existem duas explicações para o que eles entendem como ―desequilíbrio de gêneros‖: a primeira ligada à produção clássica do saber por parte da academia, e a outra relacionada ao baixo orçamento das emissoras. Sendo o reino da palavra por excelência, o território privilegiado dos discursos, a universidade sente-se mais à vontade – e talvez cumpra melhor a sua finalidade – quando se utiliza de debates, entrevistas e palestras para comunicar-se pela TV. Mas deve-se considerar, também, e de forma muito objetiva, que esses são os formatos de produção mais simples e barata que a televisão oferece. Uma entrevista custa uma ínfima fração de um teleteatro, por exemplo. [...] Para emissoras de caixa sempre baixo, e ainda imaturas tecnicamente, como as universitárias, há, portanto, gêneros de programação ainda inacessíveis. Ao menos, numa escala de produção mais industrial (Priolli; Peixoto, 2004:7). 134 Programas institucionais em formato de ―revista eletrônica‖, com temáticas voltadas às atividades acadêmicas e administrativas, também estão presentes em, praticamente, todas as grades de programação das tevês universitárias, o que não causa surpresa, já que um dos objetivos que justifica o investimento é a possibilidade de a universidade se apresentar à sociedade, e a ―propaganda institucional‖ faz parte desse contexto. Para reforçar essa linha de argumentação, apresenta-se, na sequência, uma afirmação de Sidney Stroch Dutra62, ex-reitor da Universidade de Santo AmaroUNISA, uma das primeiras a integrar o Canal Universitário de São Paulo, acerca dos motivos que levaram a UNISA a investir na tevê universitária: ―[...] reforço institucional em primeiro lugar [...] forma de a universidade exercer esse papel de catalisadora e gerenciadora dos espaços educacionais existentes na sociedade.‖ (grifo nosso). Acerca dos assuntos tratados na programação dos canais universitários, é importante destacar que os mais comuns se relacionam à educação e à cultura em geral. Além disso, as origens destes conteúdos e ou notícias são as próprias universidades. Ainda que alguns temas possam ser retirados da pauta dos veículos de comunicação de massa, ao serem discutidos pelos especialistas, ganham leitura e estética próprias da universidade. [...] a televisão universitária é um dos excelentes meios de ligação entre a sala de aula e os locais de trabalho, lazer e moradia. Ela é uma extensão das bibliotecas, dos laboratórios, dos eventos científicos e esportivos (Paviane, 1998:17). Talvez seja essa a grande contribuição que as tevês universitárias possam dar à sociedade, vale dizer, diferenciar-se completamente do modelo de informação oferecido pelas tevês comerciais, apresentando aos telespectadores interpretações fundamentadas no conhecimento científico. Esse viés possibilitou, por exemplo, produções conjuntas entre as tevês universitárias integrantes do canal universitário de São Paulo, quando professores e pesquisadores de todas as instituições que participavam do canal, à época (2003/2006), puderam realizar debates e mesasredondas, a partir da iniciativa do projeto Globo Universidade, da Rede Globo de Televisão, no qual cada uma das tevês (na época nove) sediou debates com 62 Sidney Storch Dutra, reitor da Universidade de Santo Amaro, durante entrevista concedida a esta pesquisadora, em agosto de 2002. 135 transmissão ao vivo pelo CNU. No primeiro momento (2003/2004), discutiram-se aspectos históricos, culturais e sociais de São Paulo, por ocasião dos 450 anos da cidade, e, posteriormente, (2005/2006) tratou-se de propostas e soluções para problemas brasileiros. Dados mais concretos acerca desses projetos serão apresentados no capítulo quatro, quando, efetivamente, se tratará das especificidades do Canal Universitário de São Paulo. 3.2.2.2 A tevê especializada: ciência e difusão do conhecimento Uma das possibilidades criadas em função das Tecnologias da Informação e Comunicação – TICs – foi a televisão por assinatura que passou a concorrer com os clássicos canais de tevê aberta, isso ainda nos anos 1980, quando os primeiros sinais de segmentação de mercado começaram a ser visíveis nos Estados Unidos e no Brasil. Com isso, os modelos tradicionais de televisão viram-se forçados a se adaptarem à nova realidade, na qual os competidores praticam segmentação para estabelecer suas posições no mercado. Dessa forma, deu-se oportunidade para a criação de inúmeros canais com foco em segmentos ainda pouco explorados, como o universitário. A partir dessa possibilidade, a universidade brasileira, segundo Priolli e Peixoto (2004), muito rapidamente, foi abandonando antigos preconceitos contra a televisão e passou a confiar no potencial dessa mídia para a difusão de informação, cultura, educação e cidadania. A mesma universidade brasileira, que levou quase 20 anos para admitir que a televisão podia ser um objeto sério de pesquisa acadêmica (a TV surgiu no país em 1950 e apenas no final dos anos 1960 apareceram os primeiros estudos sobre ela, no campo da sociologia e da comunicação), agora dá um grande salto em seu processo de compreensão do fenômeno televisual e se põe, ela mesma, a fazer TV (Priolli; Peixoto, 2004:6). Desde 2007, em função dos projetos para digitalização da tevê no país, governo, pesquisadores e sociedade vêm tentando entender e compreender a importância da tevê pública e a possibilidade de ampliar sua atuação no espectro 136 televisivo. A tevê universitária, como parte desse subcampo (entendendo a tevê pública como subcampo da televisão), igualmente, busca seu reconhecimento por parte da comunidade acadêmica, na qual, num primeiro momento, estão seus principais agentes. Se esse meio quer dialogar com a sociedade, deve, fundamentalmente, comunicar-se com a sua comunidade. Por outro lado, não se pode imaginar uma tevê, que pode veicular além dos ―muros‖ da academia, produzir com vistas, apenas, à comunidade interna (alunos, professores e afins). Por meio da televisão, a universidade pode se apropriar de um novo espaço de diálogo com a sociedade, podendo utilizá-lo tanto na difusão do saber produzido quanto no caminho inverso, ou seja, alimentar-se do vasto conhecimento produzido pela sociedade brasileira, numa via de duas mãos. 3.2.2.3 TV Universitária e a prática do ensino A maior ou menor presença da prática do ensino das tevês universitárias depende da orientação de cada instituição. Segundo o reitor da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (RS), Padre Marcelo Fernandes Aquino (2009)63, a TV Unisinos deve ―transpirar‖ a questão pedagógica: Nossa TV e rádio têm que perseguir cada vez mais a sinergia com nossos cursos; nossos alunos participam dos estúdios, que são os laboratórios, e estamos tensionados cada vez mais no aperfeiçoamento dos projetos pedagógicos pela inclusão dos professores na dinâmica profissional da TV (Aquino, 2009). A discussão acerca da possibilidade de a tevê universitária configurar-se como um espaço para aprendizagem já vem de longa data. Paviani (1998), em uma das primeiras publicações do setor, diz que ―[a TV universitária] pode, sem dúvida, servir aos fins didáticos e de aprendizagem do fazer televisão, porém sem deixar de atuar no âmbito maior das funções da universidade [ensino, pesquisa e extensão]‖ (Paviani, 1998:17). 63 Aquino, em palestra no XI Fórum Brasileiro de TVs Universitárias, realizado em Brasília, nov. 2009. 137 Em 2003, durante fórum realizado em Florianópolis, Gabriel Priolli64 defendeu que os projetos de tevê devem constituir-se de núcleos autônomos pois: [...] como trabalho laboratorial, o grande problema está nas propostas de trabalho, que refletem muito mais as preocupações de alunos e professores naquele momento do que propriamente o atendimento aos interesses do público que está do outro lado, a comunidade. Olham para o próprio umbigo. Falta uma compreensão de qual é o papel da TVU enquanto extensão universitária produtora de conhecimento [...] Ou fazemos a comunicação da universidade, ou não somos TV universitária, mas órgão laboratorial do curso (Priolli, 2003). No mesmo evento, Castro avalia positivamente a presença de estudantes na produção da tevê: ―são eles que nos fazem pensar a cada dia de uma maneira diferente. O aluno passa a exigir do profissional concursado, que há 15 anos faz do mesmo jeito, que abra a cortina da sua sala‖. Para a pesquisadora essa participação contribui para a construção de uma programação interdisciplinar, na medida em que se pode ter, numa mesma equipe, ―alunos de História, Engenharia, Artes Cênicas, inseridos no processo de aprendizagem‖. Tendo participado do processo de implantação da TV Unicsul, que veiculou programação pelo Canal universitário de São Paulo durante 11 (onze) anos, a presente pesquisadora acredita que pode haver um diálogo bastante eficiente entre a produção para o canal universitário e a formação do futuro profissional. Isso não significa simplesmente a transposição dos resultados ocorridos nos laboratórios para o ambiente midiático. A tevê universitária pode configurar-se como espaço para o amadurecimento profissional, tão importante quanto as técnicas ensinadas em sala de aula. Entendidas desta forma, as tevês universitárias devem cumprir a mesma função pedagógica para os cursos de Comunicação que os hospitais universitários, para os alunos de medicina ou os núcleos de práticas jurídicas para os alunos de direito. 3.2.2.4 TV Universitária e a prática da pesquisa e da extensão 64 Priolli, em palestra no VII Fórum Brasileiro de TVs Universitárias, realizado em Florianópolis, out. 2003. 138 Como já foi dito, o distanciamento entre a tevê da universidade e a área de pesquisa é bastante presente no segmento. A tevê vê-se apartada desse setor desde a sua criação. Segundo Priolli (1998), a universidade brasileira levou quase 20 anos para admitir que a televisão podia tornar-se um objeto sério de pesquisa acadêmica. Sobre o papel específico da tevê universitária na área da pesquisa, as referências são escassas. Isso se reflete também nas pesquisas realizadas acerca deste segmento. Isso preocupa alguns raros pesquisadores. Outro autor, Brasil (2002), considera que a tevê universitária, sem o caráter de inovação, corre o risco de ser uma cópia – muitas vezes de má qualidade – das tevês comerciais. Segundo Maria Pia Mendes, diretora de programação do Canal Universitário do Rio de Janeiro, durante palestra no XI Fórum Brasileiro de TVs universitárias, realizado em Brasília, em 2009, ―fazer televisão universitária é fazer televisão e ponto, e transformá-la em uma TV experimental pode afastar a audiência‖. A diretora apregoa, ainda, que os canais universitários devem diferenciar-se pela qualidade do conteúdo e ressalta que os programas oriundos da pesquisa, ou seja, aqueles mais experimentais devem ocupar uma faixa específica da programação. Ainda que pareçam opostas, ambas as opiniões devem ser consideradas, na medida em que a universidade é o espaço privilegiado da pesquisa e, portanto, a televisão desta instituição deve refletir isso. Contudo, a tevê não pode perder de vista que o receptor já internalizou o modelo de programação da TV comercial, e, talvez, uma ruptura muito drástica desse padrão possa, efetivamente, afastar ainda mais a audiência. Outra questão que igualmente não pode ser descartada é que pesquisar novos formatos exige tempo para maturação, testes e verificação de resultados, o que é inviabilizado em função do baixo orçamento das tevês universitárias. Mesmo considerando tal distanciamento, algumas iniciativas de apoio e envolvimento das tevês universitárias junto à pesquisa merecem destaque. Em 2003, a TV USP associou-se a um grupo de pesquisadores que, em um trabalho transdisciplinar, discutiu os mais variados aspectos relacionados à tevê digital. A TV Unisinos (RS), desde 2009, estabelece parceria com o Grupo de Pesquisa ―Comunicação, Economia Política e Sociedade‖ – CEPOS – do Programa de Pós139 Graduação em Ciências da Comunicação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, e, em conjunto, produziram uma série de reportagens sobre o uso de instrumentos convergentes de comunicação pelos moradores de um bairro da cidade de São Leopoldo. Num outro viés, a estrutura das tevês universitárias configurou-se como locus de experimentação, quando, em 2002, cinco anos antes da implantação da tevê digital no Brasil, foi realizada uma transmissão digital do sinal da TV da Universidade Federal do Rio Grande do Norte para o estande do Ministério da Ciência e Tecnologia, durante uma Feira de Inovação Tecnológica. Também, em São Paulo, entre 1998 e 2000, a tevê da Universidade Presbiteriana Mackenzie participou de testes para implantação da tevê digital, ao testar parâmetros para a mobilidade, característica prevista no modelo de tevê digital em implantação no Brasil. Ainda na área da pesquisa, outra iniciativa que merece destaque é a parceria estabelecida entre a Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP) e a Associação Brasileira de Televisão Universitária (ABTU), que, juntas, tentam implantar uma rede de intercâmbio de TVs Universitárias (RITU), com o objetivo de possibilitar o efetivo exercício de compartilhamento da programação dessas tevês. O projeto envolve o Lavid (Laboratório de Vídeo Digital)65 – responsável pela programação do software – e as TVs das seguintes universidades: Universidade Federal da Paraíba (PB), Pontifícia Universidade Católica de Campinas (SP); Universidade de Campinas (SP), Universidade de São Paulo (SP), Universidade Presbiteriana Mackenzie (SP); Canal Universitário de Niterói (RJ), Universidade Federal de Santa Catarina (SC), Universidade Federal Fluminense (RJ), Centro Universitário de Belo Horizonte (MG), Universidade Federal de Minas Gerais (MG), Universidade Metodista de Piracicaba (SP) e a DoctumTV (MG). Outro viés que se destaca é que as tevês universitárias exibem, regularmente, resultados de pesquisas realizadas no âmbito das IES, às quais estão vinculadas, configurando-se como veículo de divulgação científica, área já consolidada na mídia brasileira. A diferença é que, nas tevês universitárias, os temas são tratados com tempo para apresentações mais aprofundadas e temas que não têm apelo para audiência são abordados sob a ótica da ciência. 65 O Lavid faz parte da RNP e pertence à Universidade Federal do Rio Grande do Norte. É coordenado pelo professor Guido Lemos de Souza Filho (UFPB). 140 Tais iniciativas não configuram um trabalho conjunto entre tevê e universidade, no sentido da produção e divulgação do conhecimento científico, antes reiterando a inexistência de um projeto de tevê que se insira no processo da produção do conhecimento e em sua divulgação. Considerando o tripé ensino, pesquisa e extensão, definido como objetivos da universidade contemporânea, a tevê universitária pode ser compreendida como um instrumento da extensão educacional, uma vez que pode mostrar à comunidade externa aquilo que ocorre na vida acadêmica. Ramalho (2010), citando Ortiz, diz que, embora seja um objetivo legítimo, a utilização da tevê universitária como meio de divulgação do saber científico pode levar a uma compreensão reducionista das potencialidades deste meio ―É uma visão instrumental sobre a comunicação, e um veículo não é somente um difusor de informações; pode ir além‖. Castro (2003) atribui à tevê universitária uma ―dimensão política‖, no momento em que se abre para viabilizar a produção de conteúdo por outros grupos da sociedade, contribuindo, assim, para a formação de telespectadores mais críticos. A televisão universitária insere-se nas realidades das universidades com amplas possibilidades de, por um lado, caracterizar-se como uma ação extensionista e, por outro, significar uma apropriação do fazer televisivo por novos atores, abrindo brechas para novos usos da televisão por parte de uma sociedade que, desde os anos 1950, acostumou-se a entender esse meio como sinônimo de oligopólio comercial. Paiva complementa: Eu sempre imagino o quanto seria educativo que os jovens, a partir de suas escolas, grupos, igrejas etc., saíssem do mero lugar de consumidor de imagens e discursos para o de produtor. Imagine o quanto essa audiência passiva iria se transformar em crítica e analítica. Quem produz aprende a ver, a analisar (Paiva, 2004:152). Pode-se entender que a tevê universitária configura-se como meio de extensão, quando, em vez de somente transmitir valores ou prestar serviços, abre espaço para as expressões da comunidade, tanto interna quanto externa, fazendo a mediação entre as demandas da sociedade e o conhecimento acadêmico. 141 3.2.3 Tevê universitária: entre a ciência e o senso comum A TV Universitária não pode falar de si nem pode falar para si. Ela tem que falar para a sociedade, senão nem precisaria ser televisão (Lima, 1998:21). O destino da Universidade tem sido objeto de pesquisa de todos aqueles que estão envolvidos com o saber científico. A Universidade é um bem público e está sujeita ao Estado, que, no caso das IES públicas, é seu financiador e, no caso das privadas, seu regulador. Portanto as transformações que ocorrem na sociedade certamente se refletem na Universidade. De acordo com Santos (2005:114), a especificidade da Universidade, enquanto bem público, consiste em ser ela a instituição que liga o presente ao médio e longo prazos, pelo conhecimento e pela formação que produz e pelo espaço público privilegiado de discussão aberta e crítica que constitui. Santos (2003) afirma, ainda, que a Universidade exprime o modo de funcionamento da sociedade, por isso nota-se, no interior da instituição universitária a presença de opiniões, atitudes e projetos conflitantes que exprimem as contradições existentes na sociedade. Essa ligação entre Universidade e Sociedade talvez possa ser explicada pelo fato de que, desde seu nascimento, a Universidade foi considerada uma instituição social, ligada a uma prática social formada a partir do reconhecimento público de suas atribuições, num princípio de autonomia perante outras instituições. O século XXI exige da Universidade, segundo Romano (2006), um papel mais aberto e sintonizado com as demandas da sociedade, principalmente nos países em desenvolvimento como o Brasil. Nesse contexto, cabe à universidade uma atuação que considere as desigualdades e que ajude a promoção da inclusão social. Se, no passado, a Universidade teve a missão de formar a elite, atualmente, recebe novas demandas. Jamais como hoje a universidade foi pensada como parte da economia. Jamais como hoje o conhecimento, a ciência e a tecnologia foram tão valorizados como mercadoria capital a ser apropriada hegemonicamente pelas grandes corporações globalizadas e no interesse dos países centrais (Sguissardi, 2005:215). 142 Nesse novo cenário, a TV Universitária pode exercer um papel fundamental, seja na difusão de informações úteis à comunidade acadêmica ou à sociedade em geral, seja criando oportunidades educativas para ambas. A televisão configura-se como o maior meio de comunicação do país66, visto que, para boa parte da população, constitui-se como principal fonte de conhecimento de fatos relevantes da sociedade brasileira. Nas últimas décadas, vem ganhando espaço e assumindo papel expressivo para além do âmbito da difusão, sobretudo no da abertura de horizontes para a reflexão que transforma o pensar e o fazer de tantos cidadãos brasileiros. Neste ambiente de ampliação de espaço, fica evidente a contribuição das tevês universitárias que, ao possibilitarem o diálogo entre duas instituições tão importantes – a televisão e a universidade – assumem, de fato, seu papel na ampliação do campo do conhecimento, tão imprescindível ao desenvolvimento da sociedade. A integração de tantas vozes, por meio do diálogo entre tevê e universidade, permitiu à tevê adentrar no mundo da universidade e, à universidade, no da comunicação. A partir dessa integração, ambas - tevê e universidade - ganham, na medida em que se cria uma atmosfera singular para a reflexão crítica e experimentação de novas linguagens, formatos e narrativas, além de contribuir, criticamente, para a formação de um novo profissional de comunicação alinhado às necessidades da sociedade. A tevê universitária, neste sentido, pode configurar-se como um espaço para o rompimento do fluxo natural e cômodo das ideias dos telespectadores, ao provocar movimento, alertar, mostrar novos modelos, causar estranheza, ou seja, colocá-los diante da realidade que transborda dentro e fora dos muros das universidades. ―Se a gente tem um instrumento desse porte na mão, que esse instrumento não seja apenas um instrumento do nosso narcisismo, mas uma oportunidade de aumento da visão que a sociedade, a partir desse auxílio, possa ter de si mesmo.‖ (Lima, 1998:21). 66 De acordo com os dados do IBGE 2001, dos 5506 municípios brasileiros, 93% não possuem salas de cinemas; 85% não têm museus e teatros; e 25% não dispõem de bibliotecas. No entanto a mesma pesquisa indica que 98% do território nacional dispõem de canais de tevê. 143 A tevê universitária, como já afirmado anteriormente, para participar de maneira ativa da vida da IES à qual está ligada, deve estar baseada no tripé ensino, pesquisa e extensão. No âmbito do ensino, com a participação de professores e alunos, ocorre na produção de conteúdo; na pesquisa, pelas possibilidades de experimentação no campo da comunicação e do desenvolvimento tecnológico; e na extensão, ao estabelecer um vínculo direto com a comunidade. Por meio desse veículo, a universidade tem a possibilidade de estabelecer um diálogo com a comunidade/sociedade enquanto instrumento pedagógico. O desafio é ampliar seu foco e trazer a sociedade para dentro desta tevê e, consequentemente, para dentro da universidade. Considerando que, atualmente, o saber científico, as formas de conhecimento e de cultura são entendidos e acessados enquanto formas de linguagem e para alcançar a sociedade, a utilização das narrativas da televisão constitui-se técnicas eficazes e já incorporadas pela sociedade. Alguns cientistas (Carl Sagan e Marcelo Gleisen – apud Paviani, 1998) acreditam que a televisão deva empenhar-se na educação científica da sociedade, pois contingentes significativos dos telespectadores, ainda que a ciência seja uma característica do mundo moderno, são cientificamente analfabetos. A ciência está presente nas políticas governamentais, na segurança dos transportes, na realização de transplantes, na produção de remédios, de alimentos e etc. Apesar disso, veiculam-se informações mais de caráter pseudocientífico, capazes de despertar admiração de telespectadores do que aspectos verdadeiramente fantásticos da ciência (Paviani, 1998:18). A pluralista e complexa sociedade contemporânea não se agrada em ser uma massa passiva e uniforme como diagnosticavam os pensadores da escola de Frankfurt. A tevê, neste contexto, está tão segmentada e tematizada quanto a sociedade. A linguagem que perdurou por meio século não atende às expectativas do telespectador. A lealdade às emissoras e sua programação desmoronou em função do controle remoto/―zapping‖, das possibilidades abertas pela digitalização, da existência de variados canais e método de gerenciamento da programação (Appel, 1998). A homogeneização de tempo e assunto não condiz com a atual sociedade, marcada por controvérsias múltiplas, tendências díspares, níveis sociais, econômicos e culturais distintos. Desde o final do século passado não só a maneira de utilizar o aparelho de tevê mudou, mas, sobretudo, a forma de se relacionar com ela. 144 Nessa perspectiva a tevê universitária poderia promover um ambiente permanente de ação-reflexão, propiciado pela pesquisa realizada nas universidades. Se todas as televisões podem colocar mais ciência nas suas programações, muito mais o deve fazer uma televisão universitária. Não basta apresentar notícias sobre a universidade ou entrevistar autoridades da administração acadêmica (como faz a maioria dos jornais universitários). Divulgar a instituição apenas sob o enfoque administrativo, chamando a atenção sobre os eventos não é suficiente. É necessário que os méritos de um relatório de pesquisa, de uma tese de doutorado, etc. possam ser notícia, informação relevante para a vida social e econômica (Paviani, 1998:18). A ligação entre essas duas instituições (tevê e universidade), que no passado se estranharam, no futuro pode se configurar um promissor e bem sucedido casamento e gerar, inclusive, frutos para a sociedade, na medida em que, juntos, poderiam romper com a esquizofrenia do Ibope (Bourdieu, 1997) e ceder lugar para métodos mais criativos e inteligentes, capazes de pensar e produzir uma televisão que atenda, de maneira mais adequada, às demandas da sociedade. 3.2.4 Há espaço para a universidade fazer tevê O primeiro mito que se deve questionar acerca da televisão universitária é o da vinculação desta no organograma das IES. A televisão universitária pertence à IES e não a um determinado setor, seja ele administrativo ou pedagógico. Segundo Priolli e Peixoto (2004), são múltiplas as formas pelas quais os núcleos de tevê se integram às estruturas acadêmicas. Existe a recorrência de três modelos de subordinação dos núcleos de tevê ao organograma da IES. O primeiro, quando a tevê é vinculada à Faculdade de Comunicação, ou mais especificamente, aos cursos de televisão ou jornalismo. Nesses casos, os autores destacam: ―o projeto de TV se implanta, desde o início, ‗departamentalizado‘, ou seja, dominado por um dos setores da instituição, em desequilíbrio com os demais, ou mesmo em prejuízo deles.‖ Nesta configuração, a tevê universitária é compreendida em sua dimensão laboratorial e exclusiva da área de comunicação, cabendo às demais áreas a função de fonte e objeto de cobertura 145 jornalística. Neste cenário, segundo Priolli, ―quem tem a tevê não é a IES, mas "o pessoal da comunicação". O segundo deles, quando o vínculo estabelecido é com a Assessoria de Comunicação (geralmente externa). Nesta situação, a tevê institui-se como um instrumento de apoio ao marketing institucional. A ligação desses núcleos com as várias áreas das IES é quase inexistente e, quando existe, é frágil. Existem, ainda, aquelas tevês que terceirizam a produção e não mantêm vínculo algum com o espaço acadêmico. Nestes casos, para Priolli, quem tem a tevê não é a IES e, sim, a reitoria ou a mantenedora. O terceiro modelo, que, segundo Priolli e Peixoto, é o mais adequado à tevê universitária, é aquele no qual se constitui um núcleo autônomo, definido no organograma da IES e subordinado à direção universitária, porém sem vínculo com os órgãos estruturais (departamentos, faculdades, centros), e às instâncias intermediárias de decisão: conselhos universitários, conselhos de ensino e pesquisa, conselhos de administração e finanças, etc. Neste modelo, segundo Priolli, o objetivo das tevês não é o de fazer marketing institucional, não é o de servir como órgão laboratorial de determinado curso, mas, sim, produzir uma programação equilibrada e equidistante que atenda às diversas áreas da IES e que fomente a participação de toda a comunidade acadêmica. Nesse caso, quem tem a tevê é, efetivamente, a IES. Identificado o espaço ocupado pela televisão universitária, outro mito, acerca do setor, que precisa ser discutido é a conceituação da televisão universitária. O que é, afinal, televisão universitária? Uma visão equivocada, por exemplo, vem da mídia brasileira, que a relaciona à prática laboratorial. Desta forma, a tevê universitária seria subalterna também à tevê educativa (partindo do pressuposto de que já o é da tevê comercial), na medida em que sua pretensão não poderia ultrapassar as fronteiras do processo formativo de estudantes de comunicação (Priolli e Peixoto, 2004). Definir a televisão universitária não é apenas uma questão de exatidão metodológica, valor que já seria muito importante à universidade. Trata-se de uma necessidade fundamental para guiar a programação que ela deve perseguir e, em consequência, a estrutura que deve assumir, a aspiração que deve ter, e as articulações que deve buscar com os setores da comunicação, da educação e da cultura. Essa 146 preocupação é algo bastante incomum no segmento, pois pesquisas realizadas indicam que muitas das instituições envolvidas produzem televisão, mas têm pouca clareza sobre sua natureza e finalidade. Esta afirmação é ratificada pela pesquisa de Ramalho (2010), que verificou, em sua etapa inicial, a existência de 151 tevês universitárias, porém, em outra etapa, na qual as informações acerca dessas tevês exigiam maior elaboração, apenas 35 IES se dispuseram a posicionar as tevês em seus projetos institucionais, bem como explicitar claramente a natureza desse meio. Por meio da tevê universitária, o saber científico apropria-se de um novo espaço de diálogo com a sociedade, podendo utilizá-la tanto na difusão do saber produzido quanto no caminho inverso, alimentando-se do conhecimento disponível na comunidade, atuando como elo de ligação entre os saberes desenvolvidos nos diversos segmentos da sociedade. Conforme preconiza a Associação Brasileira de TVs Universitárias (ABTU), as tevês devem ser [...] um ambiente privilegiado para a reflexão crítica [...] reafirmando seu compromisso com a produção de conteúdo voltado para a educação, à promoção da cultura e do desenvolvimento regional, constituindo-se também num espaço para a pesquisa e experimentação de novas linguagens, formatos e narrativas, além de contribuir criticamente para a formação de um novo profissional de Comunicação20 (FÓRUM NACIONAL DE TV‘S PÚBLICAS I, 2006:61). Para além do ―dever ser‖ da citação, observa-se, no desenvolvimento da tevê universitária no Brasil, a ausência de um projeto mais abrangente, capaz de fazer esta modalidade de tevê chegar à população em geral em condições de contribuir para que as potencialidades do meio sejam, também, utilizadas para finalidades educativas. Desta forma, os objetivos propostos pela ABTU permanecem como utopia a ser perseguida, num ambiente marcado pela hegemonia da tevê feita para a audiência, como afirma Bourdieu (1997). 147 Capítulo 4 - Canal Universitário de São Paulo: antena coletiva para as tevês das universidades Paulistanas Neste capítulo apresentam-se, baseado em um estudo de caso, realizado por meio de observação e aplicação de um questionário estruturado, o Canal Universitário de São Paulo, seus agentes, seus habitus, suas dinâmicas, coerências e incoerências. 148 4.1 Uma apresentação necessária Na redação dos capítulos anteriores, a pesquisa baseou-se em dados secundários, o que contribuiu para apresentar os cenários nos quais a televisão e a universidade estão inseridas. A partir daqui, além de dados secundários, apresentar-seão também informações baseadas nos mais de dez anos de convívio da presente pesquisadora67 com o objeto – Canal Universitário de São Paulo (CNU-SP) - e na pesquisa de campo realizada com diretores das tevês que integram o CNU-SP. Com foco na neutralidade, a investigação científica, por influência do pensamento cartesiano, por muito tempo, foi pautada pela necessidade do distanciamento do pesquisador em relação ao objeto. Atualmente, em função da complexidade dos sistemas sociais, esse tipo de abordagem, por si só, certamente, não dá conta das dinâmicas presentes na realidade que se vive hoje. A sociedade, na atual configuração, não carece do distanciamento do cientista; ao contrário, sua inserção no objeto de estudo, muitas vezes, pode facilitar o entendimento do que está implícito. A preocupação, durante todo o desenvolvimento desta pesquisa, foi buscar o que havia de estranho no que era tão presente no dia a dia desta pesquisadora. Para Da Matta, o dilema que se apresenta na relação pesquisador-objeto pode assim ser compreendido: [...] o problema é, então o de tirar a capa de membro de uma classe e de um grupo social específico para poder – como etnólogo – estranhar alguma regra social familiar e assim descobrir o exótico no que está petrificado dentro de nós pela reificação e pelos mecanismos de legitimação (Da Matta, 1978:28). Partindo dos pressupostos do autor, ainda que ele seja específico ao falar da etnologia, a presente pesquisadora procurou estranhar o universo da pesquisa, no qual esteve inserida por mais de dez anos. Um dos exercícios mais presentes durante a elaboração desta tese foi o de assumir a proximidade e, ao mesmo tempo, exercitar o distanciamento. O trabalho científico compõe-se de uma atividade dialógica e ideológica, na qual pesquisa e pesquisador se constituem mutuamente; isso, porque o processo de produção do conhecimento é marcado pelo permanente diálogo. Para 67 De 1997 a 2008, a pesquisadora dirigiu a TV UNICSUL, uma das tevês integrantes do CNU-SP, foi diretora de Marketing do CNU/SP. Realizou pesquisa e representou, por diversas vezes, o segmento em congressos e em outros eventos. 149 chegar até este ponto da produção, intensos diálogos com múltiplas vozes (documentos, autores, orientações, entrevistas, entre outras) foram travados. Ainda que a construção do texto e a leitura destes diálogos tenham autoria, diversos agentes e contextos contribuíram para a posição assumida. Acredita-se, assim como Japiassu (1981), que a produção de conhecimento não é neutra uma vez que o agente intervém e transforma os contextos. O trabalho que ora é apresentando foi pautado na ética e no compromisso social. Durante todo o processo, a distância necessária, para que todos os cruzamentos e análises ocorressem dentro do rigor que a ciência necessita, foi mantida. 4.2 O aquecimento: CNU – SP a universidade fazendo tevê Iniciando a análise proposta para este capítulo, buscam-se referências em Arlindo Machado, que afirma que a televisão é o que se fizer dela. Na minha opinião, a televisão é e será aquilo que nós fizermos dela. Nem ela, nem qualquer outro meio, estão predestinados a ser qualquer coisa fixa. Ao decidir o que vamos ver ou fazer na televisão, ao eleger as experiências que vão merecer a nossa atenção e o nosso esforço de interpretação; ao discutir, apoiar ou rejeitar determinadas políticas de comunicação, estamos, na verdade, contribuindo para a construção de um conceito e uma prática de televisão. O que esse meio é ou deixa de ser não é, portanto, uma questão indiferente às nossas atitudes com relação a ele. Nesse sentido, muitos discursos sobre a televisão às vezes me parecem um tanto estacionários ou conformistas, pois negligenciam o potencial transformador que está implicado nas posturas que nós assumimos com relação a ela; e ―nós‖, aqui, abrange todos os envolvidos no processo: produtores, consumidores, críticos, formadores, etc. (Machado, 2000:12). Como já afirmado, os canais universitários brasileiros ganharam força a partir da década de 1990, no bojo da segmentação da televisão brasileira, com a possibilidade de oferecer alternativas à produção televisiva, contribuindo, assim, para romper com a ―pré-destinação‖ à qual se refere Machado em relação ao meio. A ideia, desde o início, foi a de produzir programas que rompessem com o status quo, o que 150 vai ao encontro das afirmações de Magalhães68 (2009), que vê as televisões universitárias como um modelo na contramão do modelo hegemônico. No momento de sua criação, a maior parte das tevês que sublocaram o espaço do Canal Universitário de São Paulo tinha como missão produzir uma televisão que, segundo Franco (2006), se apresentasse como uma janela através da qual as atividades de ensino, pesquisa e extensão fossem visíveis à sociedade e possibilitassem ao cidadão contribuinte conhecer as atividades que financia com pagamento de impostos e delas participar com opiniões e perguntas. Essa missão, inclusive, está expressa no documento de criação da TV USP e viria a ser o ideal perseguido por várias tevês que, à época, faziam parte do CNU-SP. Produzir na contramão do modelo hegemônico, como afirma Magalhães (2009), foi o grande desafio das tevês fundadoras do CNU-SP. A decisão, na época, foi propor um diálogo entre mídia aberta e acadêmica. A partir de um olhar mais apurado sobre a realidade, buscou-se apresentar à sociedade temas do cotidiano que, muitas vezes, eram pautados pela grande mídia, mas, no CNU-SP, apresentados com a especialização e olhar da universidade. O fato de não ter compromisso com a audiência e tampouco com patrocínio abria um leque que, segundo Franco (2006), embriagava os produtores e diretores (no caso, a referência é feita à equipe de profissionais fundadores da TV USP – mas isso pode ser generalizado às demais equipes de tevê das outras universidades). Passada a euforia de sua criação, a tevê universitária paulistana ainda padece de incompreensão por parte da universidade, que ora a vê como máquina de fazer doidos, ora como mídia eficientíssima. Segundo Priolli (2007), a universidade não consegue apreender a amplitude do meio [a televisão] e, por isso, hesita diante dele, quando ele se oferece a seu uso. O resultado dessa incompreensão fica evidente no descaso com que muitas universidades tratam suas tevês. Em muitas universidades paulistanas, após quase treze anos no ar, fica evidente que a tevê ainda não foi 68 Cláudio Márcio Magalhães, presidente da ABTU (Associação Brasileira de Televisão Universitária), é jornalista, professor universitário, mestre em Comunicação Social e doutor em Educação pela UFMG. Disponível em: http://diplomatique.uol.com.br/artigo.php?id=493&PHPSESSID=7344ed5e82e51d5534f731688bd 39468 – acesso em: 20 fev2010. 151 assumida pela comunidade acadêmica e tampouco se configura como objeto de interesse de todos os cursos, professores, estudantes ou servidores. As televisões das universidades de São Paulo, como as dos demais municípios brasileiros, com raríssimas exceções, constituem-se de núcleos de produção de alguns setores isolados da academia. Poucas se apresentam como uma tevê que expressa o pensamento da universidade como um todo. Em 2007, ao completar dez anos no ar, o CNU-SP mereceu cobertura de várias mídias do segmento universitário e televisivo. Segundo Murano (2007), em uma dessas matérias, ―A iniciativa, que a princípio era vista com bons olhos em virtude de seu pioneirismo, com o tempo acabou tornando-se alvo de críticas devido ao caráter desarticulado de sua programação e por subestimar seu próprio potencial‖. As principais críticas que se faz ao CNU-SP dizem respeito a três fatores: falta de unidade da programação, visto que cada universidade dá a seus programas o tratamento que julga mais adequado, o que acaba dificultando a criação de uma identidade para o canal; o fato de se impedir que outras instituições de ensino superior façam parte do canal; e a falta de voz deste meio dentro das próprias universidades. 4.3 Apresentação do time: habitus e dinâmicas do Canal Universitário de São Paulo O Canal Universitário de São Paulo surgiu em 1997 a partir da prerrogativa de veicular a produção acadêmica e estreitar os laços entre as instituições de ensino e a comunidade em geral, que, normalmente, se via afastada da extensa produção científica efetivada nas diversas universidades do município de SP. Ao longo destes 13 (treze) anos, ainda que o papel do CNU/SP seja objeto de diversas controvérsias, sua missão educativa dificilmente tem sido questionada. Considerado uma extensão da pesquisa acadêmica, o CNU/SP foi concebido como lugar privilegiado da "tradução" do conhecimento científico para o grande público. 152 Há mais de uma década no ar, apresenta-se como uma emissora de televisão de caráter educativo e cultural, sem fins lucrativos, com foco na elevação intelectual do público telespectador. O Canal Universitário de São Paulo se define como uma emissora de televisão educativa, cultural, informativa e comunitária. Sem fins lucrativos, seu diferencial para outras emissoras da mesma natureza é levar o conhecimento e o debate acadêmico para fora dos campi. Um meio de comunicação em que universidade e sociedade possam interagir (Thomaz, 2007:15). A história do CNU-SP, que teve sua programação exibida a partir de novembro de 1997, confunde-se com a da Lei que lhe possibilitou a existência (8.977). Após diversos estudos e discussões acerca do tema, em 03 de abril de 1997 ocorreu o que se pode chamar de primeira e efetiva reunião Deliberativa do CNU-SP, com a presença de 10 (dez) representantes de universidades do município de São Paulo. Essa reunião foi considerada como primeiro passo para efetivar o Canal Universitário de São Paulo, o primeiro do país a se beneficiar do dispositivo da Lei do Cabo, que determina, em seu artigo 23, inciso I, letra E, a disponibilização gratuita de um canal para ser compartilhado entre as universidades do município da prestação de serviço da operadora de tevê. A Lei (8.977) que instituiu o Serviço de TV por Cabo no país foi aprovada em 06/01/1995, no entanto só foi regulamentada em 14/04/1997, ou seja, poucos dias após a assinatura de cooperação entre as 10 (dez) universidades interessadas em participar de um canal de tevê. A iniciativa de criação de uma tevê universitária no município de São Paulo partiu da possibilidade existente na lei e por iniciativa do então reitor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Claudio Lembo, que, após analisar a redação da Lei, enviou a 16 (dezesseis) instituições de ensino superior que se enquadravam nas prerrogativas previstas pela Lei, quais sejam, ser universidade e estar sediada no município de São Paulo, uma carta convite em que apresentava a proposta da criação do Canal Universitário de São Paulo. É importante abrir, aqui, um parêntese para tratar de uma questão já discutida anteriormente. Os mentores do CNU-SP, à época, entenderam a redação da Lei stricto sensu, ou seja, restringiram a entrada ao CNU-SP somente àquelas instituições de ensino que tinham o título de universidade, deixando de fora (sequer foram 153 convidadas) grandes instituições de ensino que poderiam se interessar pela empreitada. Ainda hoje, para ter acesso ao CNU-SP, uma das condições exigidas é o título de Universidade, portanto instituições como Fundação Armando Álvares Penteado, Fundação Cásper Líbero, Fundação Getúlio Vargas e muitas outras, ainda que tenham desejo de participar da programação, são impedidas em função da interpretação da lei. Essa questão não foi alterada mesmo após a abertura de diversos precedentes - há que se registrar que, em outras cidades, canais universitários foram criados e liberados às escolas de ensino superior e todas, universidades ou não, atuam em conjunto. O Canal Universitário da cidade do Rio de Janeiro é um exemplo de interpretação que permite a participação de diferentes modelos de IES. No livro organizado pelas universidades integrantes do CNU/SP para comemorar os dez anos do empreendimento, essa leitura da lei, mais uma vez, foi ratificada: O CNU segue à risca a Lei do Cabo, que determina que o canal é reservado às universidades sediadas na capital paulista. No entanto instituições de ensino superior são bem vindas e podem eventualmente participar da programação por meio de parcerias, convênios ou coprodução com alguma das universidades mantenedoras do CNU. (Thomaz, 2007:23). Depreende-se, dessa citação, que as instituições de ensino superior que não tenham o status de universidade podem, ―eventualmente‖, participar do CNU-SP, desde que conveniadas ou em coprodução com uma das universidades integrantes. Fica evidente, portanto, que as IES do município de São Paulo mantiveram a interpretação inicial, não aceitando instituições que não tivessem o status de universidade como mantenedoras do CNU-SP. Voltando à história do Canal Universitário de São Paulo, após o envio da carta, onze instituições responderam, e, destas, 09 (nove) deram início à programação do canal em novembro de 1997: PUC – Pontifícia Universidade Católica (a única entre o grupo a ter experiência na produção e exibição de produtos televisivos)69; USP – Universidade de São Paulo; Universidade Mackenzie; Uniban – Universidade Bandeirantes; UNICSUL – Universidade Cruzeiro do Sul; UNIFESP – Universidade 69 A TV PUC teve sua programação iniciada dois anos antes, em 1995, com a série Diálogos Impertinentes, textos produzidos por alunos e professores, transmitida via satélite pela NET. A série contou com patrocínio do SESC e era produzida em copatrocínio com a Folha de São Paulo. 154 Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina; UNIP – Universidade Paulista; UNISA – Universidade de Santo Amaro; e USJ – Universidade São Judas. Já não fazem mais parte desse grupo a UNIFESP e a UNICSUL que, por questões administrativo-financeiras, solicitaram, por tempo indeterminado, afastamento do canal. No entanto, juntou-se ao grupo, em 2006, a Universidade São Marcos. Desta forma, atualmente (2011), o CNU-SP organiza seu conteúdo a partir da programação de 08 (oito) universidades. A organização do Canal ocorre a partir das definições estabelecidas por um Conselho Gestor, órgão máximo de deliberação, formado por 18 (dezoito) membros, sendo 09 (nove) titulares e 09 (nove) suplentes, que se responsabiliza pelas grandes decisões: ingresso de universidades, grade de programação, orçamento, aplicação do código de ética, etc. A reitoria de cada universidade indica as pessoas que devem ocupar os cargos de titular e suplente. Anualmente são escolhidos o presidente e o vice-presidente. Além deste órgão, há também uma Diretoria Executiva que, por sua vez, é o braço operacional do Conselho Gestor. Formada por 09 (nove) membros, um de cada universidade, tem como missão organizar o expediente do canal, ou seja, responsabilizar-se pela organização e operação efetiva do canal; é o órgão responsável por manter o canal no ar. Anualmente os membros do Conselho elegem um Coordenador para a Diretoria Executiva. Existem universidades que indicam apenas um único nome para compor ambos os órgãos. Esta estrutura pretende orientar as ações relativas a questões coletivas que afetam o canal como um todo. Já a direção das tevês universitárias de cada universidade é estruturada e composta livremente pelas instituições associadas ao CNU-SP, não havendo qualquer regra definida pelo Canal acerca deste assunto. Em alguns casos, há acúmulo de função de diretor da tevê com a de membro da Diretoria Executiva e até mesmo do Conselho Gestor. Por três anos as operações do CNU-SP foram centralizadas na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. A partir de 1999 passou a funcionar em sede própria, situada no bairro do Butantã, em São Paulo. Atualmente veicula 24 horas de programação diária, que pode ser sintonizada por todos os assinantes de tevê por cabo do município de São Paulo, por meio das operadoras NET, canal 11, e TVA, canal 71. 155 Compete ao Canal, exclusivamente, a disseminação dos programas produzidos pelas oito tevês que, atualmente, o integram. Em função disso, um conceito bastante utilizado para denominá-lo é o de ―antena coletiva‖, isto é, um meio técnico de difusão de sons e imagens que distribui, no caso, a programação de oito tevês diferentes. Daí, inclusive, o conceito de Canal Universitário e não Televisão Universitária. Há que se registrar que, durante o período (13 anos), poucas produções foram assinadas, efetivamente, pelo CNU-SP. Nesse sentido, alguns poucos exemplos podem ser citados. Atualmente, a cada meia hora, o Canal introduz, entre os programas produzidos pelas universidades, programação própria. São ―programetes‖ de, no máximo, dois minutos que abordam diversos temas. Além desses ―programetes‖, destaca-se, como programação efetiva do CNU-SP, o programa Conexão Universitária, uma espécie de revista eletrônica veiculada todos os sábados, com reprise aos domingos. A cooperação entre as universidades que compõem o CNU-SP, no sentido de buscar uma programação única e uniforme, é bastante insignificante. Ainda assim, algumas iniciativas merecem destaque, na medida em que universidades com focos e objetivos diferentes tentaram buscar integração por meio de atividades comuns, que, à época, contribuíram para o fortalecimento do consórcio. Uma dessas iniciativas foi a ―Faixa Quatro‖, um horário, na grade de programação, reservado para quatro instituições70 que, em lugar de produzirem isoladamente toda a sua programação, buscaram o desenvolvimento de produtos conjuntos. Outro exemplo foi o programa 4 X 4, que, no período de 2000 a 2005, foi produzido pelas tevês PUC, Unicsul, Unifesp e USP. Pode ainda ser lembrado o especial do aniversário de cinco anos do Canal, quando as nove universidades se reuniram e produziram o Conexão Universitária, com sete episódios especiais (posteriormente passou a ser produzido pela equipe de produção do Canal e continua a ser veiculado). Ainda sobre parcerias para produção de programas, dois eventos merecem destaque: o projeto Pauliceia em Debate e Desafio Brasil, ambos promovidos em parceria entre as tevês participantes do CNU-SP e a Rede Globo de Televisão. O 70 Universidade Cruzeiro do Sul, Universidade de São Paulo, Pontifícia Universidade Católica e Universidade Federal de São Paulo – Escola Paulista de Medicina 156 primeiro deles, denominado SP 450 anos – Pauliceia em Debate -, ocorreu em função do aniversário da Cidade de São Paulo, no período de setembro de 2003 a maio de 2004; o projeto previa a produção de uma série de nove – um em cada universidade – debates acerca de aspectos históricos, culturais e sociais da cidade de São Paulo. Os assuntos tratados nos debates do Projeto Paulicéia em Debate foram: UNIVERSIDADE ASSUNTO MEDIADOR CNU MEDIADOR GLOBO PUC HISTÓRIA GABRIEL PRIOLLI PAGLIA 25/09/03 UNIBAN ERNESTO ECONOMIA JOSÉ NELLO TONICO FERREIRA 23/10/03 UNICSUL ETNIAS 20/11/03 CULTURAS UNIFESP SAÚDE E JOSÉ M. FILHO WILLIAN WAACK VANDA MARTINS GRAZIELA AZEVEDO 17/12/03 USP EDUCAÇÃO/CIEN MARCELLO SÔNIA BRIDI 22/01/04 C/TEC ROLLEMBERG MACKENZIE ARQUITETURA E ALESSANDRA ALBERTO 16/02/04 URBANISMO PEREIRA GASPAR UNIP MEIO AMBIENTE SÉRGIO AZEVEDO CÉSAR TRALLI SÃO JUDAS ARTE CLAUDIO SANDRA 27/05/04 CULTURA GONÇALVES ANNENBERG 18/03/04 E Quadro 16 - Assuntos tratados nos debates do Projeto Pauliceia em Debate 157 O Projeto ―Desafio Brasil‖, produzido entre agosto de 2005 e junho de 2006, também a partir de uma parceria entre Rede Globo e Canal Universitário de São Paulo, levou à produção de uma série de debates, veiculados ao vivo pelo CNU-SP, acerca de diversos problemas enfrentados pelos brasileiros. Os assuntos tratados nos debates do Projeto Desafio Brasil foram: UNIVERSIDADE ASSUNTO MEDIADOR CNU MEDIADOR GLOBO PUC EDUCAÇÃO 24/08/05 FERNANDO LUIS CARLOS ALTERMEYER AZENHA JR UNIBAN VIOLÊNCIA JOSÉ 11/05/06 UNICSUL CULTURA NELLO MARQUES SALARO JOSÉ M. FILHO ZECA 20/11/03 UNIFESP CAMARGO SAÚDE 06/06/06 USP ENERGIA MARCELO RODRIGO MEDEIROS BOCARDI EDMILSON 18/04/06 MACKENZIE VALMIR URBANIZAÇÃO 16/03/06 M. RODRIGO DOS SANTOS VIANNA CARLOS NEIDE DUARTE GUILHERME MOTA UNIP MEIO AMBIENTE 24/11/05 PAULO HENRIQUE SANDRA A. ANEMBERG PEIXOTO SÃO JUDAS EMPREGO 20/10/05 RENDA E JOIMAR CARLOS MENEZES TRAMONTINA Quadro 17 - Desafio Brasil (agosto de 2005 a junho de 2006) 158 Ambos os projetos merecem destaque, na medida em que representaram iniciativas inéditas efetivadas somente em São Paulo. Além disso, possibilitou aos integrantes das tevês um aprendizado único, visto que até 2003 somente a TV PUC havia tido a experiência de transmissão ao vivo. Em 2004, motivado pela polêmica gerada em função da reforma universitária, foi ao ar pela primeira vez o UNIVERSUS, uma série de debates, ao vivo, gerados diretamente pelo CNU-SP, caracterizando uma outra experiência de produção conjunta. A programação do Canal Universitário de São Paulo, ou seja, aquela produzida pelas televisões universitárias, é composta, basicamente, por programas de debate, entrevistas e documentários. A origem das pautas ocorre geralmente dentro da própria universidade. Os temas, ainda que bem diversos, giram em torno da educação e da cultura, destaque para medicina, quando a Unifesp ainda fazia parte do grupo. Na tela do CNU, o conhecimento de professores, pesquisadores, educadores e estudantes chega a um público mais amplo. Teses acadêmicas de mestrado, doutorado ou pós-doutorado, pesquisa em andamento, projeto de ação social ou comunitária, perfis de professor e personalidades culturais de destaque, entre outras atividades culturais que acontecem nas universidades, são os conteúdos veiculados com regularidade pelo CanalB (Thomaz, 2007:15). Cada universidade participante do Canal tem entre cinco e seis exibições diárias de 28 minutos, de acordo com a grade de programação atual. Os horários são sorteados anualmente e são seguidos à risca por todas as instituições. Cada uma delas tem exatamente o mesmo tempo na grade de programação e pode organizá-lo como julgar mais conveniente. Cada televisão produz, em média, duas horas e meia de programação inédita, que são distribuídas na grade durante a semana. Portanto, a reprise é bastante grande. Se considerássemos o mínimo de exibição diária, corresponderia a 35 inserções semanais, portanto há, no mínimo, 30 horas de reprise para cada universidade produtora. Ainda que o número de reprise seja considerado bastante grande, a qualidade da programação veiculada pelo CNU-SP é bastante reconhecida pela comunidade audiovisual. Corrobora esta afirmação o fato de, ao longo destes 13 (treze) anos, as tevês participantes do consórcio terem recebido diversos prêmios. 159 A programação continua aprimorando sua qualidade, e não raro obtém prêmios importantes em festivais de cinema e vídeo. Nas últimas quatro edições do festival de Gramado, no Rio Grande do Sul – o mais conceituado prêmio nacional -, o Canal Universitário de São Paulo recebeu prêmios pelas produções de suas TVs, assim como aconteceu em festivais como o Cinecien 2006 – Festival de Cinema e Vídeo Científico do Mercosul – e os prêmios ABS de Jornalismo e Alexandre Adler de Jornalismo Científico, conquistado em 2005 (Thomaz, 2007:23). Por sua responsabilidade de prestar serviços públicos de educação, de valorização da cultura e da informação, as emissoras educativas, culturais e universitárias podem ser financiadas por verbas públicas federais, estaduais e municipais, por contribuição espontânea e direta dos telespectadores, pela venda de produtos e subprodutos. Contudo o CNU-SP71 é, fundamentalmente, mantido pelas universidades que o compõem, por meio de uma contribuição mensal de R$ 5.000,00 (cinco mil reais). Estima-se que cada universidade invista cerca de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais) por ano para manter a sua programação no ar (Thomaz 2007). Ainda que não seja um valor alto para uma emissora de tevê, trata-se de um valor considerado grande pela maioria das universidades. Assim como nos canais educativos, a propaganda comercial também é proibida nos Canais Universitários. No entanto é importante lembrar que, no caso do CNU-SP, por ter sua programação exibida via cabo, a legislação que o regula é diferente. Segue o previsto na norma 13/97, criada para organizar questões relativas ao patrocínio de programas das tevês dos chamados Canais Básicos de Utilização Gratuita, uma vez que a lei (8.977) é omissa no que se refere a essa questão72. A referida norma proíbe a propaganda comercial, no entanto permite o patrocínio de programas, sem, contudo, especificar o que significa ―patrocínio‖. 71 O CNU-SP já contou com investimentos em apoio cultural de diversas instituições, com destaque para o Banco Real, Zip Net e KA Solution. 72 O arcabouço legal que trata dos canais universitários é formado por uma Lei Federal, um Decreto Regulatório e uma Norma Operacional, editada pela ANATEL. A Lei 8.977/95 é bastante genérica e só se refere ao canal universitário para promover sua criação no Artigo 23; o Decreto 2206/97 regulamenta a entrega do sinal do canal; e a Norma Operacional 13/97 trata das questões relativas a patrocínios. 160 A captação de recursos nas tevês universitárias de São Paulo e em todo o país ainda se configura como uma prática incomum, em função, principalmente, da falta de prática por parte das universidades e da visão equivocada que muitas IES têm do que seja a venda de espaço publicitário. Muitas das universidades, principalmente as públicas, têm dificuldade nesse item do processo. ―[...] vender publicidade na televisão universitária não significa, necessariamente, ‗mercantilização da educação‘ ou abastardamento da sua missão formadora da cidadania‖, como acentua o diagnóstico setorial apresentado pela ABTU durante o I Fórum Nacional de TV‘s Públicas (2006:56). Segundo dados do diagnóstico setorial já citado (Ibidem:70) ―as IES nem sabem o que cobrar como patrocínio, e que formato de produto dar em troca, pelo valor recebido. A iniciativa privada apenas ‗ajuda‘ a televisão universitária, em vez de investir nela, como poderia – e deveria‖. Ainda que essa falta de orientação e de organização se evidencie na citação apresentada, é importante ressaltar que, num outro trecho do documento produzido pela ABTU, consta que o setor movimenta perto de 20 milhões anuais, o que não é desprezível para um segmento no qual fazer tevê não é a atividade fim. 4.3.1 Apresentação do time: as tevês universitárias do CNU-SP Para entender o cenário que foi apresentado no item anterior, é necessário compreender e conhecer as tevês que participam do Canal Universitário de São Paulo. Na sequência serão apresentadas as tevês que, atualmente, fazem parte do CNU-SP, com o objetivo de tentar encontrar pontos de convergência e, evidentemente, de divergências que permeiam esse cenário carregado de tensões e disputas. 161 TV USP A televisão da Universidade de São Paulo, a única estadual do canal, apresenta-se como uma ponte entre a universidade de São Paulo e a sociedade. Está vinculada à Coordenadoria de Comunicação Social, setor que congrega todos os veículos de comunicação da Universidade. Segundo seu site, tem como objetivo abrir as portas da USP à sociedade, por meio da divulgação dos diversos serviços que a instituição oferece à população. Além disso, busca levar ao público o conhecimento gerado na universidade e circunscrito aos limites da instituição. A TV USP define-se como uma televisão que busca aprofundar a reflexão sobre assuntos do cotidiano, promovendo a mediação entre universidade e sociedade (Thomaz 2007). A participação de alunos e professores na tevê USP ocorre de acordo com a necessidade das pautas previstas. Não há conexão efetiva entre os cursos e a tevê, ou seja, a tevê não tem ligação com este ou aquele curso; configura-se como um veículo da universidade como um todo. A partir de 2010 a tevê da Universidade trabalha em rede, o que permite compartilhar produções entre os campi da instituição. Atualmente, conta com 12 funcionários (CLT) e 14 estagiários (alunos da ECA). Produção: Contraponto – Neste programa, diversos assuntos acerca dos principais problemas brasileiros são abordados a partir do ponto de vista de pesquisadores e pensadores. O Programa é produzido pela PUC-RJ e exibido, em São Paulo, pela TV USP. PGM - Revista eletrônica, que tem por objetivo democratizar o conhecimento acadêmico e cultural da Universidade de São Paulo e aprofundar temas ignorados ou superficialmente abordados pela mídia comercial. Cada edição traz cultura, ciência, opinião e um espaço para a experimentação de linguagens e formatos audiovisuais. Trajetória - Programa sobre a memória viva dos professores e pesquisadores da Universidade de São Paulo. A proposta consiste em apresentar um convidado especial para falar sobre sua vida acadêmica, sua relação com a universidade, comentar pesquisas e refletir sobre temas da atualidade. 162 Traquitana – O programa visa refletir acerca do mercado audiovisual brasileiro. HCTV - Programa da TV USP especializado em saúde. Produzido pela HCTV, traz notícias, entrevistas e curiosidades sobre o universo da saúde com base no conhecimento dos profissionais do maior complexo hospitalar da América Latina, o Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. Quarto Mundo - Programa produzido por um grupo de jovens estudantes do ensino médio que recebem oficinas de formação da TV USP, em parceria com a revista Viração. Especiais – A TV USP disponibiliza um espaço de sua programação para exibição de Documentários, coproduções e Trabalhos de Conclusão de Curso (TCC) de alunos da USP. Os Especiais promovem debates sobre assuntos de interesse da sociedade e expõem temas da atualidade de forma criativa e a partir do ponto de vista da universidade. TV São Judas A TV São Judas é um projeto ligado à Pró-reitoria de Extensão da Universidade São Judas Tadeu (USJT). Desde o início no CNU-SP, tem como característica marcante a participação de alunos e professores em sua produção. A tevê desta universidade, uma das mais antigas instituições privadas da cidade de São Paulo, exibe os programas produzidos em laboratórios durante as aulas dos cursos de Comunicação Social. Por meio deste projeto, a USJT acredita atingir todos os seus públicos de interesse, já que, com sua programação, pode mostrar ao público do Canal Universitário e ao telespectador "casual", a produção de professores e pesquisadores da universidade e a experimentação dos alunos (http://www.usjt.br/midia/tv/ - acesso em 10/01/2011). Além disso, disponibiliza ao aluno dos cursos de Comunicação Social da universidade um espaço para mostrar os trabalhos desenvolvidos durante o curso. A dinâmica da programação é a seguinte: os alunos de quarto ano de jornalismo, com orientação e supervisão dos professores de telejornalismo, produzem 163 programas com 28 minutos de duração. Cabe aos alunos de radialismo a produção de vídeos, documentários, ficções, musicais, "drops" e outros formatos. Além desses programas, outros são produzidos por um grupo de professores e estagiários que compõem a equipe efetiva da TV São Judas no Canal Universitário de São Paulo Produção: Antenados - Programa de debate, no qual alunos, professores e convidados debatem diversos temas. Arteletra – O objetivo do programa é apresentar e discutir temas acerca de literatura, música e arte. Coletiva - Vários entrevistadores, alunos de jornalismo da USJT, questionam um convidado. A produção tem como foco mostrar ao telespectador os diversos ângulos de um mesmo assunto ou fato. Direito e Políticas Públicas – Série de programas que visam debater o papel do Direito na implementação das Políticas Públicas. Educação Continuada para Professores Lego – O programa é resultado de uma parceria entre a TV São Judas e a Divisão Educacional da Lego Education, e prevê a produção de programas para subsidiar a capacitação de professores do Projeto Lego de Educação e Tecnologia. Este projeto tem como produtores a equipe da TV São Judas. Espaço Comunicação – Neste programa, os alunos de Radialismo, Jornalismo, Desenho Industrial e Educação Artística da Universidade São Judas Tadeu apresentam seus trabalhos e explicam as motivações e interesses que os levaram a escolher os temas dos programas. Imprensa em Debate – O programa abre espaço para a discussão e análise da atuação da mídia nos acontecimentos de repercussão na sociedade. Produzido e apresentado por alunos de jornalismo. Pauta Aberta - Programa de entrevistas cuja pauta deve atender a critérios de interesse e atualidade. 164 Pesquisa & Ação - O programa trata das inovações tecnológicas, de pesquisas e estudos acadêmicos e das ações que a universidade desenvolve junto às comunidades. TV Uniban A tevê da Universidade Bandeirante subordina-se, juntamente com os demais veículos de comunicação da UNIBAN, à Academia Paulista Anchieta, mantenedora da Universidade Bandeirante de São Paulo. Declara-se como um espaço no qual docentes e alunos podem trocar e divulgar informações de relevância para a sociedade e para a universidade. Sediada no campus de São Bernardo do Campo, a programação desta tevê é veiculada também nos canais universitários de Osasco e do Grande ABC. A ligação com os cursos da instituição acontece na medida em que professores e alunos participam, como convidados, de suas pautas. Não há participação efetiva de alunos e professores na produção de seus conteúdos. Produção: Curtas do Brasil - Painel da produção audiovisual brasileira de diversos gêneros. UNIBAN Discute - A cada programa, um professor da UNIBAN aborda assuntos relevantes e contundentes do cotidiano da sociedade. P2 - Programa de entrevista que aborda o comportamento, traz os mais variados assuntos ligados ao esporte, artes e meio ambiente. Palestra UNIBAN – Neste espaço, as palestras realizadas na Universidade são divulgadas e apresentadas para toda a sociedade. Musicban - Espaço que apresenta a trajetória artística de cantores e bandas. 165 Referências - A cada programa, uma personalidade é convidada a falar de sua trajetória de vida pessoal e profissional. Revista UNIBAN - Revista eletrônica de variedades que mostra notícias e informações de interesse da comunidade acadêmica. Salada Mista – O programa apresenta matérias com temáticas como cultura, saúde, lazer e entretenimento. TV PUC Criada em 1991, a tevê da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo veiculava sua programação por meio de um circuito interno, somente para o campus Monte Alegre. Em 1994, o projeto foi revitalizado, visando à promoção da educação a distância. Nesta nova configuração, a exibição da programação ficou a cargo da NET, que instalou 30 pontos de recepção. A aceitação do projeto foi tão positiva que a NET, a partir de 1995, passou a veicular programas produzidos pela TV PUC também a seus assinantes, portanto a TV PUC foi a primeira produtora universitária do país a produzir programas e veiculá-los na tevê por cabo. Desde a sua fundação, está vinculada diretamente à reitoria; configura-se como um espaço autônomo e funciona como uma produtora dentro da universidade. A participação dos alunos e professores dos cursos de Comunicação Social é restrita. A TV PUC apenas abre espaço para a exibição de trabalhos considerados de destaque. Os alunos podem fazer estágio e acompanhar todas as etapas de produção de um programa, no entanto não há nenhum vínculo entre a TV PUC e os cursos de Comunicação. Mais que uma vitrine do pensamento universitário, a tevê da Pontifícia Universidade Católica pretende ser uma ferramenta de trabalho para professores e estudantes, orientando-os no uso da linguagem audiovisual para a comunicação com o grande público. Das oito universidades do Canal é a única a declarar que o seu público alvo não é a comunidade acadêmica: ―O público da TV PUC está fora da universidade, mas tem interesse em viver esse ambiente. Para a direção da TV PUC a reflexão e o debate dos campi são divulgados, mobilizando a universidade para a TV. Mas o ponto de chegada está do lado de fora‖ (Thomaz, 2007:50). 166 Produção: Nova Stella Ciência em Debate - Uma iniciativa do programa de História de Ciência do Centro de Ciências Exatas e Tecnologia da PUC-SP. O Programa coloca a ciência em foco sob múltiplas perspectivas. Diálogos Impertinentes: No ar desde 1995, trata-se de um ciclo de debates mensais, reunindo, a cada edição, dois expoentes da cultura brasileira. Parceria entre PUC-SP, Jornal Folha de S. Paulo e SESC-SP. Tem como apresentadores o professor Mário Sérgio Cortella, ex-Secretário de Educação do município de São Paulo, e os jornalistas Caio Túlio Costa e Nélson Ascher. Diálogos Impertinentes (Nova Série) - Produzido também em parceria entre a TV PUC, Jornal Folha de S. Paulo e SESC-SP. Nesta versão, o programa é exibido, com exclusividade, pelo SESCTV. O programa aborda questões filosóficas ligadas à cultura e ao comportamento. É apresentado por Suely Rolnik e Fernando Altemeyer, professores da PUC-SP, com participação dos jornalistas Caio Túlio Costa e Nélson Ascher. Diversidade - Resultado de uma parceria entre o CRP SP (Conselho Regional de Psicologia) e a TV PUC-SP, o programa reúne três convidados para um bate papo sobre um tema relacionado à Psicologia. Novolhar – A cada edição o programa discute temas da realidade brasileira a partir do ponto de vista de jovens em situação de vulnerabilidade social. Todas as etapas de produção são desenvolvidas pelos próprios jovens, desde a pauta até a edição. Com a supervisão de profissionais de educação e vídeo, o programa é realizado em parceria com a Secretaria Municipal de Assistência Social, Computer Associates, Fluxo Design, Apocalípticos Cinema e Vídeo, Grupo Santander Banespa e TV PUC. No ar desde Abril de 1999. 167 Intercâmbio – Espaço reservado para a divulgação de vídeos, reportagens e trabalhos audiovisuais realizados em universidades e/ou instituições culturais brasileiras, com as quais a TV PUC mantém acordos de permuta de programação. Fatos e Focas – Espaço/Título destinado à veiculação de trabalhos laboratoriais dos estudantes do curso de Jornalismo da PUC-SP, assim como de vídeos produzidos por alunos de outros cursos da universidade ou de outras instituições. PUC Ao Vivo - Professores da PUC-SP participam, ao vivo, comentando os fatos do dia, da semana ou de assuntos controversos. TV Mackenzie A programação da TV Mackenzie é coordenada pela Reitoria da Universidade e subordina-se à Mantenedora (Instituto Presbiteriano Mackenzie), da qual o Centro de Rádio e Televisão é um departamento. Com o oferecimento do curso de jornalismo, a partir do ano 2000, a participação de alunos e professores foi intensificada. Atualmente, há cerca de uma dezena de alunos de Jornalismo, Radio e TV e Engenharia que participam da produção dos programas. Além disso, os professores e funcionários são estimulados a participarem das pautas. A TV Mackenzie apresenta-se como um veículo em sintonia com a missão da instituição que prevê o estímulo ao diálogo crítico com a atualidade política, social, econômica e cultural. 168 Produção: A gente Explica – Pequenas matérias inseridas no meio da programação que visam esclarecer diversos assuntos do cotidiano das cidades modernas. Vozes e Sons – Neste programa, obras musicais sacras são apresentadas e comentadas pelo maestro do Mackenzie Parcival Módolo. Fora de série – Espaço para a veiculação dos melhores trabalhos dos alunos do Mackenzie. Cidadania para Todos – Uma parceria entre TV Mackenzie e Secretaria de Justiça de São Paulo, o programa discute os direitos do cidadão. Café Pensamento – Programa em que, a partir de debates, temas acerca da filosofia e cultura são abordados. Conceitos em Foco – Nesta produção, assuntos que envolvem o cotidiano da sociedade são discutidos por diversos especialistas. Contraponto – Programa de entrevista apresentado pelo Chanceler da universidade, que analisa diversos temas sob o olhar da fé cristã. Macknotícias: Revista eletrônica com assuntos ligados à instituição. Além desses programas, em 2009, a TV Mackenzie firmou uma parceria com o Canal Futura que prevê a cobertura jornalística na cidade de São Paulo e a produção de quadros específicos voltados para a área de Educação e Saúde. A produção é veiculada diariamente no Jornal da Futura, em rede nacional e, posteriormente, é inserido no programa Macknotícias. 169 TV Unisa A TV Unisa está ligada à Pró-Reitoria de Extensão Comunitária, mas as pautas são decididas em conjunto, entre a Reitoria e as PróReitorias. Atualmente, é a única TV do CNU-SP a estar ligada ao projeto de educação a distância. Segundo seu coordenador – Claudio Lemos, em entrevista dada à pesquisadora especialmente para este trabalho – o know how adquirido com a produção para o Canal Universitário de São Paulo permitiu que a tevê colaborasse para a implantação da educação a distância na Universidade. Inclusive afirma que essa atividade financia a manutenção da TV Unisa no CNU. Atualmente a TV Unisa é a responsável pela produção das matérias jornalísticas que são veiculadas nas aulas ministradas ao vivo pelos professores da Unisa Digital. A participação dos alunos e professores ocorre na medida da necessidade das pautas. Não há participação na concepção dos programas ou qualquer vínculo com a graduação. Produção: Informe-se – Neste programa os alunos e estagiários da Unisa têm a oportunidade de colocar em prática as teorias aprendidas em sala de aula, a partir de discussões de temas do cotidiano. Marketing Esportivo – Programa de entrevista no qual se discutem questões relativas à área da publicidade e propaganda. Conexão Saúde – Programa de entrevista com foco na área da saúde. Informe-se/Pos Factum – Programa produzido pelos alunos da Unisa, no qual alunos e professores discutem assuntos do cotidiano da população. 170 TV UNIP A estrutura e a equipe utilizada pela tevê da Universidade Paulista, a maior universidade particular do Canal, são as mesmas do Canal CBI – Canal Brasileiro de Informação (UHF), pertencente ao mesmo grupo que mantém a Universidade. Está ligada à Vice-Reitoria de Extensão Comunitária da Universidade e exibe sua programação em outras praças além de São Paulo. Atualmente participa do Canal Universitário de Campinas (CNC), do Canal Universitário de Bauru (CNUB) e do Canal Universitário de Ribeirão Preto. A participação dos alunos e professores na produção dos programas é inexistente. Não há qualquer vínculo com o ensino. A TV UNIP é totalmente independente da graduação ou da pós-graduação. Produção: Estação Saúde - Programa de entrevistas, com profissionais da área de saúde, apresentado pelo médico Drauzio Varella, que discute temas relacionados à saúde. Opinião Livre - Programa de entrevistas e debates sobre assuntos variados, que abrangem cultura, qualidade de vida e outros setores da sociedade. Jornal das Profissões - Programa de entrevistas e reportagens sobre diversas áreas profissionais. TV São Marcos A TV São Marcos, vinculada à Universidade São Marcos, incorporou-se ao Canal Universitário de São Paulo em dezembro de 2006. Com sede no bairro do Tatuapé, em São Paulo, a TV São Marcos declara-se com a missão de oferecer audiovisual educativo de qualidade e de capacitar seus professores e alunos para o uso das ferramentas da comunicação eletrônica. 171 Produção: Contato Direto – O programa dá visibilidade aos eventos ocorridos dentro dos campi da universidade. Ciências do Corpo – Programa de entrevistas sobre temas sobre a medicina, saúde e qualidade de vida. Debate Aberto – Programa de Debates e/ou entrevistas sobre diversos temas gerais da cultura e do conhecimento. Mundo Marinho – No formato de Revista eletrônica o programa busca alertar e informar sobre a sensibilidade dos vários ecossistemas marinhos e terrestres. Autores & Obras – Programa no formato entrevista que traz um bate-papo sobre grandes autores da literatura brasileira. Psicologia sem Fronteiras - Programa de entrevista, que fala sobre saúde e desenvolvimento psicossocial. Reporter São Marcos – Programa de reportagens de interesse geral e entrevistas especiais. Além dessas tevês, participaram por mais de uma década do CNU-SP as tevês de duas universidades: Universidade Federal Paulista, com produção voltada a questões do universo da medicina e da saúde – Chek-up – e Unicsul, que exibia no CNU-SP programação com foco na produção de alunos e jornalismo crítico e cultural – Refletor, Extensão.doc. Visando facilitar a análise do que foi descrito anteriormente, apresenta-se, na sequência, um quadro com as principais conclusões acerca do cenário que compreende o espaço de produção das televisões universitárias participantes do CNU-SP. 172 IES Tít Vínculo Participação Participação Participaç Subordi Veiculaçã Existência Categoria Vinc ulo Cursos alunos professores ão nação o site da ulo s Comunica Als universida com ção profs de a + Produção pesq uisa TV PUC 8 Não há Estágio, exibição de trabalhos Como entrevistados ou entrevistadore s Alunos Estagiário s Reitoria Somente São Paulo Sim e atualizado Comunitá ria Não há TV USP 7 Não há Estágio, exibição de trabalhos Como entrevistados ou entrevistadore s Alunos Estagiário s Coord. Com Social Rede USP de televisão Sim e atualizado Pública Não há TV SÃO JUDA S 10 Sim há Estágio, exibição de trabalhos Maioria dos prgs resultado de exercício de sala de aula Pró Reitoria de Extensã o Somente São Paulo Sim e atualizado Privada Não há TV UNIB AN 8 Não há Não há Como entrevistados ou entrevistadore s Maioria dos prgs resultado de exercício de sala de aula Não há Manten edora Também em Osasco e ABC Sim e atualizado Privada Não há TV Macke nzie 7 Não há Estágio, exibição de trabalhos Como entrevistados ou entrevistadore s Sim há ViceReitoria Somente São Paulo Sim e atualizado Confessio nal Não há TV Unisa 3 Sim há Estágio, exibição de trabalhos Como entrevistados ou entrevistadore s Sim há Pró Reitoria de Extensã o Somente São Paulo Sim e atualizado Privada Não há TV UNIP 3 Não há Não há Como entrevistados ou entrevistadore s Não há Pró Reitoria de Extensã o Campinas Bauru e Rib Preto Sim e atualizado Privada Não há TV São Marcos 7 Não há Não há Como entrevistados ou entrevistadore s Não há Pró Reitoria do Campus Tatuapé Somente São Paulo Sim desatualiza do Privada Não há Quadro 18 - Cenário que compreende o espaço de produção das televisões universitárias participantes do CNU-SP. 173 4.3.2 Apresentação do time: diversidade de objetivos; convergência na produção Desde o surgimento e concretização dos primeiros canais universitários e, consequentemente, de suas tevês universitárias, diversos foram os modelos editoriais e estruturais adotados, como reflexo da origem - pública e privada - das instituições, que opõem um modelo teoricamente possuidor de maior autonomia na estruturação de um perfil editorial independente a outro identificado com marketing e autopromoção de instituições que objetivam retorno, se não financeiro, ao menos institucional. Evidentemente que essa oposição pode ser definida entre prioridade pelo interesse público, ligado à formação cidadã, e interesse privado, ligado ao interesse comercial. Não se trata, no entanto, de um entendimento único e absoluto, no qual não se considera que uma instituição, ainda que privada, não tenha interesse público ou, na outra ponta, que uma instituição pública não tenha interesse comercial de se autopromover. Sobre isso, Fernandes (2003) afirma que os programas de caráter jornalístico das televisões universitárias destacam fatos ligados à realidade das comunidades nas quais se inserem, o que confere às tevês um caráter local, em certas circunstâncias, o que não pode ser generalizado, já que das universidades que atuam em canais universitários vêm demandas pela disseminação de questões de interesse público, muitas vezes, mais abrangentes que aquelas relacionadas ao local no qual a IES está implantada. Na cidade de São Paulo, palco do CNU-SP, há tantas questões de interesse geral a serem discutidas pela comunidade acadêmica e disseminadas pelas tevês das universidades, que os temas de interesse local ficam, muitas vezes, em segundo plano. Talvez se possa, aqui, utilizar o conceito de glocal, que muito tem sido discutido, no sentido de posicionar a comunicação entre os temas de interesse local ou regional e os de amplitude nacional ou internacional. Por outro lado, a mesma pesquisadora revela a tendência à divulgação de aspectos institucionais, muitas vezes de caráter mercadológico, característica essencial dos mercados contemporâneos nos quais as IES atuam, competindo com suas congêneres na busca por alunos e na sociedade em geral, da qual pretende obter apoio e legitimidade. 174 A programação das televisões que compõem o Canal Universitário de São Paulo, na mesma direção das tevês de caráter público e das demais televisões universitárias do Brasil, busca inspiração em temas relacionados às questões sociais, educativas e culturais. Sobre a linha editorial dos programas, fica evidente a qualquer cidadão com o mínimo de informação acerca do assunto [televisão] que não existe critério. Fernandes corrobora essa afirmação, pois, segundo ela, após realização de pesquisa de campo com as televisões universitárias, ―Os resultado obtidos apontam que, em geral, não há uma conduta padrão e os programas e pautas podem ser sugeridos por diferentes atores ou instâncias da Instituição‖ (Fernandes, 2003:127). Ainda que não tenha sido feita uma análise minuciosa acerca da atual programação, uma vez que se realizou uma verificação nas sinopses apresentadas pelas televisões universitárias da Cidade de São Paulo para divulgar seus programas, é possível afirmar - em função da atuação desta pesquisadora no CNU-SP, bem como a partir de trabalhos realizados por outros pesquisadores - que a programação do Canal Universitário de São Paulo, seguindo inclusive a realidade dos canais universitários como um todo, privilegia programas educativos nos formatos de debates e entrevistas em estúdio. Segundo pesquisa73 realizada por Martinho, 62,06% dos programas veiculados pelo CNU-SP enquadram-se na categoria educação contra 24,14% na categoria jornalismo, 10,35% na categoria serviços e apenas 3,45% na categoria entretenimento. Outra informação importante que fica evidente após análise dos dados coletados acerca da relação das tevês com os Cursos de Comunicação é que as tevês universitárias vinculadas aos CNU/SP, na maioria das vezes, não estabelecem relação com os professores e alunos, configurando-se basicamente como um exibe que escoa a programação efetivada nos laboratórios dos cursos. Nesse sentido, as tevês universitárias apresentam-se como um laboratório de aprendizagem com o escopo de oferecer aos alunos do curso de Comunicação Social horas de práticas dentro de uma emissora de televisão - um laboratório que qualifica a aprendizagem dos alunos – ou seja, um laboratório para as disciplinas da matriz curricular. Para Castro; Coutinho 73 Pesquisa realizada por Mércia David Martinho, em 1999. A pesquisadora analisou a programação do CNU-SP de março a junho de 1999. 175 (2008), a televisão universitária, utilizada como ambiente de aprendizagem, é vista como laboratório de aprendizagem para alunos de Comunicação Social na medida em que a universidade permite que esses estudantes participem dele. Outra constatação percebida é que, em nenhuma das IES participantes do CNU/SP, a tevê da universidade é percebida como um laboratório para pesquisa acerca do meio, com o objetivo de investigar o fazer televisivo ou, até mesmo, a produção de programas a partir de pesquisas que trabalham o universo televisivo, por exemplo. O que se vê na programação dos canais universitários, visto que essa realidade se faz presente na programação de todas as tevês, é a repetição de fórmulas já consagradas na tevê comercial. Numa perspectiva pluralista, a participação do corpo discente daria espaço para a experimentação e a quebra de paradigmas do fazer televisivo. Ocorre que, nos programas observados, há pouco de inovação de linguagem. Tanto nos programas jornalísticos, quanto nos de entretenimento é possível perceber a similaridade com os modelos da tv convencional. Felizmente, há exceções. Elas se dão no momento que projetos experimentais de conclusão de curso ou derivados de oficinas de criação são veiculados na tv universitária. Esses programas não possuem uma regularidade na transmissão, o que pode indicar que os alunos com repertório têm dificuldade em produzir trabalhos com qualidade, por falta de recursos estruturais e técnicos (Mello, 2004)74. A tevê universitária deve desempenhar papel institucional, desse modo não pode servir a esse ou àquele curso e tampouco pode se reduzir a um canal experimental. Ela pode servir aos fins didáticos e de aprendizagem sem, no entanto, deixar de atuar no âmbito das funções da universidade. 74 No período de 5 a 11 de abril de 2004, a pesquisadora observou a programação do Canal Universitário de São Paulo, visando à produção do artigo: As sombras na caverna da Televisão Universitária, apresentado no Congresso da ALAIC - Asociación Latinoamericana de Investigadores de la Comunicación daquele ano. 176 4.3.3 Apresentação do time CNU-SP: os agentes em campo Como apresentado no capítulo 3, o cenário dos canais universitários admite, hoje em dia, uma vasta e variada gama de agentes, entendidos, aqui, à luz da teoria bourdiana, como aquele que age e luta dentro de seu campo de interesse. No capítulo foram descritos os agentes relacionados ao Estado e a alguns setores organizados da sociedade civil. Daquele primeiro mapeamento, destaca-se o FNDC, que participou ativamente da luta pela democratização da comunicação e, consequentemente, interferiu na criação das centenas de televisões universitárias que hoje em dia estão em funcionamento no país. Além desses, existem outros que se relacionam com o segmento de maneira intensa; suas práticas, ou como diz Bourdieu, seus habitus, interferem sobremaneira no modo como as lutas se travam. Conhecer esses agentes é oportuno, pois, segundo Bourdieu (2008), aquele que ingressa num campo deve saber dominar seus códigos e suas regras internas. A definição de espaço social, disseminada na Sociologia, é utilizada para designar basicamente o campo de inter-relações sociais, no qual todo o sistema de interações se registra em um ambiente em que se associam o lugar, o social e o cultural. Para Bourdieu (1989), a Sociologia pode se apresentar como topologia social, visto que representa o ―mundo social em forma de um espaço (com várias dimensões) constituído na base de princípios de diferenciação e distribuição constituídos pelo conjunto das propriedades que atuam no universo social considerado‖ (Bourdieu, 1989:133). Portanto, para o autor, o espaço social é apresentado como um lugar de luta de forças, onde ―os agentes e grupos de agentes são assim definidos pelas posições relativas neste espaço‖ (Ibidem:134). Desta forma, define o mundo humano como um espaço no qual as relações são construídas de acordo com as posições que os agentes ocupam no jogo e com a avaliação que deles fazem os atores sociais. Sem a intenção de reduzir a teoria de Bourdieu, nos próximos parágrafos, fazse um exercício de buscar estratégias para estender o olhar acerca da realidade socioespacial do ―jogo‖ da produção de programas para o Canal Universitário de São Paulo. No sentido mais amplo, ou de acordo com o conceito de Bourdieu, no seu 177 ―macrocosmo‖ 75 , o estudo e as estratégias já foram empreendidos, quando foram apresentados, nos capítulos anteriores, os campos da universidade, da televisão e da televisão educativa. Cabe agora delimitar o objeto deste trabalho, buscando entendê-lo em seu ―microcosmo‖. A partir de tais conceitos, infere-se que, no macrocosmo e no microcosmo nos quais a televisão universitária gravita e organiza suas ações, encontram-se órgãos públicos, empresas privadas, associações, entidades de classe, colaboradores, mantenedores, alunos, professores, reitores, enfim uma gama variada de atores com diversas influências e atuação no ambiente de produção e desenvolvimento das televisões universitárias da cidade de São Paulo. No quadro abaixo, destacam-se aqueles agentes considerados essenciais para as tevês universitárias. Agentes Tipo de relacionamento Objetivo Nível de dependência Resultados esperados Expectativas dos agentes Funcionários (técnicos) Legal Produtividade Essencial/ Estratégica Reconhecimento Salários justos Diretores Legal Produtividade Essencial/ Estratégica Fornecedores Negócio / Legal Qualidade Produtos Essencial Dedicação Lealdade Comprometimento Dedicação Lealdade Comprometimento Observância dos contratos Professores Parceria Participação e audiência Não Essencial Estratégica Alunos Parceria Participação e audiência Não Essencial Estratégica Reitorias Outras TVUs Parceria / Reconhecimento Social / Político / Legal Parceria / Parceria/ Não Essencial Estratégica Não Reconhecimento Salários justos Cumprimento de contratos Conhecimento Reconhecimento adaptado à e exposição linguagem televisiva Contribuir na Espaço para formação do experimentação aluno e programação segmentada Legitimação Imagem na institucional e comunidade extensão acadêmica Produção de Produção de 75 Para Bourdieu (2004), todo campo é um microcosmo autônomo dentro de um macrocosmo social. 178 Social / Concorrência Político / Legal Outras TVs Parceria / Parceria/ Social / Concorrência Político / Legal Mantenedores Legal Reconhecimento Assinantes Tvs Parceria Participação e audiência Imprensa Parceria / Social / Político / Legal Ser fonte para matérias Essencial Estratégica Não Essencial Estratégica Essencial/ Estratégica Não Essencial Estratégica Estratégica qualidade qualidade Produção de qualidade Produção de qualidade Legitimação na comunidade acadêmica Programação de Qualidade / Exposição diferenciada da marca Programação de qualidade / Variedade Espaço para experimentação de novas linguagens Contribuir na formação do cidadão Exposição positiva na mídia Quadro 19 – Agentes das tevês universitárias No mapeamento identificaram-se aqueles agentes que se apresentam como determinantes para a existência e sustentação das tevês universitárias de São Paulo e, por conseguinte, do Canal. Evidentemente esse mapeamento não esgota (nem é o objetivo deste trabalho) a lista de agentes que, de uma forma ou de outra, se relacionam com o CNU-SP e suas tevês, mas dá pistas e pode servir como ponto de partida para outros estudos. O mapeamento efetivado é importante, na medida em que, segundo Bourdieu (1984), o que dá suporte aos campos são: as formas de ser; o conhecimento do mundo; e as relações de força entre os agentes (indivíduos ou grupos) e as instituições que lutam pela hegemonia que concede o poder de impor regras e reorganizar o capital específico de cada campo. Tal mapeamento tem a função de identificar, como orienta Bourdieu (1989), as posições que alguns agentes ocupam no espaço previsto para o ―jogo‖ dentro do campo. Para isso, utilizou-se o estudo realizado por França (2004), o qual identifica os públicos essenciais como aqueles dos quais a organização depende para a sua existência, ou seja, que são imprescindíveis para a sua sobrevivência e para a execução de suas tarefas/atividades fins. Já os públicos não essenciais são definidos, pelo autor, como aqueles que se constituem como muito importantes, no entanto, a organização não depende deles para a execução de suas atividades. 179 Como pode ser verificado no quadro, outro conceito foi atribuído para precisar o nível de dependência das televisões universitárias com os públicos identificados. Como visto, para França (2004), o que determina o nível de envolvimento, ou seja, o critério de ser ou não essencial é o fato de o público participar da execução da tarefa fim da organização. Para a análise, foi incluída a noção de ―dependência estratégica‖, visto que a relação de um agente, em determinado ponto de vista, pode ser essencial, mas não estratégica e, numa outra análise, pode ser não essencial, mas estratégica. Designaram-se como estratégicos aqueles agentes cujas ações podem alterar a posição das televisões universitárias na composição de seu campo de atuação. O quadro acima revela a amplitude das relações que se estabelecem no espaço de atuação das tevês que integram o CNU-SP. Se fossem considerados os demais agentes que transitam nos campos de convergência [a universidade e a televisão], essas relações ampliar-se-iam ainda mais. A inter-relação entre os agentes apresentados acima (microcosmo), somada à atuação dos outros organismos/agentes da esfera pública e privada (macrocosmo) que foram apresentados no capítulo 3, constitui uma vasta teia de processos e ações que geram reflexos diretos e indiretos no desenvolvimento das televisões universitárias de São Paulo e, consequentemente, no Canal Universitário. Deste item do trabalho, como dito anteriormente, constaram os principais agentes que gravitam nos espaços de produção das tevês que compõem o CNU-SP, no entanto, a pesquisa concentrar-se-á, basicamente, em dois deles: diretores e reitores. 4.4 Televisões Universitárias de São Paulo: apropriação das linguagens da universidade pela televisão e da televisão pela universidade Para Orlandi (1990:12), ―Compreender é saber que o sentido pode ser outro‖. Desta forma, pode-se afirmar que nenhum texto, mesmo sendo ele apenas uma palavra, uma imagem ou um som, possui apenas um sentido. Linguagem é prática social, portanto o que, num primeiro momento, parece ser o sentido correto pode ser apenas o sentido legitimado ou hegemônico. Compreender a apropriação das linguagens da televisão pela universidade e da universidade pela televisão faz sentido, 180 uma vez que, como já explicitado, todas as universidades participantes do Canal Universitário de São Paulo apresentam-se como uma vitrine, através da qual o discurso científico deve ser refletido ou apresentado à sociedade como um todo. Nesta direção, Bourdieu (1997:18) afirma, citando Husserl, que os cientistas são funcionários da humanidade, pagos pela sociedade para descobrirem coisas e, portanto, faz parte de suas obrigações tornarem público o que se descobre. Esse objetivo – tornar públicas a produção e as reflexões da universidade - está presente, como foi visto, em todas as missões e/ou objetivos das tevês universitárias participantes do CNU-SP e deveria também estar presente na missão de todas as instituições de ensino superior, visto que, de acordo com a LDB (Lei n. 9394), em seu artigo 43, inciso IV, a educação superior tem como finalidade promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos e técnicos que constituem patrimônio da humanidade e comunicar o saber por meio do ensino, de publicações ou de outras formas de comunicação. Apesar disso, a consulta feita às missões definidas pelas IES que compõem o CNU/SP revelou não haver qualquer menção à comunicação como finalidade daquelas instituições. Uma das grandes barreiras para a socialização das produções acadêmicas está relacionada ao purismo e, muitas vezes, elitismo da linguagem utilizada pelos agentes do campo universitário, o que provoca afastamento daqueles que não pertencem a ele. A maior parte da população brasileira, quando se depara com produções acadêmicas, sente dificuldade em interpretar as informações, tendo em vista não possuir o código linguístico próprio do campo científico. Por outro lado, muitos pesquisadores também padecem da mesma dificuldade, quando suas pesquisas são pautadas pela televisão e estes precisam organizar suas descobertas em outros códigos que não o científico. Ainda sobre a linguagem e a postura que o cientista deve ter, Bourdieu escreve o seguinte: Com a televisão, estamos diante de um instrumento que, teoricamente, possibilita atingir todo mundo. Daí certo número de questões prévias: o que tenho a dizer está destinado a atingir todo mundo? Estou disposto a fazer de modo que meu discurso, por sua forma, possa ser entendido por todo mundo? Será que ele merece ser entendido por todo mundo? Pode-se mesmo ir mais longe: ele deve ser entendido por todo mundo? (Bourdieu, 1997:18). 181 Ainda que a origem da linguagem da televisão e da universidade seja o texto escrito, é preciso reconhecer que existem diferenças substanciais, ocorridas, principalmente, em função da mudança da situação da comunicação: o binômio falante/ouvinte difere do binômio escritor/leitor. Na televisão, em função do veículo ser audiovisual, a imagem fala, muitas vezes, mais do que o texto ou palavras; além disso, pode-se contar com recursos de luz, movimentos de câmeras e enquadramentos que reforçam o que está sendo dito. Segundo Preti (1991), a linguagem televisiva é contextualizada e vale-se de recursos de natureza linguística e situacional. O discurso universitário/científico depende do ato de escrever, pois pauta-se por convenções linguísticas de natureza sintática. Para Preti (1991), a escrita é descontextualizada, no sentido de que não depende de uma situação de comunicação. Sobre essa questão, Preti (1991) afirma que alguns poucos gêneros televisivos se aproximam das características do texto escrito dentro do rigor da norma culta. A rigor, apenas alguns gêneros de programa, como os de caráter educativo ou telejornalismo, configuram um estilo marcado por um planejamento verbal mais cuidadoso, pequena ocorrência de repetições, estruturas sintáticas mais de acordo com as regras gramaticais, levando a um resultado que definiríamos como uma linguagem falada culta mais tensa, própria das situações formais (Preti, 1991:234). A televisão universitária, como um todo, optou, em função de diversos fatores, pela produção de programas com viés educativo no gênero jornalístico, no qual o planejamento gramatical/culto está presente. Um estudo realizado por Prioli e Peixoto (2004) dá pistas para a compreensão desta opção. Sendo o reino da palavra por excelência, o território privilegiado dos discursos, a universidade sente-se mais à vontade e talvez cumpra melhor a sua finalidade quando se utiliza de debates, entrevistas e palestras para comunicar-se pela TV. Mas deve-se considerar, também, e de forma muito objetiva, que esses são os formatos de produção mais simples e barata que a televisão oferece. Uma entrevista custa uma ínfima fração de um teleteatro, por exemplo. E não carece de profissionais especializados. Para emissoras de caixa sempre baixo e ainda imaturas tecnicamente, como as universitárias, há, portanto, gêneros de programação ainda inacessíveis. Ao menos, numa escala de produção mais industrial (Prioli e Peixoto, 2004:24) 182 Se a televisão comercial opta por uma programação pautada no entretenimento e na informação rápida e sem aprofundamento, ou seja, citando Bourdieu (1997), pelos fatos-ônibus76, as tevês universitárias podem representar um avanço, no sentido de aproximar a população do universo acadêmico brasileiro, já que, fazendo parte da universidade, têm condições de levar ao público não universitário as experiências e vivências do mundo acadêmico. A maior estranheza entre essas duas instituições (televisão/universidade) percebida nestes 13 (treze) anos de Canal Universitário de São Paulo, diz respeito ao tempo. Na televisão tudo é muito rápido. Para Bourdieu (1997), o tempo é algo raro na televisão, tudo deve ser dito e feito num tempo determinado e com enfoque dirigido. A universidade, por sua vez, necessita de tempo, haja vista configurar-se como uma instituição voltada para o educar, o saber, o conhecer, o pensar. Sua esfera é a da ciência e a da cultura, das artes e das letras. Se, como diz Bourdieu (1997), a televisão é o espaço das coisas fúteis, menos importantes, que oculta coisas preciosas, a televisão universitária insere-se neste circuito com amplas possibilidades de, por um lado, caracterizar-se como uma ação extensionista, visto que divulga o conhecimento científico e, por outro, configurar-se como uma possibilidade de apropriação do fazer televisivo por novos atores, abrindo nichos para novos usos da televisão por uma sociedade que, desde os anos 1950, acostumou-se a entender esse meio como sinônimo de monopólio comercial. Para Bourdieu (2002), existe ambiente para esse tipo de iniciativa. Ao ser questionado se havia espaço para a televisão universitária desafiar as grandes redes de distribuição e interpretação da realidade, o pesquisador respondeu: Se tivéssemos apenas o mercado atual, imediato, a maior parte das coisas interessantes seriam arrasadas de saída. Então é preciso lutar para que o mercado não destrua todos os nichos e para que haja espaço para mercados interiores. O sistema escolar continua sendo um dos nichos possíveis, apesar da concorrência do privado: ele oferece a dedicação, pessoas que acreditam, além de recursos, 76 Os fatos-ônibus são fatos que não devem chocar ninguém, que não envolvem disputa, que não dividem, que formam consenso, que interessam a todo mundo, mas de um modo tal que não tocam em nada de importante (Bourdieu, 1997:23). 183 certamente não muito grandes, mas que permitem que se façam 77 coisas (Bourdieu, 2002:47). A pesquisadora Martinho (1999), após realização de pesquisa de recepção da programação do CNU-SP, afirma que os formatos e gêneros utilizados pelas tevês universitárias da cidade de São Paulo aproximam-se da linguagem televisiva ―deixando de lado o estilo sala de aula‖. Na mesma pesquisa, afirma, ainda, que a tarefa não é fácil, na medida em que propor ao cientista que exponha seu conhecimento por meio de outros recursos que não o texto é um desafio para o próprio cientista e para os produtores. O discurso acadêmico a partir da televisão universitária pode ter seu espaço comunicacional ampliado e atualizado e, por sua vez, o discurso televisivo pode constituir-se de novos paradigmas. 4.5 Pesquisa: o que está em jogo nas tevês universitárias de São Paulo A televisão pode ser considerada um dos mais proeminentes fenômenos sociais contemporâneos. Tal afirmação pode ser confirmada pelas vultosas cifras econômicas que o meio movimenta, pelas centenas de milhares ou mesmo milhões de telespectadores que apreciam diariamente sua programação e, por conseguinte, consomem os produtos anunciados por ela, ou ainda pela sua relevância como influente divulgador de ideologias e ditador de regras e modos. Essas leituras, por si só, já serviriam para que se imaginassem as inúmeras tensões que o campo produz. Quando, a esse já tenso campo, incluem-se as especificidades e idiossincrasias da universidade e de seus agentes, as relações ficam ainda mais intensas. Para compreender esse emaranhado de vertentes relacionadas aos campos universitário e televisivo surgiram as mais requintadas matrizes sociológicas, e a escolha de uma delas para o trabalho requereu certo cuidado, uma vez que uma teoria pode ser indicada para observar determinado fenômeno, mas pode impor limitações ou 77 Entrevista realizada por Maria Andréa Loyola, em 27 de outubro de 1999, e publicada pela Editora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, em 2002. A entrevista foi exibida pelo Canal Universitário do Rio de Janeiro, em 2000. 184 restrições a outros. O modelo de análise sociológica escolhido para esta discussão, como já dito nos capítulos anteriores, foi a de Pierre Bourdieu, uma vez que suas teorias são indicadas para compreender tanto um campo quanto outro. O autor formulou o conceito de campo com a finalidade de torná-lo um paradigma teórico que fosse adequado à análise de diferentes universos. O conceito de campo foi empregado repetidamente e em espaços sociais distintos, tais como na literatura, na alta costura, na filosofia, na política, e outros. Ao analisar diferentes campos, Bourdieu verificou que existem semelhanças estruturais e funcionais entre eles; assim, inferiu ser possível transferir os conhecimentos obtidos na análise de um campo para interrogar outro campo. Nessa perspectiva, o autor compreendeu que os campos têm, concomitantemente, atributos particulares e leis comuns, ou, segundo o autor, normas invariantes. A presente pesquisa, valendo-se da teoria de Bourdieu, procura averiguar a possibilidade de o Canal Universitário de São Paulo constituir-se como um campo. Ao estudar o espaço social do esporte, buscando compreender a existência ou não de um campo esportivo, o autor faz o seguinte questionamento: [...] existe um espaço de produção dotado de uma lógica própria, de uma história própria, no interior do qual se engendram os ―produtos esportivos‖, isto é, o universo das práticas e dos consumos esportivos disponíveis e socialmente aceitáveis em um determinado momento? (Bourdieu, 1983a:136). Também este trabalho, guiado pelas mesmas inquietações de Bourdieu, buscou informações para verificar, nos espaços de produção das tevês universitárias de São Paulo, a existência de história e lógicas próprias; de um espaço estruturado; e de dominantes e dominados. Para compreender as lógicas, as histórias e as especificidades das tevês universitárias, foi preciso, num primeiro momento, buscar informações acerca dos campos que se inter-relacionam com as tevês integrantes do Canal Universitário de São Paulo. Nos capítulos anteriores procurou-se apresentar a história de cada campo [universitário/televisivo]. Essa opção metodológica configurou-se como elemento fundamental para a compreensão das lutas que se travam no cenário e das relações existentes no mundo da produção das televisões universitárias. Para Bourdieu (1989), 185 a história ocorrida nos campos configura-se como produto de uma luta, na medida em que as lutas que foram travadas no passado continuam no presente e no futuro desses campos, manifestando-se em todas as suas dimensões e formando o habitus incorporado em cada um deles. Sobre, especificamente, essa questão, Bourdieu diz que o ser social se define como ―aquilo que foi; mas também que aquilo que uma vez foi ficou para sempre inscrito não só na história, o que é óbvio, mas também no ser social, nas coisas e nos corpos‖ (Bourdieu, 1989:100). Visando à compreensão dos campos que fazem fronteiras com as tevês universitárias, foi efetivado, a partir de pesquisas secundárias realizadas com base em diversas fontes documentais, o levantamento dos dados apresentados até esta etapa da tese. As informações organizadas possibilitaram a apreensão dos elementos estruturantes presentes nos campos universitário, televisivo e televisivo educativo. As pesquisas efetuadas, fonte de dados empíricos, confirmaram a existência de conflitos e tensões nas relações entre as televisões universitárias de São Paulo e suas instituições de fronteira. Todo o aparato documental organizado e analisado forneceu muitas pistas relevantes, porém insuficientes, para a análise pretendida. Visando à obtenção de dados mais consistentes, optou-se pela realização de entrevistas semiestruturadas com os diretores de quatro das tevês universitárias de São Paulo. A escolha desses agentes ocorreu tendo em vista que esses profissionais, dentro do organograma de uma tevê universitária, têm papel importantíssimo. A primeira diretora da TV USP, Marília Franco (2006: 08), define o diretor de uma tevê universitária como aquele que: [...] propõe, orienta, supervisiona e responde por tudo o que acontece no desenvolvimento da produção e da difusão dos programas. Gerencia e garante as condições administrativas, financeiras e técnicas para a realização da programação. Analisa, avalia e planeja para garantir o presente, pensando o tempo todo no futuro. Necessita de sensibilidade, já que não há verba para pesquisa de audiência, de perceber o que está dando certo na programação, o que precisa melhorar e o que tem de mudar, acabar, recriar. Deve estar permanentemente atualizado e atento às inovações tecnológicas e saber a hora em que ainda dá para aguentar a velha máquina e quando a mudança é indispensável para garantir a qualidade mínima do trabalho. Precisa manter a equipe motivada e unida. Tem de propor disciplina e hierarquia, sem tolher a iniciativa e a criatividade, pois, sem isso, a TV não irá para frente; também ter 186 plena consciência e eterna vigilância de que o desentendimento no set de gravação aparece na tela, das formas mais inesperadas [...] 4.5.1 Pesquisa: apresentando os jogadores Para a construção do protocolo metodológico, levou-se em consideração que, em função da lei, diversas universidades com condições, propósitos e características diferentes, estão juntas num único canal. Sendo assim, procurando dar espaços para as diversas universidades e, portanto, para as variadas especificidades de voz, foi feito o seguinte recorte: Universidade Presbiteriana Mackenzie – Entidade confessional Entrevistado: Daniel De Thomaz Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – Entidade Comunitária Entrevistado: Julio Wainer Universidade de Santo Amaro – Entidade Particular Entrevistado: Francisco Claudio G. Lemos Universidade de São Paulo – Entidade Pública Entrevistado: Prof. Dr. Pedro Henrique Ortiz Antes de apresentar os resultados efetivos da pesquisa realizada, é importante voltar ao conceito que balizou todo o processo investigativo, a fim de não gerar qualquer dúvida. Todo o esforço empreendido para a pesquisa deu-se no sentido de buscar definir o lugar da televisão universitária a partir dos estudos dos campos: universitário e televisivo. Estudar o campo a partir das orientações bourdianas obriga a buscar, também em Bourdieu, outro conceito, considerado por ele o par lógico da teoria de campo. O autor apresenta o habitus como uma natureza incorporada, como um princípio gerador das práticas efetivadas, como fundamento da regularidade de condutas. O autor concebeu a definição de habitus em função da necessidade empírica de apreender as relações de afinidade entre o comportamento dos agentes e as estruturas e 187 condicionamentos sociais, ou seja, estruturas e condicionamentos existentes nos campos. O conceito surge como um mediador: conciliar a oposição entre as realidades exteriores e as realidades individuais. Partindo do princípio de que habitus se configura como a subjetividade socializada (Bourdieu, 1992:101) e que a relação entre indivíduo e sociedade está imbricada entre o individual/pessoal e o subjetivismo, a pesquisa de campo foi estruturada e analisada. A pesquisa realizada dividiu-se em três partes: na primeira, com foco mais específico no perfil do diretor, buscou-se conhecer sua formação acadêmica e experiências anteriores; na segunda, num viés mais institucional, procurou-se respostas para as seguintes questões: em que medida o habitus, as tomadas de posição, as escolhas que os diretores assumem na produção diária das tevês universitárias, na relação com a comunidade, na opção por essa ou aquela pauta, são práticas sociais que fazem parte do ethos do profissional; na terceira e última parte, visando entender como esses agentes pensam o segmento, foi pedido que eles falassem acerca das perspectivas para o futuro do canal. A técnica utilizada foi a de entrevista pessoal gravada em áudio e vídeo, realizada a partir de um roteiro previamente definido. Apesar da estruturação do roteiro, destaca-se a atuação da própria pesquisadora, que assumiu condição interativa em dinâmica de diálogo, durante Considerando que foi realizada uma pesquisa do tipo qualitativa, ou seja, aquela na qual o pesquisador desenvolve conceitos, ideias e entendimentos a partir de padrões encontrados nos dados, em vez de coletar dados para comprovar teorias, hipóteses e modelos preconcebidos [Reneker, 1993], a aferição dos dados ocorreu a partir da abordagem interpretativa e buscou compreender o fenômeno em função das informações obtidas por meio das respostas dos diretores. Para o entendimento das posições dos agentes, optou-se pela transcrição direta das falas dos diretores. A intenção foi apresentar, sem qualquer tipo de interferência ou modificação na forma e no conteúdo, o que foi captado nas entrevistas. Os trechos selecionados destinam-se a análises dos temas que serão abordados neste item do trabalho. A íntegra das entrevistas consta dos anexos da pesquisa. 188 No processo de compreensão deste cenário, adotou-se como fonte para o diagnóstico, além das respostas obtidas na pesquisa de campo, a análise dos textos escritos pelos reitores das universidades que faziam parte do Canal Universitário de São Paulo quando da comemoração de seus dez anos no ar. Esses depoimentos foram publicados no livro ―CNU a universidade que você assiste há 10 anos‖. Para a interpretação desta análise, utilizaram-se os procedimentos metodológicos da análise de conteúdo, que, segundo Bardin (2009), configura-se como ―[...] um conjunto de técnicas de análise das comunicações que utiliza procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens‖. Desta forma, a AC configura-se como um método que trabalha com a palavra, permitindo, de forma prática e objetiva, produzir inferências acerca dos conteúdos comunicados. Como componente do habitus, o ethos, segundo Bourdieu, assume a função de princípios interiorizados que guiam a conduta dos agentes do campo de forma inconsciente. Esses princípios podem ser adquiridos a partir de vários pressupostos, entre eles a formação escolar. A primeira parte da pesquisa realizada com os diretores teve como objetivo traçar o perfil desses profissionais, uma vez que o campo de produção de conteúdos midiáticos tem regras específicas que, muitas vezes, se encontram em seus próprios agentes e nas suas relações com os demais. Dos quatro entrevistados, três deles (Lemos - Unisa, Thomaz – Mackenzie e Ortiz - USP) são jornalistas de formação; destes, dois têm títulos de mestre ou doutor (Mackenzie e USP) e apenas Ortiz se declarou com experiência no fazer televisivo. Isto pode ser observado a partir da analise do quadro a seguir. Instituição Idade Formação Professor Lattes Titulação Tempo Outras cargo experiênciastelevisivas PUC 48 Arquiteto Sim Sim 5 anos Não Jornalista Sim (não Sim 9 anos Sim Doutor na USP) Graduado USP 45 189 MACK Jornalista Não Não 13 anos Não Não Não 12 anos Não Mestre Unisa 49 Jornalista Graduado Quadro 20 – Perfil dos Agentes do Campo Num primeiro momento da análise, a questão da ausência de experiências anteriores pode parecer um fator negativo, visto que o fazer televisivo dos diretores entrevistados concretizou-se a partir dos referenciais encontrados nas próprias tevês universitárias, porém, ao se analisar a mesma questão a partir das perspectivas de habitus, de Bourdieu, tem-se outra interpretação desta mesma situação, já que, para ele, a televisão exerce no jornalista, em função da lógica do comércio simbolizada pelos índices de audiência, uma total influência. Além disso, o autor vê o habitus como um esquema individual formado a partir de disposições estruturadas (campos) e estruturantes (mentes) adquiridas nas e pelas experiências vividas. Portanto, se não houver habitus anteriores, essas ―disposições‖ poderão ser formadas diretamente no ambiente de produção das televisões universitárias, as quais, como já dito, não balizam suas produções em função do índice de audiência. 4.5.1.1 Coerências e incoerências em jogo No roteiro da pesquisa78, realizada no formato inquérito pessoal, entre 2009 e 2010, também foram solicitadas informações acerca do modelo organizacional dessas tevês. Mais especificamente procurou-se conhecer a estrutura física de produção dessas tevês. Segundo informações dos quatro agentes pesquisados, indo na mesma direção de todas as tevês participantes do CNU-SP, as universidades possuem estrutura física exclusiva para as tevês universitárias, ou seja, não há qualquer relação 78 As entrevistas foram gravadas em áudio. O conteúdo, na íntegra, em CDROOM, faz parte dessa tese como anexo. 190 de compartilhamento com os laboratórios de tevê das IES. Todas as falas obtidas como resposta a essa questão levam a deduzir que as tevês universitárias se comportam como uma produtora dentro da universidade. Lemos (2010): [...] ela [a TV] tem toda a estrutura técnica de uma TV normal, temos ilha de edição, temos Kits de Externas, temos carro, temos sinal de satélite para transmitir ao vivo; então, temos toda a estrutura de uma TV. Um recorte necessário a esse item da pesquisa diz respeito à possibilidade de transmissão ao vivo. Somente a TV Unisa, atualmente, tem condições de transmitir ao vivo sua programação, tendo em vista que utiliza os recursos da Unisa Digital, órgão responsável pelas produções audiovisuais para os cursos oferecidos na modalidade a distância. Ambos os setores, TV e o Complexo audiovisual da Unisa Digital estão concentrados num único local e isso facilita a atuação e a otimização dos recursos. Como já dito em outro trecho deste capítulo, a TV Unisa configurou-se como fonte de inspiração para a concepção do núcleo audiovisual: Lemos (2010) [...] a TV foi a base para o ensino a distância. A experiência da televisão permitiu à Unisa propiciar aos alunos do EAD um ensino a distância diferenciado O número de funcionários das tevês pesquisadas gira entre 8 e 25 pessoas; entre eles percebe-se a presença, nas quatro universidades, de técnicos, estagiários, porém em nenhuma delas há professores envolvidos diretamente na produção de conteúdos: Ortiz (2010): [...] em São Paulo, a TV USP tem atualmente 12 funcionários (8 de nível superior e 4 de nível técnico) e 14 vagas para estagiários. Os funcionários destacados pelo diretor como tendo formação de nível superior são, basicamente, jornalistas e produtores que, em momentos anteriores, foram estagiários da TV USP. Uma das características das tevês universitárias é buscar sua mão de obra na própria universidade e formá-la a partir de suas especificidades e necessidades. Os motivos para essa ação são vários, desde a necessidade de formação de um profissional com características mais humanísticas, já que vão trabalhar com um público específico, até questões de cunho econômico, pois contratar alguém de fora do meio universitário pode significar um gasto incompatível com o veículo. Os salários praticados pelas IES para esse segmento de colaboradores, normalmente, é 191 abaixo do mercado, o que provoca um ―turnover‖ bastante grande nas tevês universitárias. Ainda na tentativa de compor a estrutura organizacional das tevês participantes do CNU, perguntou-se aos diretores a qual setor da universidade a tevê estava ligada e como ocorria o relacionamento, considerando a hierarquia estabelecida. O questionamento envolveu, também, a inserção da tevê e sua aceitação pelas demais áreas da IES. Ratificando as colocações da autora no início deste capítulo, quando indicou a concentração das vinculações das tevês no topo das organizações, todos os diretores apontaram a reitoria como o órgão ao qual as tevês se reportam, com exceção da TV Mackenzie, que se reporta à vice-reitoria. A TV USP está, segundo seu diretor, vinculada à Coordenadoria de Comunicação Social da Universidade, como os demais veículos da instituição; esta, por sua vez, subordina-se à reitoria Ortiz (2010): [...] a CCS é um órgão central da universidade e seu coordenador responde diretamente à Reitoria. Quanto ao relacionamento com os órgãos aos quais estão subordinadas, bem como à comunidade acadêmica como um todo, há unanimidade em dizer que as tevês de suas universidades são vistas com respeito e que a relação entre todos os envolvidos é bastante positiva. Todos os entrevistados declaram-se livres para a proposição de pautas diversas. Ainda que haja o vínculo institucional, há total liberdade para a produção: Lemos (2010): [...] eles [reitoria] dão opinião de pautas, mas não temos que seguir obrigatoriamente nada. Ortiz (2010): [...] temos total autonomia em nosso trabalho, sem ingerências políticas ou institucionais de qualquer segmento da universidade. Thomaz (2010): [...] nunca houve qualquer tentativa de censura, inclusive nós já fizemos programas polêmicos aqui. Já fizemos programas sobre homossexuais, sobre cachaça, sobre drogas na classe média [...] e passou numa boa. Nunca houve problema, o máximo que já aconteceu foi [...] em um segundo momento a chancelaria propor um programa para dar o seu parecer institucional a respeito do tema, mas nunca se deixou de veicular nada. Wainer (2010): [...] jamais interferem em conteúdo; a gente tem liberdade para fazer. Também sabemos que a gente vai ser avaliado de acordo com a nossa produtividade. 192 Sobre essa questão, faz-se necessário relativizar. A autonomia à qual se referem os entrevistados diz respeito aos conteúdos abordados na programação, porém é preciso destacar que a autonomia dentro de uma televisão universitária está sempre subordinada à autossustentabilidade orçamentária. Nenhum dos diretores das tevês entrevistadas declarou ter orçamento próprio; ao contrário, as quatro tevês sobrevivem, basicamente, de verbas oriundas da própria universidade. Mesmo a TV PUC, que, no passado, foi autônoma, hoje, segundo seu diretor, ―gasta mais do que traz‖. Portanto a autonomia à qual se referem os diretores diz respeito ao reconhecimento oficial que têm enquanto mídia institucional e aos procedimentos de seleção de temas e abordagem destes nos programas. Ratificando esse argumento, o diretor da TV PUC diz a esse respeito: Wainer (2010): [...] tendo autonomia, não precisa de muito. Sei que não temos verba ilimitada; quando tenho contrato firmado, ou seja, vai entrar dinheiro, aí a PUC é rápida; ou seja, se houver mais contrato, você tem mais espaço e agilidade. Sobre a relação entre a tevê e os cursos de Comunicação Social, todos os entrevistados, ainda que declarando haver boas relações, revelam inexistirem vínculos, reflexo do que ocorre na maioria das tevês universitárias de São Paulo. Dos entrevistados, somente o diretor da TV Unisa diz manter estreita relação com os cursos. Lemos (2010): [...] nós somos a única televisão universitária que os alunos usam todos os recursos que nós temos no canal universitário. Tanto que os alunos de jornalismo e radialismo entram ao vivo no canal universitário [...] e é legal que cria uma interação e é uma experiência de TV. Essa importância dada à experimentação não fica evidente nas demais entrevistas: Wainer (2010): [...] o aluno de comunicação, aqui da PUC, não vê muita graça em ter uma bolsa para trabalhar conosco; eles querem ganhar uma bolsa para outro veículo que os instigue mais, porque a televisão é muito mecânica; toda hora tal dia fazer câmera, não é muito criativo na sua operação técnica. Tô falando dos nossos alunos da PUC, de jornalismo, não temos rádio e TV, mas se tivéssemos, não sei se eles gostariam. Não é um trabalho criativo, inovador; é repetitivo. TV é uma repetição, é uma fórmula nova, mas que se repete depois a cada semana, a cada dia. A participação de outros setores da universidade na gestão, administração e produção das tevês, segundo seus diretores, ocorre de maneira bem superficial. 193 Segundo os entrevistados, a participação se dá, de modo esporádico, nas apresentações e/ou em aparição em programas. Mesmo tendo espaço pré-definido para os diversos setores da universidade, segundo Wainer (2010), os professores ainda ―têm medo de mostrar a cara‖. A programação das tevês dirigidas pelos entrevistados segue a mesma linha das tevês universitárias como um todo. Não houve qualquer declaração relevante que apontasse para algo inovador. Em todas as falas evidenciaram-se pautas com foco na sociedade a partir do pensamento da universidade. Ortiz (2010): [...] na TV USP procuramos produzir TV Universitária de qualidade. Considerando que o foco deste trabalho é identificar se, entre os campos universitário e televisivo, há espaço para a televisão universitária, saber em que medida os diretores das tevês universitárias são influenciados pelas pautas, habitus e linguagens das tevês abertas é bastante adequado. A seguir são transcritas algumas afirmações dos entrevistados quanto à influência da tevê aberta sobre suas condutas: Wainer (2010): [...] não adianta, simplesmente, copiar para querer ser igual. Lemos (2010): [...] a influência é muito pouca. Thomaz (2010): [...] a gente não se prende a isso, não; a gente procura desenvolver o nosso próprio formato, até porque não teria sentido a gente fazer uma coisa similar a que é feita na TV aberta, porque nós não temos os recursos necessários para isso. Ortiz (2010): [...] na TV USP procuramos produzir TV Universitária de qualidade, nos atentando a padrões de qualidade técnica, estética e de conteúdo que herdam alguns conceitos da TV aberta, porém nos dedicamos mais a produzir televisão dentro do âmbito do campo público de TV, ou seja, televisão educativa, informativa, cultural, não comercial. Ainda que timidamente, com exceção do diretor da TV Mackenzie, os demais entrevistados, de uma forma ou de outra, admitem a influência da teve aberta em sua programação. Essas respostas lacônicas talvez tenham uma explicação: o fato de, com exceção do diretor da TV USP, todos os outros diretores terem formação na própria tevê universitária que dirigem, ou seja, o habitus da tevê aberta talvez não esteja incorporado nos agentes. Para Nogueira e Nogueira (2004), os indivíduos, ao incorporarem um habitus, 194 [...] agiriam orientados por uma estrutura incorporada, um habitus, que refletiria as características da realidade social na qual eles foram anteriormente socializados. Instala, assim, uma importância à dimensão do aprendizado passado e afirma que este está no princípio do encadeamento das ações; portanto, a prática é resultado de um habitus incorporado a partir de uma trajetória social (Nogueira e Nogueira, 2004:33). Quando se questionou acerca da programação, mais uma vez as respostas confirmaram as informações já apresentadas anteriormente a partir do levantamento de dados secundários, ou seja, segundo os entrevistados, o foco da programação concentra-se nos temas Educação e Cultura no formato entrevista, com cerca de duas horas e meia de produção semanal. É interessante confrontar um dado acerca desses temas. Entre 2001 e 2002, a presente pesquisadora realizou um estudo sobre o CNU-SP no qual identificou que as tevês participantes do consórcio, à época, produziam, de forma inédita, entre duas e duas horas e meia de programação semanalmente (LIMA, 2002). Isso significa dizer que depois de dez anos passados, a capacidade de produção dessas tevês quase não se alterou. Na apresentação de cada tevê universitária, relacionou-se uma significativa quantidade de títulos por tevê. No entanto, essa variedade de títulos não está presente na produção semanal, a qual, seguindo o regulamento do CNU-SP, mantém-se em duas horas e meia, o que acarreta o já apresentado problema da reprise de programas além da ausência de padronização na exibição dos títulos, pois, como há diversidade destes, as tevês os exibem de acordo com sua capacidade de produção. Considerando a cultura televisiva existente, marcada pela existência de uma grade de programação com horários fixos de exibição, a grade flutuante do CNU-SP configura mais uma dificuldade de fidelização do telespectador. Outro viés da pesquisa procurou entender o grau de conhecimento que os diretores dessas tevês têm de seu público receptor, com a intenção de identificar para qual público os programas são direcionados. As respostas foram genéricas: ―público em geral‖; ―zapeador‖, ―todo mundo‖, ―segmentos universitários‖. Wainer (2010): [...] por quem tá em casa zapeando. Lemos (2010): [...] na última pesquisa que a gente fez resultou em 140 mil pessoas/dia passando pelo canal universitário. 195 Thomaz (2010): [...] a TV Mackenzie quer falar com todo mundo; a gente não fala nem faz distinção de público. Ortiz (2010): [...] pretendemos reforçar a presença do CNU e seu alcance junto aos segmentos universitários (alunos de graduação e pós-graduação, professores e funcionários) e o público em geral. Com base nas falas dos diretores, é possível afirmar que falta a eles clareza em identificar os públicos receptores. Alguns dizem, explicitamente, que os alunos não assistem à programação de suas tevês. A análise dessa questão deixa a impressão de que há um consenso entre as tevês acerca deste tema. O conformismo com a situação é claro. Wainer: (2010): [...] o aluno não vê. Ele já passa quatro horas e meia aqui; quando chega em casa a última coisa que ele quer ver é a gente. Lemos (2010): [...] em minha opinião, não temos linguagem e nem formação para falar com o jovem. O jovem ou está na universidade ou está passeando ou estudando. Como parte das comemorações de dez anos de existência do Canal Universitário, em 2007, foi realizada uma pesquisa junto às instituições de ensino integrantes do CNU-SP para tentar saber o grau de conhecimento de seus alunos e professores sobre a programação do Canal. Já naquela época, identificou-se que 51% dos entrevistados (alunos, professores, funcionários) nunca tinham ouvido falar no canal. Dos 49% que se declararam conhecedores do canal, 45% disseram que já haviam assistido a ele. Isso significa que apenas 25% da comunidade interna já assistiu, mesmo que esporadicamente, à programação do CNU-SP. Essa falta de conhecimento sobre o público alvo de sua programação vem sendo discutida desde que o Canal foi posto no ar. Gabriel Priolli, principal articulador do setor, em entrevista para a presente pesquisadora, em 2002,79 disse que grande parte das universidades que fazem televisão, atualmente, não enfrenta o debate conceitual, além de ter pouca clareza sobre a natureza e a finalidade do que oferecem ao público. Como produzir sem saber para quem? Num primeiro momento essa situação parece incoerente e sem sentido. Nestes mais de dez anos no ar, a questão que norteou a produção das tevês foi: com quem eu penso que falo ou com quem eu gostaria de 79 Entrevista realizada para a produção da dissertação de mestrado – agosto / setembro 2002. 196 falar. Ou seja, busca-se um público ideal para a programação do canal. Essa maneira de se fazer tevê, que num primeiro momento pode parecer excêntrica – característica atribuída à administração de Assis Chateubriand à frente dos Diários Associados - ou amadora, tem respaldo científico. Os produtores cinematográficos, por exemplo, fazem muitas suposições a respeito de seus públicos. Para resolver esses dilemas, os estudiosos do cinema criaram o ―modo de endereçamento‖ (Ellsworth, 2001) que, de uma maneira bem simplificada, diz respeito à necessidade de endereçar alguma comunicação (texto ou ação) a alguém. De maneira consciente ou não, é desta forma que a programação dos canais universitários tem sido produzida, ou seja, com vistas a um público ideal, na medida em que não há verbas para que, periodicamente, sejam feitas pesquisas, como ocorre nas tevês comerciais. Com características de um condomínio, o canal universitário de São Paulo junta, num único espaço, instituições com características e objetivos diferentes. Atualmente, participam do CNU-SP oito universidades que direcionam suas ações e programações para caminhos que, na maioria das vezes, não se cruzam. Para entender como ocorrem as relações entre as IES integrantes do CNU-SP, foi perguntado aos diretores como eles avaliam a convivência entre as diversas instituições. Os quatro diretores inquiridos avaliam como amistosa, no entanto destacam o fato de não conseguirem efetivar qualquer programação em conjunto. Lemos (2010): [...] uma relação de condomínio, onde todas têm um interesse geral de um canal universitário, onde tudo é feito em consenso, mas cada universidade tem interesses individuais que são de suas reitorias. Thomaz (2010): [...] o canal universitário, ele, hoje, é muito mais um ponto de encontro de trocas de experiência e discussões sobre programação e dali pra frente todos voltam para a sua casa e habilitam ou não aquilo que interessa. Wainer (2010): [...] atualmente, não há parceria para a efetivação de programas conjuntos. Ortiz (2010): [...] procuramos criar espaços de cooperação e coprodução entre as tevês e voltamos recentemente a produzir um programa do canal, o Conexão Universitária. Nossas decisões são tomadas nesses dois colegiados (CG e DE) e procuramos sempre a busca do consenso ou a aprovação da maioria. Em uma análise mais aprofundada, conclui-se que o maior entrave do segmento está na questão da efetivação de uma programação conjunta, ou seja, que seja assinada pelo Canal Universitário de São Paulo e não pelas tevês individualmente. A efetivação de uma programação conjunta mais homogênea significaria a redução do 197 tempo de exposição das tevês e ampliação da exposição do CNU-SP. Convém lembrar que, sobre esse tema, em trabalho realizado entre 2001 e 2002 pela presente pesquisadora, ficou demonstrado que uma das motivações que levou as universidades a aderir ao empreendimento foi, de fato, a exposição da imagem institucional. Uma programação efetivada pelo CNU-SP, em conjunto com as demais IES, significaria a diminuição da exposição de imagem individualmente. A incapacidade de planejar e agir em conjunto, para além da mera exposição da marca, leva, também, à ausência de uma visão do potencial produtivo do Canal Universitário de São Paulo, que inclui, no mínimo, oito ilhas de edição, mais de 100 funcionários, 8 unidades de externas, 8 estúdios para gravação e uma verba anual de R$ 4.000.000,00 (quatro milhões de reais) apenas para produção dos programas. Em termos comparativos, no segmento de tevês públicas, pode-se citar a TV Cultura de São Paulo, que tem uma verba de cerca de R$150.000.000,00 (cento e cinquenta milhões de reais) anuais, incluindo despesas com pessoal. Com a finalidade de verificar a opinião dos diretores sobre as perspectivas para o setor, pediu-se que os entrevistados expusessem, num exercício de futurologia, o que eles imaginam para o segmento num futuro próximo. As respostas convergiram no sentido da necessidade de investimento para que o empreendimento alcance novos patamares. Lemos (2010): [...] eu não vejo o CNU com perspectivas maiores, a não ser que ele tenha uma parceria muito grande. Thomaz (2010): [...] tudo para funcionar tem que ter capital; você nunca vai conseguir fazer uma coisa sem investimento. Ortiz (2010): [...] o CNU está mais uma vez em um momento de redefinições [...] Queremos estabelecer novas parcerias e captar apoios culturais para o canal. Wainer (2010): [...] acho que o CNU é uma janela de visibilidade de uma universidade, um espaço de compartilhamento, o espaço de TV mais a internet não vai ser tão disputado como já foi. Sobre esse quesito, é interessante destacar o fato de que nenhum dos entrevistados tenha citado a possibilidade de o canal utilizar o espectro digital. Em 2006, com o decreto (5820) de implantação da TV Digital no Brasil, foi préestabelecido que o Estado ficasse com possibilidade de exploração direta de 4 canais canal do executivo, canal da educação, canal da cultura e canal da cidadania. A não 198 citação dessa questão é ainda mais grave, se for considerado que dois dos entrevistados são integrantes da ABTU, a qual, desde a implantação da TV Digital no país, tem como bandeira principal garantir um espaço no espectro digital para as televisões universitárias. 4.5.2 Os cartolas em campo: pesquisa com reitores Com o objetivo de identificar o grau de valorização que as reitorias atribuem às suas tevês universitárias, faz-se, a seguir, uma análise do conteúdo das comunicações efetivadas pelos principais gestores das televisões universitárias integrantes do CNUSP durante as comemorações dos 10 anos do Canal Universitário. As falas foram publicadas no livro organizado por Thomaz, em 2007, obra já utilizada na fundamentação teórica deste trabalho em outros momentos. Para iniciar esta fase do trabalho, algumas observações são importantes: serão analisadas 10 (dez) comunicações, pois, em 2007, ainda faziam parte do CNU-SP a Unicsul e a Unifesp; permanecem, em 2011, no cargo, os autores de seis instituições; houve alteração na configuração da gestão nas seguintes universidades: PUC, Unifesp, Unisa e USP; das dez comunicações, nove foram assinadas pelas reitorias, com exceção para o Mackenzie, que teve o texto assinado pelo vice-reitor. Como sugere Bardin (2009), uma possibilidade de se proceder a uma análise de conteúdo é fazer uso da categorização de temas. Os textos publicados são passíveis de tematização, o que será feito a partir da determinação daquilo que foi tratado pelos reitores e que remete ao que está sendo analisado neste trabalho. Importante destacar que, no livro citado, foi dado um espaço de até duas laudas para que a opinião das reitorias a respeito do CNU-SP pudesse ser apresentada. Nesse espaço, os dez reitores formularam suas hipóteses acerca do papel da tevê universitária em suas gestões. Isso posto, apresenta-se e analisa-se, a seguir, o conteúdo publicado no livro de comemoração de 10 (dez) anos do CNU-SP. 199 O primeiro tema que se destaca nos discursos publicados é o papel da tevê como um espaço democrático de construção e disseminação do saber. Exemplificam essa temática as falas dos reitores: [...] o canal universitário representa possibilidade de irradiação do conhecimento produzido. Veras (2007: 123 - PUC) [...] a produção televisiva deve estar voltada cada vez mais para a cidadania e para a democratização da informação e do conhecimento. Mesquita (2007: 124 - USJT:) [...] os programas apresentados contribuem para aproximar sociedade e universidade, por meio de veículo de grande alcance, com é a televisão. Vilela (2007: 133 – USP) A construção e disseminação do conhecimento são temas de grande relevância para as sociedades contemporâneas, e a universidade, por sua história e inserção social, assume essa tarefa como seu principal objetivo. As tevês das universidades herdam esse compromisso, e ocupantes das reitorias reiteram esse papel e desejam que suas tevês cumpram aquilo que delas se espera: a democratização do conhecimento. Outro tema relevante, que é recorrente nos textos publicados, versa sobre a importância de uma televisão dentro do espaço acadêmico, o que pode ser verificado nas citações relacionadas abaixo. [...] o CNU é, por assim dizer, uma extensão da sala de aula, pois amplia o espectro da interação aluno – professor. Bicudo (2007: 126 – USM) [...] é inegável a contribuição do CNU-SP, que, permitindo diálogo entre duas instituições tão importantes – a universidade e a televisão -, assume, de fato, seu papel na ampliação do universo do conhecimento. Marquesi (2007: 128 – Unicsul) [...] o CNU exibe a um público crescente muito do que há de mais interessante em nossa produção acadêmica. Fagundes Neto (2007: 130 – Unifesp) No que se refere a essa questão, os reitores demonstram uma crença na capacidade da tevê universitária de preencher o hiato historicamente construído entre conhecimento científico e senso comum, representados, respectivamente, pela universidade e pela tevê comercial. Para eles, a tevê universitária faria a integração entre eles A relação da tevê universitária com o ensino e a pesquisa é tema presente na maioria das comunicações analisadas, como pode ser verificado pelos excertos destacados abaixo. 200 [...] e é fato notável que a forma da comunicação televisiva teve influência importante na educação, afetando inclusive as práticas em sala de aula. Di Genio (2007: 131 – Unip) [...] a TV Unisa é uma importante ferramenta que auxilia no processo educacional da sociedade e amplia conceito de informação e cidadania. Silva (2007: 132 – Unisa) [...] o seu conteúdo complementa aquilo que é ministrado nos cursos da instituição. Pinto Filho (2007: 127 – Uniban) Como instituição social, a universidade assume a responsabilidade de atuar com clareza no tripé ensino, pesquisa e extensão. Dadas as dificuldades para a realização de pesquisas e para a posterior incorporação dos seus resultados no mercado, os dirigentes das IES que participam do CNU-SP entendem que a tevê poderia ser um canal para disseminação dos resultados das pesquisas e para divulgação das ações de extensão, tão caras ao sistema de ensino superior brasileiro. Outro tema que aparece com frequência diz respeito à preparação para o mercado de trabalho, como pode ser verificado pelas seguintes falas: [...] a TV Unisa oferece a seus estudantes a oportunidade de colocar em prática as teorias ensinadas na sala de aula. Silva (2007: 132-Unisa) [...] a oportunidade que têm os alunos do Mackenzie em utilizar esta importante ferramenta para o seu aprimoramento [...] para a busca de uma boa colocação no mercado de trabalho. Ronzelli Jr. (2007: 122 – Mackenzie) [...] preparar o estudante com as melhores ferramentas para o exercício de suas atividades futuras. Veras (2007: 123 – PUC) Sobre esse assunto é relevante comentar que as tevês das universidades públicas (Unifesp e USP) que, a época, faziam parte do CNU-SP não fazem qualquer menção à relação entre tevê e preparação para o mercado de trabalho. Destaca-se também a contradição entre a afirmação dos reitores da PUC e do Mackenzie e o depoimento dos diretores das tevês dessas instituições. Enquanto os reitores destacam a importância da TV na formação para o mercado de trabalho, os diretores informam não haver qualquer relação dessa natureza, uma vez que a participação dos alunos é bastante restrita e pouco relevante para a sua formação. 201 4.6 Fim de Jogo: resultados das pesquisas Os resultados obtidos a partir da apuração do inquérito pessoal realizado junto aos diretores das tevês universitárias de São Paulo, em consonância com os dados apurados a partir da pesquisa documental, permitem que algumas considerações sejam anunciadas. Para a interpretação desses dados, mais uma vez, busca-se fundamentação em Bourdieu (2008), que considera o habitus como um princípio gerador do saber prático, ou seja, um conhecimento que se traduz em ações. Considerando que a expressão do habitus fica evidente ao relacioná-la à estrutura do campo, optou-se por apresentar, num primeiro momento, as interpretações feitas acerca da estrutura das tevês, englobando os recursos humanos, a linha editorial e a posição no organograma da universidade. As pesquisas realizadas revelam que as iniciativas para a implementação das tevês universitárias vêm se ampliando. Em treze anos, houve um crescimento significativo no número de universidades que detêm uma unidade de tevê; em 1997, existiam, no país, segundo dados da ABTU, 25 unidades de tevê instaladas em universidades; em 2010, segundo a mesma entidade, tem-se notícia de 151 tevês no segmento universitário. Esse crescimento, no entanto, não foi notado na mais importante cidade do país; ao contrário, o Canal Universitário de São Paulo, que já agregou 10 universidades, hoje conta com a participação de oito IES. Ainda assim, todos os envolvidos destacam a necessidade de ações que visem à sua sustentação, uma vez que a principal fonte de recursos ainda são as mantenedoras das universidades, e de ações no sentido de construir alternativas e meios para promover a integração entre essas tevês e suas comunidades. A falta de conhecimento sobre o segmento, dentro das próprias universidades que fazem parte do consórcio em São Paulo, é realidade desde sua implantação, porém informações efetivas a esse respeito foram obtidas, em 2007, quando, a partir da encomenda das próprias tevês universitárias, uma pesquisa foi realizada e constatou que nem dentro de sua instituição a tevê era conhecida. 202 Sobre a estrutura técnica, foi apurado que todas as tevês têm recursos próprios, sem precisar dividi-los com os laboratórios dos cursos de Comunicação Social e, quanto ao aspecto da subordinação, constatou-se que as tevês subordinam-se aos órgãos máximos da instituição, ou seja, às reitorias e/ou pró-reitorias. Em relação aos recursos humanos, notou-se o predomínio de equipes formadas por pessoas jovens, recém saídas da universidade. O envolvimento dos professores é bem reduzido, limitando-se, normalmente, a configurar-se como fonte para os diversos temas desenvolvidos nos programas das tevês. A participação dos alunos, na maior parte das vezes, ocorre a partir de duas possibilidades: ou o aluno é estagiário da tevê de sua universidade ou seus trabalhos são veiculados no espaço destinado à programação da instituição em que estuda. A pesquisa realizada aponta para uma relação amistosa entre tevês e comunidade acadêmica, porém percebeu-se um distanciamento entre as equipes de tevê e os demais setores da universidade. A relação mais estreita ocorre, mesmo, entre os professores e alunos dos cursos de Comunicação, em função, provavelmente, das afinidades entre os públicos. Quanto à programação, apurou-se que as produções refletem a missão do canal, que se coloca como veículo de comunicação dos assuntos universitários ou, ainda, como uma vitrine pela qual a universidade é revelada para a sociedade. Os assuntos abordados nos programas exprimem, de fato, o que a universidade pensa e, na maioria das vezes, o que produz. Ainda que não tenha sido o foco deste trabalho avaliar a programação das tevês universitárias, cabe uma observação quanto à concentração dos programas no formato debates gravados em estúdio. Destaca-se, ainda, a pouca capacidade de produção inédita – cerca de 3 horas semanais – o que se configura como uma fragilidade bastante grande do segmento, visto que, para suprir essa carência, ou a universidade reprisa indiscriminadamente seus produtos ou firma convênios com outras emissoras educativas e privadas para completar sua grade. 203 4.6.1 Agentes: trajetórias e disposições Buscando compreender as trajetórias e as disposições dos agentes em relação às tevês de suas universidades e ao CNU-SP, considerou-se, para além das pesquisas realizadas, o conhecimento que a entrevistadora tinha em relação aos pesquisados. Afinal, por mais de dez anos, ela esteve entre esses agentes, trabalhando num mesmo projeto. Nesse contexto, os processos de socialização familiar, escolar e profissional foram considerados para a análise que segue. Percebeu-se que, embora os profissionais entrevistados (três deles) pertençam a uma mesma classe profissional (jornalismo), são bastante heterogêneos, no tocante às experiências de vida, às condições de existência, aos volumes e estruturas de capital, aos títulos escolares, às instituições nas quais estudaram. Considerando às condições atuais de existência, as diferenças ficam ainda mais evidentes, tendo em vista as especificidades de cada uma das instituições. Os salários dos diretores flutuam muito de uma universidade para outra. Além disso, existem questões como acúmulo de funções e ou projetos de extensão que podem ser agregados aos rendimentos dos diretores. Outro fator preponderante que agrega diferenças significativas nesse quesito condições de existência - diz respeito à origem familiar. Um dos pressupostos que orientou a pesquisa realizada com os diretores e, posteriormente, a apuração de seus resultados, foi o de que a socialização inicial, ou seja, os habitus adquiridos em suas primeiras experiências, vivenciadas no contexto familiar, seriam, em suas trajetórias de vida, os responsáveis pela constituição do habitus orientador de suas práticas. Bourdieu (2000) ressalta que o habitus é consequência de um longo processo de aprendizagem formal ou informal a que todo agente está submetido desde seu nascimento. Nessa perspectiva pode-se concluir que a função da família na formação do habitus do indivíduo é muito importante, uma vez que é ela [a família] a responsável por inserir, num primeiro momento, o sujeito neste ou naquele grupo social. Considerando a importância do núcleo familiar para a estruturação do habitus dos 204 diretores, buscaram-se informações sobre do meio social no qual viveram a infância, sobre o que faziam seus pais e a influência que estes tiveram em sua formação. Parte dessas informações consta do quadro a seguir. Outras informações utilizadas na Pedro 02 Sim Pompeia Média (oeste) Pública Idade de ingresso no mercado de trabalho Escola (pública ou privada) Classe social declarada Universitários (irmãos) Região de moradia Número de Filhos (pai) Profissão (pai) Formação Entrevistado análise têm origem na relação desta pesquisadora com os entrevistados. 2º Grau Gráfico 16 anos Daniel 2º Grau Vendas 03 Sim Central Média Privado + Público 18 anos Julio 3º Grau Engenheiro 02 Sim Jardins Média + Privada + Pública 21 anos Claudi 2º o Grau Telégrafo 02 Sim Cidade Média Ademar Pública 21 anos (3 níveis) Quadro 21 – habitus dos entrevistados No quesito origem familiar dos diretores, concluiu-se que as condições de existência na infância e adolescência eram bem próximas, do ponto de vista econômico, cultural e social. Todos os entrevistados foram unânimes em dizer que suas famílias, ainda que de origem simples (exceto uma), deram, durante todo o período de formação escolar, muita importância à educação e, dentro de suas limitações, sempre os estimularam a estudar, o que foi interpretado, pelos diretores, como a condição ―sine qua non‖ para a origem de suas disposições para a formação em nível superior. No que tange ao processo de socialização primária, a pesquisa possibilitou, ainda, ratificar algumas perspectivas apontadas por Bourdieu. Observou-se que o volume de capital econômico das famílias refletiu-se nas escolhas dos estabelecimentos de ensino nos quais seus filhos estudaram. Outro ponto observado 205 diz respeito à possibilidade de aquisição de um maior volume de capital cultural, tanto em sua forma material (livros, quadros, etc.) quanto em experiências significativas para a perpetuação do capital cultural familiar (viagens, cursos de línguas estrangeiras, etc.). Durante a apuração dos dados, outro ponto que mereceu destaque diz respeito à formação dos diretores e o reflexo dessa formação nos seus habitus profissionais. Para Bourdieu (2004), a escola constitui-se como instituição capaz de possibilitar ao sujeito categorias de pensamentos que servem de guia para suas escolhas. Nessa perspectiva, cada pessoa sofre processos distintos de socialização ao longo de sua vida, dentre os quais se destacam a escolarização - habitus secundários - que vão se somando aos habitus primários, adquiridos no seio familiar. ―[...] do mesmo modo que a religião nas sociedades primitivas, a cultura escolar propicia aos indivíduos um corpo comum de categorias de pensamento que tornam possível a comunicação‖ (Bourdieu, 2004:205). Os habitus adquiridos ao longo do período de formação de cada um dos entrevistados ficam evidentes ao se analisar a trajetória, a equipe e o direcionamento dado às pautas, assim como a estrutura das tevês universitárias dirigidas por eles. Nesse sentido destacam-se as programações construídas e dirigidas por esses diretores de acordo com sua formação intelectual. Pelas informações obtidas ao longo deste trabalho e da pesquisa com os diretores, é possível inferir que os habitus desses agentes interferem no fazer televisivo, ou seja, afirma-se que a história de vida e as perspectivas profissionais desses agentes influenciam decisivamente a programação das tevês que dirigem. É preciso, no entanto, enfatizar que há diversos habitus agindo, em convergência ou não, nas tevês que compõem o CNU-SP, fazendo com que um jogo de poder e tensões ocorra, refletindo-se nos resultados efetivos da programação levada ao ar, bem como nas relações que se estabelecem entre os jogadores envolvidos no processo. Trajetórias de vida dos diretores, somadas ao perfil das IES, são fatores decisivos para a produção televisiva. Um diretor de tevê universitária deve produzir uma programação que atenda a interesses, muitas vezes, conflitantes; ao longo dos 13 206 anos do CNU-SP, observaram-se mudanças institucionais que levaram a mudanças na direção e no direcionamento das tevês. Como exemplos podem ser citados alguns casos: a USP, que manteve, por grande período, uma docente de longa trajetória na instituição e, posteriormente, optou por colocar, na direção, um profissional com menos experiência docente e perfil substancialmente diferente, o que, no entanto, não levou a mudanças efetivas na programação daquela tevê, ficando os hábitus do novo ocupante da direção como responsáveis por mudanças no processo e não no resultado. Outro caso é o da PUC/SP, única instituição com experiência em tevê anterior ao CNU/SP, que foi dirigida, durante aproximadamente uma década, por um profissional com trajetória em tevês comerciais e públicas. Mudanças no perfil da instituição levaram-na a modificar substancialmente a participação da tevê daquela universidade no CNU/SP e, também, sua capacidade de produção para outros fins. O profissional que substituiu o primeiro diretor foi escolhido dentro do novo posicionamento dado pela IES e tratou de adequar a produção aos objetivos institucionais e à sua trajetória e seu habitus. Em outro registro, mudanças estratégicas por parte de duas IES fundamentais à trajetória do CNU/SP – Unifesp e Unicsul – levaram suas mantenedoras a deixarem o canal, em 2007 e 2008, respectivamente. Isso ocorreu, mesmo havendo, por parte dos diretores dessas tevês e de diversos outros agentes, posicionamento contrário a essa decisão e a favor da permanência no canal. Nesses casos a mudança de rumos deveu-se a fatores não controláveis pelos diretores, na medida em que instâncias superiores – reitorias ou mantenedoras – tomaram a decisão unilateralmente. 4.7 CNU-SP: uma tentativa de emancipação As possibilidades de análises, abertas pela abordagem da tevê universitária a partir das concepções de Bourdieu, das pesquisas e do que foi construído nos primeiros capítulos, direcionam a entender as tevês que compõem o CNU-SP a partir de quatro perspectivas: TVU como subcampo da universidade; 207 TVU como subcampo da televisão; TVU como subcampo resultante da intersecção do campo universitário e do campo televisivo; TVU como campo. As duas primeiras perspectivas indicam a subordinação da tevê universitária a um dos campos já constituídos, ambas válidas na medida em que a TVU subordina-se às normas destes campos e não tem autonomia, mesmo que relativa, e tampouco legitimidade junto ao público externo para configurar-se como um campo autônomo. A partir daí cabe discutir se a tevê seria um subcampo da universidade ou do campo televisivo. A terceira caracterização indica algo tanto mais complexo; a construção de um subcampo como resultado de práticas e habitus de dois campos. Nesta configuração, a tevê universitária constituir-se-ia como um subcampo resultante daquilo que se constrói naqueles campos citados. A última caracterização leva à compreensão da tevê universitária como campo independente, o que, pelos argumentos apresentados até agora, indicando a dependência daquela em relação ao campo universitário, se revela como uma possibilidade inadequada para o tempo presente, pois: A comunidade acadêmica não a reconhece como integrante de suas práticas; O campo televisivo, predominantemente comercial, não se relaciona com ela e não a legitima; O público de interesse, principalmente alunos e professores, não participa de suas atividades nem mesmo, assiste a ela; A sociedade civil não influencia e não é influenciada por ela; Apenas a universidade é responsável por seu financiamento; 208 Ela mantém-se atrelada aos objetivos institucionais das universidades. Servindo como guia orientador, o resultado dessa investigação orienta-nos a apontar a televisão universitária como um subcampo do campo universitário, embora receba influências bastante peculiares e relevantes do campo televisivo. Essa afirmação parte do pressuposto de que a autonomia de um subcampo é relativa e subordinada a um campo maior e mais poderoso, no caso o da universidade. Na pesquisa realizada com os agentes do campo, todos foram unânimes em dizer que têm autonomia editorial, no entanto nenhuma das tevês universitárias de São Paulo tem recurso próprio, ou seja, todas dependem de verbas vindas das mantenedoras. Considerando que fazer tevê não é a atividade fim das instituições, pode-se inferir que a autonomia é bastante relativa. Trabalha-se com a ideia de subcampo, entendendo ser essa a configuração atual das tevês participantes do Canal Universitário de São Paulo. A tevê universitária constitui-se como um subcampo da universidade, tendo em vista sua integral dependência do campo universitário, que a enxerga como mais um veículo de comunicação com a sociedade. Essa definição apoia-se no seguinte argumento: a tevê universitária é um canal de comunicação das universidades e esse posicionamento adquiriu maior significado no sistema organizacional universitário em razão do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES), instituído pela Lei nº 10.861, de 14 de abril de 2004, que contempla, em suas dimensões de análise, a comunicação com a sociedade. Ainda assim, foi apurado que somente a Universidade Mackenzie faz constar em seu Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI) dados acerca da tevê. Nas demais IES, ainda que alocadas em destaque na hierarquia escolar, não há reconhecimento da tevê como um órgão realmente importante para as instituições. Este argumento traz uma definição do Estado, por meio do Ministério da Educação, que fixa que a universidade deve necessariamente comunicar-se com a sociedade, portanto a tevê universitária seria mais um veículo para a comunicação com os públicos de interesse das IES, da mesma forma que as revistas acadêmicas, os sites, os livros e as rádios. 209 Em relação ao campo televisivo, a tevê universitária desenvolve práticas e habitus característicos desse campo: formatos, linguagem, participação de profissionais especializados, veiculação no cabo, práticas de produção. Portanto o percurso da pesquisa leva a afirmar que, nas atuais circunstâncias, a tevê universitária configura-se como subcampo do campo universitário, pois não tem autonomia nem relativa, submetendo-se totalmente ao campo universitário. Corrobora esta afirmação a trajetória de duas tevês que fizeram parte do CNU-SP durante 10 anos: TV Unicsul e TV Unifesp, que, desde o início das produções do canal, se destacaram no modo de fazer e constituíram-se, por diversas vezes, como exemplo de fazer televisivo universitário, sendo utilizadas como referência para novas tevês do segmento e reconhecidas por instâncias externas ao meio universitário, que a elas concederam diversos prêmios. As tevês dessas universidades deixaram de fazer parte do CNU-SP por não mais atenderem aos objetivos das instituições, a despeito de seu reconhecimento tanto interno quanto externo. A perspectiva de análise adotada,em consonância com a afirmação de Machado, citado no início deste capítulo, considera que a televisão é aquilo que se fizer dela, ou seja, não há resultados definitivos para a compreensão de seu papel na sociedade. Avalia-se, também, que o cenário atual das comunicações no Brasil apresenta possibilidades nunca antes vistas ou experimentadas, que os brasileiros estabelecem relações tecnológicas nunca antes pensadas e vive-se um momento de convergências entre mídias. A tecnologia tem, continuamente, desde os anos 1970, apresentado possibilidade de expansão dos sistemas de televisão, inclusive o universitário e, a partir da digitalização do sinal, isso ganhou força, levando a sociedade a discutir o papel da tevê e as alternativas que poderiam desenvolver-se à margem do dominante modelo de tevê comercial. A possibilidade aberta pela digitalização dos sinais, de levar a programação das tevês universitárias para além do cabo, pode se constituir como uma nova configuração para essas tevês, que chegariam a todos os cidadãos brasileiros e não somente àqueles que podem pagar para ver tevê. Isso poderia, num futuro próximo, levar as tevês universitárias a conquistar uma autonomia relativa, na medida em que 210 prescindiriam das verbas de suas mantenedoras, algo que hoje não acontece. Talvez, assim, merecessem a classificação de campo televisivo universitário. Com autonomia, verba própria e presença em todos os lares brasileiros, o problema deste campo [tevês universitárias] seria a construção de uma programação que aproximasse a comunidade externa das instituições educacionais. A tecnologia facilita a produção televisual e isso tem levado à proliferação de mensagens, porém a sociedade brasileira está, nesse campo, à beira da entropia, que pode tornar o conjunto da produção televisiva ininteligível para o telespectador. Diante de tal emaranhado, este teria grandes dificuldades para selecionar ao que assistir e, mais ainda, para decodificar aquilo que é exibido. Talvez seja o momento de se efetivar o que foi escrito no artigo 2 - inciso d – do decreto (6283/1934) de criação da Universidade de São Paulo, que determina, como função da USP, ―realizar a obra social de vulgarização das ciências, das letras e das artes, por meio de cursos sintéticos, conferências, palestras, difusão pelo rádio, filmes científicos e congêneres‖80. 80 Decreto 6283/34 | Decreto nº 6.283, de 25 de janeiro de 1934 de São Paulo. Disponível em: http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/225246/decreto-6283-34-sao-paulo-sp. Acesso em 27set.2010 211 Considerações Finais - Universidade e tevê, intersecções entre campos A erudição e a tecnologia mais moderna não tiram, por si sós, o homem da barbárie e da opressão. Apenas dão-lhe mais um ―meio de vida‖, isto é, um meio de defesa e ataque na sociedade da concorrência. (Bosi; 1992: 342) Erudição e tecnologia, universidade e televisão: construção e disseminação do conhecimento são temas que perpassaram o trabalho desenvolvido ao longo de quatro capítulos. Como exemplo paradigmático, o Canal Universitário de São Paulo representa um ciclo que se fecha e, ao mesmo tempo, abre um novo. A tevê nasceu como resultado da pesquisa, que possibilitou a existência do novo meio, afastou-se da cultura erudita em busca da audiência e voltou a ela como parte integrante da comunidade acadêmica a partir da criação das tevês universitárias. Esse longo ciclo realizou-se no Brasil em algumas poucas décadas – entre 1950 e 1995 – período em que o país se transformou profundamente e as culturas buscaram adaptar o cidadão às novas formas de sociabilidade e de manifestação da vida. No cenário do Brasil do Século XXI, tanto tevê quanto universidade têm significativa participação na sociedade brasileira, que a elas dedicou grandes investimentos e delas espera retorno para sobreviver na ―sociedade da concorrência‖. O percurso de ambas – tevê e universidade – revela convergências mais que divergências. A Universidade, implantada tardiamente no Brasil, nas primeiras décadas do Século XX, ocupou-se, prioritariamente, da formação das elites com base em IES públicas, número restrito de vagas e destaque para instituições do eixo Rio São Paulo. A inexistência de projetos de universalização da educação básica, o que só ocorreria a partir dos anos 1930, favoreceu a manutenção de uma cultura baseada na oralidade. Pressões para ampliação do ensino superior, nos anos 1960, levaram o Estado a canalizar a oferta de vagas para IES privadas. Durante os anos 1970 e 1980, isso ocorreu lentamente. A partir dos anos 1990, seguindo orientações do Banco Mundial, no contexto do neoliberalismo, consolidou-se um sistema de ensino superior no qual as vagas eram oferecidas, majoritariamente, em IES privadas. Resumindo: a universidade surgiu pública e elitista e consolidou-se como serviço oferecido, por instituições sociais ou empresas, a diversos segmentos da população, com financiamento público e investimento pessoal. 212 No Brasil, a tevê surgiu no início da década de 1950. Foi a primeira da América Latina. Como registram os historiadores do segmento, não havia condições tecnológicas, técnicas e sociais para sua implantação. Sua primeira fase foi elitista, no conteúdo e no acesso. Posteriormente, o ambiente cultural do país favoreceu sua implantação, na esteira do sucesso do rádio. Em um país de analfabetos, o audiovisual seria essencial para fazer chegar as novidades do mundo moderno a grandes parcelas da população. Nos anos 1960, o Regime Militar investiu na tevê para que ela se tornasse o porta-voz da integração nacional, de acordo com os interesses do Estado. Dinheiro público e operação privada levaram à universalização da tevê nos anos 1970. As relações entre universidade e tevê revelam haver convergências em suas trajetórias e a tevê universitária poderia consolidar um processo de construção de um novo campo, o da tevê universitária. Esse segmento, neste início de século, momento em que o conhecimento é valorizado pelo conjunto da sociedade, poderia atuar para disseminar saberes produzidos pela cultura erudita das IES e atrair a sociedade para a discussão de temas relevantes a partir dessa cultura. A hegemonia do modelo de tevê comercial, com prioridade no divertimento fácil, e de IES que têm a tevê universitária como parte do marketing institucional, até o momento, inviabilizou a consolidação do campo "TV Universitária", mantendo o segmento, como demonstrado neste trabalho, como um subcampo da universidade. Afirma-se isso em função, principalmente, de dois aspectos: o primeiro é a ausência de autonomia, mesmo que relativa, da tevê universitária em relação ao campo universitário, devido à total dependência que essa tevê tem de financiamento por parte das IES, o que a coloca a serviço de projetos particulares destas; o segundo aspecto relevante é a inserção da televisão universitária, no campo científico, como veículo de comunicação com os públicos de interesse das IES e como parte das atividades de extensão da universidade, o que distancia a tevê dos segmentos ensino e pesquisa, responsáveis pela produção do conhecimento. Como instituições que disputam espaço na sociedade de acordo com as regras do mercado do ensino superior, as universidades, atualmente, caracterizam-se como prestadoras de um serviço regulado pelo Estado. Para Bosi (1992:341), 213 Se o projeto educacional brasileiro fosse realmente democrático, se ele quisesse penetrar, de fato, na riqueza da sociedade civil, ele promoveria a um plano prioritário tudo quanto significasse, na cultura erudita (universitária ou não), um dobrar-se atento à vida e à expressão do povo, e, igualmente, tudo quanto fosse uma reflexão sobre as possibilidades, ou as imposturas, veiculadas pela indústria e pelo comércio cultural. Consolidados, os campos - universitário e televisivo - produziram inúmeras intersecções ao longo das seis décadas de existência da tevê no Brasil, mesmo estranhando-se, pois o primeiro faz parte da cultura erudita e tem habitus próprios, bastante diferentes daqueles que passaram a caracterizar o campo televisivo, integrante da cultura de massas. À medida que esta última ampliou sua presença no cotidiano da população, tornou obrigatória a inserção de diversos de seus aspectos como tema de pesquisa do campo científico, mantendo as tensas relações deste com o campo televisivo. Uma abordagem das intersecções entre os campos científico e televisivo revelaria: Presença do conhecimento científico no campo televisivo como forma de explicação da realidade, convivendo com outras formas de saber, como a religiosa e do senso comum. Intelectuais e especialistas, ligados ou não à universidade, são cotidianamente requisitados pela cultura de massa para apresentar à sociedade razões científicas para os fatos definidos como relevantes no contexto da notícia; Desenvolvimento de produtos e serviços para o campo televisivo, fruto da pesquisa realizada no âmbito do campo científico; Legitimação do conhecimento científico a partir de sua disseminação por meio do campo televisivo; Presença do campo televisivo no processo ensino-aprendizagem, de tal forma que as informações disseminadas pela tevê passam a ser abordadas pelo campo científico, seja para reforçar conteúdos, formas e valores, seja para rejeitá-los. Segundo Bosi (1992:322), ―[...] uma política de educação de um número alto de brasileiros talvez deva passar forçosamente pelos meios de comunicação de massa‖; 214 Utilização da produção e da linguagem audiovisual nas estratégias de ensino-aprendizagem; Realização de pesquisa pelo campo científico, tendo o campo televisivo como objeto de estudo, gerando conhecimento sobre este último e produtos – eventos, livros, produção audiovisual; Participação do campo televisivo como parte do campo científico, com a existência de tevês universitárias integradas às IES como veículo de comunicação. Tais intersecções não são suficientes para configurar um campo, no caso, o da tevê universitária, mantendo-se esta como subcampo, desdobramento ou herança dos campos televisivo e universitário. Recebe do campo televisivo linguagem, tecnologia, habitus, ethos. Com o campo científico compartilha habitus, ethos e a ele se subordina. A história recente deixa em aberto o futuro da tevê universitária no Brasil. Um país integrado pela televisão ainda não foi capaz de integrar esse fundamental meio de comunicação à cultura erudita e ao campo científico, mantendo, entre eles, estranhamentos e desconfianças. A ampliação das possibilidades de participação no campo televisivo, proporcionada pela legislação criada para organizar o segmento de tevê por cabo, nos anos 1990, fez com que, em todas as regiões do país, IES incluíssem a televisão como parte de seus projetos. A partir dali, uma intensa movimentação ocorreu, fazendo convergir conhecimentos e práticas de ambos os campos, por vezes reunindo profissionais com trajetórias que se cruzaram nos caminhos da educação e da comunicação, estabelecendo um tenso jogo, apenas iniciado. Caberá aos novos e antigos jogadores dar sequência ao jogo, levando à constituição do campo da televisão universitária ou à manutenção desta modalidade como subcampo do campo científico universitário. 215 REFERÊNCIAS ALTHUSSER, L. Aparelhos ideológicos de estado: Nota sobre os aparelhos ideológicos de estado. 3ª ed. Rio de Janeiro: Graal, 1985. AQUINO, M. F. de. Institucionalização e Sustentabilidade. In: II FÓRUM BRASILEIRO DE TVS UNIVERSITÁRIAS, XI. Brasília, nov. 2009. (Palestra). AUDY, J. L. N. ―Universidade inovadora: entre a tradição e a renovação‖. In: MOROSINI, M. A Universidade no Brasil: concepções e modelos. Brasília: INEP, 2006, p. 339-350. AZEVEDO, F. (org). A reconstrução educacional no Brasil: ao povo a ao governo. Manifesto dos pioneiros da educação nova. São Paulo: Nacional, 1932. BACCEGA, M. A.. Televisão e escola: uma mediação possível? São Paulo: Senac, 2000. BARBOSA FILHO, F. de H. e PESSOA, S. Retornos da educação no Brasil. 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