Rio, 31.01.2009 Ernane Galvêas A ECONOMIA BRASILEIRA E A CRISE A crise global, iniciada com as trapaças financeiras nos Estados Unidos e na Europa, acabou batendo forte na economia brasileira. Primeiro, foi a queda na demanda mundial por combustíveis, matérias primas (minérios, celulose, etc) e alimentos (principalmente soja), com a conseqüente queda nos preços. Em seguida veio a brutal queda na cotação das ações na Bolsa, produzindo uma colossal perda no patrimônio dos investidores, com fuga de capitais estrangeiros. Agora, é a vez da retração dos investimentos privados, com o adiamento de projetos avaliados em R$ 65 bilhões, no período de 2009/2012. O resultado final é o desemprego da mão-deobra. Em dezembro/08, estima-se que ficaram desempregados 654 mil trabalhadores. Somente o adiamento dos projetos de investimento vai deixar de gerar 70 mil empregos. sua capacidade de reduzir os gastos de custeio e ampliar, decididamente, os investimentos do PAC, no melhor estilo da velha receita do New Deal dos anos 30. O equilíbrio das contas do setor público vai ser essencial, para não gerar pressões inflacionárias, que complicariam a execução das medidas anticíclicas. Atenção ao Banco Central e à sua tendência genética de estragar o jogo. RISCOS DE DESEQUILÍBRIO ECONÔMICO O diagnóstico da crise no Brasil não está totalmente claro. Ao que tudo indica, há uma redução da demanda na indústria automobilística e no mercado imobiliário, conjugada com a queda da demanda e das cotações no mercado internacional, que afetaram a mineração, a siderurgia, a indústria de papel e celulose, assim como a produção de combustíveis (petróleo e álcool). Em função desses acontecimentos, o sistema financeiro encolheu, a partir da suspensão das linhas de crédito dos grandes bancos internacionais. A Bolsa de Valores despencou fragorosamente e paralisou o mercado de capitais. O capítulo seguinte, que já começou, é o desemprego da mãode-obra. Para agravar a situação, a produção agrícola de grãos deverá sofrer uma enorme queda de 9% na safra 2008/09, comparada com a safra anterior, após ter crescido 5,3% na safra 2007/08. A produção industrial já deu sinais de importantes quedas na mineração e na siderurgia, não só devido à retração mundial, mas também pela redução da demanda no mercado interno, principalmente na indústria automobilística e no mercado imobiliário. Dessa forma, não se pode concluir que a crise, no Brasil, é de redução do crédito (liquidez) ou de confiança, como acontece nos Estados Unidos e na Europa. As soluções, portanto, devem ser diferentes, lá e aqui. A última linha a ser afetada é o comércio que, entretanto, já vem perdendo força desde outubro/08, no setor varejista. A área dos serviços, provavelmente, será pouco afetada, e o setor turismo pode ganhar no mercado interno o que poderá perder no campo externo. A economia brasileira, nos últimos cinco anos e até outubro de 2008, experimentou um forte crescimento, devido a fatores externos. O País ficou mais rico, comprou mais automóveis, televisões, geladeiras, celulares. Essa fase acabou. Agora, o Brasil vai ficar mais pobre com a crise e o Governo deve adotar medidas, Quanto tempo vai durar essa recessão ninguém sabe. Poderá durar entre um e quatro anos, dependendo da recuperação dos Estados Unidos e da China. No Brasil, a prova dos noves da recuperação vai depender do Governo, de -1- fiscais e monetárias, para amenizar seus efeitos. Mas não pode exagerar. iniciativa privada, com o exercício pleno da democracia. Essa capacidade de conciliar a eficiência econômica do mercado com as vantagens políticas da democracia não existe em outros sistemas de Governo, segundo nos ensina a História das civilizações. Certamente, qualquer sistema político sócio-econômico será melhor que um “Estado totalitário”. Os brasileiros não podem comprar mais 25% de automóveis a cada ano e, assim, haverá um ajuste natural no mercado, com queda na produção de aço e no emprego. Repetimos: é um ajuste natural, para nos adaptarmos à fase descendente do ciclo econômico. Isto não quer dizer que o Governo deva ficar imóvel, pois há uma saída lógica, na área dos investimentos, especialmente na infraestrutura, assim como na reconstrução das áreas destruídas pelas chuvas, ultimamente. Por isso, a ação do Governo, mobilizando todos os recursos disponíveis, deve se concentrar na expansão do crédito para os investimentos e não para o consumo. A idéia de estatizar os bancos privados é um non sense. O que não falta no Brasil são bancos públicos. Como bem assinalou o marxista Leandro Konder, a teoria socialista de Karl Marx foi desenvolvida em uma época em que o Estado, o sistema produtivo e as organizações trabalhistas diferiam muito do modelo atual. “Marx, diz Konder, é um homem do século XIX. Hoje nós temos problemas para os quais Marx não tem a dar qualquer contribuição de peso. Indústria Sondagem da CNI revelou que a crise econômica internacional atingiu em cheio a atividade da indústria no quarto trimestre de 2008. Não há porque obrigar o consumidor a comprar, nem a empresa a contratar, nem os bancos a emprestar. O mercado tem a sua própria sabedoria e todos sabem que, nesta conjuntura de crise, o reajuste da demanda e da produção é uma questão natural. Não adianta forçar. O mercado deve ser estimulado, não coagido. O Governo precisa saber o que está fazendo. Os três últimos meses de 2008 registraram o pior desempenho desde o primeiro trimestre de 1999. A desaceleração da indústria era esperada, mas não com essa velocidade. A crise chegou muito forte. A queda na atividade foi puxada pelas grandes empresas. Isto posto, não se pode forçar as soluções e fomentar uma expansão do consumo pela via da expansão do crédito ou da liberalidade da política fiscal. Os resultados podem ser ruins, podem levar a uma perigosa pressão inflacionária ou a um agravamento das contas públicas. Em São Paulo (FIESP) a queda na produção industrial foi de 10,2%, nos meses de outubro a dezembro. As vendas aumentaram 5,6% para o exterior e caíram 15,6% no mercado interno. Não se pode ir com “muita sede ao pote”. A saída da recessão tem que ser por um caminho natural e não artificial. O consumo de energia elétrica no País caiu 1,8% em dezembro, sobre dezembro/07, com destaque para a indústria: -8,8%. Em compensação, no ano 2008, o consumo de gás aumentou 20,25%. O CAPITALISMO MORREU? O capitalismo privado, como a democracia, é um sistema com muitos defeitos e imperfeições. Mas é o único capaz de conciliar, com os menores custos, a liberdade de escolha e de decisão dos indivíduos e a criatividade da livre O Governo pretende estimular a construção civil, com a construção de um milhão de casas populares, que seriam compradas pela CEF e vendidas aos mutuários. A produção de aço permaneceu 2 estável, com 33,7 milhões de toneladas. As exportações tiveram um desempenho fraco, com queda de 10,9% no volume, mas a receita ficou em US$ 8,1 bilhões (+21,1%). Na contramão da crise, a Petrobrás tem planos para investir US$ 174 bilhões, de 2009 a 2013, numa média anual de US$ 34,9 bilhões. produção menor, na próxima safra. O setor agrícola ainda exibe um alto endividamento de R$ 130 bilhões, dos quais apenas R$ 75 bilhões foram renegociados. As linhas de crédito das tradings sofreram redução de 10%. A queda do preço do petróleo reduziu o custo dos insumos. Mercado de Trabalho O setor canavieiro segue adiando novos investimentos. De uma expectativa de 43 novas usinas, na safra 2009/2010, apenas 22 entrarão em funcionamento. As atividades da construção naval estão sendo revigoradas pelas encomendas da Vale: 49 embarcações, no valor de R$ 398,6 milhões. Segundo o IBGE, a taxa de desemprego nas seis principais regiões metropolitanas caiu de 7,6% em novembro para 6,8% em dezembro/08.A taxa média de desemprego, no Brasil fechou em 7,9%, contra 9,3% em 2007, e a renda média do trabalhador subiu 3,4%, segundo o IBGE. Os números do IBGE divergem da Caged, que registrou um total de 654 mil demissões, em dezembro, de trabalhadores com carteira assinada. Pelos levantamentos do DIEESE, a taxa média de desemprego nas seis regiões metropolitanas do País – Belo Horizonte, Distrito Federal, Porto Alegre, Recife, Salvador e São Paulo – ficou em 14,1% no ano, ante 15,5% em 2007. Segundo a Fiesp, a indústria de São Paulo perdeu 130 mil vagas, em dezembro/08. Comércio O varejo não conseguiu escoar os estoques acumulados no final do ano passado e estaria reduzindo as encomendas à indústria, com destaque para automóveis e peças, segundo a ACSP. Segundo a Serasa, as vendas do varejo cresceram 4,2% em 2008, sustentado pelo crédito: as vendas a prazo aumentaram 4,4% e as vendas à vista caíram 21,1%. O primeiro acordo de flexibilização foi firmado pela Valeo Automotiva com o Sindicatos dos Metalúrgicos de São Paulo, para reduzir a jornada de trabalho com diminuição do salário. As vendas dos supermercados cresceram 8,98%, em 2008, segundo a Abras. Em Brasília, segundo a Fecomércio-DF, o varejo vendeu mais 3,2% em dezembro/08, comparado com dezembro/07. Em 2008, o comércio eletrônico cresceu 30% com 13 milhões de usuários. No final de janeiro, a Vale teria fechado acordo com sete sindicatos, com licenciamento dos trabalhadores até 31 de maio e salário reduzido à metade. O acordo não garante estabilidade na volta. Segundo conta, a MWM Motores e a Sabó Autopeças também fecharam acordo para cortar a jornada em 20% e os salários em 17,5%. Segundo a Serasa, a inadimplência das pessoas físicas aumentou 36% em dezembro, sobre dezembro/07, e 5,9% sobre novembro. O volume de cheques sem fundos cresceu 1,5%. Segundo a Fecomércio-RJ, na região metropolitana do Rio, 19,4% da população estava com algum atraso, no quarto trimestre de 2008. A CSN, em Volta Redonda, está programando a demissão de 900 empregados, mas pode chegar a 3.200. Em Rezende e Porto Real, no Sul fluminense, a indústria automobilística vai extinguir o 3º turno e demitir cerca de 5 mil trabalhadores. Agricultura A demanda por adubos fechou o ano de 2008 com uma queda de 10%, em relação a 2007, o que sinaliza uma 3 O mercado de trabalho vai receber uma injeção de recursos em 2009, com o aumento do salário mínimo para R$ 465,00 (+12%). nova queda de 0,44%. Em 12 meses, o índice está em 8,15%. A maior queda vem dos preços no atacado (IPA-0,95%). A inflação do consumidor, IPCA/IBGE, subiu 0,40% em janeiro, por conta da alta de alguns alimentos, do transporte urbano e dos aluguéis. No cenário mundial, a situação é trágica e, segundo a OIT, 51 milhões de trabalhadores podem perder seus empregos, em 2009. Setor Fiscal A Receita Federal obteve novo recorde de arrecadação, em 2008: R$ 685,7 bilhões, mais 7,7%, em termos reais. O Governo poupou (superávit primário) R$ 118,0 bilhões para pagar juros de R$ 162,3 bilhões, do que resultou um déficit nominal de R$ 44,3 bilhões. Setor Financeiro É impressionante o comportamento dos agregados monetários, nos últimos três anos: em 2006, a base monetária expandiu 19,6%, em 2007, 21,1% e, em 2008, apenas 0,6%, em função da retração das reservas bancárias, com 12,3% de expansão do papel-moeda emitido. A dívida bruta do setor público fechou o ano em R$ 1.740,9 bilhões (58,6% do PIB), 12,8% acima de 31/12/07. A dívida líquida, descontadas as reservas cambiais, ficou em R$ 1.069,6 bilhões, R$ 80 bilhões abaixo de 31;12/07. O sistema financeiro nacional expandiu o volume de crédito em 31,1%, em 2008, sendo 39,5% a expansão dos bancos públicos, BNDES, Banco do Brasil, CEF, principalmente. Pelo visto, essa expansão de crédito está totalmente divorciada dos objetivos do Banco Central e, ao que tudo indica, o crédito oficial vai continuar se expandindo fortemente, em 2009, haja vista a alocação de mais R$ 100 bilhões do Tesouro ao BNDES. O BNDES expandiu empréstimos em 40%, em 2008. Diante da perspectiva de queda na arrecadação e de um crescimento econômico menor do que o previsto, o governo promoveu um corte preventivo de 25% nas despesas deste ano. O ministro do Planejamento anunciou o bloqueio de R$ 37,2 bilhões das despesas de custeio e investimentos do Orçamento de 2009. Os gastos com investimentos foram os mais atingidos, sendo reduzidos em R$ 14,7 bilhões, ou 30,5%: passaram de R$ 48,2 bilhões para R$ 33,5 bilhões, mas o governo afirma que o PAC está preservado. Entretanto, algumas empreiteiras estão abandonando o projeto de transposição das águas do Rio São Francisco. seus O Banco do Brasil está recebendo mais R$ 2,5 bilhões do FAT, para empresar às montadoras. O mesmo está sendo feito com a CEF, para socorrer o mercado mobiliário e financiar a construção de um milhão de casas populares. Em 21//01/09, o Banco Central baixou a taxa de juros básica de 13,75% para 12,75%, mas a repercussão no mercado foi nula. O Presidente Lula havia dito ao Presidente do BC que um corte de menos de um por cento seria inaceitável. A arrecadação dos Estados e DF, em 2008, caiu 3,7%, equivalentes a R$ 19,7 bilhões. Setor Externo A crise econômica mundial continua se agravando, conforme se pode ver pela queda de 3,8% do PIB dos Estados Unidos, no 4º trimestre de 2008, o pior resultado dos últimos 26 anos. Na zona do euro, o desemprego chegou a 8% em Inflação A inflação continua com tendência de baixa. Em dezembro/08 houve deflação de 0,13% no IGP-M/FGV e, em janeiro/09 4 dezembro/07 e, no Japão, subiu de 3,9% em novembro para 4,4% em dezembro/08. O PIB inglês caiu 1,5% entre o 3º e o 4º trimestre de 2008. No Brasil, as exportações mensais de mais de US$ 20 bilhões, de julho a setembro/08, caíram para US$ 9,8 bilhões em janeiro/09, prenunciando grandes dificuldades no Balanço de Pagamentos em 2009. Mas continua forte o fluxo de investimentos estrangeiros diretos, que alcançaram US$ 44,6 bilhões, em 2008. O Banco Central vai liberar US$ 20 bilhões para as empresas brasileiras liquidarem dívida externa. 5