Uma persistente Niña está de volta por Stephen Leahy La Niña poderia afetar a abundante produção de soja do Brasil. Plantação em Não-Me-Toque, nordeste do Estado do Rio Grande do Sul. Foto: Nilson Konrad/IPS. O atual evento atmosférico e marítimo La Niña será mais fraco do que o anterior, mas seus efeitos se amplificarão em muitas regiões que ainda não se recuperaram da anterior. Uxbridge, Canadá, 10 de outubro de 2011 (Terramérica).- La Niña voltou menos de três meses após sua última e poderosa manifestação, que ajudou a disparar os preços mundiais dos alimentos. A nova Niña, fase fria da Oscilação do Sul, prolongará a falta de chuvas em importantes regiões agrícolas do Brasil e da Argentina, e no sul dos Estados Unidos, afetando colheitas de soja e trigo. Não é raro que La Niña se apresente em vários anos consecutivos, disse Jeffrey Masters, diretor de meteorologia e cofundador de Weather Underground, primeiro serviço meteorológico comercial na internet. A última vez que ocorreu foi em 1998 e 2001, “com intervalo de poucos meses de condições neutras, como este ano”, explicou ao Terramérica. La Niña e El Niño são, respectivamente, as caras fria e quente do El Niño Oscilações do Sul (Enos), fenômeno climático marítimo cíclico que afeta os padrões meteorológicos em todo o mundo. O Enos é parte do sistema que regula o calor no trópico oriental do Oceano Pacífico e está pautado por mudanças na temperatura da superfície oceânica e na pressão atmosférica. Entretanto, mal começamos a entender como o Enos se manifestará no futuro em razão da mudança climática, advertiu Masters. A aparição anterior do La Niña foi em junho de 2010. Na Austrália desatou fortes chuvas que puseram fim a dez anos de seca, mas que inundaram cerca de 850 mil quilômetros quadrados, quase a área que França e Alemanha ocupam juntas. Também causou inundações sem precedentes no norte da América do Sul, por exemplo, na Colômbia e norte do Brasil. Ao mesmo tempo, o centro e o sul de Brasil e Argentina e o sul do continente sofreram secas. “As projeções indicam que esta Niña será mais fraca”, afirmou Masters. Contudo, seus impactos serão amplificados porque muitas regiões ainda não se recuperaram do La Niña anterior. América Central, Venezuela, Colômbia e outras regiões, que em dezembro e janeiro sofreram inundações sem precedentes, podem esperar mais precipitações fortes nos próximos meses, segundo as previsões, acrescentou. Devido à mudança climática, a atmosfera terrestre é, em média, 0,8 grau mais quente do que na era pré-industrial e por isso retém 4% mais de vapor de água, disse ao Terramérica, por e-mail, o especialista em clima Kevin Trenberth, do National Centre for Atmospheric Research, com sede em Boulder, o Estado norte-americano do Colorado. “A umidade extra acompanha as temperaturas marinhas e tem impacto em tudo. Nos lugares que estão mais quentes durante o La Niña, há mais risco de inundações”, destacou. Os modelos climáticos computadorizados ainda não conseguem prever como a mudança climática afetará o complexo ciclo do Enos, que pode durar entre três e sete anos, afirmou Trenberth. Embora as inundações e as secas tenham piorado, não há evidências claras de que a mudança climática afetou o Enos, alertou. Masters prevê que o La Niña atual atingirá seu clímax em janeiro e se diluirá na primavera boreal. Isto levará tempo seco ao Texas e a outras partes do sul dos Estados Unidos que já sofrem uma seca extrema. “As secas tendem a gerar sistemas de alta pressão que atuam reforçando as condições que produzem a própria seca”, disse Masters. Este ano caíram no Texas menos de 127 milímetros de chuva, quebrando todos os recordes e causando perdas agropecuárias de US$ 5 bilhões. A agricultura da região enfrenta um caminho longo e difícil que exigirá várias temporadas de fortes chuvas para se recuperar, acrescentou. Os técnicos do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos acreditam que, continuando o La Niña, haverá “uma grande probabilidade” de fracassar a colheita de inverno de trigo e “um possível fracasso dos cultivos de verão” em 2012 nas planícies do sul do país. O Oil World, um serviço de previsão agrícola com sede na cidade alemã de Hamburgo, prevê que a soja e outros cultivos estarão ameaçados por condições mais secas em boa parte da Argentina e no sul e centro do Brasil. “O centro do Brasil sofrerá condições de secas incomuns desde meados de abril”, diz um informe do Oil World, divulgado dia 30 de setembro. Em algumas zonas da Argentina choveu muito menos do que a metade do que se considera normal. Sem chuvas, as colheitas de outubro e novembro podem ir à bancarrota, segundo o informe. Os preços mundiais dos alimentos estão 26% mais altos do que há um ano, segundo o Índice da FAO, publicado em setembro pela Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação. As reservas de cereais estão baixas, mas a FAO estima que os rendimentos mundiais de trigo serão 2,8% mais altos do que em 2010, embora esta previsão seja de junho, antes de se saber com certeza do La Niña atual. Stephen Leahy correspondente da IPS