POLÍTICAS PÚBLICAS E INTERESSES PRIVADOS? COOPERAÇÃO E INVESTIMENTOS DO BRASIL EM MOÇAMBIQUE Ana Garcia (DHRI, UFRRJ) Karina Kato (PPED-UFRJ/OPPA-CPDA) Rio de Janeiro, dezembro de 2014. CONTEXTO MOÇAMBICANO ¢ Doing Bussiness Mozambique 2014 à Moçambique em 139º lugar dos 189 países . ¢ Alto endividamento: mais de 45% do orçamento público. ¢ Papel dos doadores tradicionais (“G19”) na formulação de políticas públicas. ¢ ¢ Concessão de fartas isenções fiscais como medida de atração de investimentos. , criando um círculo vicioso que torna o orçamento sempre dependente de doações externas. Em outras situações, o governo moçambicano emite dívida interna para pagar outras dívidas externas. Empréstimos Sul-Sul, ausência de condicionalidades. Transações garantidas com o comprometimento de recursos naturais. Banco Mundial (2011) BANCO MUNDIAL (2010) ¢ ¢ ¢ Os polos de crescimento são muitas vezes subconjuntos de corredores de desenvolvimento Crescimento econômico impulsionado por e grandes projetos de investimento na agricultura, infraestruturas e mineração, bem como por entradas volumosas de assistência estrangeira ao desenvolvimento. “As melhores hipóteses de se fazer uma estratégia piloto de desenvolvimento de um polo de crescimento em Moçambique parecem ser na Província de Tete e na Província de Nampula.” CENTRALIDADE DA INFRAESTRUTURA PARA AS IFIS ¢ Banco Mundial: Polos de crescimento (Beira, Maputo, Tete e Nacala) precisam ser dinamizados por investimentos do setor privado em agricultura, infraestrutura e mineração. ¢ FMI: necessidade de melhor ambiente de negócios. Corredor de desenvolvimento proporciona infraestrutura para agricultura e liga grandes investimentos a pequenas empresas. ¢ G20: foco nas cadeias globais de valor, Global Infrastructure Iniciative and Hub. ¢ Banco dos BRICS: infraestrutura e desenvolvimento sustentável. ONDE ENTRA O BRASIL NESSAS ESTRATÉGIAS E QUAIS PAPÉIS ASSUME? ¢ Brasil como um modelo? “Para cada problema africano existe uma solução brasileira”? ¢ “Exportação” de um determinado desenvolvimento baseado na extração de recursos naturais, energéticos, na produção de commodities e a infraestrutura logística ligada a elas. ¢ Por outro lado... Troca de experiências e ideia de lições aprendidas na execução de políticas públicas na área social, saúde, segurança alimentar, participação, etc., que são demandadas pelos países africanos. BRASIL “EMERGENTE” ¢ País passa de devedor para décimo cotista do FMI. ¢ Investidor internacional, com crescente expansão de empresas brasileiras. ¢ Doador de ajuda ao desenvolvimento e cooperação técnica. ¢ Internacionalização de outras instituições, para além do Itamaraty. ¢ Atuação que vai além da esfera regional, almejando uma projeção global. ¢ Programas sociais, transferência de renda, aumento do consumo (plano doméstico). Empresas brasileiras na África 5-6 3-4 1-2 Petrobras Queiroz Galvão Vale Odebrecht Andrade Gutierrez Camargo Correa INVESTIMENTO: VALE ¢ 2004: Novo ciclo de exploração do carvão pós-conflito. Grandes expectativas. ¢ Abre caminho para construtoras brasileiras. ¢ Projetos Vale: Mina de Moatize (2008 – obras, 2011 operação, duplicada – US$2 bi, 24 milhões ton/ano) Operações logísticas: ferrovias Sena (US$ 224 mi, 6 mi ton/ano) e Tete-Nacala (US$ 3,5 bi e 18 mi ton/ano - CDN, 51% da Vale) Porto Nacala-a-Velha (US$ 1,1 bi, 18 mi ton/ano) Porto da Beira, terminal de carvão (6 mi ton/ano) ¢ Produção pretende chegar a 22 mi/ton ano com o escoamento por Nacala. FERROVIA TETE - NACALA países centrais. Ainda assim, nesse contexto, o medo, repressão e práticas de espionagem do governo foram mencionados com frenquência tanto nas entrevistas em Angola como em Moçambique. VALE: CONFLITOS Com relação às atividades da Vale, além dos conflitos trabalhistas mencionados acima, os principais conflitos sociais têm sido relacionados à remoção de famílias de agricultores, que ocupavam a área da mina de Moatize. A Vale nos últimos anos enfrentou muitos conflitos com as comunidades que foram transferidas com o seu projeto em Moatize. Falta de informações claras, ausência de um entendimento da cultura local no momento de elaboração dos projetos de assentamentos, fixação das famílias em áreas onde não podem exercer atividades agrícolas (maxambra) e com pouco acesso à água, assentamento das famílias em áreas muito distantes dos centros urbanos e distritos - foram problemas relatados nas entrevistas e por nós vivenciados em visita ao reassentamento “25 de setembro” em Moatize. ¢ Trabalhadores: mão de obra de fora, salários diferenciados, segurança do trabalho, greves. ¢ Comunidades: reassentamentos dividindo famílias, A Vale dividiu as famílias rurais em dois reassentamentos: 25 de setembro (195 famílias) e Catemi (mais de 1000). Segundo relatos de algumas lideranças dos reassentados, no momento de elalocalização precária, sem condições de produção e venda boração e implementação dos projetos pela Vale, as famílias não tiveram nenhuma informação agrícola.sobre Impactos sobre a asegurança alimentar. indenização e jamais tiveram direito nenhum acordo escrito. Hoje, elas vivenciam muitos relacionados às casas que foram construídas, como a ocorrência de rachaduras, má Denúnciaproblemas de descumprimento dosde familiares, termos e qualidade da obra, tamanho incompatíveis com o número falta deacordados segurança (uma chave abria várias portas), incompatibilidade com costumes locais, para citar alguns (informação desrespeito a valores culturais e sociais. 107 - Entrevista com representante da União Nacional dos Camponses de Angola (UNACA). 46 MOATIZE E 25 DE SETEMBRO FINANCIAMENTO: BNDES ¢ ¢ ¢ Ator da política externa: financiamento empresas brasileiras em projetos de infraestrutura na América Latina e na África (Angola) + exportações. Representação em Johannesburgo + Departamento de Suporte e Apoio a Operações na África (Desaf) Mais Alimentos África: financiamento a compras de equipamentos agrícolas para Gana, Senegal, Zimbábue e Moçambique (US$ 640 mi, BB Proex) INFRAESTRUTURA EM MOÇAMBIQUE ¢ Aeroporto de Nacala: Odebrecht (US$ 320 mi BNDES) ¢ BRT de Maputo: Odebrecht (US$ 180 mi BNDES) ¢ Cais 8 Terminal de carvão na Beira: Odebrecht , n/d. ¢ Porto Nacala-a-Velha: Vale e OAS (US$ 1,1 bi) ¢ CDN: CFM (governo) + SDCD (51%) (dos quais 85% da Vale) (US$ 3,4 bi) ¢ Barragem Moamba Major: Andrade Gutierrez (US$ 8,5 mi BB para EIA + US$ 350 mi BNDES) ¢ Zona Especial de Exportação: atração de investimento privado via benefícios fiscais e lei laboral flexível (US$ 1,2 bi) ¢ Fundo Nacala (FGV): pretende atingir US$ 2 bi AEROPORTO EM NAMPULA E ODEBRECHT PORTO DE NACALA E PEDEC NACAVA-A-VELHA E ZEE COOPERAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO ¢ Receptor Doador internacional. ¢ Horizontalidade: triangular. “demand-driven”, bilateral ou ¢ Diversificação de atores e arranjos descentralizados: ausência de um foco ou direcionamento? ¢ Evolução: políticas públicas como Bolsa Família, PAA etc. ¢ 2003 – 2010: aprox. US$ 25 mi em projetos da ABC para África. ¢ Moçambique: principal receptor, com US$ 4 mi (15%). Retirado de: Fingermann (2014) Retirado de: Fingermann (2014) Retirado de: Cabral (2011) COOPERAÇÃO EM MOÇAMBIQUE ¢ Saúde: Fiocruz Cursos, intercâmbios, formação. Fábrica de medicamentos antiretrovirais (80% Fundação Vale), US$ 12 mi. ¢ Qualificação profissional: parceria Vale e SENAI (2009), envio de alunos ao Brasil. ¢ Agricultura: PAA (com FAO), Plataforma de Inovação Agrícola (com USAid), Pronae (com PMA), PróAlimentos (com USAid), ProSavana (com Jica), Mais Alimentos (bilateral)... PARA REFLETIR SOBRE O PROSAVANA... ¢ ¢ ¢ ¢ ¢ Pensado inicialmente pelo Brasil e o Japão (2009). Contexto de desgaste e conflitos com a Vale: impactos sobre a opinião pública, organizações camponesas e de direitos humanos. Nova fase de internacionalização do modelo agroexportador brasileiro, com impactos já conhecidos no Brasil com o Prodecer. Falta de diálogo e de transparência: ambiente de desconfiança e oposição por parte de movimentos, organizações do campos e ONGs dos três países. Elo articulador entre mineração e agricultura: logística e infraestrutura! MAPA NORTE DE MOÇAMBIQUE CORREDOR DE NACALA: INTEGRAÇÃO DAS ESTRATÉGIAS DE DESENVOLVIMENTO, A FIM DE CAPITALIZAR O POTENCIAL AGRÍCOLA E ENERGÉTICO DE CABO DELGADO,Corredor NIASSAde , ZNacala AMBÉZIA E TETE. MEGAPROJETOS EXTRATIVOS E AGRICULTURA ¢ ¢ ¢ “Se a economia mineira e do gás de Moçambique for bem gerida, poderá representar uma oportunidade para fazer crescer o setor agrícola e reduzir a pobreza” (FMI). “Os grandes projetos podem secundarizar ainda mais a produção e a segurança alimentar, e esta hipótese é baseada nos seguintes elementos: discurso político, políticas e medidas de política econômica, e na atuação dos grandes projetos nos locais onde se implantam” (Mosca/Selemane). Produção em Tete hoje só se viabiliza com o Corredor de Nacala, que também atenderá ao ProSavana! REFLEXÕES FINAIS E QUESTIONAMENTOS ¢ O Brasil (paradoxal): explorador e explorado; nem centro nem periferia. ¢ Lutamos pela soberania sobre nossos recursos naturais e energéticos, ao passo que hoje exploramos os bens e recursos naturais dos povos de outros países e regiões. ¢ Como compreender as relações peculiares de poder entre países periféricos? ¢ Onde situamos a cooperação “Sul-Sul”, a cooperação trilateral e o papel das IFIs? ¢ Quais as oportunidades e limites contidos na transferência de políticas públicas brasileiras para o contexto africano? ¢ África como novo espaço de disputa de poder entre potências? OBRIGADA! ¢ Contatos: Ana Saggioro Garcia [email protected] Karina Kato [email protected]