BRICS: ENTRADA DA ÁFRICA DO SUL NO AGRUPAMENTO E AS CONSEQUÊNCIAS PARA O BLOCO E PARA O BRASIL Melina Moreira Campos Lima.1 RESUMO: O presente artigo objetiva analisar a entrada da África do Sul no BRICS em 2011 e os impactos desse fato para o agrupamento e para o Brasil. Primeiramente, analisaram-se as características da África do Sul, comparando-as com as dos outros integrantes dos BRICS. Em um segundo momento, discutiu-se em que medida a entrada do país no agrupamento teve efeitos sobre o próprio BRICS e sobre o Brasil. Por fim, conclui-se que, mesmo a África do Sul sendo o menor país do BRICS, a sua entrada tem conseqüências importantes, seja colaborando para o aprofundamento do bloco, seja respaldando, em certa medida, o Brasil em seus pleitos no cenário internacional. PALAVRAS-CHAVE: BRICS, política externa, África do Sul. 1 Doutoranda, UFRJ, [email protected]. 1 – INTRODUÇÃO: O termo BRIC é um acrônimo que representa os países Brasil, Rússia, Índia e China respectivamente e que surgiu pela primeira vez em 2001, em um relatório do banco Goldman Sachs. A ideia era reunir, em um único termo, países com desenvolvimento econômico expressivo na atualidade e que, provavelmente, superariam as maiores economias do mundo na década de 2050. Nesse sentido, a década de 2000 pareceu comprovar as previsões do banco, pois o crescimento dos países do BRIC entre 2003 e 2010 representou cerca de 40% da expansão do PIB mundial. Aquilo que começou de maneira informal, sob a forma de um acrônimo, transformou-se em um agrupamento reconhecido oficialmente pelos países integrantes em 2006, na Primeira Reunião Ministerial dos Chanceleres, que ocorreu à margem da 61ª Assembleia Geral das Nações Unidas. A partir de 2009, cúpulas dos chefes de Estado passaram a ocorrer anualmente. A primeira aconteceu em Ecaterimburgo, na Rússia, quando houve um comunicado conjunto sobre a situação econômico-financeira global. A segunda ocorreu em Brasília e, na ocasião, consolidouse o agrupamento como mecanismo e aprofundou-se o concerto político entre seus membros, por meio da definição de iniciativas de cooperação em várias áreas. Já em 2011, aconteceu a Cúpula da China, na qual o principal evento analisado neste artigo teve lugar: o ingresso da África do Sul no BRIC. É interessante notar, contudo, que o expressivo crescimento econômico comum aos quatro países é, também, uma das poucas semelhanças que as quatro nações guardam entre si. Considerando-se que, recentemente, até esses países têm enfrentado diminuição de crescimento econômico, que não é mais tão expressivo como na primeira década de 2000, percebe-se que o elo mais forte entre os países do BRIC tem se relativizado. Ademais, diferenças culturais, políticas e sociais são muito mais marcantes do que as características em comum. Embora isso nos leve a crer que o futuro dos BRICs, como grupo, não será tão promissor, o fato é que, desde 2001, observa-se um adensamento contínuo do agrupamento, ainda que não haja pretensões de se criarem amarras institucionais. Pensando-se a partir de uma perspectiva meramente Realista, a formação de agrupamentos de países que não se encontram no centro do sistema interestatal de poder não teria condições de alcançar maior relevância no cenário internacional. Entretanto, apesar de o elemento militar ainda ter importância fundamental para a definição das relações internacionais, é crescente não somente o número de temas que estão alheios à lógica estrita da defesa, mas também o número de Estados que, embora não estejam no centro do sistema interestatal, passam a ter maior protagonismo internacionalmente. Nesse contexto, o BRIC aparece como um agrupamento com significativa perspectiva de exercer influência em um mundo histórica e predominantemente Realista, uma vez que seus países membros incluem Estados emergentes e civilizações milenares, que, inclusive, já tiverem papel bastante expressivo na construção do sistema interestatal contemporâneo. Um passo importante em direção ao adensamento do BRIC foi a entrada da África do Sul no grupo, no contexto da III Cúpula, em 2011, quando se acrescentou a letra S ao acrônimo. Com um representante da América, um da Eurásia e dois da Ásia, era marcante a falta de um representante africano, pois, embora o continente negro não seja, em sua maioria, parâmetro de desenvolvimento econômico, há casos de relativo sucesso, como a África do Sul. Ademais, na época em que se fez o convite, o BRIC já não era mais simplesmente um acrônimo inventado por um banco para designar países de crescimento econômico expressivo; mais do que isso, o BRIC já tinha pretensões mais amplas no plano internacional, o que faz da representatividade geográfica um elemento valioso. Diante desse fato significativo, este artigo se propõe a analisar os impactos da entrada da África do Sul no BRIC para o próprio país, para o agrupamento e para o Brasil. 2 – A ÁFRICA DO SUL EM COMPARAÇÃO COM OS OUTROS PAÍSES DOS BRICS: Comparativamente com os outros países do BRICS, a África do Sul tende a ter números menos expressivos, caracterizando-se, possivelmente, como o menor sócio do agrupamento. Isso, no entanto, não retira sua importância no cenário internacional e, sobretudo, no regional, onde esse país exerce significativa influência. Ao chegar ao BRICS, de certa forma, como representante do continente africano, a África do Sul demonstra que, a despeito de seus números menos impressionantes, tem potencial para tornar o agrupamento mais legítimo aos olhos do sistema interestatal. Nesse contexto, cabe analisar os principais dados pertinentes ao mais novo membro do BRICS. A África do Sul é o país com a economia mais desenvolvida do continente africano, sendo que seu PIB, de cerca de 400 bilhões de dólares 2, representa cerca de 25% do produto de todo o continente. Entretanto, em comparação com os outros países do BRICS, a economia sul-africana é bem menos expressiva, representando cerca de 1/4 das economias da Índia e da Rússia 3, 1/6 da brasileira4 e apenas 1/18 da chinesa5. Essas proporções referem-se aos PIBs dos países e esse indicador, embora seja importante, não basta para definir o nível de desenvolvimento de uma nação. Nesse contexto, é interessante comparar outros aspectos da economia dos países integrantes dos BRICS. Em se tratando do peso da indústria na economia da África do Sul, ele é bastante significativo, representando cerca de 30% do PIB do país6. Os setores principais são agroindústria, automotivo, indústria química, tecnologia da informação, metais e têxtil. O fato de a África do Sul contar com um setor secundário sólido e relativamente diversificado revela uma característica comum em relação aos outros países dos BRICS. No entanto, quando se trata do alcance global da indústria sulafricana, encontram-se diferenças relevantes entre as nações do agrupamento. Isso se explica porque, apesar de os cinco países serem exportadores de produtos industriais, somente a China e a Índia (em menor escala) têm produtos exportados para o mundo inteiro. No caso da China, o país começou a inundar o mundo com produtos manufaturados de baixo valor agregado, como têxtil e brinquedos, muito antes de se formular o conceito BRICS. Atualmente, a China continua presente no mundo inteiro por meio de seus produtos, mas observa-se, também, a exportação de produtos de alto valor agregado, como automóveis e eletrônicos, além da manutenção da exportação dos setores industriais menos complexos, como têxtil e brinquedos. Em se tratando da Índia, os setores farmacêuticos e de tecnologia da informação são globalmente competitivos. No caso da África do Sul, a indústria nacional não é suficientemente competitiva para ameaçar os principais países exportadores. Nesse contexto, observase que a maior parte do mercado sul-africano de exportação de produtos industriais 2 Fonte: http://data.worldbank.org/country/south-africa Fontes: http://data.worldbank.org/country/russian-federation e http://data.worldbank.org/country/india 4 Fonte: http://data.worldbank.org/country/brazil 5 Fonte: http://data.worldbank.org/country/china 6 As informações sobre a economia sul-africana podem ser encontradas no sítio do Ministério do desenvolvimento econômico da África do Sul no seguinte endereço: http://www.economic.gov.za/. 3 concentra-se no próprio continente africano. Aqui, pode-se fazer um paralelo com o Brasil, que tem como maior mercado para seus produtos industriais a América Latina, especialmente a porção sul do continente. Isso não significa que esses dois países não exportem produtos industrializados para fora de seus próprios continentes, pois isso ocorre, conquanto tenha um peso bem menor do que as exportações intracontinente. A conclusão a que se deve chegar é que, em termos comparativos com a China e a Índia, África do Sul e Brasil ainda têm um longo caminho a percorrer para alcançarem grau similar de competitividade internacional nas exportações do setor secundário. No Brasil, a baixa competitividade dos produtos nacionais tem gerado, inclusive, mal-estar entre representantes da indústria brasileira, a qual se vê frequentemente ameaçada pela invasão de produtos mais baratos, sobretudo, chineses. A indústria da Rússia, por sua vez, é um caso sui generes dentro dos BRICS, assim como vários outros aspectos do país em comparação com o resto do agrupamento. A Rússia participou da segunda Revolução Industrial, ou seja, se industrializou muito antes de todos os países dos BRICS. Além disso, a Rússia esteve no centro da geopolítica mundial durante 45 anos, o que inclui poder econômico e industrial. Dessa forma, ao se constatar que, atualmente, cerca de 80% das exportações do país se concentram em commodities (gás e petróleo predominantemente), e que, ao contrário dos outros países do BRICS, a Rússia passou por uma retração em comparação a tudo o que havia sido e tido em um passado próximo, torna-se complicado compará-la a países que tiveram trajetórias de desenvolvimento tão diferentes. Segundo Trein, F. (2011) 7: “Se uma das mais fortes evidências da crise que levou à dissolução da URSS foi o colapso de sua capacidade de produção científica e tecnológica, decorridas duas décadas, aquela realidade se tornou ainda mais crítica. A microeletrônica, a informática, a robótica e a nanotecnologia são componentes fundamentais de qualquer armamento contemporâneo, e estas são áreas em que a capacidade de pesquisa entre os russos perde terreno constantemente”. Outro indicador econômico interessante de se abordar é o coeficiente Gini, que mede a concentração de renda dos países. A África do Sul, dentre as nações dos BRICS, tem o pior índice, o que significa a maior concentração de renda. A Índia, por sua vez, é o país com a menor disparidade de renda. Entretanto, isso não é necessariamente um dado positivo, uma vez que os cerca de 700 milhões de indianos que vivem na pobreza (cerca de 2/3 da população total do país) são os principais 7 Disponível em Governança Global e Integração da América do Sul; TREIN, F. página 30. IPEA. 2011. responsáveis pela baixa concentração de renda, ou seja, a relativa boa distribuição de renda é nivelada por baixo. Dessa forma, mesmo que a África do Sul seja o país com a pior distribuição de renda, a realidade é que todas as nações dos BRICS ainda têm que progredir bastante nesse quesito. No que tange ao aspecto político, a África do Sul também está à frente da maior parte dos outros países do continente. Desde o fim do apartheid8, a democracia sul-africana vem se consolidando e a questão racial, embora ainda tenha que avançar, não mais acarreta instabilidade capaz de gerar guerras civis. Nesses aspectos, a África do Sul se assemelha ao Brasil, que, além de ter uma democracia consolidada, não enfrenta instabilidade interna capaz de levar a conflitos nem tem problemas graves em suas fronteiras. Em se tratando da Índia, o país é uma democracia, mas enfrenta questões sociais e religiosas sérias, além de instabilidade em suas fronteiras. O sistema de castas, extremamente arraigado na cultura da Índia, a despeito dos esforços governamentais para acabar com essa situação, perpetua uma desigualdade social que não pode ser superada nem com o enriquecimento das populações de castas inferiores, o que representa um obstáculo significativo para o alcance de uma verdadeira democracia. Os conflitos ainda existentes entre populações muçulmanas e hindus também gera instabilidade significativa, capaz de trazer contratempos sérios ao governo indiano. No que tange às fronteiras, tanto a oeste (Paquistão) quanto a leste (China) há instabilidades decorrentes de conflitos históricos que não estão completamente pacificadas. É sempre válido lembrar que se trata de fronteiras que pertencem a Estados nuclearizados, o que potencializa a gravidade de eventuais conflitos entre eles. Já a China e a Rússia não podem ser consideradas democracias e também estão suscetíveis a instabilidade interna e em parte de suas fronteiras. Autocracia e centralização caracterizam os governos russos e chineses há muitos séculos, bem antes de qualquer conceito de democracia9 surgir na Europa; antes, até mesmo, do 8 Consistiu em um regime de segregação racial na África do Sul que durou quase cinco décadas – de 1948 a 1994. Nessa época, a maioria da população negra foi subjugada por um governo branco minoritário. O regime passou a ser mal visto pela comunidade internacional, de modo que muitos países passaram a impor diversos tipos de embargos, como econômico, à África do Sul segregacionista. 9 A ideia de democracia surgiu na Grécia antiga, em Atenas, mas a universalização do conceito só ocorreria depois da consolidação dos direitos civis e políticos na Europa, o que aconteceu entre os séculos XIX e XX. Embora não se questionem as vantagens dos regimes democráticos, a ideia de democracia passou a ser mais um dos conceitos europocêntricos impostos a todos os povos como sendo a única forma correta de se proceder e, em nome da surgimento do sistema interestatal. Dessa forma, não é a mera universalização de um conceito a partir do século XIX e, principalmente, do XX que irá convencer essas civilizações a abandonar práticas milenares, em função de uma imposição moral ocidental. Quantos às fronteiras, no caso da Rússia, por tratar-se de um território de imensidão sem paralelo, a totalidade da fronteira é indefensável. Somando-se a isso os conflitos históricos com regiões conquistadas dos antigos Impérios Otomano e Chinês e as naturais ressalvas que surgem nos países que conquistaram independência com o colapso da União Soviética, tem-se um cenário propício para instabilidades fronteiriças. No que tange à China, tendo em vista que o país já foi soberano de toda região do seu entorno nos anos de Império e considerando que o ímpeto expansionista é bastante presente na China, justifica-se o fato de que há reivindicações chinesas sobre território de 10 de seus vizinhos. Adicionando-se a isso as instabilidades clássicas nas fronteiras com a Rússia e a Índia, membros do BRICS, tem-se um cenário de potencial conflito no entorno chinês. Tratando-se, portanto, do aspecto político interno dos países integrantes do BRICS, a entrada da África do Sul é positiva, uma vez que essa nação é mais estável social e politicamente do que a maioria do outros países do agrupamento. Esse é mais um aspecto que aproxima Brasil e África do Sul e que torna esses países potenciais colaboradores mútuos dentro do agrupamento. Em termos populacionais, a África do Sul, com seus cerca de 50 milhões de habitantes10, é incomparavelmente menor do que os outros membros do BRICS. Ter uma população expressiva frequentemente é sinal de maior poder, uma vez que vastos recursos humanos ajudam a garantir a defesa dos Estados, aumentam sua capacidade tributária e permitem que a perspectiva de desenvolvimento econômico seja maior à medida que haja maior número de população economicamente ativa. Pensando nesses aspectos, a Rússia, com 140 milhões de habitantes 11, o Brasil, com quase 200 milhões12, a Índia, com 1,2 bilhões13, e a China, com 1,35 bilhões de democracia, muitas guerras foram feitas, as quais, raramente, propiciaram melhora na vida das populações afetadas e ajudaram a implementar verdadeira democracia. Rússia e China sempre tiveram governos alheios a esse conceito, mas é pouco provável que o messianismo ocidental se arrisque a impor a verdade democrática a qualquer desses Estados, já que as consequências disso são catastroficamente previsíveis. 10 Fonte: http://data.worldbank.org/country/south-africa 11 Fonte: http://data.worldbank.org/country/russian-federation 12 Fonte: http://data.worldbank.org/country/brazil 13 Fonte: http://data.worldbank.org/country/india chineses14, teriam uma vantagem objetiva em comparação à África do Sul. Entretanto, a questão populacional é muito mais complexa do que a análise de números absolutos, e, com exceção do Brasil, o número populacional dos outros BRIC aporta mais desafios aos países do que vantagens. No caso da Rússia, embora sua população seja quase três vezes maior do que a da África do Sul, seu território é cerca de 15 vezes maior, o que significa que, proporcionalmente a seu território, a Rússia tem uma população bem menor do que a da África do Sul. Fato ainda mais grave a esse respeito se refere à perda de população russa, uma vez que a baixa taxa de natalidade no país, de 1,54 filhos por mulher, não consegue mais repor a população, cuja taxa é de 2,1 filhos por mulher. Além disso, tem-se verificado, nos últimos anos, a queda da expectativa de vida, o que reflete a piora geral das condições de vida no país. Esses fatos tornam a questão populacional russa um problema muito sério, pois é muito difícil manter o desenvolvimento econômico e o poderio militar sem que haja homens e mulheres para repor aqueles que se aposentam e morrem. Nesse sentido, é mais fácil manter um Estado pequeno que tem exército e economia condizentes com seu contingente populacional do que manter operações em infraestruturas complexas com número decrescente de pessoas para executá-las. Nos casos da Índia e da China, o excesso de população traz desafios em vários aspectos. O principal deles se refere à grande parte da população que se encontra abaixo da linha da pobreza. Apesar de os últimos anos terem sido positivos, uma vez que o crescimento econômico expressivo desses países acarretou melhora de vida para parte da população, ainda há uma porcentagem significativa de pessoas que vivem em condições precárias. Tendo em vista que esses países são superpovoados, os números referem-se sempre a muitas pessoas: cerca de 800 milhões de pessoas vivendo na pobreza em ambos os Estados, sendo que na Índia a situação é significativamente mais grave, pois, do total da população pobre, uma média de 700 milhões são indianos. “... a Índia terá, entre outros, dois condicionantes fundamentais: sua capacidade de produção e inovação científica e tecnológica e suas condições de controle social, sem ruptura da atual ordem política de um contingente de aproximadamente 800 milhões de indivíduos, que deverão continuar vivendo fora dos padrões de consumo 14 Fonte: http://data.worldbank.org/country/china correspondentes ao que é considerado o mínimo de conforto sob uma 15 ordem econômica capitalista” . No que tange à China, outro problema populacional ocorrerá em um futuro próximo, uma vez que a política do filho único16 implantada no final da década de 1970, conquanto tenha sido eficiente para reduzir a natalidade, está criando uma geração de população economicamente ativa bem menor do que a população que envelhece a cada ano. Em breve, sustentar uma população imensa de idosos poderá se tornar inviável, já que a quantidade de gente que se encontra no meio da pirâmide etária populacional é decrescente em termos proporcionais. Diante do que foi exposto, percebe-se que Brasil e África do Sul são os únicos países do BRICS que não têm problemas atuais de população. A África do Sul, apesar de ter população comparativamente pequena, também não tem território muito grande, o que faz com que sua população seja suficiente para garantir o bom funcionamento da economia e a defesa do território no contexto regional. Ambos os países passam, atualmente, pela janela de oportunidade, que se configura quando a maior parte da população está na faixa etária entre 20 e 30 anos, ou seja, é economicamente ativa e ainda vai demorar a se aposentar. Nesse cenário, Brasil e África do Sul revelam mais uma característica em comum e se destacam positivamente em relação aos outros membros do BRICS. Em se tratando do tema segurança, também há disparidades significativas entre os membros do BRICS. A maior delas se refere à possessão de bomba nuclear nos seus arsenais militares. A África do Sul chegou a produzir algumas bombas nucleares na década de 1980, em pleno regime do Apartheid, mas desmantelou seu minúsculo arsenal na década de 1990, após o fim do regime e à adesão ao Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP)17. O Brasil, por sua vez, nunca foi um país nuclearizado, assemelhando-se, nesse quesito, mais à África do Sul do que aos outros 15 Disponível em Governança Global e Integração da América do Sul; TREIN, F. página 33. IPEA. 2011. 16 A China, sendo o país de maior população do mundo, implementou a política do filho único no fina da década de 1970, como forma de diminuir o boom populacional e, eventualmente, debelar parte da pobreza que assolava grande parte das famílias tradicionalmente numerosas do país. Há exceções, como no caso da zona rural, em que se permitem dois filhos por família, principalmente se o primeiro for menina. Estima-se que 400 milhões de chineses deixaram de nascer desde a implementação da política. Entretanto, efeitos colaterais, como o aborto e infanticídio de gênero (meninas) e a falta de substitutos para a população que envelhece são comuns e preocupantes. 17 O tratado de não proliferação nuclear é de 1968 e entrou em vigor em 1970. O Brasil, não por ser a favor de armamentos nucleares, mas por considerar o tratado em questão um meio de congelamento do poder, se recusou a aderir a ele por três décadas, quando o fez no governo Fernando Henrique Cardoso, em 1998. membros do BRICS. Isso ocorre porque os membros restantes – Índia, Rússia e China – são estados sabidamente possuidores de arsenal nuclear. No caso da Rússia, sua situação em termos militares é ainda mais dispare, uma vez que o país é o principal herdeiro do espólio militar da ex-União Soviética, que, durante meio século, comandou um dos polos do mundo bipolar da Guerra Fria. Embora grande parte de seu arsenal esteja se sucateando pela falta de capacidade de manutenção, é inegável o poderio militar russo, que permanece sendo o segundo do mundo, apesar de muito atrás do primeiro lugar – os Estados Unidos. A Índia, por sua vez, encontra-se em uma posição intermediária entre os detentores e não detentores de armas nucleares, pois, embora possua arsenal atômico, ela depende de veículos lançadores russos para transportar suas armas, o que retira do país a independência necessária para dispor, sem limitações, de suas bombas. No plano das relações internacionais, pode-se afirmar que a África do Sul exerce uma influência bastante significativa no seu entorno regional, apesar de não ter tanta importância no contexto mundial. Isso não significa, contudo, que o país não tenha pretensões de ter mais espaço no cenário internacional, o que se confirma pela articulação em grupos como o IBAS18, o próprio BRICS e pela pretensão em ter um assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU). Nesse aspecto, mais uma vez a África do Sul guarda semelhanças com o Brasil, uma vez que este país também tem grande influência no seu entorno regional e tem pretensões – mais evidentes do que a sul-africana – de angariar mais espaço no cenário internacional. Já a China, a Índia e a Rússia são países muito expressivos que estão na mesma região eurasiana e que, portanto, não exercem uma influência dominante (em detrimento dos outros membros) em sua região, como o Brasil e a África do Sul exercem respectivamente na América e na África. Entretanto, China e Rússia estão em patamar muito mais elevado quando se trata de influência no sistema interestatal. Isso se explica não somente pelo fato de ambos os países já terem assento permanente no Conselho de Segurança da ONU – com direito a veto19 –, mas também 18 O IBAS é um mecanismo de coordenação, estabelecido em 2003, entre três países emergentes que se consideram democracias multi étnicas e multi culturais: Índia, Brasil e África do Sul. O grupo foi formalizado pela Declaração de Brasília e tem iniciativas de projetos não somente entre os países membros, mas também projetos de cooperação com países menos desenvolvidos, o que é feito por meio de financiamento do Fundo IBAS, criado especificamente para esses fins. 19 Caso haja uma reforma no Conselho de Segurança das Nações Unidas, como pleiteia insistentemente o Brasil, o mais provável é que os novos assentos permanentes não confiram direito a veto, como ocorre em relação aos cinco membros permanentes originários. Esse é um por terem denso histórico de participação e influência nos principais acontecimentos históricos do século passado. 2.1 – OS CASOS ESPECÍFICOS DA RUSSIA E DA CHINA: Tratar do BRICS como um grupo de países emergentes que buscam se articular para alcançar mais facilmente seus objetivos no plano externo faz sentido no contexto atual. No entanto, a Rússia e a China têm características e históricos muito peculiares para serem consideradas equivalentes aos outros países do BRICS e, até mesmo, à grande parte dos países que compõem o sistema interestatal. Por isso, fazse necessário destacar essas peculiaridades, pois elas podem ter o condão de, eventualmente, fazer com que as disparidades entre os outros membros do BRICS sejam tamanhas que não seja mais pertinente manter o agrupamento nos moldes em que ele existe atualmente. Ambos os países fazem parte da estrutura de poder global muito antes de o sistema interestatal nascer na Europa no século XIII. Juntamente com a Europa e o mundo islâmico, Rússia e China formam quatro polos de poder que existem e se enfrentam há mais de um milênio. Nos casos da Rússia e da China, trata-se de civilizações específicas e diferentes de quaisquer outras, que sobreviveram às maiores adversidades. Analisar a China significa analisar uma civilização que, durante todo o curso da história, foi muito mais desenvolvida do que qualquer outro polo de poder. O chamado Império do Meio alcançou a centralização governamental quando os Estados europeus ainda estavam em processo de formação, havendo a instituição, inclusive, de meritocracia (concurso púbico) para preencher cargos governamentais em épocas tão longínquas quanto o século XV. Com um tipo de governo extremamente hierarquizado (o que se verifica até os dias atuais), os chineses foram uma máquina de fazer guerra e subjugaram praticamente todos os povos do leste asiático, que passavam a ser tributários do Império do Meio, dentro de um sistema eficiente de cobrança de tributos. Em termos filosóficos, Confúcio, com seus preceitos éticos e de comportamento, foi e ainda é a base cultural da civilização chinesa. Desde que os europeus chegaram à Ásia, os ponto bastante sensível para os membros permanentes, que não querem perder poder, nem de maneira reativa, o que ocorreria caso o direito de veto fosse estendido. Sabendo da improbabilidade da extensão de direito de veto e da possível obstrução que isso causaria à tão desejada reforma, o Brasil não pleiteia direito a veto, caso venha, de fato, a conquistar um assento permanente. chineses jamais se interessaram pelo o que eles tinham a oferecer, sendo que os ingleses eram conhecidos, no Império do Meio, como bárbaros ruivos, em uma clara demonstração de que se consideravam superiores a qualquer coisa que os europeus eventualmente tivessem a oferecer. Com a derrota na Guerra do Ópio, no século XIX, os chineses foram forçados a ceder a todos os desmandos ocidentais, mas, ainda assim, não incorporaram a cultura e o modo de vida ocidental. A entrada, de fato, dos chineses no sistema europocêntrico só começou a ocorrer com a incorporação de ideias socialistas a partir de Mao, e a entrada no sistema interestatal capitalista só aconteceu na década de 1980. Antes disso tudo, no entanto, há uma história de milênios que se interrompeu parcialmente por dois séculos, mas que não se desfez – os chineses, na atualidade, cultuam cada vez mais personagens e eventos de seu passado milenar. Talvez, o que esteja acontecendo atualmente, com a escalada de poder da China, seja a superação desse hiato de dois séculos em um período milenar e a retomada do lugar de potência que a China teve na maior parte do tempo. Nesse aspecto, a imensidão cultural, territorial e civilizatória da China a torna incomparável com qualquer outro país, inclusive do BRICS, de modo que o agrupamento pode se tornar sem sentido para a China caso ela esteja realmente a caminho da retomada da posição que sempre ocupou no sistema mundial. Em se tratando da Rússia, a situação é similar à da China. Embora os russos não tenham expressão civilizatória tão antiga quanto os chineses, eles construíram um Império com imensidão territorial sem paralelo na história, e igualmente impressionante foi a resistência desse povo de origem híbrida que passou pelas maiores provações possíveis, desde Estadistas/ditadores sanguinários até guerras com batalhas extremamente mortais. O fato é que os russos criaram uma máquina de guerra e tributação, com o expansionismo inerente a isso, muito eficiente, e, sabendose que esse povo já superou as mais catastróficas adversidades, sejam criadas pela natureza ou pelo próprio homem, é difícil imaginar que as dificuldades econômicas, sociais e políticas pelas quais eles têm passado desde o fim da União Soviética seja uma sentença condenatória definitiva do país a estar na categoria de país em desenvolvimento. Os russos já enfrentaram e superaram situações muito mais dramáticas do que seus problemas atuais. Além disso, estiveram no epicentro do sistema interestatal por meio século, de modo que parece inadequado considerar a Rússia como uma nação emergente por causa de suas características econômicas atuais. Os problemas chineses e, especialmente, russos são graves e é possível, embora não seja provável, que a derrota chinesa, no século XIX, e russa, no final do século XX, tenham legado esses países a posição de “Estados em desenvolvimento” da qual não há saída próxima, o que os faz pertencer, sem muitas controvérsias, a agrupamentos como os BRICS. No entanto, é necessário deixar claro que, pelo histórico dessas duas civilizações, mudanças em seus status podem ocorrer em prazo relativamente curto, o que traria como consequência a necessidade de repensar o BRICS como agrupamento de nações emergentes. Depois da breve caracterização da África do Sul e da comparação de suas características com as dos outros países dos BRICS, cumpre analisar a quais impactos o próprio país, o agrupamento e o Brasil estão sujeitos com a entrada da África do Sul nos BRICS. 3 – OS IMPACTOS DA ENTRADA DA ÁFRICA DO SUL NO BRICS PARA O PRÓPRIO PAÍS, PARA O AGRUPAMENTO E PARA O BRASIL: No tópico anterior, pôde-se notar que, de maneira geral, a África do Sul é o país menos expressivo dos BRICS, tendo a menor economia e a menor influência no cenário internacional. Diante disso, é possível tecer conjecturas de que a entrada do país para o agrupamento não teria maiores impactos e que, talvez, poderia ter sido apenas um gesto sem grandes pretensões das outras nações em admitir um “sócio” menor. Contudo, esse pensamento seria, no mínimo, ingênuo, uma vez que, quando se trata de relações internacionais e de geopolítica, não existem meros atos de boa vontade ou impensados. Nesse sentido, o convite à África do Sul teve propósito certo e isso, por si só, nos leva a afirmar que os impactos de sua entrada nos BRICS certamente são relevantes. Primeiramente, é válido analisar a origem do convite à África do Sul para se juntar aos BRIC, uma vez que ele revela relações entre determinados membros mesmo antes de haver o agrupamento como elo entre eles. Dentre os membros do BRICS, a Índia é o país com o qual a África do Sul sempre teve maior proximidade. Ainda no século XIX, houve imigração de indianos para a África do Sul, promovida pelos ingleses com finalidade de colonização. Mais tarde, quando a Índia se tornou independente em 1947, as relações com a África do Sul continuaram especialmente estreitas. Inclusive, na década de 1980, em pleno apartheid, houve uma reforma na Constituição Sul-Africana que conferiu direitos políticos a determinadas minoria étnicas, incluindo indianos, enquanto a maioria negra ainda estava alijada dos direitos mais básicos da cidadania. Contemporaneamente, o continente africano como um todo tem sido alvo de forte interesse por parte dos indianos, que veem na África oportunidades econômicas substantivas, tanto para o fornecimento de matérias primas quanto para consumo dos produtos industrializados indianos. Nesse contexto, a África do Sul é não somente um bom mercado consumidor, mas também um bom interlocutor com outros países africanos. Além do plano econômico, há relações especiais entre os dois países na área militar. Conforme afirma TREIN, F. (2011)20: “Para muito além do intercâmbio comercial e dos investimentos diretos dos indianos na economia sul-africana, há um bom tempo as relações militares entre ambos os países são muito especiais. Manobras conjuntas e trocas de experiências e de tecnologias em armas convencionais e atômicas fazem ou fizeram parte da agenda bilateral. Em relação a este último ponto, há de se considerar a triangulação com Israel como um ator de importância decisiva no desenvolvimento do potencial militar tanto da Índia como da África do Sul, fato que aproximou indianos e sul-africanos durante muito tempo”. No plano político, a aproximação é evidenciada por iniciativas como o IBAS, que, além dos dois países, inclui o Brasil. Nesse contexto, há espaço para os mais diversos tipos de temas, como ciência, tecnologia, educação, saúde, economia, dentre outros, o que demonstra afinidade entre África do Sul e Índia em um espectro mais amplo do que a tradicional parceria econômico-militar. Diante de toda essa relação próxima entre os dois Estados que foi acima exposta, é possível compreender o porquê de o convite para a África do Sul integrar o BRICS ter partido da Índia. De acordo com a explicação de TREIN, F. (2011)21: “A iniciativa do convite aos sul-africanos para se somarem ao BRICS partiu da Índia, que buscou, assim, com a presença da África do Sul no grupo, uma alteração das relações de suas forças internas em seu favor. As tensões entre chineses e indianos, por suas dimensões e pela natureza dos problemas que enfrentam para sustentar seus respectivos projetos de desenvolvimento, há muito já transcenderam suas raízes históricas e suas circunstâncias regionais. Antes da América Latina e da América do Sul, em particular, a China e a Índia disputaram a África. Assim, para a Índia, contar com o apoio sulafricano é de grande importância, especialmente para sua presença na extensa região ao sul do Saara”. Após analisar peculiaridades da entrada da África do Sul no BRICS e sua relação especial com a Índia, cabe estudar os impactos dessa ampliação dos BRICS para a própria África do Sul. O país, ao integrar o agrupamento, conquistou uma espécie de reconhecimento de sua condição de nação economicamente emergente e 20 Disponível em Governança Global e Integração da América do Sul; TREIN, F. página 39. IPEA. 2011. 21 Disponível em Governança Global e Integração da América do Sul; TREIN, F. página 40. IPEA. 2011. politicamente capaz de exercer alguma influência no cenário internacional. Outros indicadores, como a participação da África do Sul no IBAS e no G-20 financeiro22, já apontavam para esse reconhecimento, mas a entrada no BRICS certamente tem o condão de fortalecer a ideia de que o país, dentro de seu contexto regional, tem status diferenciado no cenário internacional. A pretensão sul-africana de liderança em seu continente não parece ser tão clara quanto a pretensão brasileira de ser porta voz da América do Sul, mas ela certamente existe e a sua entrada nos BRICS colabora para que, de maneira geral, os outros países africanos a vejam como uma líder natural do continente. Isso poderá se refletir na eventual conquista de um assento permanente no Conselho de Segurança ou no apoio a pretensões no âmbito da OMC 23 ou de quaisquer outras organizações internacionais. Além desse aspecto relacionado ao contexto internacional, a África do Sul poderá se beneficiar de políticas concretas que vêm sendo tomadas no âmbito do BRICS. Já há memorandos de cooperação nas áreas da justiça, dos bancos nacionais de desenvolvimento, de comércio, dentre outros temas. A tendência é de adensamento no setor de cooperação, e isso beneficia, em geral, a todos os participantes e a África do Sul não constitui exceção a essa regra. Para o agrupamento em si, a entrada da África do Sul torna o BRICS mais representativo. O continente africano sempre esteve na periferia do sistema mundial de poder, e, embora isso ainda se mantenha, a África vem sendo considerada a última fronteira de recursos do mundo, o que a torna atraente e a coloca em evidência no cenário internacional. Quando se falou, anteriormente, no interesse da Índia pelo continente, é importante ressaltar que isso não é exclusividade indiana, pois todos os outros integrantes do BRICS demonstram, também, forte interesse pela África. A China, nesse cenário, é exemplo emblemático de atuação na África, estando em grande parte dos países do continente em busca de produtos primários e atuando com 22 O grupo foi criado em 1999, na esteira das sucessivas crises de balanço de pagamentos que ocorreu na década, com o objetivo de se promover concerto entre países desenvolvidos e em desenvolvimento mais expressivos. Mais recentemente, com a crise nos países centrais, ao invés de nos países em desenvolvimento, o grupo adquiriu nova ótica, em que o comportamento das grandes corporações financeiras passou a ser questionado pela falta de regulamentação e pelo potencial lesivo, no sentido de ser capaz de atingir a economia real, como na crise de 2008/09. 23 Na eleição que haverá, em 2013, para a OMC, destaca-se a candidatura do diplomata brasileiro Roberto Azevêdo. Embora a votação seja secreta, todos os países membros do BRICS se manifestaram de forma favorável à candidatura brasileira. bastante frequência na construção civil e em outros setores vitais das economias africanas. Tratando-se os BRICS de um agrupamento de países emergentes, com crescimento econômico expressivo, a falta de uma nação africana poderia tornar o grupo menos legítimo para falar em nome desses países. Dessa forma, a entrada da África do Sul para o BRICS é positiva não somente para os interesses individuais de cada país do agrupamento, mas, sobretudo, gera uma coesão maior no grupo, que passa a ter representantes de todos os continentes do globo, com exceção da Oceania, tornando sua voz mais expressiva internacionalmente. Outro impacto interessante é o adensamento que se observa no âmbito do BRICS desde a entrada da África do Sul. Analisando a atas das Cúpulas anuais desde 2009, observa-se que elas se tornaram muito mais complexas desde a entrada da África do Sul em 2011. Em termos numéricos, a declaração final da Cúpula de 2010, tinha 16 pontos, sendo que na de 2011 havia 32 e, na última, 50 pontos. Houve a inclusão de diversos assuntos que antes não eram abordados, como paz e segurança no Oriente Médio, o ópio no Afeganistão, saúde pública e urbanização desordenada, dentre outros, e passou-se a articular iniciativas conjuntas entre os países, como no setor de bancos de desenvolvimento e da formação de magistrados. Obviamente que essa complexificação não se deve somente à entrada do país sul-africano no agrupamento, mas o simples fato de se ampliar o grupo significa que há vontade política não só de dar prosseguimento, mas de aprofundar os laços possíveis entre nações tão diferentes. Quando se fala em laços possíveis, quer-se ressaltar que o BRICS jamais teve e provavelmente não terá a pretensão de criar amarras institucionais. A teoria que, talvez, melhor explique isso é a Teoria das Geometrias Variáveis 24, que defende que países com interesses predominantemente divergentes podem se articular quando, eventualmente, tiverem assuntos de interesse comum. No caso dos BRICS, tendo em vista que as diferenças entre os países integrantes são bem mais significativas do que as semelhanças, o aprofundamento do agrupamento ocorre baseado em articulações que são convenientes para todos os membros. Conforme o Ministério das Relações Exteriores do Brasil: “(...) o BRICS tem um caráter informal”, e “abre para seus cinco membros espaço para (a) diálogo, identificação de convergências e concertação em 24 Em relações internacionais, o termo geometrias variáveis significa engajamento parcial ou eventual de um país com outro para se alcançarem objetivos específicos. Esse termo foi usado, por exemplo, pelo ex-chanceler brasileiro, Celso Amorim, na ocasião da reunião do G20 em 2009. relação a diversos temas; e (b) ampliação de contatos e cooperação em setores específicos”. 25 Quanto aos impactos para o Brasil, pôde-se notar, na primeira parte deste artigo, que, embora exista a já analisada relação especial entre Índia e África do Sul, o país que mais se assemelha à África do Sul, dentro do BRICS, é, na verdade, o Brasil. Os pontos em comum entre os dois países em temas como regime de governo democrático, estabilidade política interna, população condizente com o território e em sua maioria jovem, ausência de conflitos nas fronteiras, representação regional 26 e pretensões de alcançar maior protagonismo internacional são cruciais para fazer com que a entrada da África do Sul no agrupamento tenha potencial especialmente positivo para o Brasil. De acordo com TREIN, F. (2011) 27: “A experiência do Ibas permite supor ainda que não será somente a Índia a ter uma posição mais confortável entre os integrantes do BRICS, mas também o Brasil deverá encontrar na África do Sul uma parceria atenta para suas teses e seus interesses concretos. Não é difícil entender que há não só mais proximidade cultural entre estes dois países, mas também, antes de tudo, um espaço geográfico comum, o qual aproxima as respectivas estratégias de desenvolvimento econômico, político e militar”. O Brasil tem uma política clara para o continente africano desde o início do governo Lula e a participação dos dois países em grupos de articulação, como o IBAS e o BRICS, tem o condão de aproximá-los. Essa aproximação pode colaborar, por exemplo, para o Brasil atingir metas no setor comercial. Embora as relações comerciais bilaterais venham crescendo continuamente nos últimos anos, a África do Sul não representa nem 2% das exportações brasileiras, de modo que o potencial para crescimento do comércio bilateral é significativo 28. Diante da percepção de que o mundo está passando por mudanças em sua estrutura de poder, o Brasil encontra na África do Sul interesses mais convergentes do 25 http://www.itamaraty.gov.br/temas/mecanismos-inter-regionais/agrupamento-brics Tanto África do Sul quanto Brasil participaram ativamente da criação dos acordos regionais do qual fazem parte. No caso do Brasil, trata-se do MERCOSUL e, no caso da África do Sul, trata-se da União Aduaneira sul-africana. 27 Disponível em Governança Global e Integração da América do Sul; TREIN, F. página 40. IPEA. 2011. 28 O comércio com a África do Sul é importante para o Brasil porque se concentra, sobretudo, na exportação de produtos industrializados, que não encontram mercado facilmente em países desenvolvidos. Segundo o Departamento da Indústria e Comércio Sul-Africano, somente cerca de 5% do comércio entre os países é composto de produtos não industrializados, sendo que 63% é de ata ou média-alta classificação tecnológica. Em termos de crescimento do comércio bilateral, desde o fim do apartheid até 2008, as exportações brasileiras cresceram, segundo o MDIC, 501%, passando de US$ 291,8 milhões para US$ 1,7 bilhões em um período de doze anos. 26 que com outros integrantes dos BRICS, especialmente a Rússia e a China, que já estão em uma posição mais confortável quando se trata de poder nos foros multilaterais de decisão, com destaque para o Conselho de Segurança da ONU. Dessa forma, o Brasil ganha força ao ter ao seu lado, em mais um foro de articulação, a presença da África do Sul, que também defende uma maior democratização dos foros multilaterais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial (BIRD)29 e a ONU, além de integrar grupos sobre assuntos diversos, como defesa na zona do Atlântico Sul, consubstanciado na ZOPACAS30. Em suma, o fato de o Brasil e a África do Sul serem países democráticos, sem instabilidades civis ou fronteiriças e com pretensões de ganhar maior espaço no cenário internacional cria uma identidade entre eles que não existe no BRICS como um todo, pois, como já foi discutido anteriormente, o agrupamento é marcado muito mais pelas diferenças do que pelas semelhanças entre seus integrantes. Essa identidade, por sua vez, fez com que o Brasil olhasse com bons olhos a entrada do país sul africano no bloco, afinal, países com características importantes convergentes tendem a se articular e a alcançar consensos mais facilmente. 4 – CONCLUSÃO: O baixo grau de institucionalização de blocos ou agrupamentos internacionais muitas vezes pode ser o responsável pelo fracasso deles. No caso do BRICS, entretanto, a baixa institucionalização é justamente o que permite a existência do agrupamento, pois tamanhas divergências entre os países integrantes não permitiriam que regras institucionais rígidas fossem seguidas. Nesse contexto, o BRICS encontrou um caminho interessante para se manter e se fortalecer no cenário internacional: reunir esforços para defender interesses convergentes e articular ações, seja no campo social, político ou econômico, que possam ser benéficas para todos os 29 As reformas de cota e voz no âmbito das instituições financeiras internacionais, a despeito de terem avançado na década de 2000, estão emperradas mais uma vez. Em 2008, o FMI passou por uma reforma em que a cota do Brasil passou de 1,38% para 1,78%. Posteriormente, houve novo aumento para 2,32%. Entretanto, outras mudanças que já deveriam ter sido feitas não ocorreram por inércia principalmente de países centrais, como os Estados Unidos, que parecem se esforçar para manter o staus quo. Quanto ao Banco Mundial (BIRD), houve reforma em 2010, quando 3,13% da cotas foram transferidas para países em desenvolvimento. O Brasil passou de 2,06% para 2,24%. Ainda assim, os países em desenvolvimento, incluindo todos os membros do BRICS, clamam pela continuação das reformas, que, em tese, deveriam ser periódicas, com reajustes a cada cinco anos. 30 O acrônimo ZOPACAS significa Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul, a qual foi criada em 1986 por iniciativa brasileira. O objetivo é promover a cooperação regional e a manutenção da segurança e da paz na região do Atlântico Sul. O grupo, que conta com 24 membros, também serve para aproximar os blocos econômicos existentes na área: o MERCOSUL e a Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral. membros. Dessa forma, assuntos sabidamente sensíveis para um ou mais membros, que gerariam controvérsias, nem sequer necessitam de entrar em pauta de discussão, já que não existem regras que determinem temas, quórum de deliberação ou qualquer excesso de formalidade. A entrada da África do Sul no BRICS se encaixa nesse modelo de fortalecimento do agrupamento sem comprometimento institucional, pois se conseguiu um sócio disposto a integrar o grupo de acordo com suas poucas regras e que, ao mesmo tempo, trouxe maior legitimidade para o BRICS, ao incluir no grupo de economias emergentes uma nação sul-africana. Ademais, não se deve esquecer dos impactos positivos dessa ampliação para a própria África do Sul e para o Brasil, que são bastante significativos, principalmente em termos de propiciar maior projeção internacional para ambos os países. Em suma, a entrada da África do Sul no BRICS nos permite concluir que, a despeito das poucas chances de um agrupamento com países tão diferentes ser bem sucedido, o bloco está se fortalecendo, mesmo que esse fortalecimento não ocorra de maneira tradicional. O que importa, nesse contexto, é saber que alianças podem ser feitas de forma pontual, sem que haja comprometimento em áreas sensíveis para nenhum dos membros e, talvez, essa seja a explicação para a continuidade improvável de um agrupamento formado por países tão diferentes – o BRICS. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AZEVEDO, André Filipe Zago de, LAZZAROTTO, Eduardo Franco. Comércio entre o Brasil e a África do Sul: oportunidades e perspectivas. São Leopoldo, 2010. BAUMANN, R. (Org.) O Brasil e os demais BRICs. Comércio e política. Brasília: Cepal; Ipea, 2010. CHERU, F.; OBI, C. The rise of China and India in Africa: challenges, opportunities and critical interventions. Waterloo: Centre for International Governance Innovation (Cigi), [s.d.]. FREE WORLD ACADEMY. Global trends 2030: the world in 2030. 2005. HURREL, Andrews, LIMA, Maria Regina Soares de, HIRST, Monica, MACFARLANE, Neil, NARLIKAR, Amrita, FOOT, Rosemary. Os Brics e a Ordem Global. Rio de Janeiro, FGV, 2009. LIEVEN, Dominic. 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