DESTAQUE PRINCIPAL ENTREVISTA - E-LEARNING A EDUCAÇÃO SEM FRONTEIRAS Entrevista Especial – E-LEARNING A EDUCAÇÃO SEM FRONTEIRAS O Professor Edgard Cornachione – coordenador do eLearning da FIPECAFI – concluiu seu Ph.D. na University of Illinois (Estados Unidos) e trouxe na bagagem os mais avançados métodos e avaliação de alunos no ensino à distância. Confira na entrevista, a análise que o Professor Cornachione faz sobre o impacto da educação à distância no mercado de trabalho do Brasil e dos Estados Unidos, a importância para a atualização de profissionais de Contabilidade e sobre recentes novidades tecnológicas na modalidade de ensino. O Professor Cornachione é Chefe do Departamento de Contabilidade e Atuária da FEA/USP e Professor Associado (Livre-Docente da Universidade de São Paulo (USP). Possui Graduação (1990), Mestrado (1994), Doutorado (1999) e Livre-Docência (2004) em Ciências Contábeis pela Universidade de São Paulo (USP). Concluiu seu segundo Doutorado em 2008 pela University of Illinois at Urbana-Champagn (EUA) na área de Human Resource Education (PhD), com pesquisa sobre uso de tecnologias instrucionais avançadas em programas oferecidos na modalidade online e em modelos de treinamento e desenvolvimento. Concluiu estudos de pós-doutoramento na University of Illinois at Urbana-Champaign, EUA (2003) e participou do programa Colloquium on Participant-Centered Learning (CPCL) da Harvard Business School, Estados Unidos (2004). Segue a íntegra da entrevista: 1- Com a conclusão de seu segundo doutorado pela University of Illinois, na área de Human Resource Education, o que de mais inovador o senhor encontrou sobre programas educativos na modalidade online? Prof. Edgard Cornachione - Pude perceber que, no contexto dos Estados Unidos, a educação online tem um espaço muito mais favorável do que no Brasil, uma vez que os norte-americanos já perceberam as vantagens e a qualidade desta modalidade de ensino. Os educadores trabalham de forma muito séria com educação online e os estudantes conquistaram um método privilegiado. Já se emite, inclusive, diplomas equivalentes aos dos cursos presenciais. Nos EUA, os cursos online têm conteúdo até um pouco mais “puxado” do que o presencial, estágio esse que precisamos trazer para o Brasil. Alunos de mestrado e de doutorado estão sendo submetidos, por exemplo, na modalidade 100% online. Em Illinois, onde estive, não há distinção entre o diploma para mestrandos de cursos presenciais e cursos online. Nos EUA, a relação com as tecnologias educacionais é explorada com mais profundidade. Ela é, inclusive, utilizada em situações extremas. Eu acompanhei, em minhas ações didáticas por lá, muitos funcionários do governo americano, da área militar, que estavam no Oriente Médio fazendo mestrado à distância. 2 – Do que se trata a conclusão de sua segunda tese de doutorado? Prof. Edgard Cornachione - A conclusão do meu segundo doutorado se deu pela tese “Physiological interface in online learning environments: Vocal expression as an anxiety indicator” sobre interfaces fisiológicas. A princípio imaginei uma forma de melhorar a relação entre instrutor e estudante em um curso online. Em uma sala de aula convencional - com um professor e cerca de 30 alunos - a comunicação se dá por meio da fala e do contato visual, sem necessariamente a interação com um computador. O que geralmente acontece é que o professor terá que se dirigir aos 30 alunos utilizando apenas um único canal (a voz). Se nessa sala de aula, por exemplo, o professor se dirigir ao aluno A, então significa que supostamente todos os outros 29 alunos escutaram o que ele falou. Por outro lado, se o Professor se dirigir ao aluno A, em particular, significa que os outros 29 não escutaram a conversa. Já o modelo de educação online permite a união entre esses dois casos, pois é possível compartilhar uma conversa particular com outros membros do grupo. Então, o estudo consistiu em avaliar a possibilidade de captar uma variável que é a ansiedade da aprendizagem - por meio da maneira como nosso organismo reage de forma fisiológica (não voluntária). Existe uma teoria que diz o seguinte: se imaginar um gráfico, com eixo X e Y e fizer uma curva do tipo “U”, invertido, tendo o ponto mais alto dessa curva representando o nível ‘ótimo’, esse será o ponto ideal para o aprendizado. Sendo assim, se um estudante submetido a essa teoria estiver além desse nível ideal de aprendizado significa que há “stress” e ansiedade. Portanto, a possibilidade de se aprender corretamente o que se estuda será menor, mais difícil. E, diametralmente oposto a isso, se o estudante estiver aquém desse nível ideal de alerta, é como se ele estivesse relaxado a um ponto de não estar prestando atenção para agregar valor ao aprendizado. Nessa pesquisa (em que analisei em 3.600 horas de aulas online, utilizando programas de computador), estudei 16 padrões vocais do áudio que alunos e professores geraram em interações no ambiente online, para conseguir identificar se falar em microfones de computador durante uma aula permitiria descobrir se a pessoa estava acima ou abaixo da condição de alerta ideal para o aprendizado. Por fim, a pesquisa mostrou que é possível utilizar padrões de voz em ambiente natural para identificar essa questão. É como se eu pudesse colocar num sistema educacional online um “sinaleiro” do lado do nome de cada estudante e, dessa forma, pelo padrão da voz do aluno, identificar se é necessário dar uma atenção específica para aquele estudante. Além disso, a tese abordou outras questões como, por exemplo, de que modo cursos online podem ajudar especificamente o estudante da área de negócios. 3- Isso seria uma vantagem da educação online sobre a educação convencional? Prof. Edgard Cornachione - Sim, pois você teria condições de usar padrões fisiológicos. A pesquisa que eu estou desenvolvendo agora envolve outros proxies fisiológicos, como batimento cardíaco, tensão muscular, eletroencefalograma (EEG) representando padrões de atividades cerebrais e G.S.R. (Galvanic Skin Response), uma resposta galvânica da pele (transpiração das mãos). Conforme transpiramos pelas mãos nosso corpo quer, na realidade, passar um sinal de alerta de que algo não está normal. Esses aspectos conectados num sistema educacional online permitiriam uma série de inovações que a modalidade tradicional não permite. 4- Essas técnicas já são aplicadas? Prof. Edgard Cornachione – Ainda não plenamente. A Motorola já tem um protótipo para fazer uso de padrões vocais em celular, por exemplo, para que você possa ditar uma mensagem por SMS (“torpedo”). Além de transcrever o texto ditado, o sistema assimila expressões de sentimento, cores e tamanho de caracteres para identificar formas de expressão. Entretanto, não chega a atingir esse aspecto de educação online. 5- Em relação à aprendizagem na educação à distância observa-se técnicas diferentes nos Estados Unidos? Prof. Edgard Cornachione - Nos bons programas de educação online dos EUA, você observa que existe preocupação muito grande com o entendimento pelos estudantes dos objetivos de cada sessão do curso. Existe um planejamento mais elaborado envolvendo os objetivos educacionais e de forma profundamente interdisciplinar. Isso faz com que o nível de conforto com o curso aumente entre todos os participantes e, com isso, o êxito também aumente. Os estudantes também procuram trocar muitas informações entre si e com os professores. No modelo online aproveita-se mais o tempo, uma vez que não se está como nos modelos tradicionais, junto a um grupo de alunos por uma hora e meia ou três horas por semana. No modelo online mais pessoas conseguem obter benefícios, pelo fato de ser flexível e sem restrição geográfica e temporal. É possível estar com os participantes online o tempo que for necessário até 24 horas por dia. É possível participar de fóruns eletrônicos onde em um instante outro estudante pode responder a uma dúvida e, com base na resposta, outro estudante pode intervir mais tarde. Dessa forma, ninguém fica impedido de participar por motivos de indisponibilidade. No modelo de educação online não se discute apenas um conceito e ponto final. Há espaço para aquele aluno que deseja compartilhar sua experiência profissional com os outros participantes, o que é vital no mundo de alunos adultos (andragogia), especialmente na área de negócios. 6- Quais são as principais falhas do programa de educação online? Prof. Edgard Cornachione - Um programa ruim é aquele que esquece que o estudante pode ter dúvidas sobre como interagir com o curso. Então é importante que o programa, além de instruir o aluno sobre seus objetivos, passe informações de forma clara a respeito de seus processos e métodos. Falhas de comunicação são os problemas mais comuns com os participantes de um programa online. E, se avançar na escala dos problemas, verá que acontece também do programa ser inadequado ao replicar o que cursos do modelo tradicional já oferecem. Essa é, talvez, a principal falha identificada em modelos online mal sucedidos. 7- Encontra-se preconceito dos alunos com essa modalidade de ensino? Prof. Edgard Cornachione - Generalizar é difícil, mas tenho falado com pessoas que a cada dia mais se interessam por essa modalidade de educação. Comecei a pesquisar e trabalhar o método com maior empenho no ano de 1998. Nessa época, o Brasil tinha apenas três anos de internet comercial (estabelecida por aqui em 1995). Escutava dizer que não daria certo, por ser algo desconhecido. Entretanto isso tem mudado, pois o Brasil já tem 15 anos de internet e a educação online já está no dia a dia das pessoas. O mercado brasileiro ainda não reconhece essa modalidade de ensino de forma consistente, pois muitos dos programas oferecidos são de baixa qualidade, o que acaba gerando desconfiança. Em países de primeiro mundo, a visão é diferente. Já houve maturação sobre o assunto, até porque grande parte da população tem acesso a tecnologias. Isso ainda não acontece no Brasil. Mas, o que é muito importante é o seguinte: seja em países de primeiro mundo ou em países emergentes, cada nova geração terá um nível de intimidade muito maior com as tecnologias, se comparada com as gerações mais antigas. A expectativa é de que num futuro não muito distante, e olho agora para o ano de 2020, haverá um “mercado consumidor” tradicional muito diferente do que temos hoje. Trata-se de uma estrada sem volta. Há pesquisadores que fazem projeções sobre o futuro, como é o caso de Kurzweill. Ele fala sobre a consolidação de ambientes virtuais, ou melhor dizendo, de realidade expandida (exemplo Second Life) e a menor presença de professores 100% biológicos no sistema educacional. Dessa forma, por que não ter estudantes e instrutores dentro de ambientes virtuais (realidade expandida) massivos, com um professor virtual, um avatar, não representando um agente biológico, mas sim um agente não-biológico, por meio de inteligência artificial apoiada por um conjunto complexo de informações e estruturas relacionadas ao tema em questão? 8- Como o senhor avalia os cursos da FIPECAFI na modalidade eLearning voltados para o mercado financeiro? Prof. Edgard Cornachione - O mercado está expandindo e também a quantidade de profissionais de contabilidade no País. O número se aproxima do número de contadores dos Estados Unidos. No Brasil existem 50% de profissionais de nível técnico e 50% bacharéis em contabilidade. Nós estamos falando diretamente em meio milhão de pessoas que precisam de treinamento e atualização constante, sem falar na demanda indireta. Os negócios se alteram, as organizações estão a cada dia fazendo negócios de formas diferentes, o que inclui novas modalidades e soluções para pagamento, logística e entrega. O profissional da contabilidade não pode se dar o luxo de não se atualizar. Dessa forma, conectar seu computador ou smartphone a portal de educação para buscar atualização me parece uma escolha razoável. 9- Tem-se obtido bons resultados com essa modalidade de ensino? Prof. Edgard Cornachione - Sim, tem-se obtido bons resultados e a experiência tem sido excelente. O programa de cursos eLearning da FIPECAFI entrou em funcionamento em 2005. De lá para cá, muitas pessoas, empresas e associações entraram em contato com a Fundação para fazerem treinamento e parcerias educacionais. O próprio Conselho Federal de Contabilidade (CFC) já fez parcerias com a Fundação para que esse conhecimento chegasse aos seus profissionais. Então, isso mostra que a iniciativa é válida, eficaz e bem aceita pelo mercado. E para nós da FIPECAFI é uma forma de apresentar ao mercado toda essa inovação de ensino com o que há de mais avançado tecnologicamente, sempre. 10- As empresas americanas têm investindo no treinamento online para seus funcionários? Prof. Edgard Cornachione - Sim. Existe uma associação que se denomina pelo acrônimo A.S.T.D. (American Society for Training & Development). Essa associação publica relatório que indica a situação das empresas em relação ao treinamento e desenvolvimento de seus funcionários. É possível observar pelos estudos da A.S.T.D que há forte e crescente demanda por parte das organizações em treinar seus funcionários pela modalidade online para melhorar o desempenho organizacional e também favorecer o controle do aprendizado das pessoas que fazem tais treinamentos. 11- E no Brasil? Prof. Edgard Cornachione - No Brasil eu vejo da mesma forma, pois cada vez mais as empresas estão competindo em um ambiente global. Neste caso, uma empresa da Malásia não pode ser muito diferente da empresa do Brasil ou Estados Unidos, caso contrário terá dificuldade para competir igualmente no mercado.