REDES SOCIAIS DIGITAIS, SOCIALIDADE E MDV3D: UMA PERSPECTIVA DA TECNOLOGIA-CONCEITO ECODI PARA A EDUCAÇÃO ONLINE Profa. Dra. Eliane Schlemmer1 Prof. Dr. Daniel de Queiroz Lopes2 RESUMO Esse artigo inicia com uma reflexão sobre a sociedade e a cultura contemporânea, buscando identificar as transformações que surgem no viver e conviver do “homo socius” com o advento da Internet e suas tecnologias, tais como os comunicadores instantâneos, as mídias sociais digitais, os metaversos, entre outros. Apresenta e discute os conceitos de Redes Sociais Digitais, Redes de Socialidade Online e Mundos Digitais Virtuais em 3D (MDV3D) na perspectiva da tecnologia-conceito “Espaço de Convivência Digital Virtual” (ECODI), desenvolvida no contexto do Grupo de Pesquisa Educação Digital (GpedU/UNISINOS/CNPq). Problematiza se as mídias digitais se constituem como redes sociais, o “estar-junto” em relação às mídias sociais digitais e seus respectivos dispositivos de acesso e interação, bem como a necessidade de superar os automatismos, presentes em muitos desses sistemas, em favor das interações. Discute ainda termos como “sociabilidade” e “socialidade”, destacando a importância do encontro para um processo de Educação Online e propõe a tecnologia-conceito ECODI, enquanto espaço de e para reflexão sobre a socialidade no contexto dos MDV3D. Objetiva-se, por meio de resultados de pesquisas, socializar como a constituição de ECODI vem contribuindo para os processos de aprendizagem no âmbito da Educação Online. Palavras-chave: Redes sociais digitais. Socialidade online. Educação Online. DIGITAL SOCIAL NETWORKS, ONLINE SOCIABILITY AND MDV3D: A PERSPECTIVE OF ECODI CONCEPT-TECHNOLOGY FOR ONLINE EDUCATION ABSTRACT This paper begins with a reflection about contemporary society and culture, seeking to identify the changes that arise in life and life together of the "homo socius" with the advent of the Internet and its technologies, such as IM, social media digital, the metaverse, among others. It presents and discusses the concepts of Social Networks Digital, Online Network Sociality and 3D Digital Virtual Worlds (MDV3D) from the perspective of technology1 Professora e pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Educação da UNISINOS; líder do Grupo de Pesquisa Educação Digital (GPe-dU/UNISINOS/CNPq); bolsista produtividade CNPq; Doutora em Informática na Educação (2002) e Mestre em Psicologia do Desenvolvimento (1998) ambos pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. E-mail: [email protected]. 2 Professor e pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Educação da UNISINOS; vice-líder do Grupo de Pesquisa Educação Digital (GPe-dU/UNISINOS/CNPq); Doutor em Informática na Educação (2008) e Mestre em Psicologia Social e Institucional (2000) ambos pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. E-mail: [email protected]. concept "Digital Virtual Living Space" (ECODI), developed in the context of the Digital Education Research Group (Gpe-dU/UNISINOS/CNPq). It questions whether digital media are constituted as social networks, "being-together" in relation to digital social media and their access and interaction devices, as well as the need to overcome the automatisms present in many of these systems in favor of interactions. It also discusses terms such as "sociability" and "sociality", highlighting the importance of meeting for an Online Education process, and proposes the technology-concept ECODI while space for reflection and sociality in the context of MDV3D. Through research results, the purpose is to socialize how the constitution of ECODI can contribute to the learning processes within the Online Education. Key-Words: Digital social networks. Online sociality. Online education. 1 INTRODUÇÃO Vivemos e convivemos, na atualidade, mediados por diferentes Tecnologias Digitais (TD), interligadas pelas redes de telecomunicações. Elas estão presentes nos mais diversos setores, transformando as formas de pensar, desenvolver processos e gerar produtos. Mas não são somente vinculadas à produção de bens e serviços que as TD têm provocado mudanças, elas também sugerem mudanças na forma de pensar, de agir, de interagir, de se comunicar, de se relacionar, de estudar e aprender, de trabalhar, de se divertir, enfim, de viver e conviver na contemporaneidade. Nesses diferentes domínios, constituímos redes, integramos comunidades digitais que nos conectam a outras pessoas. Assim, temos amigos, trabalhos, relacionamentos; compramos, vendemos; estudamos, pesquisamos, jogamos num novo contexto, não mais somente analógico, mas também digital. Uma vez que estamos falando de sociedade e cultura, trata-se de transformações no viver e conviver do “homo socius”. Antes do surgimento da internet ter “amigos virtuais” significava somente ter “amigos imaginários” (aqueles amigos que toda a criança, em algum momento na sua infância, tem). Seguir uma pessoa significava um deslocamento físico no tempo e no espaço de forma a literalmente “perseguir”, ir atrás, de uma determinada pessoa. Integrar uma comunidade significava fazer parte de grupo de pessoas com objetivos comuns que se encontravam fisicamente em determinados tempos e espaços comuns. Conhecer pessoas, fazer amizades, namorar, enfim, construir relacionamentos de toda a natureza implicava, necessariamente, em ir ao encontro do outro, por meio de algum tipo de deslocamento físico no espaço geográfico do mundo presencial físico. Mas o que mudou com o advento da Internet e suas tecnologias, tais como os comunicadores instantâneos, as mídias sociais digitais, os metaversos, entre outros? O “homo socius” mudou? A sociedade mudou? Alguns indícios apontam que sim, principalmente com relação aos fenômenos locais e globais que se pode evidenciar a partir do que tem sido produzido nas redes digitais e nos reflexos dessa produção nas sociedades contemporâneas. Atualmente, os relacionamentos interpessoais não se restringem apenas aos contextos locais, mas espalha-se por todo o planeta; são pessoas que conhecemos somente por texto, por voz, por fotos, vídeos e, até mesmo, somente pelo seu avatar. Podemos seguir, não uma, mas várias pessoas pelo Twitter; integramos comunidades digitais virtuais de toda a natureza – de relacionamento, de aprendizagem, de trabalho, de lazer, de hobbies, de esporte, enfim, de assuntos específicos que nos interessam. Através das redes digitais os diálogos não cessam apesar da distância física, e as diferentes modalidades de presença digital – perfis online e avatares – já são amplamente mescladas aos perfis pessoais offline. Assim, a forma de conhecer pessoas, de fazer amigos, de manter relacionamento, bem como a forma de estudar, de trabalhar, de fazer compras, de realizar negócios, ou seja, de viver e conviver em diferentes instâncias mudou significativamente. Viver nos dias de hoje, mesmo que não tenhamos consciência disso, significa existir numa sociedade interligada por uma infraestrutura de serviços de telecomunicações, tanto para a nossa própria existência civil ou financeira quanto cultural. Diferentes TD surgem a cada dia, muitas vezes exigindo nossa adaptação – mesmo que a contragosto – outras vezes trazendo novas possibilidades, novas formas de viver e de conviver mediada pelas TD. Essas TD, ao possibilitar novas formas de comunicação e interação entre pessoas, têm favorecido o acesso a diferentes meios e fontes de informação, potencializando a troca de informações, o compartilhamento de experiências, ideias e conhecimentos. Ao invés da relativa passividade diante das tradicionais mídias de massa (como o jornal e a TV), as mídias digitais favorecem a produção colaborativa e a socialização da informação quase que instantaneamente, em qualquer tempo e em qualquer espaço, injetando movimento em tempo real na cultura através das redes digitais. Diálogos online acontecem a qualquer tempo, cuja potência se atualiza na constituição de opiniões, na formulação de conceitos, na organização de movimentos sociais, nos encontros e desencontros do mundo físico. Esses fenômenos revelam o surgimento de uma sociedade cada vez mais “tecnologizada”, conectada, e sustentando definições como “Sociedade da Informação”, “Sociedade do Conhecimento”, “Sociedade Digital”, “Sociedade em Rede”, “Cibersociedade”, “Cibercultura”. No entanto, tais definições ou designações exigem que compreendamos a forma como as pessoas vivem e convivem, os movimentos e processos que constituem o viver numa cultura digital. Essas mudanças na forma de viver e conviver do “homo socius” estão sendo possibilitadas pelo desenvolvimento de diferentes TD que, ao mesmo tempo em que são produto de uma sociedade tecnologizada, produzem essa mesma sociedade. Dessa forma, cria-se um ciclo de realimentação constante e crescente, fazendo emergir novas formas de organização social, contribuindo para que paradigmas, metodologias de pesquisa e categorias sociológicas sejam repensadas a partir desta nova matriz informacional-digital-global. As fronteiras, as bordas estão cada vez mais permeáveis, contribuindo para o surgimento de novas compreensões e significados “alargados”, ampliados ou muitas vezes contribuindo para a (re)significação de conceitos, tais como: comunidade, presença, distância, território, espaço, ambiente, lugar, real, virtual, convivência, entre outros. 2 AS MÍDIAS SOCIAIS DIGITAIS SE CONSTITUEM COMO REDES SOCIAIS? Recentemente, o cinema apresentou uma produção que contou a história de como alguns jovens universitários criaram um sistema na Web, que possibilitava que os membros de uma comunidade acadêmica elegessem, através de fotos, as beldades que circulavam pelo campus de Harvard. Segundo a história, esse sistema foi criado por um desses jovens em função do rompimento de seu relacionamento com a namorada. Assim, usando de seus conhecimentos de informática, invadiu os computadores dos usuários do campus em busca de fotografias digitalizadas para então divulgá-las na rede. Afora as polêmicas que essa atitude gerou, resultando em suspensão e advertência formal ao acadêmico, o fato curioso é que, ao colocar o sistema online, uma quantidade espantosa de acessos fez com que os servidores da universidade congelassem, e isto não passou despercebido por esses jovens acadêmicos. A partir dessa experiência, os mesmos jovens se inspiraram em produzir outro sistema que permitisse que os alunos de Harvard pudessem compartilhar informações de ordem pessoal de forma segura e privada entre uma rede de amigos. O sucesso desse novo sistema foi tão grande que, em pouco tempo, outros universitários de outras instituições criaram seus perfis pessoais neste sistema. Os resultados dessas experiências inspiraram a criação de uma das mídias sociais digitais mais conhecidas atualmente, com milhares de usuários distribuídos por todos os continentes. Em pouco tempo, esse sistema e outros concorrentes passaram a disputar pela conquista de mais “usuários”, criando, através de matrizes de interação, a padronização de procedimentos e ações que hoje se constituem, para o senso comum, como a própria definição do que seria uma “rede social”. Mas será que esses sistemas digitais constituem-se realmente como uma rede social? A constituição de redes sociais é um fenômeno que antecede o contexto tecnológico e se confunde com a própria noção do que seria o social. Berger e Luckmann (2003) afirmam que o Homo sapiens é ao mesmo tempo Homo socius. A bagagem biológica não é suficiente para que o indivíduo se constitua como ser social; é preciso viver e conviver em sociedade para que isto aconteça. Conjuntos de crenças, de valores e de saberes – alguns dos elementos constituintes do campo simbólico de uma sociedade – circulam nessa rede, de forma distribuída e fazendo com que cada indivíduo seja parte integrante da mesma. E é exatamente esse movimento de “fazer parte”, de pertencimento, que possibilita-nos pensar a sociedade e a própria cultura como uma rede que se constitui na interação entre seus integrantes. A interação é o processo fundamental que possibilita o fluxo de informações e a condição de existência dessa rede. Nesse caso, como defende Lévy (1999), Castells (1999), Lemos (2002) e Franco (2011a) a força deste fluxo possui relação direta com sua capacidade de se expandir, de se distribuir, de se hibridizar e se transformar. Um fato comum e ilustrativo da potência do fluxo dessa rede pode ser observado na transição das ditaduras para as democracias, que teoricamente passam a funcionar de forma menos centralizada e autoritária. Ao contrário, em sociedades extremamente hierarquizadas e centralizadoras, a potência de fluxo diminui, na mesma razão das conexões e interações, e cristalizam-se com mais intensidade. Nesse caso, é preciso que os movimentos de resistência e oposição criem novos fluxos capazes de se expandir e reagir, como se pode observar em diversos movimentos sociais ao longo da história. Porém, no caso dessas novas mídias sociais digitais o que podemos observar é um crescente movimento no sentido da centralização e padronização de processos e de fluxos. O que estaria se operando nesses contextos? Para o senso comum o sentido atribuído às mídias sociais digitais tem se confundido com o sentido e o próprio conceito de rede social. Recuero (2009) defende que existem dois tipos de rede social digital: uma da filiação, mantida pelo próprio sistema e que exige menor esforço dos atores sociais para ser mantida, com topologia mais centralizada; outra emergente, que é mantida pela constante interação entre os seus atores, com topologia menor e mais igualitária. Com base nessa distinção defendida pela autora, é possível entender que as primeiras são constituídas por sistemas informatizados que, ao capturar os processos (ex.: curtir, compartilhar, aprovar/reprovar, adicionar, etc.) e fluxos (informação personalizada, customizada, detecção de padrões e manutenção do consumo, círculos por afinidade, etc.), tem operado a simplificação e tornado “coisa” o que de fato é fluxo. No meso caminho, Franco (2011a; 2011b) possui diversos textos que advertem para o problema da centralização operada pelas supostas “redes sociais” ou sites de relacionamento. O autor argumenta que estas redes são norteadas pela política da participação (ação realizada sob o controle dos processos e fluxos – sistemas fechados, hierarquizados) ao invés da interação (movimento independente, heterárquico – sistemas em fluxo, abertos). No primeiro caso, a participação se esgotaria na ação de curtir, adicionar, pontuar positiva ou negativamente, preencher um formulário, emitir um comentário, sendo imediata e automaticamente absorvida e distribuída por entre iguais, egocentricamente identificados. No segundo caso, das redes online abertas, a interação é fluxo que opera no campo da alteridade, cujo compartilhamento se dá não pelo controle e fechamento entre iguais, mas sim pela própria dinâmica retroalimentada e imprevisível da interação. Este segundo caso parece estar mais identificado com as redes emergentes, cuja participação é a própria interação, sem automatização. Franco cita como exemplo os eventos que aconteceram em Madrid, em 2004, e na Praça Tahir, no Cairo, em 2011, pelo fato de terem acontecido de forma descentralizada através de interações distribuídas pelas mídias sociais e fora dela. Assim como nas redes online de escritores-leitores (ex.: blogs, fan fictions) a interação entre os atores é o que mantém a própria rede, à medida que a interação diminui, diminui também a sinergia e sua própria condição de existência. Isso quer dizer que o fato de se seguir ou ser seguido por mil ou dois mil seguidores, não parece ser suficiente para determinar ou indicar a existência de uma rede social. Ainda é preciso distinguir que nem sempre esses sistemas são utilizados conforme seus idealizadores e programadores. Ainda existem tipos de uso que se definem pela apropriação que os atores sociais fazem desses recursos (RECUERO, 2009). Porém, o que gostaríamos de destacar em relação às supostas “redes sociais digitais” é que não se trata apenas de apropriação por parte dos atores, mas também por parte dos algoritmos e dos sistemas, à medida que estes automatizam processos e oferecem soluções que, ao “facilitar” os modos de participação/interação, simplificam-na. Um suposto ator social ou autor não sabe exatamente quem leu ou recebeu a informação, nem exatamente o quê sua publicação pode ter causado, a não ser que haja uma reação explícita por parte dos seus seguidores, já que as interações ocorrem geramente a distância e mediadas pelas TD. As mídias analógicas – como o livro ou o jornal – já funcionavam a partir dessa mesma matriz de interações, que podia ser descentralizada (topologia de vários autores), mas não distribuída (interações diversas, fluxo contínuo entre autores e leitores). De certa forma, a ideia de produzir informações enclausuradas em redes proprietárias surge no contrafluxo de como a Web foi idealizada, a ponto de hoje já estar se admitindo a morte do WWW em favor das grandes corporações que detém a posse das bases de dados que armazenam tudo o que é produzido e compartilhado através das mídias sociais. Cada vez mais são produzidos aplicativos que condicionam e padronizam os modos de participação na Web. Ao invés de pessoas, cada vez mais se reforça a figura de usuário – um ente que delega a um sistema o controle dos fluxos de sua produção. Assim, entendemos que não é possível reduzir as redes sociais, enquanto fenômeno, às mídias sociais digitais, representadas em grande parte pelos sistemas e websites de relacionamento. A rede social não estaria, então, na rede digital, mas nos fluxos e movimentos provocados pelos atores sociais em constante interação. Nesse caso, entendemos que para uma análise das mídias sociais digitais e suas interfaces é necessário que se leve em consideração o potencial de produzir modos de interação distribuída e reguladas pelos próprios atores, com um mínimo de automatizações de processos interativos. 3 ECODI: A SOCIALIDADE NO CONTEXTO DOS MDV3D A sociedade em rede, na qual vivemos interligados por diferentes TD associadas a serviços de telecomunicações, ao que tudo indica, tem contribuído significativamente para a constituição de novos modos de viver em sociedade. “Sociabilidade” e “socialidade” são dois termos que tratam do tema da vida em sociedade de formas distintas. Maffesoli (1999) entende a “sociabilidade” como as relações institucionalizadas e formais de uma sociedade (os hábitos, os costumes, as regras, a polidez). Por exemplo, ao entrar num cinema ou teatro, é normal que se faça silêncio ao dar início o espetáculo. Nesse sentido, entendemos que, ao padronizar e simplificar os modos de interação e submeter as pessoas ao consumo seletivo de informações, algumas mídias sociais digitais (principalmente os websites de relacionamento) tem capturado seus “usuários” à modos de atuação restrita ao campo da sociabilidade. Por outro lado, Maffesoli traz a ideia de “socialidade” como oposta à sociabilidade, no momento que não se refere aos padrões institucionalizados e nem se submete ao controle social rígido. Para ele, a socialidade surge no contexto dos movimentos tribais, gregários, na essência do “estar-junto”, no imaginário que não se submete a uma lógica racional, mas emotiva e afetiva. Com base nesse autor, Lemos (2002, s/p) traça um importante paralelo identificando a cibercultura com o conceito de socialidade de Maffesoli. Segundo Maffesoli, e aí está mais um conceito importante para compreendermos a socialidade, nós estaríamos assistindo hoje a passagem (ou a desintegração) do indivíduo clássico à (na) tribo. (...) Se na modernidade, afirma Maffesoli, o indivíduo tinha uma função, a pessoa ("persona") pós-moderna tem um papel, mesmo que efêmero, hedonista ou cínico. Para Maffesoli, a lógica individualista se apoiou sobre uma identidade fechada, sobre o indivíduo pertencente a uma família, classe, regime militar e igreja específicos, enquanto que a "persona" só existe em relação ao outro. É por isso que a "persona" tem necessidade da tribo para se construir com o outro, pelo outro e no outro. Ao reforçar a ideia de pessoa ao invés de indivíduo, Maffesoli enfatiza o “estar-junto” como um traço que caracteriza os movimentos gregários ou “tribalistas”. Mas e como se pode pensar esse “estar-junto” em relação às mídias sociais digitais e seus respectivos dispositivos de acesso e interação? A interação sincrônica (em tempo real) que até bem pouco tempo ocorria predominantemente face-a-face, em ambientes presenciais físicos, constituídos por elementos analógicos, passou a se constituir também de forma mediada, através do uso de diferentes TD em rede. Esse “estar-junto”, no contexto atual, parece extrapolar a necessidade de proximidade física e evidencia cada vez mais a identificação como um elemento característico da cibercultura. Hoje se pode interagir via telepresença (quando é a nossa própria imagem e voz que está telepresente remotamente, ou seja, em local distinto do local geográfico onde nos encontramos no momento) e também via presença digital virtual (quando, por exemplo, criamos um avatar para nos representar na interação, portanto não é a nossa própria imagem que “está lá”, mas sim uma representação em 3D). Esse tipo de estar-junto tecnologicamente mediado, associado às tecnologias móveis e sem fio (TMSF), sugere novos potenciais de socialidade, no momento que a presencialidade “aqui e agora” adquire a forma do “qualquer lugar e agora” – para o caso das interações síncronas – e “qualquer lugar e em qualquer tempo” – para o caso das interações assíncronas. Nesse caso, na cibercultura, ao se ampliar as possibilidades de coexistência – presencial física e presencial digital – ampliam-se também as formas de socialidade, mas também de sociabilidade com a constituição de outros padrões de controle mediado pelas TD. Conforme foi abordado anteriormente, ao capturar e padronizar os modos de ação na rede, as redes digitais de relacionamento transformam o fluxos de interação em sociabilidade, ao condicionar a interação a modos específicos e previsíveis de participação. Isto não quer dizer que as pessoas e comunidades não possam subverter o que os sistemas digitais determinam e criar modos alternativos de interação – e, de fato, o fazem a todo o momento. Um caso interessante que ilustra esse fenômeno foi a exigência de parte dos usuários do Facebook, até então não atendida, de que seja oferecida a opção “não curti” para qualificar as publicações dos “amigos”. O que tem motivado essa exigência é a ambivalência do termo “curti”, que se torna contraditório quando, por exemplo, alguém publica uma nota de falecimento, ou uma notícia envolvendo violência ou injustiça. Um problema que, a princípio, parecer ser de ordem semântica, na verdade revela exatamente os limites do tipo de interação cujo controle é exercido por um sistema. Ao “curtir” uma publicação sem abertura para o diálogo, perde-se a potência de fluxo das interações, a abertura ao contraditório, ficando a interação restrita ao campo da sociabilidade. Noutro caminho, o que gostaríamos de ressaltar é a necessidade de pensar em tecnologias que sejam capazes de mediar as interações de modo que os fluxos estejam sempre em movimento, mas sem a distribuição automática de perfis e padrões de ações promovida pelas redes de relacionamento. A própria abertura oferecida por essas redes de relacionamento para inserir comentários nas publicações está submetida à ação de “curtir”, ação que encerra um modo de participação limitado, aos moldes das grandes correntes de abaixo-assinados que circulam pela Internet. O que seria preciso para superar os automatismos desses sistemas em favor das interações? A presença digital virtual parece exigir um “estar ali”, e a ideia de constituir Espaços de Convivência Digitais Virtuais (ECODI) como lugares de socialidade surge como possibilidade viável no atual contexto de desenvolvimento tecnológico digital. Os ECODI, ao contemplarem tecnologias da Web 3D, possibilitam às pessoas vivenciar experiências de Realidade Virtual (simulação do mundo presencial físico num MDV3D3 – transposição) e experiências de Virtualidade Real (criações ficcionais, que não possuem correspondência com o mundo presencial físico, ou seja, a virtualidade, por meio da representação em MDV3D se torna real, enquanto digital). A ideia dos ECODI tem como proposta ultrapassar os limites da telepresença ao explorar dimensões de coexistência física e virtual, na confluência dos modos de interação ampliados pelas TD e na convergência cada vez maior das presenças digitais virtuais e presenciais físicas que marcam o contexto da cibercultura. Atualmente, temos desenvolvido diversas pesquisas no âmbito da formação universitária, em nível de graduação (“Anatomina no Metaverso Second Life: uma proposta em Immersive Learning” – financiada pela FAPERGS) e de pós-graduação stricto sensu (“Espaço de Convivência Digital Virtual nos Programas de Pós-Graduação Stricto Sensu – ECODI-PPGs UNISINOS: uma proposta para a formação de professores-pesquisadores” – bolsa produtividade CNPq; e “METARIO – Rede de Pesquisa e Formação Docente em Metaversos: Desenvolvimento de Competências para a docência em Administração” – financiada pela CAPES). Tais pesquisas consideram o hibridismo tecnológico digital (Web 2.0, Web 3D e TMSF – tecnologias móveis sem fio) e as distintas modalidades educacionais (presencial física, e-learning, b-learning, m-learning e i-learning) como campos de estudo. É nesse contexto, considerando as questões e preocupações acima apresentadas que o nosso Grupo de Pesquisa Educação Digital – Gpe-dU UNISINOS/CNPq, estuda os processos de formação universitária no âmbito da graduação e da pós-graduação stricto sensu. Uma das construções técnico-conceituais originadas das pesquisas desenvolvidas pelo GPe-dU é a tecnologia-conceito “Espaços de Convivência Digital Virtual (ECODI)”, o que tem contribuído para problematizar os tensionamentos que surgem da cultura acadêmica em conflito com espaços digitais virtuais emergentes. Por ECODI entendemos o conjunto formado por diferentes TD integradas que favoreçam diferentes formas de comunicação (textual, oral, gráfica e gestual); pelo fluxo de comunicação e interação entre os sujeitos presentes nesse espaço; e pelo fluxo de interação entre os sujeitos e o meio, ou seja, o próprio espaço tecnológico. Um ECODI pressupõe, fundamentalmente, um tipo de interação que possibilita aos sujeitos (considerando sua ontogenia) – representados por avatares, os “ehabitantes” desse espaço – criar elementos e configurá-los de forma colaborativa e cooperativa, por meio do seu viver e do conviver. Um ECODI amplia a discussão da simples apropriação tecnológica, à medida que extrapola o sentido da existência/presença digital para a produção de significados sobre o que seria viver e conviver nesse contexto. No âmbito dos ECODI, o hibridismo tecnológico digital é uma das condições para que ele se constitua enquanto um ECODI e, nesse contexto, uma das tecnologias que se destaca é a tecnologia de Metaverso, que possibilita a construção de Mundos Digitais Virtuais em Três 3 Mundos Digitais Virtuais em 3 Dimensões Dimensões (MDV3D) e a criação de avatares. No entanto, somente o hibridismo tecnológico digital não constitui um ECODI, pois para isso é preciso satisfazer mais duas condições, quais sejam: o constante fluxo de comunicação e interação entre os sujeitos presentes nesse espaço e, o constante fluxo de interação entre os sujeitos e o meio, ou seja, o próprio espaço tecnológico. Além disso, um ECODI precisa, necessariamente, ser configurado de forma colaborativa e cooperativa, por meio do viver e conviver dos sujeitos – avatares que o ehabitam. No caso dos MDV3D, existe a possibilidade de construir objetos, artefatos, cenários, sons ambientes, além de programar funções para estes objetos, de forma que o e-habitante possa criar modos diversificados de interação entre pessoas e objetos digitais. Nos MDV3D, os modos de interação e comunicação a distância entre as pessoas através de seus avatares também podem ser operados sob o regime de oralidade (bate-papo por voz), além de exigirem a sincronicidade dos e-habitantes. O “aqui” é substituído por imagens digitais na forma de sons (ambiente ou música) e representações gráficas em 3D (campos, casas, prédios, salas, gestos, etc.); e o “agora” se dá no encontro síncrono, simultâneo de pessoas e seus avatares. É possível criar ambientes, objetos e corpos digitais correspondentes ou análogos à realidade física, ou totalmente imaginados e diferenciados. Os MDV3D, assim, são espaços propícios tanto para a afirmação de identidades quanto para a manifestação de alteridades. A experiência com ECODI, com o suporte dos MDV3D, propõese a articular uma modalidade de convivência digital que vá além da comunicação escrita e situe a autoria com base na cooperação e na produção multimidiática associada a uma presença digital – encontro entre “corpos digitais virtuais” que potencialize a interação e a alteridade na criação de locus de convivência. Dessa forma, não se trata de buscar paralelismos ou a ubiquidade, mas sim de considerar o mundo digital como potência – um vasto campo virtual, de ensaios, de transformação e produção de subjetividades mutantes – em coexistência com o mundo físico, e ambos injetando-se movimento mutuamente. Um ECODI pode ser um “como seria se...”, ao mesmo tempo em que pode se atualizar e provocar transformações de ordem prática em modos de ser e de habitar o mundo físico contemporâneo – a socialidade, a sociabilidade, a estética. O SecondLife (SL), apesar das limitações em relação aos custos de manutenção dos espaços para construção e desenvolvimento de comunidades, tem sido o metaverso mais estudado no contexto das pesquisas envolvendo o uso educacional desse tipo de recurso, e é uma das tecnologias que temos utilizado no contexto de nossas pesquisas. O SL foi criado numa época em que a Web 2.0 ainda não havia sido extensivamente utilizada e popularizada, de forma que o que era produzido nesse metaverso era compartilhado apenas entre os ehabitantes que mantinham seus avatares nesse ambiente. Atualmente, o SL tem oferecido aos seus e-habitantes outras formas de interação que integram alguns recursos que tornaram suas fronteiras mais permeáveis com o que está fora de seus metaversos. No entanto, ainda existe uma forte tendência a circunscrever as interações com as coisas e pessoas (avatares) que encontram-se nesse ambiente. Nesse sentido, hoje o SL ainda possui limitações que se referem a necessidade de torná-lo mais híbrido e permeável à Web, a fim de que a coexistência e os fluxos das interações de fato possam ser ampliados. Existe uma forte tendência para que haja uma convergência entre as tecnologias de metaverso e a realidade aumentada, o que possibilitará que informações possam ser atualizadas em tempo real entre os espaços físicos e digitais. Ainda no âmbito da tecnologia de metaverso, que possibilita a construção de MDV3D, observamos, mais recentemente, um movimento de criação dos primeiros metaversos opensources, tais como o OpenWonderland (http://openwonderland.org/) e o OpenSimulator (http://opensimulator.org), Iniciativas como essas tem contribuído para a disseminação dessa tecnologia, observado pelo constante crescimento de MDV3D, principalmente a partir de 2009. O Open Wonderland (http://openwonderland.org/) é um Metaverso Opensource que surge por iniciativa do grupo de pesquisa The Immersive Education Technology Group (IETG)4, dos Estados Unidos, composto por pesquisadores de diferentes instituições como: Amherst College, Boston College, MIT5 Media Lab e Grid Institute, The Immersive Education Initiative is an international collaboration of universities, colleges, research institutes, consortia and companies that are working together to define and develop open standards, best practices, platforms, and communities of support for virtual reality and game-based learning and training systems. (Disponível em http://immersiveeducation.org/) A Immersive Education combina MDV3D com chat por voz, módulos baseados em aprendizagem por jogos, áudio/vídeo e ambientes colaborativos online em classes e cursos virtuais, possibilitando elevar o que hoje conhecemos por EaD, a novos patamares. O projeto Immersive Education foi criado com o objetivo de conseguir o engajamento e a imersão dos estudantes, da mesma forma como é possível com os melhores games, os quais conseguem atrair e manter a atenção dos jogadores. É com essa perspectiva que o IEGT criou o OpenWonderland – OW, um software gratuito, desenvolvido em Java, que possibilita a criação de MDV3D. Diferente do SL, o OW é uma iniciativa especificamente direcionada para a educação, onde por meio da imersão, pessoas podem colaborar, simular negócios reais e aprender sobre a tecnologia de imersão. A principal fonte de informação sobre o OW é o próprio site do projeto, onde é possível encontrar todo o histórico do desenvolvimento do projeto, desde quando era fomentado pela Sun. Há varias versões para download, os códigos fonte recebem atualizações semanalmente e normalmente são estáveis, podendo ser utilizados no lugar do preview. O OW adota o conceito de extensão modular, de forma que as novas funcionalidades podem ser construídas sem interferir no código que faz parte do núcleo do sistema (a licença dos módulos pode, inclusive, ser distinta da licença da plataforma em si). Diversos módulos estão disponíveis em <http://openwonderland.org/modules/modulewarehouse>. Mesmo sendo uma plataforma para a criação de MDV3D, tanto o preview4, quanto os fontes, disponibilizados no repositório, já vem com dois mundos pré-definidos, os quais podem ser configurados. No OW também é possível personalizar o seu avatar, embora as possibilidades sejam menores que as presentes no Metaverso SL e exija um pouco mais de conhecimento do usuário. A comunicação oral funciona automaticamente, captando sons no microfone e transmitindo para a aplicação sem a necessidade de uso de botão na tela. Caso algum problema aconteça com o som no startup, uma mensagem deverá informar. Open Simulator – OS ou OpenSim (http://opensimulator.org/) é um Metaverso Opensource que surge da colaboração entre a Linden Labs e a IBM. Ele vem sendo desenvolvido por vários desenvolvedores. O OS é um servidor de MDV3D com Licença BSD que pode ser utilizado para criar e desenvolver Ambientes Virtuais em 3D. Pode ser utilizado para criar um ambiente semelhante ao Second Life, capaz de rodar em modo standalone ou 4 O IETG também realiza pesquisas no Metaverso Croquet e OpenSim e mantém um grupo de discussão no SL onde realiza encontros para discutir as questões que abrangem a pesquisa. Recentemente o IEGT recebeu um prêmio de inovação por apresentar uma tecnologia promissora que irá afetar consideravelmente a sociedade em um futuro próximo. 5 Massachusetts Institute of Technology – MIT localizado em Cambridge – Massachusetts nos EUA. é uma das instituições universitárias mais importantes dos Estados Unidos da América – EUA e um dos centros de ensino e pesquisa mais famosos do mundo. http://web.mit.edu/ conectado a outras instâncias de OS através da tecnologia de grid nele embutida. Ele também pode ser facilmente estendido para produzir aplicações interativas em 3D mais especializadas. Pode ser usado com os mesmos clientes visualizadores do Second Life e tem suporte a maioria das features do Second Life. Suporta scripts em LSL/OSSL, C#, JScript e VB.NET. Suporta física utilizando-se da ODE e possui uma grande comunidade online. Grids e Standalones são tipos de servidores criados pelo OpenSim. Um servidor do tipo Standalone significa que todo o mundo virtual e os módulos rodam em um só computador por um só processo. No modo grid, o processo é todo separado podendo até mesmo ser rodado em multiplos computadores. Por esse motivo, standalones acabam sendo mais fáceis para se configurar do que os grids. Muitos grids são públicos e podem ser facilmente acessados. O OpenSim também possui uma arquitetura chamada HyperGrid, que permite que os usuários sejam “teleportados” de uma grid para a outra, podendo assim ligar grids públicos sem precisar instalar novos clientes. Nesse contexto da tecnologia de Metaverso, observamos recentemente o lançamento realizado pelo Facebook do CloudParty, desenvolvido em 2012 (em sua primeira versão Beta) por Cory Ondrejka (um dos criadores do Second Life e que agora trabalha no Facebook), e Cryptic Studio's ex-CTO Bruce Rogers. O CloudParty consiste numa aplicação, vinculada ao Facebook, que permite a criação de MDV3D e representação via avatar. Para o seu funcionamento é necessário um browser que suporte WebGL, tais como o Chrome ou Firefox, sem que haja necessidade de instalar um programa ou criar uma conta específica para utilizá-lo, pois há a opção de entrar como um usuário anônimo ou ainda utilizando o login do Facebook. Ao entrar você define o seu avatar e passa a interagir por meio dele com os demais avatares e com os objetos criados nos MDV3D. De forma semelhante ao Metaverso Second Life, o Cloud Party trabalha com um sistema de ilhas e também com um sistema de moeda virtual, denominado Cloud Dollars. As ilhas podem ser públicas ou privadas, assim é possível adquirir uma ilha, a qual terá uma localização específica, com endereço web próprio e que pode ser visitada no Cloud Party. Ao adquirir uma ilha é possível ter controle total sobre ela, ou seja, é permitido edição total da ilha, inclusive removê-la, substituí-la por uma estação espacial, alterar o céu, permitir que amigos específicos editem na sua ilha, dentre outros. Todas as ilhas ficam visíveis no céu do CloudParty, representadas numa bolha, como se fossem nuvens. A qualquer momento o ehabitante pode ir para outras ilhas através de seu histórico de navegação ou marcando favoritos. No que se refere à integração com os recursos do Facebook, algumas possibilidades podem ser identificadas, tais como: compartilhamento da mesma lista de amigos, possibilidade de convidar amigos para visitar o espaço criado em 3D, capturar imagens e compartilhar na linha de tempo, dentre outros. A interface de controle usa a metáfora de um smartphone, onde se tem acesso aos recursos de compartilhamento, construção e configurações gráficas. Para poder construir alguma coisa é preciso cumprir com um roteiro inicial (tasks), como um tutorial passo a passo, para então ganhar uma habitação numa ilha pública. Os gráficos e elementos de construção possuem formas clássicas (esfera, cone, cubo, etc.) que podem ser modificadas, bem como uma biblioteca básica de objetos de decoração. No entanto, é possível criar modelos em 3D utilizando softwares de modelagem (ex.: Blender, Maya, Google SketchUp) e fazer upload para uma biblioteca pessoal. Também é possível programar a animação de objetos e criar simulações através de uma linguagem em script similar ao Javascript. Nesta versão beta, o e-habitante pode publicar até 100 objetos dentro do terreno que lhe foi designado, além de fazer upload de áudio para criar ambientação. Dentre as principais limitações desta versão beta estão o pequeno espaço para criação na modalidade gratuita, poucas opções para transformação do avatar, não existe recurso de comunicação por voz apenas texto (chat) e a padronização das habitações sem possibilidade de manipular essas construções. Destacamos, ainda, como a maior limitação desta versão, a impossibilidade de que um e-habitante compartilhe seus objetos e construções, não permitindo que os espaços sejam compartilhados com outras pessoas. Convém salientar que estas limitações aplicam-se para os usuários na modalidade básica e gratuita. De qualquer forma, são limitações importantes que interferem diretamente na constituição de um ECODI. Assim, entendemos que essa nova possibilidade, apresentada recentemente pelo Facebook (integrando MDV3D à mídia social) atende, parcialmente, uma das condições necessárias para constituir um ECODI, que é a perspectiva do hibridismo tecnológico digital, já identificada anteriormente por meio das pesquisas que desenvolvemos no GPe-dU. No entanto, conforme apresentamos e discutimos nesse texto, essa condição por si só, não caracteriza a tecnologia-conceito ECODI. Ainda não é possível verificar se esse novo recurso atenderá duas condições importantes: o constante fluxo de comunicação e interação entre os sujeitos presentes nesse espaço e, o constante fluxo de interação entre os sujeitos e o meio, ou seja, o próprio espaço tecnológico. Além disso, o recurso ainda não possibilita que se constitua um ECODI em função da impossibilidade de configurá-lo de forma colaborativa e cooperativa, por meio do viver e conviver dos sujeitos – avatares que o e-habitam. No entanto, em termos de perspectivas atuais e futuras, temos explorado outras possibilidades de tecnologia de metaverso opensource, tais como o OW e OS. O fato de essas plataformas serem de código aberto torna possível a constituição de ECODI desde o próprio sistema, já que a própria comunidade de programadores tem desenvolvido o sistema de forma que atendam necessidades que não estejam pautadas pela lógica da captura de usuários e do potencial econômico que advém da posse das bases de dados desses usuários. Ao que tudo indica, essas plataformas opensource têm maior potencial em tornar os MDV3D mais híbridos e permeáveis à Web e também ao mundo analógico, se possibilitarem a integração também com recursos de realidade aumentada na perspectiva da coexistência e da multimodalidade (“estar-junto” física e digitalmente). Entendemos que ainda é preciso o desenvolvimento de pesquisas, tanto do campo da educação, quanto do desenvolvimento em C&T, a fim de que esses novos recursos digitais possam garantir que os fluxos das interações de fato possam ser ampliados, se beneficiando das possibilidades que se abrem com a integração das informações produzidas no contexto dos MDV3D e nos espaços físicos. Dessa forma, entendemos que a perspectiva proposta pela tecnologia-conceito ECODI carrega o potencial de produzir modos de interação distribuída e reguladas pelos próprios atores, com um mínimo de automatizações de processos interativos. 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS: A EDUCAÇÃO ONLINE NA PERSPECTIVA DO ECODI Considerando o exposto acima, entendemos que é preciso refletir sobre o significado do termo “a distância”, que surge sempre vinculado aos processos de ensino e de aprendizagem que ocorrem em ambiente web, principalmente considerando as novas possibilidades que surgem com a Web 2.0, Web 3D e TMSF. Segundo Trein & Backes (2009), histórica e culturalmente, a natureza do espaço destinado ao viver, ao conviver, ao desenvolvimento dos processos de ensino e de aprendizagem, é físico. É na sala de aula da escola ou da universidade, na presença física do educador e do aluno, que esses processos acontecem. No entanto, atualmente sabemos que esse viver e conviver podem ocorrer tanto em contextos presenciais físicos, quanto em contextos digitais virtuais, na convergência entre “mundos físicos analógicos” e “mundos digitais virtuais”. Em ambos, é fundamental que professores e alunos configurem juntos esse espaço de convivência educacional, por meio de trocas num ambiente perpassado pelo respeito mútuo, solidariedade interna, colaboração e cooperação. De acordo com Franco (2006), “o que se prevê é a disseminação de instituições públicas e privadas de educação superior com condições técnicas, pedagógicas e administrativas para atuarem tanto com cursos a distância como presenciais e as duas modalidades coexistindo de tal modo que logo não será necessário (talvez nem possível) distingui-las. (p.36) Considerando que segundo Maturana (1997), o fundamento do ensinar e do aprender está no amor, entendemos que este pode existir independentemente da modalidade e, portanto, da natureza do espaço no qual os sujeitos vivem, convivem, ensinam e aprendem. Nesse contexto, pesquisas desenvolvidas pelo GPe-dU trazem elementos para novas compreensões do conceito de distância e de presença, quando vinculados a espaços e “nãoespaços” de educação online, contribuindo para a superação do paradigma atual da EaD. Trein & Backes (2009) referem que a utilização do termo “Educação a Distância” pressupõe que os seres envolvidos no processo estejam distantes. Mas de qual distância estamos falando? Entre corpos físicos? Com o surgimento e a efetiva experimentação de distintas TD, principalmente vinculadas a Web 3D, tais como os metaversos, conceitos como distância, presença, telepresença, identidade, entre outros, têm sido objeto de constantes reflexões e vem se transformando, conforme apontam diversas pesquisas. Nos metaversos, com a criação de Mundos Digitais Virtuais em 3D - MDV3D, surgem possibilidades efetivas para o desenvolvimento de espaços dinâmicos e relacionais, nos quais os sujeitos podem ter diferentes tipos e níveis de presença digital virtual (dependendo da tecnologia utilizada). Nesses MDV3D o sentimento de distância é minimizado pela telepresença (presença a distância) combinada com a presença digital virtual (por meio do avatar), e pela possibilidade de ação e de interação dos sujeitos-avatares, através de diferentes linguagens (oral, textual, gráfica e gestual). Isto permite um viver e conviver de forma digital virtual, por meio de interações síncronas e assíncronas, em congruência com esse meio digital virtual em 3D. A sensação de “estar junto com” o outro, de forma digital virtual, é intensificada por esse avatar, que pode ser criado e totalmente personalizado pelo próprio sujeito, para melhor representar seu “eu digital virtual”. Temos observado em nossas pesquisas que o fato de ter uma Identidade Digital Virtual – IDV – avatar – amplia o sentimento de imersão do sujeito num mundo onde pode agir e interagir no e com ele e seus ehabitantes e provoca um sentimento maior de “presencialidade”, de vivacidade. O sujeitoavatar tem a sensação de “estar lá” no ambiente digital virtual de forma mais intensa. Essa presença, de natureza digital virtual, que possibilita o “estar junto digital virtual”, a “proximidade relacional” minimiza a “falta de presença”, entendida enquanto presença física, bem como o sentimento de “distância”, contribuindo para que o termo “Educação a Distância” pareça contraditório. Entretanto, segundo Trein & Backes (2009), é importante lembrar que assim como a presença física apenas, não configura convivência, a presença digital virtual também não. Dessa forma, entendemos que ao compreender as diferentes TD como algo resultante de uma construção histórico-social e, portanto, algo pertencente à cultura da atualidade, podemos falar somente em Educação, sem a necessidade de qualificá-la como “a distância”. Isto porque compreendemos que educar neste tempo e espaço histórico-social implica em utilizar as tecnologias desta sociedade. Isso expressa uma visão ecológica que reconhece a interdependência fundamental dos fenômenos, de forma que nós, indivíduos e sociedade, somos parte de processos cíclicos da natureza. [...] a tecnologia não determina a sociedade. Nem a sociedade escreve o curso da transformação tecnológica [...] o resultado final depende de um complexo padrão interativo [...]. A tecnologia é a sociedade, e a sociedade não pode ser entendida ou representada sem suas ferramentas tecnológicas. (CASTELLS, 1999, p. 25). Sabemos que o conceito de EaD está em constante movimento, transformação, principalmente em função da evolução do hardware, dos softwares e também dos serviços de telecomunicações, que propiciam o surgimento de novas tecnologias digitais virtuais, instigando educadores-pesquisadores a desenvolver novas práticas e processos de mediação pedagógica. Dessa forma, trata-se de uma modalidade educacional dinâmica e fluida, que se movimenta e, nesse movimento pode ser repensada, modificada, renovada, transformada, numa perspectiva de inovação na educação, contribuindo para a formação de sujeitos transformadores da sociedade. Nesse caso, entendemos ser de suma importância analisar as possibilidades desses novos recursos tendo como critério a manutenção da potência dos fluxos de interação entre as pessoas, tanto no que se refere a socialidade quanto aos processos educacionais. REFERÊNCIAS BACKES, L. A Formação do Educador em Mundos Virtuais: Uma investigação sobre os processos de autonomia e de autoria. 2007. 186p. Dissertação (Mestrado) - Programa de PósGraduação em Educação, Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS, São Leopoldo. CASTELLS, M. A Sociedade em Rede. São Paulo: Paz e Terra. 1999. FRANCO, A. A rede. São Paulo: 2011a. Disponível em: <http://net-hcw.ning.com/page/arede>. Acesso em: 10 jun. 2012. FRANCO, A. 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