A “INVISIBILIDADE” DO TERRITÓRIO QUEIJEIRO ARTESANAL SERGIPANO 1 Sônia de Souza Mendonça Menezes-Universidade Federal de Sergipe [email protected] RESUMO A produção de queijos artesanais sob a responsabilidade dos agricultores familiares tem sido amplamente discutida, como uma estratégia de reprodução social que deve ser reconhecida pelo Estado. Para tanto, novas ações deverão ser buscadas no sentido de minimizar questões higiênicas e sanitárias, acompanhadas pela imprescindível criação de legislação compatível ao setor. Os impactos resultantes dessas ações resultam no fortalecimento do setor artesanal, na maior oferta de produtos tradicionais “seguros” para a população, e que contribuirá para a geração de renda, posto de trabalho e a conquista de novos nichos de mercados. Contraditoriamente a esse movimento, a nível nacional, no estado de Sergipe, observa-se a invisibilidade do território queijeiro artesanal pelo setor público, não reconhecendo a referida atividade como uma potencialidade no meio rural que gera renda e contribui para a fixação do agricultor familiar sertanejo. O descaso que o setor é tratado resulta no desconhecimento do cerne desse território. Constata-se a inexistência de uma discussão sobre normativas direcionadas a esse setor, diferentemente do ocorrido em outros estados brasileiros, como Minas Gerais e Pernambuco. Neste artigo, propõe-se problematizar alguns aspectos relacionados aos descaminhos das políticas públicas e dos programas de governo local, a deficiente organização coletiva dos produtores artesanais de queijos e a sua exclusão nas discussões sobre o setor, junto aos órgãos públicos. Far-se-á uma discussão paralela sobre novas formas de ação das políticas públicas e programas existentes nos estados de Minas Gerais e Pernambuco, tendo em vista a valorização dos queijos tradicionais e a superação de entraves com a criação de uma Legislação Estadual destinada a esse setor. Dessa forma, observa-se que tais programas contribuem para o crescimento da renda dos agricultores familiares e viabilizam o desenvolvimento territorial do meio rural. Para tal, tomamos para análise os dados obtidos no estudo realizado na Tese de doutorado defendida em 2009. Palavras-chave: queijos artesanais, agricultura familiar; políticas públicas. The “invisibility” of the handcrafted cheese territory in Sergipe Abstract The non-industrial production of cheese under the responsibility of family agricultures has been widely discussed as a strategy for social growth that must be recognized by the State. For that matter, new actions will be implanted in order to minimize hygienic and sanitary issues followed by the creation of a suitable legislation for the sector. The impacts of these actions have as main consequences the strength of the handcraft sector, the increase in the traditional product’s offer that is safe for the population’s consume and that also will contribute for the increase of the income, generation of new job opportunities and the conquest of new consume market. In Sergipe, on the other hand, it is noticeable that the public sector chooses not to value the cheese production of this kind. It doesn’t recognize this 1 EIXO TEMÁTICO: Territórios Rurais e Agricultura Familiar economic activity as a potentiality of the rural economic field that contributes to generate income and the fixation of the family agriculture. Due to this fact a discussion about the normative aspects of this sector is left aside different from what occurs in other Brazilian States such as Minas Gerais and Pernambuco. This article aims to raise a discussion about some of the aspects related to: public political actions and local governmental programs; the deficient organization of the handcraft cheese producers and their exclusion in the discussions about problems related to their class matters along with public sectors. At the same time it proposes a discussion about new ways for public actions and programs that are already taking place in States such as Minas Gerais and Pernambuco, considering the importance of the traditional cheese and overcoming constraints with the creation of State Legislations suitable for the sector. In this perspective, we realize that some of these programs contribute to the growth of the income of the agricultures and allow the rural territorial development. Key words: handcrafted cheese production, family agriculture, public politics. 1 - Introdução Neste artigo procuramos apresentar a configuração social e espacial do território queijeiro do Sertão de Sergipe fundamentado num sistema de relações de proximidade e de reciprocidade e de um forte sentimento de pertencimento aos atores do seu território. Estes produtos estão enraizados na história da vida de homens e mulheres que compartilham a mesma identidade, um mesmo território: agricultores, produtores de queijo, comerciantes e consumidores. A produção de queijos artesanais sob a responsabilidade dos agricultores familiares tem sido amplamente discutida, como uma estratégia de reprodução social que deve ser reconhecida pelo Estado. Para tanto, novas ações deverão ser buscadas no sentido de minimizar questões higiênicas e sanitárias, acompanhadas pela imprescindível criação de legislação compatível ao setor. Os impactos resultantes dessas ações resultam no fortalecimento do setor artesanal, na maior oferta de produtos tradicionais “seguros” para a população, e que contribuirá para a geração de renda, posto de trabalho e a conquista de novos nichos de mercados. Contraditoriamente a esse movimento, a nível nacional, no estado de Sergipe, observa-se a invisibilidade do território queijeiro artesanal pelo setor público, não reconhecendo a referida atividade como uma potencialidade no meio rural que gera renda e contribui para a fixação do agricultor familiar sertanejo. O descaso que o setor é tratado resulta no desconhecimento do cerne desse território. Constata-se a inexistência de uma discussão sobre normativas direcionadas a esse setor, diferentemente do ocorrido em outros estados brasileiros, como Minas Gerais e Pernambuco. Neste artigo, propõe-se na primeira parte apresentar o panorama atual da atividade queijeira artesanal no estado de Sergipe. Em seguida, faz-se-á uma problematização alguns aspectos relacionados aos descaminhos das políticas públicas e dos programas de governo local, a deficiente organização coletiva dos produtores artesanais de queijos e a sua exclusão nas discussões sobre o setor, junto aos órgãos públicos. Sequenciando far-se-á uma discussão paralela sobre novas formas de ação das políticas públicas e programas existentes nos estados de Minas Gerais e Pernambuco, tendo em vista a valorização dos queijos tradicionais e a superação de entraves com a criação de uma Legislação Estadual destinada a esse setor. Dessa forma, observa-se que tais programas contribuem para o crescimento da renda dos agricultores familiares e viabilizam o desenvolvimento territorial do meio rural. Este artigo está fundamentado em estudo realizado na Tese de doutorado defendida em 2009 intitulada: A Força dos Laços de Proximidade na Tradição e Inovação no/do Território Sergipano das Fabriquetas de Queijo; NPGEO/UFS, na qual utilizamos como procedimentos técnicos e metodológicos uma ampla revisão bibliográfica, e levantamento de dados empíricos com incursões no estado de Sergipe delimitando o território queijeiro; visitas aos territórios queijeiros localizados nos estados: do Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Pernambuco, além de visita a Tandill na Argentina. 2 - Panorama da atividade queijeira informal em Sergipe Reportando as informações empíricas locais identificamos que a produção artesanal de queijos em Sergipe, está enraizada no cotidiano sertanejo os tradicionais queijo de coalho e o requeijão da fazenda que eram produzidos para o autoconsumo no interior do estabelecimento rural e considerados essenciais na dieta alimentar da população. Na década de 1970, com o crescimento da pecuária leiteira e da acentuada migração da população com destino às regiões urbanas, esses produtos são demandados de forma crescente pelos migrantes. Aproveitando dessa demanda resgata-se o saber-fazer e os agricultores familiares e/ou seus filhos iniciam a produção dos referidos derivados instalando pequenas fabriquetas de queijo e direcionam os produtos ao mercado como uma estratégia para a geração de renda e postos de trabalho. Em meados da década de 1980, crescem as pequenas fabriquetas para a produção do queijo de coalho em decorrência da demanda do mercado consumidor, que se expandia nos centros urbanos. Os sertanejos produzem leite e repassam aos seus parentes e amigos, vizinhos, para a produção de queijos. Alicerçadas pelas redes de sociabilidade essas unidades de produção, cognominada de fabriquetas de queijo portam as seguintes características: processam volume de leite superior a 150 litros/dia, utilizam um local especifico fora da residência para a elaboração dos produtos, adquirem parcialmente ou totalmente a matériaprima de outros estabelecimentos rurais (Menezes, 2001). Ainda apresentaram como vantagens comparativas o controle exercido diretamente pelo proprietário, o fluxo de informações eficientes e relações de cooperação entre as mesmas no período de inverno, e a concorrência no verão, devido à escassez de artesanal configurado pelas fabriquetas de queijo permitia a reprodução social dos agricultores, uma vez que absorvia a produção de leite, sobretudo do agricultor familiar. Nos anos 1990 e na primeira década do século XXI, consolida-se a atividade queijeira e, concomitantemente, (re) significam os produtos, inserindo-se novas variedades conforme a demanda do mercado consumidor. Na atualidade, o território queijeiro artesanal, localizado no Sertão Sergipano é constituído por 131 unidades de produção informal, essas fabriquetas beneficiam um volume superior a 243.599 litros/leite/dia, sendo esse produto fornecido por 3.360 agricultores. As referidas fabriquetas de queijo geram 519 postos de trabalho, ocupados prioritariamente pela mão-de-obra familiar, distribuídos no processamento, na coleta do leite e em outros serviços, e, ou trabalhadores que habitam espaço geográfico situado no círculo da vizinhança. Essas fabriquetas de queijo concorrem com as indústrias, instaladas no território e conseguem elevar em 91,23% o volume de leite coletado quando e beneficiado comparado com as informações identificadas em pesquisa realizada no ano 2000 por Menezes (2001). Observou-se nas incursões ao território queijeiro, a relevância da produção artesanal independentemente da escala de leite processada/dia, na reprodução social e econômica dos produtores de queijo e dos agricultores. Essas fabriquetas de queijo produzem os derivados tradicionais e buscam acompanhar a tendência de determinados grupos de consumidores, inserindo variedades com o objetivo de permanecer e conquistar novos nichos de mercado. Esse território apresenta uma multiplicidade cujos elementos estão “impregnados de temporalidade”, variando do tradicional Requeijão do Sertão às inovações como o Queijo précozido, a Mussarela e os Queijos Temperados 2. No território queijeiro sertanejo, observa-se a rejeição na contemporaneidade estática em favor da simultaneidade dinâmica. Ver tabela 01. Tabela 01 Sergipe – Território Queijeiro Derivados de leite: Participação Relativa 2009 Municípios Tipos de queijos % Queijo de coalho Requeijão manteiga Mussarela Queijo pré-cozido Porto da Folha 22,5 56,5 14,0 7,0 Nossa S. Glória 15,0 9,0 21,0 55,0 Gararu 61,0 21,7 17,3 ---- Poço Redondo 36,0 19,0 45,0 ---- Nossa S. Lourdes 36,3 18,3 45,4 ---- 1. 2 Queijo de coalho temperado- produzido de acordo com a demanda da rede comercial. Ela é a responsável do preparo e do repasse dos condimentos (pimenta, tempero, cebola, alho). Monte Alegre 12,0 12,0 34,0 42,0 Canindé 45,0 20,0 35,0 ---- Aquidabã 40,0 10,0 50,0 ---- Itabi 70,0 ------ 30,0 ---- GracchoCardoso 83,0 17,0 ---- ---- Fonte: MENEZES. S. de S. M. Pesquisa de campo. 2009. Os percentuais comprovam o avanço das inovações com a inserção da mussarela em praticamente todos os municípios. Tal fato está relacionado, ao reduzido uso de equipamentos e o repasse do conhecimento entre os atores. Essas relações de cooperação entre os concorrentes denotam como uma típica característica de um SIAL. Requier-desjardins et al. (2006, p.122) apontam nas suas pesquisas a notoriedade da especialização do SIAL como resultante da transmissão do conhecimento tácito entre os atores, isto é, “da existência de know-how e tecnologia específicas, quando um determinado processo de transformação de um dado produto emerge em uma área circunscrita compartilhado como conhecimento comum ente os atores ali sediados”. Essa difusão de conhecimento foi percebida no território sobretudo, com relação a prática de elaboração da mussarela. O crescimento da produção do referido derivado vislumbra-se como um paradoxo para alguns técnicos e, ao olhar de outros atores, traduz a ressignificação dos produtores artesanais, em conformidade com as mudanças da sociedade. Entretanto, a tradição não foi abandonada, e as mudanças parecem constituir adaptações à realidade, sintonizadas com as novas demandas do mercado. Há uma combinação de saberes, a produção de um município complementa à do outro, eles estão interligados pela rede comercial formada por atores do território. Nos demais municípios predominam os derivados tradicionais, embora, percebe-se o crescimento da produção da mussarela e a inserção do queijo de coalho temperado. Detectamos que as fabriquetas no território queijeiro processam diariamente 243.599 litros/leite, obtidos sobretudo de agricultores familiares. A comercialização do litro do leite por um valor mínimo de R$0,50 possibilitou apreender a magnitude da renda gerada no território queijeiro. Observou-se que essas unidades de produção artesanal, injetam um volume de recursos financeiros superior a R$ 3.600.000.00/mês na economia territorial. Esse rendimento gerado pelas fabriquetas corresponde a aquisição de leite, que é repassada aos agricultores fornecedores nos referidos municípios semanalmente. Essa renda obtida pelos agricultores é revertida no consumo de gêneros alimentícios, pessoais, eletrodomésticos, ferramentas, equipamentos e insumos agrícolas, fortalecendo o comércio local. Esse arrefecimento do setor terciário é perceptível no Sertão Sergipano, esses valores não devem ser desprezados ou desvalorizados pelos órgãos competentes e pelas instituições do Estado. Portanto, na sequência apresentaremos as ações públicas direcionadas à atividade queijeira artesanal. 2.1 Descaminhos das políticas públicas direcionadas ao setor queijeiro artesanal em Sergipe Na década de 1990, simultaneamente, foram criados alguns programas como resultado de acordos do Governo Estadual com instituições financeiras globais, nesse caso o Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola – FIDA. Em 1996, foi instituído em Sergipe o Projeto Pró-Sertão 3. O objetivo do referido projeto consistia na capacitação de pequenos agricultores e microempresários na região semiárida sergipana. No tocante ao apoio às atividades não agrícolas incentivou a produção artesanal, apoiou os laticínios. Nesse bojo, com os recursos do projeto e dos financiamentos internacionais, construiu-se uma fábrica-piloto em 1998, no município de Frei Paulo/SE. Essa unidade tinha por finalidade a efetivação do espaço equipado para treinamentos dos produtores de queijo, a fim de eliminar os entraves técnicos e higiênicos na elaboração dos derivados. Foram promovidas centenas de capacitações, porém observou-se que o modelo difundido consistia na inserção de práticas padronizadas e na elaboração de derivados com a pasteurização. Para os produtores de queijos artesanais, a pasteurização constituía em um entrave, uma vez que os atores não possuíam recursos financeiros para a aquisição do pasteurizador, como também a pasteurização do leite modificaria o saber do queijo artesanal, historicamente elaborado com leite cru. Esse instrumento técnico, a fabrica piloto apresentou-se como contraditória e desarmônica no tocante a sua localização geográfica. O município onde está localizada a referida fábrica não tem nenhuma relação histórica com a fabricação artesanal de queijos, o que denota uma dissimetria. Para complicar, após o término dos referidos cursos não existiam acompanhamentos da equipe técnica aos produtores. Outro fato dissonante consistiu na inexistência de normativas de caráter estadual, respaldando o setor artesanal, nos moldes daqueles elaborados em outros Estados brasileiros. Sá et al. (2007) enfatizam que as discussões sobre as normativas transcorreram na década de 1990, mas não lograram êxito. Com a ausência de uma normatização provocou uma “acomodação” dos produtores na informalidade, haja vista a impossibilidade do cumprimento da normativa vigente. 2. 3 Projeto Pró-Sertão- atuou em municípios como Tobias Barreto, Simão Dias, Pinhão, Frei Paulo, Ribeirópolis, Nossa Senhora Aparecida, São Miguel do Aleixo, Cumbe, Feira Nova, Gracho Cardoso, Itabi, Nossa Senhora de Lourdes e Canhoba. No ano de 2002, finaliza o convênio com o FIDA concluindo o projeto. A fábrica escola também não tem continuidade, diferentemente de fábricas pilotos instaladas em outros estados nordestinos, que ainda funciona. Grupos de trabalho direcionados ao referido setor surgiram na última década do século XX. O município de Nossa Senhora da Glória foi alvo de pesquisas de membros do CIRADFrança, de forma conjunta com técnicos de órgãos como a EMBRAPA e a EMDAGRO. No período (1995-1999) foram realizadas ações para promover a atividade queijeira e fortalecer a capacidade de ação coletiva dos atores locais. Esses pesquisadores publicaram farto material abordando a dinâmica da pecuária leiteira e o seu aproveitamento na produção de derivados e, simultaneamente, estudaram e identificaram os entraves existentes na atividade. Nesse período, foi organizado o Concurso do “Melhor Queijo Artesanal” no período da Exposição Agropecuária ou Feira de Animais em Nossa Senhora da Glória, com o objetivo de resgatar e valorizar a produção de derivados pelos atores. Outro reflexo das ações e do trabalho dos pesquisadores na área foi o incentivo à criação de uma Associação dos Queijeiros do Município de Nossa da Glória, constituída no final da década de 1990 e as discussões sobre a construção de normativas direcionadas ao referido setor queijeiro artesanal. Entretanto, com a saída dos pesquisadores internacionais, ocorreu uma descontinuidade em várias ações com a desarticulação da rede institucional a partir de 2000, refutando as ações com vistas a criação de normativa Estadual ao setor queijeiro. Quanto a organização coletiva dos produtores de queijos, sem um acompanhamento técnico, definha-se chegando ao fim essa associação. Esse refluxo no movimento coletivista reflete a escassez de acompanhamento técnico, no sentido de organizar o grupo ao associativismo ou coletivismo tendo em vista a inexperiência do grupo. Atualmente, o concurso do melhor queijo tem como participantes somente as indústrias formalizadas, descaracterizando a iniciativa. Essa modificação dissimétrica foi promovida pela rede institucional estadual, é alegada pela inserção do mercado formal no território. Durante o período posterior ao encerramento das atividades do Pró-Sertão, as atividades da rede institucional direcionadas a esse setor intercalam-se com alguns treinamentos promovidos pelo SEBRAE e a empresa de extensão rural-EMDAGRO. Portanto, salvo a empresa Nativille (maior fabriqueta, na década de 1990), as demais fabriquetas no Sertão continuam na informalidade e inovam o processo de elaboração individualmente, sem qualquer acompanhamento técnico. Nas pesquisas o (re)conhecimento da rede institucional em Sergipe sobre a produção artesanal de queijos, no período pós anos 2000, encontrou-se um relatório do INCRA (2006) que trata da cadeia produtiva do leite na escala territorial. Nesse estudo, essa estratégia assentada no território é analisada como um dos constructos para a sustentabilidade da população do Alto Sertão e as fabriquetas de queijo como viabilizadora da cadeia produtiva do leite. O relatório considerou a existência de uma “APL - Arranjo Produtivo de Leite e Derivados em todos os municípios desse território e simultaneamente inclui os municípios de Itabi, Nossa Senhora de Lourdes, Canhoba, Carira e Feira Nova capturados pelo entorno gravitacional de Nossa Senhora da Glória” (INCRA, 2006, p. 94). Ele ainda esclarece o papel, a importância do referido município centro da bacia leiteira de Sergipe com a difusão de novos conhecimentos, técnicas e tecnologias. Identificou-se também essa temática como uma demanda requerida pela população dos territórios do Alto e Médio Sertão em 2007, quando da instituição da PP (Planejamento Participativo) com vistas ao desenvolvimento territorial, organizada pela Secretaria de Planejamento do Estado de Sergipe. Em outubro de 2007, formou-se um grupo de trabalho do APL, (Arranjos Produtivos Locais) da Pecuária do leite e derivados do Alto Sertão Sergipano vinculado ao Núcleo Estadual de Arranjos Produtivos Locais na SEDETEC (Secretaria de Estado do Desenvolvimento e da Ciência e Tecnologia). A política de APLs objetiva articular os diversos órgãos públicos com vistas à integralização das ações para a promoção do desenvolvimento econômico e social. Os trabalhos principiaram com discussões protagonizadas pelos líderes da APL/leite juntamente com os representantes da cadeia produtiva. Participaram das reuniões os representantes dos laticínios territorializados no Sertão Sergipano, a rede institucional e as instituições financeiras com o objetivo de construir um diagnóstico das demandas e das oportunidades da referida APL. Os projetos enfatizam exclusivamente o território do Alto Sertão, não capturando os demais municípios circunvizinhos com uma história na produção artesanal de queijos. Nesse contexto, o grupo da APL/Leite e derivados iniciou seus trabalhos levantando as demandas por meio das interlocuções com as instituições públicas e privadas. Durante as reuniões do grupo de trabalho, contaram com a participação dos representantes da empresas formais, instituições financeiras, os técnicos da rede institucional, foram apontados os principais desafios da APL no tocante aos seguintes itens: gestão; qualidade do leite e derivados; associativismo; produtividade; assistência técnica; informalidade; mercado; governança; crédito; pesquisa. Os proprietários das fabriquetas não participaram das referidas reuniões. Os referidos atores sociais alegaram desconhecimento dessas reuniões, dificuldades de participar em virtude de se realizarem em Aracaju. Logo, percebe-se que as ações políticas, muitas vezes, apresentam-se distanciadas do público alvo, beneficiando aqueles portadores das relações de poder. Entre os entraves verificados pelo grupo da APL referentes às fabriquetas de queijo, destacou-se a necessidade de ampliação na comercialização e a falta de crédito constituindo um obstáculo na modernização dessas unidades de produção. De acordo com os produtores de queijos as principais dificuldades encontradas na atividade: a ausência de crédito, a de carência de garantias para empréstimos e a dificuldade da legalização. A ampliação da comercialização não foi manifestada pelos produtores artesanais como um empecilho. Verificou-se que na atualidade não há avanços nos trabalhados efetivados pela APL em Sergipe, não houve progresso no sentido da legalização das fabriquetas. Falta a efetivação das ações dessas redes institucionais, junto aos produtores de queijos artesanais. Essas aproximações com o público alvo deveriam ser consideradas essenciais, para o avanço no sentido de criação de organismo de coordenação, na organização do setor e das políticas, acompanhando na execução e no planejamento do setor artesanal. O papel desses agentes poderá ser relevante na ampliação dos horizontes da atividade e competências próprias e torna-se imprescindível na coordenação das ações voltadas para a cadeia produtiva do leite e derivados e de modo particular para o setor informal. Logo, a rede institucional não deverá ser encarada apenas como um mero constrangedor, mas também como criadora de incentivos para a descoberta de formas de organização eficientes. Cabe afirmar, que apesar do reconhecimento da importância do setor queijeiro artesanal sobretudo na década de 1990, os programas não apresentaram impactos positivos nas atividades. E, no século XXI as ações públicas iniciadas não apresentam continuidade, há desinformação sobre o panorama da atividade queijeira artesanal pelos órgãos públicos, o que denota o descompromisso com o setor. Portanto, os resultados desses programas efetivados em Sergipe são limitados e não traduzem em ações para fortalecer a capacidade local em termos de novas formas de governança. Na atualidade não houve sequer uma política efetiva que contemplasse o setor queijeiro, diferentemente daqueles produtores de queijo formalizados no território. A atividade queijeira artesanal com a sua concentração de micro e pequenas unidades de produção informais ampliam as possibilidades de aproveitamento das vantagens locacionais. O acontecer solidário e as relações de reciprocidade permeiam essas estratégias autônomas dos agricultores e/ou seus filhos, denotando a existência de um capital social (PUTNAM, 2005). Essas estratégias fundamentadas nas dimensões materiais e imateriais estão assentadas na territorialidade dos atores e na identidade que os produtos portam. O valor territorial imputado aos derivados constitui um aporte utilizado na promoção de políticas em outros estados na defesa dos queijos artesanais. Esse caminho trilhado pelos produtores em conjunto com a rede institucional e, ou como uma política do Estado foi desenhada a partir das experiências exitosas dos queijos artesanais na União Européia e a conquista dos selos da Denominação de Origem e, ou das IG-Indicações Geográficas. Para tanto, um grupo de fabricantes sob a coordenação da rede institucional engendra uma vantagem competitiva fundamentada na qualidade e na especificidade do produto, para preservá-lo e posteriormente faz-se a delimitação dos contornos geográficos do território. Na seção subseqüente iremos explorar novos caminhos de valorização dos produtos típicos do Brasil, apresentando a experiência e o avanço nos estados de Pernambuco e Minas Gerais. 3.0 Novos caminhos: as experiências de Minas Gerais=Patrimonialização dos produtos (IPHAN) e Pernambuco Vislumbra-se um movimento ou ações movidas em diferentes regiões brasileiras, pelas instituições públicas e privadas com o objetivo de valorizar e preservar as práticas da produção dos queijos artesanais. Essas iniciativas buscam qualificar a produção e concomitantemente procuram proteger diferentes tipos de queijos com a constituição de marcas, e selos de Indicação Geográfica, bem como, por meio da conquista de títulos como o de Patrimônio Cultural. Tenciona-se desse modo, preservar as técnicas tradicionais e, de forma idêntica aos queijos europeus, conquistar selos de qualidade. Essas ações foram orquestradas pelos Estados produtores dos queijos artesanais, apoiados por instituições de pesquisa, órgãos extensionistas, Secretarias de Agricultura e ONGs. Simultaneamente, essa mobilização é acompanhada pela reestruturação do setor, por meio da criação de normativas estaduais e do acompanhamento técnico na implantação de modelos de infraestrutura adequados à realidade da produção artesanal, bem como na resolução dos limites da atividade. Conforme pesquisa realizada no Ministério da Agricultura, deparou-se com uma figura intitulada Diagnóstico das Potenciais Indicações Geográficas no Brasil e, entre os vários produtos elencados, verificaram-se os queijos artesanais produzidos em distintos Estados brasileiros. Os Estados produtores de queijo artesanal representados nesse diagnóstico com os seus produtos típicos. Contudo, nota-se a ausência dos queijos artesanais elaborados em Sergipe o que denota uma assimetria, ou um desconhecimento dessa potencialidade. As Indicações Geográficas no Brasil estão reguladas pela Lei de Propriedade Industrial, Lei Federativa 9.279, de 14 de maio de 1996, que estabelece as suas categorias, a Indicação de Procedência e a Denominação de Origem, 4 de modo insubordinados sendo facultada a escolha por aqueles que a buscam como proteção de acordo com as exigências previstas na sua Lei e na regulamentação. O reconhecimento dos produtos, além de agregar valor a eles, paralelamente poderá suscitar novas atividades integradas à produção artesanal que contribuirá para a dinamização das economias locais/territoriais. A conquista do selo de IG não foi concretizada por algum tipo de queijo artesanal, porém, observa-se o crescimento de ações no âmbito do Ministério da Agricultura, com o reconhecimento e a delimitação dos territórios queijeiros artesanais por esse Ministério. Além das ações em torno dos selos de IG requerido pelos Estados do Ceará, Rio Grande do Norte, Pernambuco para o Queijo de Coalho, observaram ações com vistas a conquista do referido selo pelos produtores e a rede institucional de Minas Gerais captaneado pelo Queijo Minas Artesanal e na região Sul pelo Queijo Serrano. Vale ressaltar, dentre os queijos artesanais brasileiros, o Queijo Minas Artesanal conquistou o título de Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil, o que denota a significância do produto e a preocupação com a preservação do saber-fazer historicamente enraizado no referido Estado, sobretudo nas regiões do Serro, Canastra, Alto Paranaíba e Araxá. A conquista do título resulta de um processo político organizado pelos produtores de queijo conjuntamente com a rede institucional. Inicialmente, esses atores conquistam o reconhecimento público da importância do Queijo como um Patrimônio Cultural Estadual, e concomitantemente conseguem politicamente construir uma Normativa Estadual que respalda a produção artesanal desse queijo com o leite cru. Tal feita foi respaldada por pesquisas que apresentavam a importância da produção do Queijo Minas na cultura do estado, bem como na economia das referidas regiões. Para tanto, foi elaborado um dossiê sobre o Queijo Minas artesanal resgatando a história desse produto, as principais regiões produtoras, número de produtores e fluxos de comercialização. Com a aprovação da lei, os órgãos públicos, apoiados pelas organizações dos produtores, instauram e programam ações que proporcionam mudanças na atividade e, nessa dinâmica, os saberes, as permanências continuam sendo valorizadas. Inserem-se, desse modo, mudanças no espaço de produção, nos instrumentos de trabalho, confere-se uma maior higienização do local, com a certificação dos órgãos 4 A Lei de Propriedade Industrial, Lei Federativa 9.279, de 14 de maio de 1996, estabelece suas espécies, a Denominação de Origem e a Indicação de Procedência. Denominação de origem (DO) – nome geográfico de país, cidade, região ou localidade de seu território, que designe produto ou serviço cujas qualidades ou características se devam exclusiva ou essencialmente ao meio geográfico, incluídos fatores naturais e humanos. Indicação de procedência (IP) – nome geográfico de um país, cidade, região ou uma localidade de seu território, que se tornou conhecido como centro de produção, fabricação ou extração de determinado produto ou prestação de determinado serviço. (MAPA, 1996, p. 06) competentes e, ao mesmo tempo, permanece a tradição do uso do leite cru e da técnica de elaboração repassada por gerações. O objetivo dessas mudanças para Meneses (2006, p.59) “é conjugar a tradição da produção com boas práticas produtivas que visem a segurança alimentar dos consumidores de queijo artesanal de Minas”. Para tanto, a rede institucional criou modelos de estrutura de queijarias para a pequena produção, viabilizando a construção de estruturas de acordo com a quantidade de leite processada/dia em acordo com a capacidade econômica dos produtores. Portanto, consideramos como importante o papel da rede institucional foi relevante no reconhecimento da atividade e imprescindível na coordenação das ações voltadas para a cadeia produtiva do leite e derivados e de modo particular para o setor informal, a exemplo do caso de Minas Gerais. Após essas etapas de pesquisa, movimento coletivo das orquestrado pelas associações de produtores, rede institucional e política concretizou-se o reconhecimento desse derivado como um Patrimônio Cultural e Imaterial do Brasil. Essa conquista em Minas Gerais suscitou em outros estados a criação de normativas estaduais direcionadas à produção de derivados artesanais como nos estados da região Sul e no Nordeste o caso de Pernambuco que enseja preservar o Queijo de Coalho artesanal com leite cru. Diferentemente dos demais Estados queijeiros no Brasil, inexiste em Sergipe qualquer discussão sobre a proteção e a conquista de selos de IG ou um debate sobre a Patrimonialização Cultural para um derivado artesanal, no âmbito das instituições públicas. Nos Estados de Minas Gerais e Pernambuco, foram organizados movimentos pelos produtores de queijo, ONGs com o apoio da rede institucional e de políticos conformando relações de poder simétricas que resultaram na criação de normativas direcionadas à pequena produção queijeira. Consideram-se as referidas normativas, como um marco da valorização da produção artesanal e do reconhecimento dos obstáculos da legislação em vigor. Outra vez, dessemelhante dos demais Estados brasileiros, em Sergipe até o presente (07/2010) não existe qualquer movimento em defesa da pequena produção no sentido de criar normativas. A normativa vigente continua sendo a mesma direcionada à grande produção elaborada, nos idos dos anos 1950, o que denota o descompasso diante dos demais produtores brasileiros de queijo artesanal e da irrelevância imputada ao território queijeiro. 4 - Conclusões A evolução do território queijeiro informal em Sergipe dá-se com a inserção e a difusão de novas práticas, o que denota a abertura para o novo e o domínio da horizontalidade entre os atores. Essas relações que se interpenetram e se cruzam nesse território estão eivadas pelas proximidades e reciprocidade, prevalecendo aquelas de forma direta entre os atores sociais. Elas possibilitam a produção de sinergias favoráveis à transformação de recursos locais a partir do saber-fazer ressaltado por Pecqueur (2005) como “ativos territoriais”. Persistem entraves na atividade, no tocante aos aspectos higiênico-sanitários, deficitária assistência técnica e organização coletiva. Considerou-se como um limite enfrentado pelos produtores o descompasso na elaboração de políticas públicas e a ausência de normativas direcionadas a esse setor, fatos que emperram o avanço no sentido da legalização da atividade, em contraposição aos movimentos existentes nas escalas regional e global. A ausência de recurso financeiro é considerada um entrave para os pequenos produtores de queijo, motivador da situação precária da produção artesanal, aliada nesse caso ao reduzido apoio da rede institucional e às incoerentes normativas. O queijo artesanal apresenta-se como uma identidade emblemática nos/dos territórios produtores. Preservar esses produtos enraizados na cultura dos diferentes territórios aparece como uma possibilidade de produtos tradicionais serem impulsionadores de estratégias de desenvolvimento territorial. No âmbito do desenvolvimento mais amplo, os múltiplos derivados de leite com os tipos de fabriquetas conformam o território queijeiro e dinamizam a economia, fortalecendo o agricultor com um produto (leite) mais valorizado, contribuindo para a fixação dos homens e mulheres no território. Esse conhecimento incita a posicionar em defesa da construção de um caminho próprio integrado à realidade. Parte-se aqui da premissa da não existência de um modelo pronto para a atividade, requerendo portanto, a criação de alternativas para a resolução dos entraves da produção artesanal dos queijos em Sergipe. Refletir essa diversidade significa encontrar caminhos, soluções, alternativas compatíveis com os grupos que certamente cumprem importantes papéis na dinâmica territorial. Urge aproveitar essas oportunidades criadas por atores no território, fundamentadas em sinergias locais, eivadas de atributos culturais, socioeconômicos. Equacionar os limites, atender aos desafios da segurança alimentar e aliado a esse processo, manter a tradição artesanal da produção dos derivados constitui desafios. Procurar manter a tipicidade e discutir formas meios de conquistar selos como o de IG para produtos como o Queijo Précozido(inovação criada no território), e a discussão como a Patrimonialização Cultural e a inserção de pesquisas junto ao IPHAN deveria ser conduzida tendo como alvo a preservação de derivados como o Requeijão do Sertão, em vias de desaparecimento. A possibilidade de execução de diferentes projetos de modernização e a implementação de programas específicos de apoio à produção de queijos artesanais com níveis diferenciados é de suma importância para o território. 5 -Referências Bibliográficas CERDAN, Claire; SAUTIER, Denis. Construção e desenvolvimento dos territórios rurais. In: SABOURIN, Eric. TEIXEIRA, Olivio A. Planejamento e desenvolvimento dos territórios rurais: conceitos, controvérsias e experiências. Brasília: EMBRAPA. Informação tecnológica, 2002. MENESES, José Newton. C. Queijo Artesanal de Minas: Patrimônio Cultural do Brasil. Dossiê interpretativo. v. 1. Belo Horizonte. 2006. MENEZES, Sônia de Souza Mendonça. As fabriquetas de queijo: uma estratégia de reprodução camponesa no município de Itabi; Se. 2001. 161f. Dissertação. (Mestrado em Geografia). Universidade Federal de Sergipe, São Cristóvão, 2001. MENEZES, Sônia de Souza Mendonça. A força dos laços de proximidade na tradição e inovação no/do território sergipano das fabriquetas de queijo. 2009. 359f. Tese. (Doutorado em Geografia). Universidade Federal de Sergipe, São Cristóvão, 2009. PECQUEUR, B. O desenvolvimento territorial : uma nova abordagem dos processos de desenvolvimento para as economias do Sul. In: Revista Raízes.UFCG/PB : Campina Grande, v. 24, n°s 01 e 02, jan.-dez. 2005, p. 10-22. PUTNAM, Robert D. 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