444 CASO CLÍNICO ▲ Poroqueratose genitoglútea - Relato de caso* Genitogluteal porokeratosis - Case report Flávia Regina Ferreira1 Priscila Pacheco Lessa2 Marcia Lanzoni de Alvarenga3 DOI: http://dx.doi.org/10.1590/abd1806-4841.20131831 Resumo: Relata-se o caso de um paciente com diagnóstico de poroqueratose genitoglútea, uma desordem da queratinização epidérmica, cuja localização exclusiva é extremamente rara, sendo muitas vezes tardia ou erroneamente diagnosticada. A histopatologia demonstra a clássica lamela cornóide, de grande valia para elucidação diagnóstica. Ressalta-se a importância do conhecimento desta entidade pelo especialista como diagnóstico diferencial entre as afecções genitais de evolução arrastada e de difícil tratamento. Palavras-chave: Genitália; Nádegas; Paraceratose; Poroceratose Abstract: We report the case of a patient diagnosed with genitogluteal porokeratosis, a disorder of epidermal keratinization. The location described is extremely rare and very often late diagnosed or even misdiagnosed. Histopathology showed a typical cornoid lamella of great value to support this diagnosis. The importance of awareness of this entity by the specialist is emphasized as a differential diagnosis among genital diseases of chronic evolution and difficult treatment. Keywords: Buttocks; Genitalia; Parakeratosis; Porokeratosis INTRODUÇÃO A poroqueratose é uma desordem primária da queratinização epidérmica de etiologia desconhecida. Apresenta formas localizadas e generalizadas.1-9 Acredita-se que as diferentes formas de poroqueratose são expressões fenotípicas de uma mesma desordem genética. Herança autossômica dominante tem sido relatada em diversas variantes clínicas, bem como casos esporádicos de início na idade adulta associados a imunossupressão, sida, transplantes renal e hepático, drogas (como diuréticos tiazídicos e imunossupressores), doenças malignas hematológicas, doenças autoimunes e exposição ocupacional ao benzeno.2-5 O envolvimento da região genital e adjacências pode ocorrer em ambas as formas (localizada e generalizada), mas a manifestação isolada nessas localizações é extremamente rara, com poucos casos descritos na literatura.2-7 As lesões cutâneas são tipicamente caracterizadas por pápulas e placas eritematoa- castanhadas, únicas ou múltiplas, com bordas ceratósicas elevadas e bem delimitadas.1 O exame histopatológico demonstra a clássica lamela cornoide. A clínica exuberante, a raridade da doença e a localização pouco comum motivaram a apresentação deste caso. RELATO DO CASO Doente do sexo masculino, de 37 anos, queixava-se de aparecimento de lesões cutâneas nas virilhas e nos glúteos havia aproximadamente dois anos, acompanhadas de intenso prurido local. Ao exame dermatológico, apresentava no escroto pápulas e placas eritematosas, com bordas elevadas e bem delimitadas; nas virilhas e raízes das coxas, máculas e pápulas acastanhadas; no sulco interglúteo e nos glúteos, pápulas e placas eritematoacastanhadas anulares, com bordas elevadas e ceratósicas (Figuras 1, 2 e 3). O quadro dermatológico teve início pela região escrotal Recebido em 24.04.2012. Aprovado pelo Conselho Editorial e aceito para publicação em 29.05.2012. * Trabalho realizado no Hospital Universitário de Taubaté da Universidade de Taubaté (HUT-Unitau) – Taubaté (SP), Brasil. Conflito Interesses: Nenhum / Conflict of Interests: None. Suporte Financeiro: Nenhum / Financial Support: None. Mestrado em Ciências pela Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM-Unifesp). Professora-assistente III da disciplina de Dermatologia do Departamento de Medicina da Universidade de Taubaté (Unitau) – Taubaté (SP), Brasil. Residência em Clínica Médica pela Universidade de Taubaté (Unitau). Estagiária do Serviço de Dermatologia do Hospital Universitário de Taubaté da Universidade de Taubaté (HUT-Unitau) – Taubaté (SP), Brasil. 3 Especialista em Patologia. Professora-assistente I da disciplina de Patologia do Departamento de Medicina da Universidade de Taubaté (Unitau) – Taubaté (SP), Brasil. 1 2 ©2013 by Anais Brasileiros de Dermatologia An Bras Dermatol. 2013;88(3):444-6. Poroqueratose genitoglútea - Relato de caso 445 e pelas virilhas, com progressão para a região glútea (sulco interglúteo). Na época do exame, o quadro era estável. O paciente relatou tratamento prévio com antifúngicos tópicos e sistêmicos e com corticoides tópicos isolados e em associações, sem melhora. Não havia antecedentes pessoais ou familiares significativos. Foi suspensa a terapêutica tópica prévia e realizada biópsia incisional de pápula da região escrotal esquerda. O exame histopatológico evidenciou dermatite perivascular superficial com colunas de paraqueratose, compatível com o diagnóstico de poroqueratose (Figura 4). FIGURA 1: Escroto: pápulas e placas com bordas elevadas e bem definidas FIGURA 4: Colunas de paraqueratose com agranulose subjacente (HE, 100x) FIGURA 2: Virilha: máculas e pápulas acastanhadas FIGURA 3: Glúteos e sulco interglúteo: pápulas e placas eritematoacastanhadas anulares, com bordas elevadas e ceratósicas DISCUSSÃO A poroqueratose é uma desordem primária da queratinização epidérmica de etiologia desconhecida. Pode ser classificada em localizada e generalizada.1-9 As formas localizadas incluem a poroqueratose de Mibelli, a poroqueratose linear e a poroqueratose puntata; já as formas disseminadas incluem a poroqueratose superficial disseminada, a poroqueratose actínica superficial e a poroqueratose palmoplantar e disseminada.1,2,7-9 A poroqueratose envolvendo a região genital pode ocorrer tanto como parte das formas generalizadas quanto de maneira localizada, confinada na área genital e adjacências, como glúteos, períneo, virilhas e coxas. A forma localizada envolvendo esses sítios é extremamente rara, com 23 casos descritos na literatura. De acordo com os relatos publicados, as lesões An Bras Dermatol. 2013;88(3):444-6. 446 Ferreira FR, Lessa PP, Alvarenga ML cutâneas são tipicamente caracterizadas por pápulas e placas eritematoacastanhadas, únicas ou múltiplas, com bordas ceratósicas elevadas e bem delimitadas. O centro das lesões pode ser hiper ou hipopigmentado e atrófico. Podem ser assintomáticas ou com intenso prurido local.1,2,7 É observada uma predileção pelo sexo masculino e uma possível maior incidência em asiáticos e afro-americanos.1-5,7 A patogênese dessa entidade continua incerta, e ambos os componentes genético e ambiental têm sido implicados. Herança autossômica dominante e condições associadas, tais como imunossupressão sistêmica e tópica, foram relatadas.2,3,7 Mesmo havendo lesões cutâneas típicas, o diagnóstico acaba sendo tardio, dada a raridade da localização, ou por vezes errôneo, pela semelhança com doença sexualmente transmissível. Os principais diagnósticos diferenciais são condiloma acuminado, sífilis secundária (condiloma plano), granuloma anular, líquen simples crônico, doença de Paget extramamária e eczema. A biópsia cutânea é fundamental para o diagnóstico.4 Histologicamente, a alteração característica é a chamada lamela cornoide, uma coluna de células paraqueratósicas que ocupa pequenas invaginações da epiderme.2-4 Uma variante chamada poroqueratose ptychotropica, que foi descrita inicialmente em 1995 como uma erupção pruriginosa do sulco interglúteo, tipicamente envolve os glúteos e o sulco interglúteo, imitan- do um distúrbio inflamatório e fazendo importante diagnóstico diferencial com a poroqueratose genitoglútea.7 Embora afete locais semelhantes e suas características clínicas possam ser superponíveis, histologicamente a forma ptychotropica apresenta uma característica única – a presença de lamela cornoide múltipla –, a qual não foi detectada no presente caso.7,8 Dessa forma, nós preferimos o termo poroqueratose genitoglútea para englobar os achados clínicos e histopatológicos observados neste caso. O tratamento de escolha é cirúrgico, dependendo do número e tamanho das lesões. Outras opções terapêuticas são crioterapia com nitrogênio líquido, laser de CO2, retinoides orais e tópicos, análogos tópicos da vitamina D3, agentes queratolíticos, 5-fluoracil oclusivo e, mais recentemente, imiquimode tópico a 5% e diclofenaco de sódio em gel a 3%, com efeito estabilizador das lesões e sintomático, com destaque para o seu uso na poroqueratose genital ou genitoglútea. A terapia fotodinâmica foi também descrita com resultados variáveis. Acompanhamento regular é necessário, em virtude do risco potencial de transformação maligna, embora ainda sem relatos na literatura.1-7 AGRADECIMENTOS: Os autores agradecem aos colegas Érico Pampado di Santis e Samuel Henrique Mandelbaum o auxílio com o levantamento bibliográfico. ❑ REFERÊNCIAS 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. Chen TJ, Chou YC, Chen CH, Kuo TT, Hong HS. Genital porokeratosis: a series of 10 patients and review of the literature. Br J Dermatol. 2006;155:325-9. Valdivielso-Ramos M. Genital porokeratosis. 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