INOVAÇÃO FECHADA VERSUS INOVAÇÃO ABERTA: UM ESTUDO DE CASO DA INDÚSTRIA DE CUTELARIA Autoria: Raquel Engeroff, Alsones Balestrin Resumo Este artigo aborda o tema inovação, mais especificamente, quanto ao nível de abertura de tal processo aos conhecimentos externos a organização. O trabalho fundamenta-se teoricamente em reflexões de autores que sinalizam que os resultados dos esforços de aprendizagem e de inovação nas organizações estão deslocando-se de um processo unidirecional, individual e fechado para um processo coletivo, multi-direcional e aberto, beneficiando-se de uma ampla rede de consumidores, fornecedores, concorrentes, agentes financeiros, instituições de pesquisa, universidades e outros atores, além das fronteiras da empresa. A metodologia utilizada foi o estudo de caso, através de pesquisa exploratória em uma empresa de médio porte do segmento de cutelaria. Buscou-se verificar, a partir de um caso de inovação de produto, o nível de conhecimento interno e externo demandados no desenvolvimento do processo. Como resultado, evidenciou-se que para o desenvolvimento da inovação foram necessários conhecimentos internos, principalmente na etapa de desenvolvimento e construção de protótipos, e conhecimentos externos, com a colaboração de diferentes atores, como designers, fornecedores e clientes. Palavras-chave: Inovação aberta, colaboração, relações de cooperação. 1. INTRODUÇÃO A inovação tem se tornado um tema muito importante para as empresas. Uma pesquisa realizada pelo Boston Consulting Group em 2006 revelou que empresas de vários lugares do mundo estão dando importância estratégica e elevando seus investimentos em inovação. De acordo com Scherer e Zawislak (2007), a inovação é, ao mesmo tempo, uma necessidade e uma alternativa para alcançar a competitividade no mercado. Por muito tempo, as empresas aderiam a seguinte filosofia: sucesso em inovação requer controle. Em outras palavras, empresas deveriam gerar suas próprias idéias, desenvolvê-las, produzi-las, lançá-las no mercado e distribuí-las (CHESBROUGH, 2003). Por anos essa lógica de inovação fechada foi o “caminho certo” para trazer novas idéias ao mercado. As empresas investiam pesado em P&D e contratavam os melhores profissionais. Graças aos investimentos, elas estavam aptas a descobrir um grande número de idéias, que as fazia ser as primeiras no mercado, possibilitando colher altos lucros, os quais protegiam com agressivos controles de propriedade intelectual. Assim, podiam reinvestir os lucros em P&D, que as conduzia a um virtuoso ciclo de inovação (DOCHERTY, 2006). Entretanto, o mercado foi tornando-se mais competitivo e o ciclo de vida dos novos produtos mais curto, fazendo com que o modelo de inovação utilizado pelas empresas se alterasse (CHESBROUGH, 2007). Como resultado dessas duas tendências, as empresas encontram dificuldades para justificar os altos investimentos P&D. Surge então, como alternativa, um modelo particular de fazer inovação, a inovação aberta. Nesta abordagem, uma empresa comercializa tanto as suas idéias quanto inovações de outras empresas, buscando caminhos internos e externos no processo de inovação. A fronteira entre a organização e o ambiente a sua volta é porosa, habilitando uma maior mobilidade das inovações entre os dois (CHESBROUGH, 2003). Em um mundo em que o conhecimento é amplamente distribuído, o conceito de inovação aberta difunde a idéia de que as empresas não podem depender apenas da pesquisa e desenvolvimento interno. As organizações deveriam comprar licenças, invenções e patentes, ampliar seus relacionamentos com agentes externos e, além disso, deveriam levar ao mercado invenções internas que não são utilizadas no negócio da empresa. As firmas constituem-se em uma importante fonte de conhecimento. Segundo a teoria evolucionária, a inovação é entendida como um processo interativo, que envolve firmas, fornecedores, consumidores, instituições de pesquisa, governo, universidades, etc. O conhecimento, embora presente nas rotinas das firmas, é fruto de um processo coletivo (HAGERDOON, 2002). A colaboração torna-se então fundamental para o processo de inovação nas empresas, e redes colaborativas entre agentes internos e externos transformamse em vantagem competitiva. A idéia da quebra das fronteiras empresariais é compartilhada, desde a década de 1970, por um vasto conjunto de autores (SCHERMERHORN, 1975; HÅKANSSON, 1987). As empresas não perderam a sua identidade legal, mas abriram as suas portas para contínuos aprimoramentos externos interdependentes com diversos parceiros na sua cadeia produtiva. Os contemporâneos padrões de competitividade exigem, portanto, que as empresas busquem estratégias competitivas e cooperativas simultaneamente (LADO et al., 1997), sendo que Prahalad e Ramaswamy (2004) afirmam que o lócus das competências não está mais na empresa de forma isolada, mas sim em toda a sua rede de relacionamentos. Bignetti (2006) ressalta que o processo de inovação transpassa hoje as fronteiras organizacionais, é aberto e se vincula com parceiros externos. Novos arranjos, como alianças estratégicas, redes, consórcios e, até, associações com concorrentes são buscados na tentativa de tornar o processo mais rápido, de menor custo e de mais baixo risco. Devido à limitação de recursos financeiros, de pessoas e de competências internas das empresas, o processo de inovação vem tornando-se mais aberto e, muitas vezes, agentes externos auxiliam e colaboram no processo de ideação, criação, desenvolvimento e comercialização de novos produtos. Conhecimentos e recursos externos se tornam cada vez mais importantes e necessitam ser corretamente gerenciados. Por isso, o presente artigo busca responder a seguinte questão de pesquisa: Como ocorre o processo de inovação na Cutelaria Posate? Qual o nível de conhecimentos internos e externos no desenvolvimento da linha Inova Cores? Este trabalho teve como objetivo principal identificar como ocorre o processo de inovação e desenvolvimento de novos produtos, buscando verificar o nível de abertura do mesmo. Para isso, foi realizado um estudo de caso na Posate, que trabalha no ramo de cutelaria e desenvolveu e patenteou a linha de talheres Inova Cores, que não encostam na mesa. Os objetivos específicos foram: (a) conhecer as características estruturais e funcionais da empresa; (b) identificar e entender o modelo de gestão da inovação utilizado pela empresa; (c) identificar como ocorre o processo de desenvolvimento de novos produtos; (d) analisar como ocorre a relação entre os agentes internos e externos à organização e (e) verificar se houve colaboração de agentes externos no desenvolvimento do produto estudado. A metodologia utilizada será uma pesquisa exploratória, aplicando-se o método de estudo de caso, tendo como unidade de análise o processo de inovação da Cutelaria Posate, com foco no desenvolvimento da linha Inova. Além dessa introdução e das considerações finais, o artigo encontra-se estruturado em três seções. A primeira seção apresenta o referencial teórico e analítico para a investigação sobre os conceitos de inovação. A segunda seção, por sua vez, apresenta o método do estudo e a terceira identifica e descreve os principais resultados e achados da pesquisa. 2 REVISÃO BLIOGRÁFICA 2.1 Definindo inovação O termo inovação vem do Latim – innovare – que significa fazer algo novo. Segundo Tidd, Bessant & Pavitt (2003), a inovação é o ato ou efeito de inovar, isto é, tornar algo novo, renovar ou introduzir uma novidade. Schumpeter (1982), alerta para o fato de que a inovação 2 pode assumir várias formas, não sendo necessário que se invente algo novo, podendo mesmo submeter uma idéia já existente a uma nova forma de realizá-la ou uma nova situação. Dosi (1988) cita o processo de inovação como busca e descoberta, experimentação, desenvolvimento, imitação e adoção de novos produtos, novos processos e novas formas organizacionais. Para Jelinek (1997), inovação é uma atividade coletiva que ocorre com o passar do tempo e com revisão contínua dos alicerces cognitivos e compartilhados dos participantes. A inovação atravessa todas as fases de negócios. Pode ser inovação no desenho, no produto, nas técnicas de marketing ou no serviço prestado ao cliente. A inovação estende-se a todas as formas de negócio (VASCONCELOS, 2004). 2.2 Gerenciando a inovação Ao se falar de administração ou gerenciamento da inovação, sugere-se uma divisão do processo de inovação em três fases básicas (CHESBROUGH, 2003; VAN DER MEER, 2007): (a) fase de conceito, na qual idéias novas são encontradas, (b) fase de desenvolvimento, na qual idéias são transformadas em projetos e (c) fase de negócios/comercialização, na qual projetos são transformados em novos negócios. Cada fase do processo de inovação exige tarefas distintas de gerenciamento e administração, como descrito por van der Meer (2007). Na fase do conceito, a principal tarefa dos gerentes é a criação de um clima favorável à inovação pelo uso da abordagem cultural. Na fase do desenvolvimento a tarefa principal é a criação e definição de mecanismos corretos para habilitar a criação e o desenvolvimento de projetos. Na fase de negócio/comercialização, sugere-se seguir a abordagem clássica: planejar, agir e controlar. Através dessa divisão, fica claro que gerenciar o processo de inovação é realmente administrar paradoxos. O processo completo da inovação exige o bom gerenciamento de todas as etapas, que muitas vezes entram em conflito. O modo como as empresas gerenciam o processo de inovação e seus paradoxos nos levam a duas abordagens do processo de inovação, a abordagem fechada de inovação e a abordagem aberta de inovação (CHESBROGH, 2003; DOCHERTY, 2006; VAN DER MEER, 2007). 2.3 Abordagem fechada de inovação Na abordagem fechada de inovação, o controle sobre o sistema de inovação é essencial. Essa formalização muitas vezes faz uso do Funil da Inovação e do modelo de stagegate (COOPER, 1992; TIDD, BESSANT & PAVITT, 2003). Esse sistema pode ser exemplificado por um funil de fases dentro do processo de inovação, entre os quais há portões que tentam filtrar potenciais projetos “perdedores”. Segundo Cooper (1992) e Besemer (2000), os principais critérios para a inovação próspera utilizados nos stage-gates são: novidade, viabilidade e efetividade. O funil tem como entradas as idéias, transformando-se em projetos, seguindo pela transformação de alguns projetos em negócios. O sucesso está estreitamente definido como um novo produto, tecnologia ou mercado para a empresa. Essa abordagem fechada de inovação está essencialmente focada nas capacidades internas da organização, sendo que somente o P&D interno pode transcorrer as etapas do funil de inovação (VAN DER MEER, 2007). 2.4 Abordagem de inovação aberta O conceito de “Open Innovation” (Inovação Aberta) se baseia na utilização de caminhos internos ou externos para avançar no desenvolvimento de novas tecnologias. Essa abordagem requer um diferente modo de pensar. O conjunto de normas, convicções e valores que são evidenciados nesse modelo são apresentados na ilustração a seguir. 3 Contrastando princípios da Inovação Fechada e da Inovação Aberta Inovação Fechada Inovação Aberta As pessoas inteligentes em nosso campo trabalham Nem todas as pessoas inteligentes trabalham para para nós. nós. Nós precisamos trabalhar com pessoas inteligentes dentro e fora de nossa empresa. Para lucrar sobre a P&D, devemos descobri - lá, P&D externo pode criar significativo valor; P&D desenvolvê-la e comercializá-la. interno é necessário para captar uma porção desse valor. Se nós descobrimos, nós colocamos primeiro no Nós não temos que originar a pesquisa para lucrar mercado. sobre ela. A empresa que é a primeira a colocar a inovação Construir um modelo de negócios melhor é melhor no mercado irá vencer. do que ser a primeira a colocar a inovação no mercado. Se nós criarmos as melhores idéias do setor, nós Se nós fizermos o melhor com idéias externas e venceremos. internas, nós venceremos. Nós devemos controlar nosso processo de Nós deveríamos ganhar sobre o uso de nossos inovação, assim nossos competidores não lucrarão projetos de inovação, e nós deveríamos comprar sobre nossas idéias. outras idéias para alavancar nosso próprio modelo empresarial. Ilustração 1: A cultura da Inovação Aberta Fonte: Chesbrough (2003) As formas para a utilização de uma abordagem mais aberta na inovação podem ser inúmeras, podendo ser colaborativas ou de simples troca. a) Relacionamento com outras empresas: Rothwell (1992) menciona que a inovação tecnológica cada vez mais resulta de uma rede de empresas interagindo de variadas formas. Ele nota um considerável aumento em parcerias tecnológicas no estágio pré-inovação (pesquisa pré-competitiva), assim como cita uma crescente tendência entre empresas, de utilização de alianças estratégicas (joint ventures), com a finalidade de transferência de tecnologia. Em termos de estratégia de pesquisa e desenvolvimento (P&D), Pisano e Teece (1989) evidenciam sua preferência pela chamada network firm, aquela que prefere colaborar com outras empresas para assegurar que o produto seja introduzido no mercado da forma mais atrativa. Como argumentos para sua escolha, os autores citam o aumento na freqüência de aparecimento de descontinuidades tecnológicas (provocando descontinuidades na acumulação de conhecimento), o aumento nos custos de inovação, a internacionalização das fontes de inovação e a necessidade de uma comercialização mais rápida de inovações. Nessa mesma linha de raciocínio, Castells (1999) também identificam a utilização do relacionamento entre empresas como uma adequada estratégia de P&D, por considerar que ele permite o aparecimento de sinergia entre as empresas parceiras, a partir da união de recursos, de racionalização da produção, de redução de riscos e de utilização de ativos para obtenção de economias de escala e de escopo. b) Relacionamentos com Universidades ou Institutos de Pesquisa: Cherubiri Neto (2006) e Maculan e Merin (1998), apontam que as empresas têm ampliado os recursos externos de P&D e a importância das universidades como provedoras deste, têm aumentado. A interação universidade-empresa pode ocorrer de diversas formas, podendo ser desde relações pessoais formais ou informais, a convênios formais e criação de estruturas próprias para interação. Os convênios podem ter objetivos definidos, podendo ocorrer através de pesquisa contratada, desenvolvimento de protótipos e testes, treinamento de funcionários, projetos de pesquisa cooperativa ou programas de pesquisa conjunta. Já na criação de estruturas próprias para a interação, podem-se citar como exemplos, parques tecnológicos, institutos, laboratórios, incubadoras de empresas e consórcios de pesquisa. As universidades e instituições de ensino têm papel fundamental na P&D no Brasil e, conseqüentemente, na inovação. 4 c) Relacionamento com clientes: Cada vez mais as empresas estão buscando ter estruturas para escutar seus clientes. Muitas das idéias e sugestões para o desenvolvimento de novos produtos ou aperfeiçoamento dos já existentes surgem através dos clientes (CHESBROUGH, 2004). Tapscott e Williams (2007) constataram que 65% dos integrantes da nova geração de consumidores on-line, desejam estabelecer uma relação de mão dupla com as marcas de sua preferência. Eles querem proporcionar feedback às empresas e também contribuir diretamente com o produto. Por isso, ressalta-se a importância da criação de ferramentas e estruturas de comunicação e relacionamento entre a empresa e seus clientes. Dentro dessa idéia, podemos citar um novo fenômeno que vem chamando a atenção: o Crowdsourcing, ou colaboração em massa. Através da colaboração em massa, as empresas passam a utilizar a criação coletiva para inovar (TAPSCOTT e WILLIAMS, 2007). d) Relacionamento com fornecedores: Analisando-se a evolução das relações entre clientes e fornecedores ao longo do tempo, percebe-se uma clara tendência à aproximação entre estes parceiros de negócio. Essa aproximação cliente-fornecedor parece trazer grandes benefícios segundo diversos indicadores de competitividade: custos, tempo de desenvolvimento de produtos, lead time, qualidade, capacidade de inovação, entre outros (WOMACK; JONES; ROSS, 1990). e) Importando e Exportando Idéias: Na abordagem tradicional de inovação, algumas idéias e tecnologias desenvolvidas dentro das empresas podem nunca ser utilizadas, trazendo várias desvantagens. Idéias não utilizadas são desperdícios de recursos organizacionais, desmoralizam os autores que as criaram e congestionam o sistema de inovação. Por outro lado, permitir a liberação de idéias não utilizadas, pode gerar novos conhecimentos sobre o mercado e oportunidades tecnológicas, que nunca iriam emergir se essas idéias fossem mantidas dentro das empresas. Por último, se as idéias são mantidas dentro das empresas por muito tempo, elas podem encontrar outras maneiras de sair, podendo vazar para fora da empresa (CHESBROUGH, 2007). Para solucionar esse problema, a abordagem aberta de inovação propõe que as idéias não utilizadas sejam comercializadas ou licenciadas. Do mesmo modo, a empresa deve fazer uso de boas idéias que são desenvolvidas externamente, comprando ou licenciando. Uma nova tecnologia que vem ajudando as empresas na busca de conhecimento externo e idéias criativas e inovadoras são os softwares de recursos abertos, conhecidos como ideágoras. Através destes, as empresas conseguem buscar soluções para alguns problemas específicos. Trata-se de uma ambiente virtual onde cientistas e desenvolvedores de produtos compartilham abertamente idéias que propiciam novos avanços. Como mencionado, no processo de inovação aberta, podem-se verificar mecanismos responsáveis por importar e exportar conhecimento, idéias e projetos. Tais mecanismos incluem métodos, estruturas e sistemas em todo o processo de inovação. A ilustração abaixo apresenta alguns exemplos. Alguns mecanismos da Inovação Aberta Importando Exportando - Estreita relação entre universidades e - Projetos de Clusters institutos de pesquisa - Cooperação Público-Privado - Conferências - Grupos da indústria (setor) Conceito - Feiras - Licenças - Fornecedores e consumidores Finais - Licenças - Pesquisas de patentes - Subsidiárias - Parcerias - Patentes quebradas Desenvolvimento - Subsidiárias - Fusão Negócio/Comercialização - Fusão Ilustração 2: Mecanismos da Inovação Aberta Fonte: van der Meer (2007) Fase 5 Segundo Chesbrough (2007), a abordagem da inovação aberta apresenta inúmeros benefícios para a empresa, sendo alguns deles: (a) Habilidade de se alavancar com P&D desenvolvidos com investimentos de terceiros; (b) Expandir o alcance e capacidade para gerar novas idéias e tecnologias; (c) Oportunidade de redirecionar recursos internos para a prospecção, triagem e gestão da implementação; (d) Potencialização do retorno sobre os investimentos em P&D, através do licenciamento de patentes subutilizadas; (e) Maior senso de urgência no trato das idéias ou tecnologias – use-as ou descarte-as; (f) Capacidade de realizar pesquisas estratégicas com baixo nível de risco e recursos e (g) Possibilidade de extensão e/ou diversificação do negócio, criando-se novas alavancas para crescimento. Existem significantes barreiras que a abordagem de inovação aberta pode encontrar dentro das organizações. A principal delas é a resistência interna causada pelo comportamento denominado como síndrome do “não inventado aqui”, que inibe a empresa na busca de idéias e recursos externos. A adoção da abordagem aberta de inovação usualmente requer uma grande diminuição do quadro de funcionários envolvidos com P&D. Essa situação causa um clima interno de resistência e, até que os funcionários identifiquem que uma abordagem mais apropriada foi encontrada, percebem seus cargos e posições em risco. Outra barreira que essa nova abordagem de inovação enfrenta é o vírus do “não vendido aqui”, onde idéias de alto potencial e valor são escondidas dentro das empresas. Assim, recursos financeiros e humanos são dispendidos na criação de idéias que talvez nunca sejam utilizadas. Além disso, a abordagem de inovação aberta encontra extrema dificuldade de mudança de paradigma, já que há quebra de conceitos tradicionais e por muito tempo assumidos como "corretos". Construir um forte sistema de inovação, requer enfrentar e derrubar essas barreiras (CHESBROGH, 2003). As empresas que adotam a abordagem de inovação aberta, valorizam as contribuições intelectuais das pessoas de dentro e fora da organização. Buscam essencialmente lançar produtos que sejam rentáveis, licenciam patentes para terceiros, franqueiam a troca de conhecimentos e incorporam tecnologias de outros, dividindo riscos e benefícios. Nessa abordagem pressupõe-se que o conhecimento para promover inovações encontra-se em qualquer lugar da rede de valor da organização e no mundo globalizado. Apresentados os principais conceitos de inovação e a diferença entre a abordagem aberta e fechada de inovação, apresenta-se a transição entre esses dois modelos. 2.5 Transição da abordagem de inovação fechada para inovação aberta Por anos a lógica de inovação fechada foi o “caminho certo” para trazer novas idéias ao mercado. Em direção ao século 21, a abordagem de inovação fechada foi se desgastando. Um dos fatores foi o dramático aumento da mobilidade dos trabalhadores que detém o conhecimento, dificultando para as empresas controlar a propriedade de suas idéias e de seus conhecimentos. Além disso, houve um grande crescimento da disponibilidade do capital privado. Isso tem ajudado novas empresas a financiar seus esforços para comercializar idéias que têm respingado para fora dos laboratórios das empresas. Dessa maneira, o circulo virtuoso da inovação é quebrado (CHESBROUGH, 2004). Na abordagem fechada, a inovação era dependente de grandes investimentos em P&D. Mas o mercado foi tornando-se mais competitivo e o ciclo de vida dos novos produtos mais curto, fazendo com que o modelo de receitas e despesas da abordagem de inovação fechada se alterasse (CHESBROUGH, 2007). Como resultado dessas duas tendências, as empresas encontram dificuldades para justificar os investimentos. A abordagem aberta surgiu como alternativa, pois utiliza também recursos de P&D externo para economizar tempo e dinheiro no processo de inovação. 6 Ilustração 3: Receitas e Despesas na Abordagem Fechada da Inovação Fonte: Chesbrough (2007, p.24) Ilustração 4: Receitas e Despesas na Abordagem Aberta da Inovação Fonte: Chesbrough (2007, p.27) Uma organização que está muito focada internamente – que utiliza a abordagem fechada de inovação – está propensa a perder um grande número de oportunidades, pois muitas das idéias desenvolvidas podem estar fora do seu foco de negócio ou precisariam se juntar com tecnologias externas para alavancar seu potencial. Isso pode ser especialmente doloroso para organizações que fizeram substanciais investimentos a longo prazo em pesquisa, para descobrir mais tarde que alguns desses projetos abandonados tinham gigantesco valor comercial. No sentido de entender e investigar estes processos em uma empresa, descreve-se a seguir a metodologia utilizada. 3. METODOLOGIA A metodologia utilizada nesta pesquisa foi o estudo de caso exploratório. Conforme Yin (2005, p. 32), “o estudo de caso é uma investigação empírica que investiga um fenômeno contemporâneo dentro de seu contexto da vida real, especialmente quando os limites entre o fenômeno e o contexto não estão claramente definidos”. Como o propósito deste trabalho foi analisar o processo de desenvolvimento de um novo produto, verificando a interação entre agentes internos e externos no processo de inovação, foi utilizado o estudo de caso com uma abordagem qualitativa, por entender que esse método é o mais adequado e por proporcionar mais informações sobre o tema, enfatizando o processo de pesquisa e não somente os resultados obtidos (GODOY, 1995). Utilizou-se este método pelo fato do mesmo permitir estudar em profundidade o tema em questão junto a um ator específico, no caso a empresa Posate. A Posate Cutelaria, empresa na qual foi realizado o estudo de caso, lançou recentemente a Linha Inova Cores, linha de talheres que não encosta na mesa, que foi objeto de estudo desta pesquisa. A coleta de dados foi realizada através de entrevistas semi-estruturadas, coleta e análise de documentação e, observação através de visitas à empresa. Como argumenta Yin (2005) o uso de várias fontes (triangulação) de evidências nos estudos de caso permite que o pesquisador se dedique a uma ampla diversidade de questões históricas, comportamentais e de atitudes. As formas de coleta de dados são descritas a seguir: a) Entrevistas: realizaram-se entrevistas em profundidade, baseadas em roteiros semiestruturados, considerando diferentes grupos: alta direção da empresa, pessoas envolvidas no processo de inovação e desenvolvimento de novos produtos e agentes externos envolvidos no desenvolvimento. As entrevistas ocorreram durante os meses de abril, maio e junho de 2008. 7 No total, foram entrevistadas seis pessoas: três funcionários da empresa, o Diretor Comercial (envolvido diretamente nos processos de inovação da empresa), o Diretor Industrial (sócio e responsável pela área de desenvolvimento interno) e o Designer (agente externo participante do processo). b) Coleta e análise de documentos: buscou prover elementos tangíveis para análise. Alguns dos documentos e materiais analisados foram: website da empresa, matérias promocionais, organograma, catálogo de produtos, reportagens de jornais e revistas sobre a empresa e o lançamento da linha Inova Cores. c) Observação: a observação aconteceu por meio de visitas à empresa e conversas com funcionários, gerência e alta direção. A elaboração do questionário de pesquisa amparou-se na base teórica estudada com o objetivo de entendimento do campo empírico. Elementos Conceituais Inovação Gerenciamento da Inovação Autores Tidd, Bessant & Pavitt (2003), Schumpeter (1982), Jelinek (1997), Dosi (1988) Kathryn Cormican e David O’Sullivan (2003) Van der Meer (2007) Van der Meer (2007) Tidd, Bessant & Pavitt (2003) Inovação Fechada Inovação aberta Chesbrough (2003) Chesbrough (2003) Rothwell (1992), Bartholomew (1997), Castells (1999), Pisano e Teece (1989) e Chesbrough (2003) Cherubiri Neto (2006), Merino (1998) e Chesbrough, 2004) Tapscott e Williams (2007) Womack, Jones e Ross (1990). Chesbrough (2003) Variáveis de Pesquisa Estratégia, Estrutura/Processos e Cultura Cultura Processos/ Estrutura Relacionamentos Criação/Pesquisa Desenvolvimento Comercialização Recursos e conhecimentos internos utilizados no processo de inovação Mecanismos de inovação aberta Relacionamento com outras empresas Relacionamento com Universidades/Institutos de Pesquisa Relacionamentos com clientes Relacionamento com fornecedores Relacionamento com agentes externos (designers, associações, outros) Ilustração 5: Elementos de análise Fonte: Elaborado pela autora A análise foi realizada com a utilização da técnica de análise de conteúdo, com a interpretação dos dados coletados mediante a fundamentação teórica realizada, a fim de constatar convergências e divergências entre os mesmos e propor alternativas de melhorias, além de apontar caminhos para estudos futuros. 4. APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS 4.1 A empresa – Posate Localizada na cidade de Gramado, a Posate Cutelaria Ltda é uma das principais fabricantes de talheres do Brasil. A empresa conta com instalações modernas e 190 funcionários diretos, além de representantes e do pessoal externo. Produz 20 linhas de talheres, facas e utensílios domésticos, apresentados em mais de 800 versões, indicados tanto para o lar, quanto para clientes institucionais como hotéis, bares, restaurantes e similares. Os talheres da Posate podem ser encontrados em todos os estados do Brasil e em mais 25 países nos cinco continentes. Para o ano de 2008, projeta-se produzir 46 milhões de 8 unidades, destinadas ao público das faixas A, B e C. Do total de receitas, 20% são vendas para o mercado externo. A empresa possui um organograma tradicional, sendo dividida por quatro grandes áreas: Produção, Industrial, Administrativo e Comercial. A estrutura comercial adotada pela empresa é de regionalização, ou seja, para cada uma das regiões atendidas existe um profissional representante da empresa atuando. A venda ao consumidor final acontece por meio de intermediários. A Posate possui também uma loja na cidade de Gramado. A loja possui a proposta de Loja Conceito. “Partindo do princípio que Gramado recebe em média mais de 1 milhão de turistas por ano, esta é uma forma que a empresa encontrou para fazer com que pessoas de outras regiões conhecessem a Posate”. (Diretor Comercial) 4.2 Inovação na Posate A Posate Cutelaria trabalha com a inovação através de projetos. Não possui nenhum departamento ou área organizacional dedicado totalmente a atividades de P&D, mas envolve várias pessoas da empresa e de diferentes setores nesse processo. A empresa trabalha com dois designers, que lidam especificamente no setor de utilidades domésticas e cutelaria e possuem relacionamento direto com a empresa. Essas duas pessoas estão diretamente ligadas ao processo de criação e ideação (pesquisa), mas várias pessoas da empresa são chamadas a fazer parte desse grupo no desenrolar de cada projeto. Segundo o Diretor Comercial “a área Industrial atua fortemente na análise de viabilidade de produção, desenvolvimento de protótipos e aperfeiçoamento do produto; a área de marketing ajuda no desenvolvimento do conceito, estratégias de comunicação, divulgação e precificação entre outras atribuições; o setor comercial está envolvido no projeto, pois precisa saber quais os rumos e caminhos que serão trilhados... a quantidade de pessoas depende do tamanho do projeto que está em andamento”. A empresa não utiliza um modelo formal de inovação, mas adota alguns critérios de seleção em seus projetos. Mesmo que a empresa não se identifique como utilizadora do método stage-gate, utiliza a idéia de forma simplificada. Segundo Cooper (1992) e Besemer (2000), os critérios para a inovação próspera utilizados nos stage-gates são: novidade, viabilidade e efetividade. Percebe-se que os mesmos critérios são utilizados pela empresa na seleção de seus projetos. Segundo o Diretor é levada em conta a novidade da idéia, a viabilidade de produção e a rentabilidade econômica esperada daquele produto. Depois de admitidas as idéias como sendo viáveis, passa-se a uma análise de viabilidade de produção e posteriormente a análise de viabilidade comercial. Van der Meer (2007) e Chesbrough (2003), sugerem uma divisão do processo de inovação em três fases básicas: conceito, desenvolvimento e negócios/comercialização. Apesar de a empresa propiciar um clima interno favorável à inovação, busca externamente o desenvolvimento da primeira fase, o conceito. A maioria de seus projetos vêm de idéias e pesquisas de seus designers. A fase de desenvolvimento é realizada internamente com a colaboração dos designers. O Diretor Industrial está encarregado pelo desenvolvimento de novos produtos, buscando diferentes pessoas para ajudá-los nesse processo. A fase de negócios/comercialização esta sob responsabilidade do setor comercial/marketing da empresa. Como descrito por van der Meer (2007), cada fase do processo de inovação exige tarefas distintas de gerenciamento e administração. A empresa desenvolve internamente algumas ações que podem ser caracterizadas como habilitadoras de um clima favorável à inovação, como Geração de Idéias, o Bom Dia, o Boa Tarde e um programa de visitas a outras empresas. O programa Geração de idéias tem como objetivo estimular a exposição de novas idéias. Se uma idéia é aceita e implantada pela empresa e a mesma trouxer algum tipo de benefício econômico, um percentual desse retorno é direcionado para o autor da idéia. Ações que visam o compartilhamento do conhecimento e 9 que propiciam que todos os funcionários saibam dos acontecimentos, resultados e ações da empresa, também são desenvolvidas. Tem-se o Bom Dia, que é uma reunião de toda a organização minutos antes do trabalho, onde a empresa apresenta notícias corporativas aos colaboradores. De forma similar, também possuem o Boa tarde, sendo este um espaço onde as áreas e setores da empresa podem reunir toda a empresa para apresentar suas principais ações, notícias e feedback de sua área específica. Percebe-se grande preocupação da empresa com a comunicação efetiva entre as pessoas e áreas organizacionais. Destaca-se que a comunicação intensiva é classificada por Tidd, Bessant e Pavitt (2005), como uma característica marcante das organizações inovadoras. A Posate também realiza uma ação onde “grupos de chão de fábrica” (da produção) possuem um calendário de visitas a outras empresas. Os colaboradores comprometem-se em identificar, através desta visita de trabalho, qualidades da empresa visitada para implementá-las na empresa, se forem de aceitação geral. Existe reciprocidade nessa iniciativa, sendo que a Posate esta aberta a visitas dessas empresas para o mesmo processo de troca de idéias. Desta iniciativa surgem pequenas melhorias na empresa, proporcionando um processo de melhoria contínua. Os relacionamentos com agentes externos à empresa são muito importantes na abordagem aberta de inovação (CHESBROUGH, 2003). A Posate possui relacionamentos externos, sendo alguns deles intensos e outros meramente de negócio. a) Outras empresas: autores como Rothwell (1992) e Castells (1999), evidenciam a importância de colaboração e parcerias entre empresa no desenvolvimento de novos produtos. Como citado anteriormente, a Posate promove uma troca de conhecimentos com outras empresas, através de um calendário de visitas a outras empresas. Essa iniciativa promove a melhoria de processos internos. b) Clientes: a Posate promove um evento anual, sediado na empresa, onde reúne os principais clientes do setor institucional, de todo o Brasil, para a apresentação de seus produtos. Nesse evento, denominado Encontro de Lojistas, a Posate apresenta e discute as novidades juntamente com os clientes, buscando entender o que cada região específica necessita e quer propor para a empresa. c) Fornecedores: na empresa estudada, os fornecedores participam pouco do processo de inovação. Segundo o Diretor Comercial, dos atuais fornecedores da Posate, o que mais tem probabilidade de colaborar no processo de inovação é o fornecedor de embalagens. d) Universidades e Institutos de pesquisa: a empresa ainda não possui nenhum relacionamento direto com universidades e institutos de pesquisa e diz não estar preparada para tal. e) Participação de feiras no ramo de atividade: a empresa participa da House & Gift Fair e da Equipotel. Segundo o Diretor Comercial, a participação nas feiras é um momento onde a empresa pode observar tendências, captar idéias e recursos. Participar das feiras do ramo de atividade significa “estar presente em tudo que está acontecendo”. É um espaço de encontro com clientes, fornecedores e concorrentes. A empresa não pode deixar de estar presente, pois é um local de grandes oportunidades de negócios. f) Designers: a Posate conta com a colaboração de Designers no processo de desenvolvimento de novos produtos. Esses profissionais são normalmente engenheiros, arquitetos ou profissionais das demais áreas afins. Possuem um vínculo forte com a empresa e participando de reuniões, de convenções e feiras junto à empresa. Esses profissionais estão atentos ao que o mercado vem trazendo de novo e às tendências que estão sendo seguidas, como cores, materiais e formas. g) Associações e Entidades de Classe: a empresa estudada reconhece a importância desses órgãos. De acordo com o Diretor Comercial, “Elas representam um núcleo onde se concentram muitas informações importantes para o setor e que dá ao grupo o poder de reivindicação de idéias e direitos perante o governo e demais órgãos”. A empresa faz parte da 10 ABITAC - Associação Brasileira das Indústrias de Talheres, Cutelaria, Utensílios Domésticos, Hospitalares e Similares – e enfatiza que essa aproximação entre a empresa e a associação ainda não funciona como elemento de troca de idéias, experiências e tendências. Na abordagem aberta de inovação, empresas comercializam idéias externas (como também internas) desenvolvendo externamente, como também internamente, diferentes caminhos para o mercado (CHESBROUGH, 2003). A Posate busca externamente, através dos designers, da participação de feiras e da colaboração de seus clientes, idéias para o desenvolvimento e comercialização. Por outro lado, ainda não pensa em comercializar idéias que são desenvolvidas internamente e não são utilizadas. “Nós temos várias propostas arquivadas, que ainda não se tornaram maduras para acontecerem. O propósito é ficar no nicho de mercado que a empresa atua, ou seja, produzir talheres e utensílios domésticos. Hoje até temos idéias novas, diferentes desse ramo, mas o foco é ficar no ramo de atuação atual”. A inovação aberta propõe a utilização de mecanismos responsáveis por importar e exportar conhecimento, idéias e projetos. Tais mecanismos incluem métodos e estruturas em todo o processo de inovação. A Posate se relaciona com alguns públicos que colaboram no processo de inovação. O quadro abaixo apresenta um resumo dos mecanismos utilizados pela empresa. Mecanismos A Posate Relacionamento de troca de melhores práticas (processos) Não existe relacionamento Encontro dos Lojistas Os fornecedores não participam do processo de Inovação A empresa participa Relacionamento intenso entre empresa e designer Empresas Universidades Clientes Fornecedores Feiras do ramo Designer Mecanismos de: Importação e exportação ----------------------------- --------------- Importação --------------Importação Importação A empresa faz parte da ABITAC, mas isso não --------------tem nenhuma influência no processo de inovação Ilustração 6: Mecanismos de Inovação aberta utilizados pela Posate Fonte: Elaborado pela autora Associações e Entidades de Classe Fase do Processo de Inovação --------------Conceito/Pesquisa Conceito/Pesquisa Desenvolvimento Comercialização --------------- A Posate faz uso da inovação como fator de diferenciação e competitividade. Como uma empresa com apenas 12 anos de atuação, frente a concorrentes que estão a quase um século no mercado, a Posate precisa se projetar, precisa se fazer conhecida por alguma coisa diferente... A inovação é a ferramenta utilizada pela empresa. Inovação, como faz parte dos valores da empresa, é um assunto tratado por todos, até pelos donos, fazendo parte de nossa estratégia... Temos que fazer algo diferente todos os dias. Botar um produto no mercado, com um conceito inovador e não fazer outras coisas também de forma diferente, é fazer que, com o tempo, a inovação não faça mais parte do contexto. É uma obrigação nossa a cada dia fazer algo diferente (Diretor Comercial). 4.3 O desenvolvimento da Linha Inova A linha Inova foi criada a partir de um preceito básico, a higiene necessária durante as refeições, e com um diferencial inusitado: a parte que vai à boca e entra em contato com os alimentos não encosta na mesa. Uma idéia aparentemente simples, mas que representa um salto na história dos talheres. A linha Inova Cores foi lançada no ano de 2007, na 35º House 11 & Gift Fair, onde recebeu o IX Prêmio House & Gift de Design, a mais respeitável premiação brasileira no segmento de design de artigos para casa. A idéia de não encostar na mesa foi construída com a colaboração de dois designers externos, do ramo de utensílios domésticos, que trabalham junto à empresa. Um dos designers que atua junto à empresa foi o responsável pela idéia e desenho do produto. Essa idéia surgiu através de uma pesquisa de mercado realizada por ele na busca de oportunidades dentro dos mercados nos quais a Posate atuava. Uma das tendências identificadas foi o aumento do número de pessoas que fazem suas refeições fora de casa e, juntamente a isso, a crescente preocupação dessas pessoas com a higiene. Buscou-se identificar então o comportamento de uso dos talheres, percebendo-se que muitas das pessoas que se serviam novamente nos buffets, levavam junto consigo os talheres para que os mesmo não ficassem expostos à mesa. Um fator muito importante nas refeições é a higiene, assim sendo, a higiene deveria ser considerada na elaboração de um talher. A partir desse estudo de oportunidades, tendências e comportamento de uso do produto, é que surgiu a idéia da linha Inova Cores. Além de um desenho e um conceito inovador, a idéia ainda propunha o uso de diferentes cores de cabos para esses talheres. “As cores propiciam atingir vários segmentos de mercados, atingindo pessoas de diferentes gostos e estilos” (Designer). A apresentação da idéia ocorreu em uma reunião onde, além do desenho, o designer trouxe consigo um protótipo (modelo) do cabo, mostrando para os presentes, de forma mais real, o formato do cabo. A idéia teve uma aceitação muito boa e ficou decidido que iram trabalhar neste projeto. Junto com a idéia da linha Inova Cores, surgiu, por parte da empresa, a idéia de usar o mesmo conceito para o desenvolvimento de uma linha de talheres, toda em aço inoxidável, a linha Elevatto, que posteriormente foi desenvolvida. Na etapa de desenvolvimento, teve-se uma construção e aprimoramento da idéia, com desenvolvimento de vários protótipos, afim de melhoramento do produto e viabilidade de produção. Entretanto, teve-se o cuidado de manter o conceito inicial do projeto. Os principais atores deste processo foram o Diretor Industrial, responsável pelo desenvolvimento interno, e o designer. Durante o trabalho de desenvolvimento do produto, ocorreram vários conflitos. Frases como “Não dá pra fazer”, “é difícil”, “é complicado”, são alguns exemplos de restrições que vieram da empresa durante o processo. Já a empresa aponta, às vezes, a falta de uma visão mais forte de produção por parte do designer. “Tive que levar o designer comigo até a produção e fazê-lo bater na peça para sentir a dificuldade” (Diretor Industrial). A empresa justifica que não é por “não aceitar o que vem de fora”, mas pela dificuldade de fazer o designer pensar na produção a longo prazo, custo, queda de ferramenta, manutenção de máquinas, na produção de um produto de “menor custo e maior qualidade”. Mas, apesar dos diferentes pontos de vista, a construção foi ocorrendo de forma colaborativa. Como colocado pelo designer “foi um aprendizado da mudança”. “A indústria ainda é bastante resistente, pois alguns projetos geram mudanças radicais, como modificação de estrutura da indústria ou mudança no processo produtivo”(Designer). Essa relação se torna mais “fácil” quando o relacionamento empresa-designer é mais intenso, quando já existe um profundo entendimento das estratégias, produtos e clientes da empresa em questão. Isso já existia neste caso, onde o designer já vinha trabalhando há algum tempo junto à empresa e já entendia bem o funcionamento da Posate. Este agente esteve muito presente, sendo que participou até mesmo de reuniões com a agência de marketing (para definição de aspectos como conceito e lançamento), etapa de verificação de ponto de venda, sugestões nas embalagens, entre outros. O designer esteve envolvido na etapa de pesquisa e na etapa de desenvolvimento do produto, colaborando na construção da matriz e do ferramental. Ele participa também de estudos de aproveitamento de material, com o objetivo de melhor utilização e redução de custos. Para colocar a linha no mercado houve um investimento tanto de tempo, quanto financeiro. O processo de criação e amadurecimento da idéia levou cerca de oito meses. Em 12 seguida veio a etapa de viabilização econômica do projeto. O valor investido no lançamento da linha foi de R$ 450 mil, entre matrizes, pesquisas, projetos e outros (HG CASA, 2007, p.30). O passo seguinte foi preservar a proposta – conceito e design – por meio da patente, feita não somente no Brasil, mas em vários outros países da América do Sul, Estados Unidos e México. “O produto já estava concebido e o processo de produção já estava encaminhado, sendo que poderia ter sido lançado antes. Mas, por se tratar de uma proposta tão grandiosa, decidiu-se realizar primeiramente todos os registros e patentes”. (Diretor Industrial) A comunicação e divulgação foi a etapa posterior. O Diretor Comercial enfatiza que a comunicação tem que ser muito objetiva, “é necessário trabalhar fortemente o seu conceito diferente, pois, à medida que se deixa de trabalhar seu conceito, ele passa a ser tratado como um talher comum e normal de qualquer outra linha”. Existem vários segmentos que ainda não trabalham com esse talher, o que enfatiza o grande potencial de crescimento desse produto. A linha Inova Cores foi apresentada no Encontro de Lojistas em fevereiro de 2007, onde foi aceita de forma unânime, evento único em uma série de encontros que a empresa vem realizando. Ilustração 7: Desenvolvimento da Linha Inova Fonte: Elaborada pela autora Na abordagem fechada de inovação, as empresas aderiam a seguinte filosofia: sucesso em inovação requer controle (CHESBROUGH, 2003). A perspectiva da inovação aberta sugere regras muito diferentes. Por exemplo, uma empresa não deve mais chavear sua propriedade intelectual, ao invés disso, deveria achar maneiras de lucrar com o uso, por parte de outros, desse conhecimento através de patentes, joint ventures e outros arranjos (KLINE’S, 2003). A empresa ainda se mostra muito preocupada com a questão “controle”. Afirmam que o produto poderia ser lançado com antecedência, mas aguardou-se até que todos os registros e patentes estivessem prontos. Ao ser questionada sobre o uso de sua patente, a empresa diz que ainda não teve solicitações de licença de exploração, e não possui clareza sobre a disposição de licenciar suas idéias para as demais empresas do setor. A Inovação Aberta se baseia na utilização de caminhos internos e externos para avançar no desenvolvimento de novas tecnologias. Essa abordagem requer um diferente modo de pensar, apresentando um conjunto de normas, convicções e valores diferenciados. A Posate parece concordar com alguns desses princípios e discordar de outros. 13 Contrastando os Princípios da Inovação Aberta Inovação Aberta A Posate Nem todas as pessoas inteligentes trabalham A empresa busca pessoas externas para nós. Nós precisamos trabalhar com pessoas para a etapa de criação de idéias e Equipe de P&D inteligentes dentro e fora de nossa empresa pesquisa P&D externo pode criar significativo valor; A empresa terceiriza a Pesquisa e P&D interno é necessário para captar uma realiza o Desenvolvimento Onde Fazer P&D porção desse valor internamente Nós não temos que originar a pesquisa para A empresa concorda com essa Origem das lucrar sobre ela idéia, mas poderia explorar mais Tecnologias e caminhos na busca de idéias Idéias Construir um modelo de negócios melhor é A empresa demonstra a melhor do que ser a primeira a colocar a preocupação de ser a primeira a Pioneirismo inovação no mercado colocar novos produtos no mercado Se nós fizermos o melhor com idéias externas e A empresa ainda pode fazer melhor Quantidade e internas, nós venceremos uso tanto de idéias internas como qualidade externas Nós deveríamos ganhar sobre o uso de nossos A empresa possui um arquivo de projetos de inovação, e nós deveríamos comprar idéias que não é utilizado e não Propriedade outras idéias para alavancar nosso próprio demonstra interesse em buscar Intelectual modelo empresarial idéias por outros canais Ilustração 8: Contrastando princípios da Inovação Aberta e da Posate Fonte: Elaborada pela autora Fatores Observando a ilustração 12 e 13, percebe-se que a empresa utiliza alguns mecanismos da abordagem de inovação aberta e tem alguns relacionamentos com agentes externos que colaboram no processo. Entretanto, a empresa possui uma abordagem bastante controladora da inovação e poderia expandir seu contato e busca de participação externa no processo de inovação. A Linha Inova Cores é realmente um sucesso e vem superando as expectativas de vendas. De acordo com o Diretor Comercial, tem-se como estimativa que os produtos deste setor levem de 1 ano e meio a dois anos para se consolidar no mercado. Entretanto, das vinte linhas da empresa, a Inova Cores, em seu primeiro ano, já é a quinta no ranking de vendas, embora tenha sido lançada somente em 2007. CONSIDERAÇÕES FINAIS O artigo buscou entender como acontece o processo de inovação na Posate Cutelaria e verificar o grau de participação e colaboração de agentes externos neste processo. A Posate é uma empresa de médio porte que reconhece a importância da inovação e a utiliza na busca de competitividade no negócio. Pode ser considerada uma empresa muito inovadora, mas sua maneira de conduzir a inovação não se enquadra na abordagem estudada, a inovação aberta. A empresa não pode ser considerada como adotante de uma abordagem aberta de inovação. Claramente, utiliza recursos e agentes externos em seu processo, mas de uma maneira muito limitada. A empresa não possui um departamento de P&D formal, sendo que terceiriza a pesquisa, através do Designer, e realiza o desenvolvimento internamente. Apesar desde processo ser bastante colaborativo e o designer estar envolvido até as etapas finais, não pode ser considerado inovação aberta. Pode-se dizer que a empresa esta ainda em etapa de transição de uma abordagem fechada para uma abordagem aberta, já que, não faz muito tempo que vêm utilizando recursos externos em seu processo de inovação. O designer tem uma participação muito importante no processo de inovação da Posate, pois ele ajuda a empresa a entender melhor as oportunidades e tendências do mercado, ele ajuda a empresa a “enxergar o mercado”. A indústria tem uma tendência de puxar os 14 empresários para uma visão muito interna, pois o processo produtivo gera muitas demandas. Isso faz com que perca um pouco a visão do mercado. Destacam-se como pontos positivos da Inovação na empresa, a colaboração do designer no processo, o evento denominado Encontro de Lojistas e a participação de feiras do ramo de atividade. A relação designer-empresa é intensa e se perpetua por todo o processo, apesar do foco estar centrado na pesquisa. Essa relação é de aprendizagem e construção conjunta e é responsável por muitos projetos de sucesso da empresa. O Encontro de Lojistas é um momento de contato direto com os clientes, de onde podem ser absorvidas idéias importantes e melhorias que podem ser realizadas nos produtos. A participação de feiras do ramo proporciona uma visão de mercado, tendências e oportunidades de contato com os diferentes públicos da empresa (clientes, fornecedores, concorrentes, entre outros). A principal limitação deste estudo reside no fato de que as conclusões aqui obtidas não podem ser generalizadas - trata-se de um universo particular. Além disso, o número de entrevistas poderia ter sido maior, com o intuito de enriquecer a análise, abordando também o universo dos clientes (participantes do Encontro de Lojistas). Os principais fatores para estas limitações foram o tempo disponível para a execução da pesquisa, e a dificuldade em acessar os clientes da empresa, já que sua distribuição é pulverizada por todo país. Apesar de se tratar de um estudo de caso único, o artigo apresenta e fundamenta o tema, podendo servir como ponto de partida para futuros estudos teóricos e/ou empíricos. Para pesquisas futuras, há diversas oportunidades para aprofundar este estudo, no sentido de aumentar a compreensão desse tema nas empresas de médio porte, buscando verificar até que ponto as empresas utilizam essa abordagem de inovação. REFERÊNCIAS ARRUDA G. Posate estima crescimento na produção e receitas deste ano. Gazeta Mercantil, Caderno Negócios e Empresas, C1. 30 abr. 2008. BESEMER, S.P. Creative Product Analysis to Foster Innovation. Design Management Journal, Fall, 59–64, 2000. BIGNETTI, L. P. Gestão de Tecnologia e Inovação: uma Análise de Autores, Vertentes Teóricas em Estratégias Metodológicas Predominantes em Trabalhos Apresentados nos Encontros da ANPAD. Encontro Nacional de Pós-Graduação em Administração - ANPAD, Salvador, BA, 2006. BOSTON CONSULTING GROUP. Measuring Innovation. Senior Management Survey, 2006. CASTELLS, Manuel. A Sociedade em Rede. São Paulo: Paz e Terra, 1999. CHERUBI NETO, R. As Práticas e Ferramentas da Gestão do Conhecimento Auxiliam na Gestão da Interação Universidade-Empresa? Fundamentando e Apresentando a Hipótese. Encontro Nacional de Pós-Graduação em Administração - ANPAD, Salvador, BA, 2006. CHESBROUGH, H. W. Open innovation. Harvard Business School Press, Boston, MA, 2003. _______________, Managing Open Innovation. Research Technology Management, Jan/Feb; 47, 1; ABI/INFORM Global pg. 23, 2004. _______________; CROWTHER, A. K. Why Companies Should Have Open Business Models. Mit Sloan Management Review, Winter, 2007. COOPER, R.G. The NewProd System: The Industry Experience. Journal of Product Innovation Management, June, Issue 2, 113–127, 1992. DOSI, G. The nature of the innovative process. In: Dosi, G. et al. (Eds.). Technical change and economic theory. London: Pinter, 1988. 15 DOCHERTY, M. E. Primer of Open Innovation: Principles & Practice, PDMA Visions Vol. XXX No. 2, pp. 13-17, 2006. FREIRE, A. Inovação: Novos Produtos, Serviços e Negócios para Portugal. Lisboa: Verbo, 2002. FREEMAN, C.; PEREZ, C. Structural crises of adjustment. In: Dosi, G. et al. (Eds.). Technical change and economic theory. London: Pinter, 1988. GODOY, A. S. Introdução a Pesquisa Qualitativa e suas possibilidades. RAE – Revista de Administração de Empresas. São Paulo, v. 35, n.2, p. 57-63, 1995. HAKANSSON, H. Industrial Technological Development: a network approach. London, Croom Helm, 1987 HAGERDOON, J. Inter-firm R&D partnerships: an overview of major trends and patterns since 1960. Research Policy, v. 31, p. 477-492, 2002. HG CASA. Um ovo de Colombo na indústria de talheres. House and Gift casa. São Paulo, edição única, p.28-31, nov. 2007. \ JELINEK, M. Organizational entrepreneurship in mature-industry firms: foresight, oversight, and invisibility. In: Technological innovation. USA: Cambridge University Press, 1997. KLINE’S, D. Sharing the Corporate Crown Jewels. MIT Sloan management review, Vol. 44, Nº 3, pp. 89-93, 2003. LADO, A.; BOYD, N.; HALON, S.C. Competition, Cooperation, and the Search for Economic Rents: a syncretic model. Academy of Management Review, v.22, n.1, 1997. LITTLE, A. D. Management of Innovation. Arthur D. Little Inc., New York, 1985. MACULAN, A.-M. ; MERINO, J. C. A. Como avaliar a transferência do conhecimento na interação universidade-empresa. Simpósio de Gestão da inovação Tecnológica. São Paulo, 1998. PISANO, G.; TEECE, D.J. Collaborative arrangements and global technology strategy in IEEE Transactions of Engineering Management. Aug. 1994. PRAHALAD, C. K.; RAMASWAMY, V. O Futuro da Competição: como desenvolver diferenciais inovadores em parcerias com clientes. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004 ROTHWELL, R. Successful industrial innovation: critical factors for the 1990s. R&D Management, v. 22, Issue 3, p. 255-263, 1992. SCHERMERHORN, J.R. Determinants of Inter-organizational Cooperation. Academy of Management Journal, v. 18, n. 4, 1975. SCHERER, F. O. e ZAWISLAK, P. A. Trajetória de Crescimento em Redes de Cooperação: Limites-Inovação- Desenvolvimento. Encontro Nacional de Pós-Graduação em Administração - ANPAD, Rio de Janeiro, RJ, 2007. SCHUMPETER, J. A. Teoria do desenvolvimento econômico: uma investigação sobre lucros, capital, crédito, juro e o ciclo econômico. São Paulo: Abril Cultural, 1982. TAPSCOTT, D.; WILLIAMS, A. D. Wikinomics: Como a colaboração em massa pode mudar o seu negócio. 1. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2007. TIDD, J.; BESSANT, J.; PAVITT, K. Gestão da Inovação. Integração de mudanças Tecnológicas, de mercado e organizacionais. Lisboa: Monitor. 2003. VAN DER MEER, H. (2007). Open Innovation – The Dutch Treat: Challenges in Thinking in Business Models. Creativity and Innovation Management, Vol. 16, No 2. VAN DER MEER, J.D. (1996) Profile of an Innovative Organization. In Prokopenko, J. and North, K. (eds.), Productivity and Quality Management: A Modular Programme. ILO, Geneva. VASCONCELOS, M. A. de. Introdução. In: BARBERI, José Carlos. Organizações Inovadoras – estudos e casos brasileiros. Rio de Janeiro, Editora FGV, 2004. WOWACK, J. P.; JONES, D. T.; ROSS, D. A máquina que mudou o mundo. Rio de Janeiro, Campus, 1992. YIN, R. K. Estudo de Caso. Planejamento e Métodos. 3 ed., Porto Alegre, Bookman, 2005. 16