III CONGRESSO INTERNACIONAL DE EDUCAÇÃO UNIBAVE
“Educar na e para a diversidade”
Orleans, 06, 07 e 08 de novembro de 2008
SUMÁRIO DOS ARTIGOS CIENTÍFICOS
1 CULTURA ESCOLAR E INOVAÇÃO CURRICULAR EM ESCOLAS
INCLUSA..........................................................................................
Geovana Mendonça Lunardi Mendes, Edna Araujo dos Santos de
Oliveira e Deborah Christêllo Nazário
2 EXPANSÃO DA EDUCAÇÃO SUPERIOR NA MODALIDADE EAD:
3
13
DEMOCRATIZAÇÃO DO ACESSO E PERCEPÇÕES DA DIVERSIDADE...
Ricardo Luiz de Bittencourt
3 DO LIMBO À MESA:O GARFO E SEU LUGAR NA HISTÓRIA DA
CULTURA ALIMENTAR......................................................................
Maurício Rafael
4 APOIO EDUCACIONAL À INCLUSÃO DO ACADÊMICO COM
NECESSIDADE ESPECIAL NO ENSINO SUPERIOR.............................
Roberto Pacheco, Márcia V. M. Nunes e Sara dos Santos Reis
5 FILOSOFAR PARA EDUCAR NA E PARA DIVERSIDADE......................
Rafael Uliano
6 MUSEU DA FREGUESIA DE MIRIM: UM SUPORTE PARA O ENCONTRO
E A PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO CULTURAL...............................
João Paulo Corrêa
7 CONCEITOS
NORTEADORES
DA
AÇÃO
DOCENTE
DOS
PROFESSORES DO CURSO DE ADMINISTRAÇÃO DA UNESC:
CONTINUAM TRADICIONAL OU FORMAÇÃO NA E PARA A
DIVERSIDADE..................................................................................
Vanilda Maria Antunes Berti
8 IMPLICAÇÕES CULTURAIS
EM ACERVOS MUSEOLÓGICOS: A
HISTÓRIA DOS COLONIZADORES NA CONSTITUIÇÃO DE SEUS
OBJETOS DE USO FAMILIAR............................................................
Ana Claudia Roecker
9 A EDUCAÇÃO ESCOLAR E A CULTURA DOS INSTRUMENTOS
DISCIPLINARES.................................................................................
Caroline Martello
10 A UTILIDADE DA SERRA CIRCULAR DURANTE O CICLO DA MADEIRA:
UM OLHAR SOBRE O PATRIMÔNIO CULTURAL E AMBIENTAL............
Eráclito Pereira
11 ARTEFATO DA CULTURA AÇORIANA: PÃO-POR-DEUS........................
Lenaide Gonçalves Innocente
12 A MODERNIDADE APORTA EM ITAJAÍ: INOVAÇÃO TECNOLÓGICA E
REGISTROS DA CULTURA EM MUTAÇÃO...........................................
Marco Antonio Figueiredo Ballester Junior
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52
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76
84
93
102
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13 A MODA COMO REPRESENTAÇÃO IDENTITÁRIA DAS MULHERES NO
INÍCIO DO SÉCULO XX EM ORLEANS: O CASO DO ESPARTILHO........
Ricardo Alberton Fernandes
14 SAPATO ARTESANAL: O OLHAR MUSEOLÓGICO SOBRE A CULTURA
DE PRODUÇÃO E USO.......................................................................
Valdete Baggio Crocetta
15 QUALIFICAÇÃO DE DOCENTES DAS SÉRIES INICIAIS DO ENSINO
FUNDAMENTAL PARA A INCLUSÃO DE ALUNOS COM DEFICIÊNCIA...
Carla Coan
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145
III CONGRESSO INTERNACIONAL DE EDUCAÇÃO UNIBAVE
“Educar na e para a diversidade”
Orleans, 06, 07 e 08 de novembro de 2008
CULTURA ESCOLAR E INOVAÇÃO CURRICULAR EM ESCOLAS
INCLUSIVAS
Geovana Mendonça Lunardi Mendes
UDESC - [email protected]
Edna Araujo dos Santos de Oliveira
UDESC - [email protected]
Deborah Christêllo Nazário
UDESC - [email protected]
TC 1C2
Resumo: Inúmeras pesquisas têm apontado que a diversidade presente em salas de aula em que
crianças com deficiência encontram-se incluídas desafia a forma escolar estabelecida. Partindo deste
pressuposto, o presente projeto objetiva investigar a cultura escolar constituída em escolas consideradas
inclusivas apontando as inovações curriculares identificadas nessas instituições. Pretende-se identificar
o movimento cotidiano de significação e reinvenção do seu papel construído pela escola para atender
esses alunos e o impacto de tal atendimento nos aspectos chaves de sua cultura, a saber: tempo, espaço e
saberes.
Palavras-chave: Currículo. Diferença. Inclusão. Educação Especial.
Introdução
Inúmeros estudos da Sociologia e da História da Educação têm compreendido a escola,
da forma como a concebemos hoje, como um produto de variadas determinações históricas,
políticas e sociais. Como uma construção histórica, a escola, passa por processos de
modificação decorrentes do contexto cultural em que esta inserida e das exigências sociais nela
depositadas.
III CONGRESSO INTERNACIONAL DE EDUCAÇÃO: EDUCAR NA E PARA A DIVERSIDADE
ORLEANS, 06, 07 E 08 DE NOVEMBRO DE 2008
PP. 3-12
Se a sociedade muda, suas expectativas com relação aos processos de escolarização também se
modificam, o que necessariamente, conforme nos mostra a História da escolarização, ocasiona
mudanças na escola, refletidas na sua organização interna: métodos, práticas, saberes, estrutura
física, entre outros.
No entanto, os estudos têm apontado também que o modelo escolar constituído na
modernidade se tornou hegemônico, dentre os diferentes tipos de escola, e tem mantido uma
estrutura sólida de princípios e práticas que parecem resistir as mais diferentes pressões.
Essa estrutura tem sido um fecundo objeto de estudo da Sociologia e da História da
Educação. Diversos autores têm, em suas pesquisas, procurado nomear os elementos que fazem
as escolas serem semelhantes e terem tanta resistência, ou mudarem muito lentamente. Tyack e
Cuban(2001) falam de Gramática Escolar, Antonio Viñao Frago(2002) de Cultura Escolar,
Guy Vincent(1994) em Forma Escolar.
Ainda que com importantes diferenças epistemológicas, escolheremos aqui trabalhar
com o conceito de cultura e forma escolar por entendermos que tais conceitos auxiliam no
enfrentamento da problemática desta pesquisa.
Tal cultura possibilita no interior da escola a manutenção de uma série de práticas
cristalizadas condicionando a apreensão de novas práticas a partir de um processo de tradução,
reinterpretação e modificações em função desses reguladores internos.
Para entender o processo de mudança da escola é condição sine qua non compreender sua
cultura.
É a partir da sua cultura que a escola organiza seu tempo, espaços e saberes. Aliás, tais
elementos, inter-relacionados, acabam contribuindo no papel social de aluno, professor e
práticas pedagógicas constituídos dentro da escola com base nestes condicionantes.
Nesse sentido, o currículo origina-se dessa construção orientada pela cultura escolar e
expressa também essa manutenção e similaridade dos conteúdos, das práticas e das
aprendizagens produzidas na escola.
No bojo das reformas educacionais produzidas na década de 90 a proposição de
mudanças curriculares, em especial no caso do Brasil, adquiriu centralidade nos discursos sobre
a escola.
4
Rever as orientações curriculares, visando à definição de conteúdos a serem
trabalhados 1, objetivando uma maior uniformidade entre as práticas curriculares das escolas no
continente nacional foi uma das metas perseguidas pelas reformas empreendidas.
Além disso, o respeito à diversidade, através da inclusão de temas transversais no
ensino e de políticas de inclusão, desde ações afirmativas até benefícios financeiros para a
manutenção na escola, conferiram a escola o desafiador papel de auxiliar na redenção de uma
série de desigualdades.
Parece, portanto que, cada vez mais, a escola tem sido chamada a respeitar, lidar e
trabalhar com a diversidade de uma forma inclusiva visando constituir-se uma escola para
todos.
Ora, se até agora afirmamos que a escola é um produto de seu tempo e uma construção
cultural, por mais que existam condicionantes importantes que ajudam na manutenção de suas
práticas, os processos de mudança, também são possíveis de se estabelecer no seu cotidiano.
Roldão (2003) aponta que, diante da diferença (entre elas a deficiência) o processo de
escolarização tem lidado de três formas: com uma diferenciação discriminadora socialmente
legitimada, na medida em que, inicialmente, o processo de escolarização era para alguns; com a
massificação do acesso, a diferenciação passou a ser entendida como ilegítima, passando a ser
recuperada a idéia de diferenciação como forma de democratização do sucesso.
Atualmente, essa situação se complexificou principalmente por que os “excluídos do
interior” como afirma Bourdieu, numa sociedade cada vez mais escolarizada, acabam se
tornando excluídos da, na e pela escola e também no exterior da escola. Essa situação acabou
criando um convívio crescente da escola com o insucesso escolar, por isso mesmo,
defensivamente retificado de maneira naturalizada pela comunidade escolar, e ao mesmo tempo
gerando a necessidade de enfrentar essa situação. Atender às diferenças que geram insucesso
escolar torna-se uma necessidade, dado os altos índices de insucesso.
Como afirma, Gimeno Sacristán (2003, p.293) “se, no dia-a-dia, em qualquer área das
relações sociais, o convívio com a diferença é um dado adquirido, considerado natural, nos
sistemas educativos a variabilidade intra-subjetiva, intersubjetiva e intergrupal dos seres
humanos convive como um problema por resolver ou como uma dificuldade que se deve
suprimir”.
1
No nosso caso especifico, a proposição dos Parâmetros Curriculares Nacionais cumpre esse fim.
5
Portanto, atualmente se redime o conceito de diferenciação, retomando o que fora
percebido como um problema, para ser entendido agora como solução. A diversidade tem
assumido então o status de uma grande narrativa, capaz de permitir inúmeras soluções.
Neste contexto, os discursos que apregoam uma escola para todos e posteriormente uma
escola inclusiva focalizam e orientam a necessidade de uma mudança significativa na “cultura
escolar” e a constituição de “inovações curriculares” para cumprir os objetivos de tais
propostas.
Com isso, algumas mudanças e orientações curriculares são apresentadas aos
professores como forma de operacionalizar os discursos presentes nos documentos oficiais.
Entre os complicadores de tal perspectiva podemos apontar:
- uma compreensão de cultura escolar e de currículo que não dimensionam o circuito de
produção-apropriação-seleção-criação-recriação que a escola põe em movimento a
partir das suas motivações próprias e do seu entorno sócio-cultural,
- uma idéia de que a mudança e consequentemente processos de inovação curriculares
são sempre positivas e orientam para práticas escolares emancipatórias.
Partindo dessas premissas, objetivamos investigar os discursos oficiais das propostas de
educação para todos e da escola inclusiva, focalizando nas mudanças/inovações sugeridas a
cultura escolar bem como a realidade curricular construída nas escolas em suas práticas
cotidianas.
Nesse sentido, tais propostas, em certa medida, vêm imbuídas de uma idéia de progresso
e pretende-se inovadora e instituidora de uma nova lógica de organização do conhecimento
escolar. Por isso, compreendemos que as mudanças sugeridas pelas propostas curriculares
atuais, além de serem recontextualizadas no espaço das práticas curriculares da escola, por si só
podem não significar avanços significativos para o processo de escolarização dos alunos, em
especial, daqueles considerados deficientes. As bases teóricas em que se sustentam podem não
ser diferentes daquelas que ajudam a manter o quadro de exclusão do interior (BOURDIEU,
1998) vivido no cotidiano escolar.
Em pesquisas anteriores (Lunardi (2005) e Silva(2003)), identifica-se como a cultura
escolar, tomando por princípios organizadores a homogeneização e a uniformização tem
inúmeras dificuldades para incorporar em seu cotidiano às diferenças dos alunos. As diferenças
6
dos alunos são entendidas sempre como incômodas e negativas para o processo de
escolarização.
Diante de tal movimento que mudanças se operam na cultura escolar da escola? A
organização das aulas, o conhecimento trabalhado e o significado destes para os alunos são
modificados pela da inclusão?
Viñao-Frago (2002) ao analisar as mudanças nos sistemas educativos, re-visita o
conceito de cultura escolar, para apontar que a mudança tende a ser lenta na escola, ao mesmo
tempo em que podem ocorrer mudanças aceleradas, ou seja, o ritmo nem sempre é uniforme. A
fonte da mudança também é diversa. No caso das políticas de inclusão estamos diante de
modificações organizativas externas que são ressignificadas pela escola e reorientam sua
cultura.
Assim, a enunciação de um discurso inclusivo orienta para mudanças no cotidiano
escolar que passam por um processo de seleção, apropriação e criação condicionadas pela
cultura escolar que precisam ser escrutinados. É nosso interesse investigar esse processo de
enunciação e as práticas construídas no universo escolar diante das deficiências, entendidas
como dos alunos.
Partindo de uma perspectiva que entende a constituição do currículo em todas as suas
dimensões focalizaremos os documentos legais que orientam para a constituição de uma escola
inclusiva e partiremos para a análise do currículo aprendido, a partir das produções escolares
das crianças.
Serão objetos dessa investigação especialmente a produção de crianças consideradas
deficientes mentais. Entendemos que tais crianças, por características próprias dos seus
processos de aprendizagem desafiam a lógica e os princípios orientadores da cultura escolar
instituída. Deste modo, torna-se extremamente necessário identificar que mudanças e que
inovações se tem constituído na escola para atender esses sujeitos.
As investigações sobre os processos de inclusão destes sujeitos ainda são incipientes e
muito temos que construir para o enfrentamento adequado das questões suscitadas por estes
processos.
Deste modo, queremos empreender uma análise da cultura escolar pela perspectiva
destes alunos: como se constituem como alunos? O que registram? O que aprendem? Como
7
aprendem? Avaliaremos, para tanto, os processos de aprendizagem das crianças consideradas
deficientes, a partir de protocolos de avaliação específicos, objetivando conhecer estes
percursos e perceber, em que medida, eles são respeitados nas atividades realizadas na escola.
Desenvolvimento
Desde o final da decada de 80 no estado de Santa Catarina, são desenvolvidas ações
com vistas a integração de crianças com deficiência no ensino regular. Em 1987,
especificamente, o governo do estado lança, uma política conhecida como o “Plano para a
campanha de Matrícula Escolar da Secretaria da Educaçao(1987-1991), que além da expansão
do acesso a escola, trabalhava com a idéia de uma “escola para todos”, deflagrando um
processo que ficou conhecido com “matricula compulsória”, ou seja, o direito legal, no âmbito
do estado de as famílias com filhos deficientes matricularem suas crianças na escola mais
próxima de sua residência, independente de sua deficiencia.
A partir dessa política, várias outras começaram a ser pensadas e geradas no Estado com
este fim. No entanto, no Brasil somente após a LDB de 1996, a discussão aprofundou-se, assim
como com a profusão de um cenário internacional( Declaração de Salamanca, Jontiem,
Guatemala) que foram impactando em uma série de políticas e modificações na forma como até
então era pensada a educação de crianças consideradas deficientes.
Entre as principais modificações das últimas décadas, a produção cientifica e os debates
políticos tem gerada a constatação que é um direito dos sujeitos considerados deficientes o
acesso a uma educação escolar de qualidade. Nessa afirmação explicita-se a compreensão de
que mais do que ocupar, participar e integrar os espaços escolares regulares comuns a todas as
crianças, é preciso desenvolver apoios, serviços e metodologias especializadas objetivando
favorecer o acesso também ao conhecimento escolar difundido na escola.
Trata-se de uma garantia não só pelo acesso a escola, mas ao processo de escolarização
em toda a sua amplitude.
Dessa forma,
quando focalizamos a deficiência mental, a situação complexifica.
Historicamente, a deficiência mental é entendida como uma incapacidade orgânica limitadora
8
da elaboração das operações mentais complexas. O sujeito acometido por tal incapacidade é
visto como cognitivamente incapacitado, o que limita as expectativas relativas a sua
escolarização. Em ínumeras experiências desenvolvidas no Brasil e no mundo, tais afirmações
tem sido relativizadas e temos avançado na compreensao de que mais do que a marca biológica,
as mediações sociais a que ele está submetido são definidoras do seu desenvolvimento. No que
diz respeito a escolarização, a interação com sujeitos “ditos” normais e as trocas possibilitadas
por tais interações são espaços fecundos e necessários para o desenvolvimento. No entanto, não
são suficientes. É preciso apoio, estrutura, e preparação voltados não somente aos alunos
considerados deficientes, mas a escola em seus diversos segmentos.
Nesse sentido, considerando a importância da defesa por uma escola de qualidade para
todos os alunos, esta pesquisa justifica-se principalmente pelo ainda incipiente acúmulo de
informações sobre o impacto das experiências inclusivas nos processos de aprendizagem dos
alunos considerados deficientes, assim como na própria escola.
Além disso, a articulação deste projeto ao Laboratório de Educação Inclusiva, traz como
papel fulcral desta investigação, também, os esforços para a consolidação daquele ambiente
como espaço produtor de conhecimento científico na área, objetivando o seu reconhecimento e
visibilidade futuros.
A investigação da cultura escolar remete sempre para um complexo processo de
investigação. Diversas formas de se estudar a escola tem sido desenvolvidas nos últimos anos.
Pesquisas etnográficas baseadas, principalmente, no longo período de presença no campo,
associada às técnicas de observação participantes tem sido bastante difundidas na pesquisa
educacional.
Como abordagem epistemológica esse estudo baseia-se em alguns estudos da
Sociologia da Cultura, principalmente as contribuições de Raymond Williams. Com
fundamento no pensamento marxista, Williams nos permite entender o objeto a partir de uma
perspectiva teórico-metodológica relacional. Os estudos portugueses que indicam a mesoabordagem como forma de encaminhamento da investigação também serão essenciais para o
processo de coleta e análise dos dados.
A forma como Williams (1992) procedeu seus estudos sobre as práticas culturais, bem
como sua concepção de cultura, ajuda a constituir o corpus teórico que precisa ser forjado para
9
o entendimento de homem, de prática e de cultura que se faz necessário para o
desenvolvimento da investigação.
Na perspectiva do autor, uma sociologia da cultura deveria se preocupar com todas as
produções culturais, com as instituições e formações das produções culturais, com as formas
artísticas e com os processos de reprodução social e cultural.
É interessante percebermos, no entanto, que o autor trabalha com uma concepção muito
própria de cultura. Para Williams (CEVASCO, 2001, p.47), antes de mais nada a cultura já está
dada no nosso modo de vida: “a cultura é experiência ordinária” e como tal é de todos. Com
isso, Williams rompe as perspectivas tradicionais de cultura enquanto cultivo de um bem e
explica que a produção cultural está em todos os lugares.
Que relações essa compreensão traz para o nosso estudo? As pistas são dadas pelo
próprio autor: os estudos culturais nos ajudam a compreender que a cultura é o amálgama no
qual estão presas todas as práticas sociais, ou seja, ela não é um processo social secundário nem
pode ser entendido como estanque: a educação, a economia, a cultura... Trata-se de uma prática
de constituição de significados e como tal orientadora de todas as outras práticas.
Nesse sentido, as práticas educativas são também ordinárias e estão imbricadas no
processo de produção cultural da sociedade. Entender isso é compreender que a escola como
instituição tem um papel determinado por essas relações. As práticas desenvolvidas no seu
interior, às vezes, carecem de explicitações exteriores a elas e não são frutos de intenções
racionalizadas e individuais.
Então partindo dessas premissas teórico-metodológicas, essa pesquisa irá trabalhar com
o desafio de analisar aspectos macros, como as políticas educativas voltadas à escola para
todos, como aspectos micros, as produções escolares dos alunos.
Iremos prioritariamente trabalhar com análise documental, seja das políticas, seja das
produções dos alunos e só ocasionalmente realizar observações participantes.
O lócus de investigação principal será o Laboratório de Educação inclusiva e nele
iremos realizar também aplicação de protocolos específicos de investigação. O Laboratório de
Educação Inclusiva a partir de 2008 irá realizar uma série de Oficinas Pedagógicas com turmas
heterogêneas de alunos(crianças com desenvolvimento típico e atípico). As oficinas serão
compostas de, em média, dez alunos(com desenvolvimento heterogêneo) e serão envolvidos na
investigação todos os alunos da oficina.
10
Será alvo desta investigação, as turmas que tiverem crianças com desenvolvimento
cognitivo atípico, em especial aquelas consideradas com deficiência mental. A partir da
identificação destas crianças, realizaremos a investigação tomando por base as suas produções
escolares(cadernos e trabalhos acadêmicos).
Paralelamente a isso, será realizada uma investigação sobre as escolas de que essas
crianças são oriundas e sua relação com as políticas que orientam escolas inclusivas. A idéia é
construir elementos a partir de pistas indiciárias sobre a cultura escolar em que estas crianças
estão inseridas.
Além disso, desenvolveremos, com base em uma ampla pesquisa, nos protocolos de
avaliação nacionais, um instrumento que seja adequado para identificarmos algumas das
aprendizagens já desenvolvidas pelas crianças nos espaços escolares. Sem fins diagnósticos,
tais instrumentos terão como principal objetivo identificar os processos escolares de
aprendizagem já desenvolvidos pelas crianças e aqueles que ainda precisam ser alcançados,
tendo por base a perspectiva Vygotskiana(1998) do desenvolvimento real, proximal e
potencial.
Tais exercícios objetivam compreender os processos cognitivos empreendidos pelas
crianças nas aprendizagens escolares e em decorrência estratégias didáticas que podem ser
constituídas para este fim.
Essa parte da pesquisa pode ser definida como do tipo experimental mista. Ou seja, os
dados para análise serão coletados de forma experimental em sessões realizadas com o grupo
no Laboratório de Educação Inclusiva. As sessões serão filmadas e devidamente registradas.
As análises dos referidos dados se basearão tanto em informações quantitativas, quanto
qualitativas das questões investigadas.
Conclusão
Por se tratar de projeto de pesquisa em andamento, com início no mês de agosto do presente
ano, ainda não possuímos elementos conclusivos.
Referências
11
BOURDIEU, Pierre. La reproduction. A reprodução: elementos para uma teoria do sistema de
ensino'', Lisboa: Editorial Vega, 1978
CEVASCO, Maria Elisa. Para ler Raymond Williams. São Paulo, Paz e Terra, 2001
GIMENO-SACRISTÁN, J. El curriculum: Una reflexión sobre la pratica. Madrid: Morata.
1989.
GIMENO-SACRISTÁN, J.; PÉREZ GÓMEZ, A. I. Compreender e transformar o ensino. 4.
Ed. Porto Alegre: Artes Médicas. 2000.
GIMENO-SACRISTÁN, J. Consciência e acção sobre a prática como libertação profissional
dos professores. In: NÓVOA, A. (Ed.), Profissão professor. Porto: Porto-Editora. 1991. P. 6192.
ROLDÃO, Maria do Céu. Gestão do Currículo e avaliação de Competências: As questões
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TYACK, D y Cuban, L. En busca de la utopía. Un siglo de reformas en las escuelas públicas.
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VINCENT, Guy; LAHIRE, Bernard; e THIN, Daniel (1994) Sur l’histoire e la théorie de la
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Scolarisation et socialisation dans les sociétés indsutrielles. Lyon: Presses Universitaires de
Lyon, 1994. P. 7-47.
VIÑAO FRAGO, A. Alfabetização na sociedade e na história. Porto Alegre: Artes Médicas,
1993.
__________. Do espaço escolar e da escola como lugar: propostas e questões. In: VIÑAO
Frago, A.; ESCOLANO, B. Currículo, espaço e subjetividade. Rio de Janeiro: DPA, 1998.
VYGOTSKY, L.S. Interação entre aprendizado e desenvolvimento. In:_________. A
Formação Social da Mente. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
VYGOTSKY, L.S.; LURIA, A.R.; LEONTIEV, A.N. Linguagem, Desenvolvimento e
Aprendizagem. São Paulo: Ícone, 1989.
Sumário
12
III CONGRESSO INTERNACIONAL DE EDUCAÇÃO UNIBAVE
“Educar na e para a diversidade”
Orleans, 06, 07 e 08 de novembro de 2008
EXPANSÃO DA EDUCAÇÃO SUPERIOR NA MODALIDADE EAD:
DEMOCRATIZAÇÃO DO ACESSO E PERCEPÇÕES DA DIVERSIDADE 1
Ricardo Luiz de Bittencourt 2
Universidade do Extremo Sul Catarinense - UNESC – [email protected]
TC 1F4
Resumo: Este artigo pretende analisar a expansão da educação superior na modalidade educação a
distância - EAD. Toma-se como referência de análise as percepções de tutores que participam do
curso de Pedagogia da Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC, na modalidade EAD.
Busca-se mostrar como as políticas públicas de educação estão alinhadas com os interesses de
organismo internacionais que estabelecem metas a serem alcançadas pelos países em
desenvolvimento. Os dados da pesquisa foram coletados por meio de entrevista semi-estruturadas e
analisadas a partir do referencial teórico adotado.
Palavras-chave: Expansão da educação superior. Formação de profesores. Políticas públicas.
Introdução
A expansão da educação superior é uma das marcas presentes do nosso tempo. O
Estado brasileiro tem investido em políticas de expansão da educação superior tendo em
vista os ditames de organismos internacionais. Na década de 60 do século passado, no que
tange à Santa Catarina, o discurso desenvolvimentista favoreceu a criação das instituições
de educação superior comunitárias, vinculadas à Associação Catarninense das Fundações
educacionais - ACAFE. A Lei de Diretrizes e Bases 9394/96 quando estabeleceu a
necessidade de formar professores para a Educação Básica em nível superior até o final de
2006 e diversificou os formatos institucionais de educação superior como universidades,
centros universitários e a própria modalidade EAD.
1
Artigo apresentado no III Congresso Internacional de Educação: Educar na e para a diversidade, realizado no
período de 5 a 7 de novembro de 2008.
2
Doutor em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Professor no curso de Pedagogia da
Universidade do Extremo Sul Catarinense.
III CONGRESSO INTERNACIONAL DE EDUCAÇÃO: EDUCAR NA E PARA A DIVERSIDADE
ORLEANS, 06, 07 E 08 DE NOVEMBRO DE 2008
PP. 13-21
Desenvolvimento
Compreender as percepções dos tutores sobre a formação de professores nos desafia
a refletir como eles percebem a expansão da educação superior alavancada pela EAD. O
Brasil, por ser um país muito extenso, é terreno fértil para a ampliação da educação superior
na modalidade EAD. Essa expansão, principalmente, quando realizada pelo setor privado,
pode se constituir como uma das estratégias de mercantilização da educação.
O depoimento da T1 3 coloca em evidência a preocupação com a qualidade de ensino
que se manifesta também pela interação. O ensino presencial é considerado pela entrevistada
como de melhor qualidade em relação à EAD. Manifesta sua preocupação com a diminuição
do ensino presencial por considerar que o custo da EAD é menor. Sua preocupação tem
sentido na medida em que o índice de candidatos ao vestibular destinado ao preenchimento
de vagas do curso de Pedagogia das IES vinculadas à ACAFE diminuiu sensivelmente a
partir da oferta deste curso pela UDESC, na modalidade EAD:
A expansão do ensino superior na modalidade EAD, eu ainda tenho algumas
restrições, pois por mais que eu valorize e acredite que realmente acontece
aprendizagem na EAD eu continuo dizendo que o ensino presencial é
fundamental. A gente sabe que a EAD é mais barato e por isso pode haver uma
diminuição do ensino presencial que para mim é o melhor de todos. É melhor
pela interação, o professor estar ali no dia-a-dia, o próprio professor da
disciplina porque na EAD existe apenas um encontro do professor com os
acadêmicos, os outros encontros são com os tutores. (grifo nosso)
Contudo, a T2 destaca a dificuldade de fazer comparações entre EAD e ensino
presencial por atender necessidades e interesses de públicos diferenciados. A preocupação
com a mercantilização da educação que não acontece apenas na modalidade EAD aparece
novamente no depoimento desta entrevistada:
É impossível fazer comparações, atendem necessidades e interesses de
diferentes grupos. O que há de positivo na EAD é a possibilidade desse pessoal
que trabalha, que tem o tempo muito carregado poder minimizar esse tempo e
fazer o curso superior. Eu não vejo apenas na modalidade de EAD, na educação de
maneira geral, cursos de educação são muito fáceis de se abrir, pedagogia
mesmo, em qualquer instituição privada, e não só porque é privada, não se tem
estrutura, qualquer sala que se alugue, cantinho, se abre um curso superior.
(grifo nosso)
A mercantilização da educação como um dos reflexos da política educacional
assumida pelo Estado brasileiro não passa despercebida pela reflexão da T9. As políticas de
3
Para preservar a identidade dos entrevistados optou-se nomeá-los como tutor 1 – T1
14
educação empreendidas no Brasil se traduzem, muitas vezes, como estratégias de
desregulamentação, o que possibilita que instituições de educação superior sejam
autorizadas a funcionar sem as condições necessárias. De modo complementar, o Estado
também assume o papel de regulador na medida em que estabelece diretrizes curriculares,
define critérios para autorização, reconhecimento e recredenciamento de instituições de
educação e seus respectivos cursos. Essas práticas de regulação se articulam com os
sistemas de avaliação atualmente materializadas pelo Sistema de Avaliação da Educação
Superior – SINAES. No que tange à modalidade EAD, em 2007 foram estabelecidos pelo
Ministerio da Educação - MEC os critérios de avaliação, principalmente para analisar as
condições para abertura de pólos onde serão ofertados cursos superiores. Laval (2004, p.
109) afirma que:
A ideologia liberal acompanha, reforça e legitima as diversas formas de
desregulamentação, cuja característica geral consiste em deixar no espaço escolar
um lugar crescente para os interesses particulares e para os financiamentos privados,
quer sejam de empresas ou de indivíduos. Apesar dos desmentidos oficiais, a
modernização da escola passa por uma extinção progressiva das fronteiras entre o
domínio público e interesses privados, o que na tradição administrativa francesa
representa uma ruptura considerável.
O questionamento acerca da rigidez dos tempos-espaço do ensino presencial e a
expansão tímida das universidades públicas presenciais é explicitado pela T9:
Acho que facilita a propagação da educação como mercado livre e, a educação a
distância, vai depender da política educacional que está por trás dela. Eu penso
que nós tínhamos que ter flexibilizado o tempo do curso presencial e ter dado
mais oportunidades de curso superior via instituição pública. Abrir esse curso
para pessoas que não estão no exercício da docência foi um problema. Aqui uma
das coisas que chama e atrai as pessoas é a possibilidade de fazer um curso
superior sem pagar, sem custo. Na verdade isso acabou se estendendo para todo
mundo porque no início ele era para atender só quem estava atuando e quem não
tinha feito o curso superior, aí é que está, de repente, isso virou comércio. (grifo
nosso)
Conforme depoimento da T9, o público atendido nos cursos na modalidade EAD
deve ser bem focado para que não se crie um “comércio educativo”. Em sua opinião, o
principal atrativo para cursar Pedagogia, na modalidade EAD, na UDESC é a gratuidade,
uma vez que a universidade é pública. A T13 faz uma diferenciação entre EAD ofertada
numa universidade pública e EAD ofertada na universidade privada. Nas universidades
privadas é necessário um número mínimo de alunos matriculados para sustentar
financeiramente a oferta do curso, enquanto que nas universidades públicas essa
15
preocupação é minimizada, uma vez que a educação é vista como bem público e não um
serviço a ser prestado:
Existem diferenças quando a EAD é ofertada em instituições públicas e privadas
porque os interesses são diferentes. Nós temos turmas aqui na UDESC com vinte
alunos. Numa instituição privada tu não abres uma turma com menos de trinta
e cinco alunos. Eu tenho alguns colegas que dizem que se nós não tivemos trinta e
cinco alunos, eles fecham a turma. Acredito que um dos fatores que mais
comprometem a educação é o fator econômico. (grifo nosso)
Expandir a educação superior regulada por critérios pode ser uma estratégia de
democratização, conforme destaca a T12. Enfatiza a importância das relações entre
diferentes sujeitos para o processo ensino-aprendizagem e coloca a EAD como alternativa
para quem não pode fazer ou não se enquadra num curso presencial:
Eu acho que a EAD democratiza, mas teria que ter alguns critérios. Primeiro o
jovem deveria tentar um ensino presencial. O ensino a distância é uma alternativa
para aqueles que não conseguiram entrar no ensino presencial. Acho que no
encontro com o grupo tu cresces tanto quanto com o estudo do material pedagógico,
a relação com os colegas da turma é tão rica quanto ler um livro ou mais até. Então,
eu acho que deve se priorizar o encontro diário. O ensino a distância democratiza no
sentido de que aquelas pessoas que não conseguem, que não se enquadram mais na
modalidade presencial, elas têm essa oportunidade. Acho que a distância é uma
alternativa para quem não se enquadrou no presencial. Tem que ser priorizado o
presencial pelo encontro diário que tu vais ter com o grupo, pela interação que tu
vais ter. (grifo nosso)
Acreditamos que um dos principais questionamentos para a modalidade EAD é a
dificuldade de acompanhamento do processo como um todo. Quando se amplia muito o
universo de pessoas atendidas o risco de se perder o acompanhamento sistemático do
processo por parte da IES é potencializado. O movimento pela garantia da universidade
pública e gratuita emerge no depoimento da T9:
Teve um problema sério aqui em Criciúma. Quando a UDESC percebeu, eles tinham
criado uma turma sem a UDESC saber. Essa última turma está tendo aula por
decisão judicial. As alunas foram para justiça buscando garantir a continuidade
deste curso gratuitamente. Não foi a UDESC que abriu a turma na época, foi o
Colégio Objetivo que abriu a turma. Quando a UDESC viu, a turma já estava
formada. Então todos esses problemas levaram a Universidade a rever algumas
coisas, inclusive porque eles estavam querendo continuar com o curso a distancia.
(grifo nosso)
Reflexão semelhante pode ser encontrada no relato do T13 quando destaca as
diferenças entre EAD ofertada em universidade pública e universidade privada. Enfatiza a
importância da democratização da educação superior pública, questiona o número de
universidades públicas em Santa Catarina e elogia o trabalho desenvolvido pela UDESC, na
16
modalidade EAD:
Acho que existem aí duas vertentes. Eu tinha preconceito com relação à EAD. Eu
acreditava que EAD era algo para quem não queria estudar, mas necessitava de
um diploma. Essa era a visão que eu tinha. Eu mudei depois que comecei a ver o
trabalho sério da UDESC. Eu sei que hoje em dia a EAD virou um grande
negócio. Tem gente ganhando muito dinheiro com a EAD. A UDESC não, ela é
pública. Nenhum acadêmico paga nada. Quando foi cobrada mensalidade foi por
conta do convênio UDESC e o Colégio Objetivo. A UDESC teve que inclusive
intervir neste processo e nós tivemos que fazer concurso para regularizar a situação.
Agora, é inegável que algumas instituições estão ganhando dinheiro com a EAD. Eu
não posso falar de outros cursos na modalidade EAD, agora, a UDESC trabalha com
a idéia da democratização. Quantas universidades públicas têm em Santa Catarina?
Apenas duas, uma federal e outra estadual. A grande maioria das pessoas não tem
acesso à universidade pública. Nesse sentido, a UDESC tem um trabalho muito
interessante em termos de EAD. (grifo nosso)
O princípio da democratização da educação superior pública tem motivado o Estado
brasileiro a criar práticas de interiorização das universidades, principalmente na modalidade
EAD. No caso de Santa Catarina, a UFSC também está sendo interiorizada em Criciúma
com a oferta de cursos de Administração, Física e Matemática, na modalidade EAD, em
condições muito semelhantes da UDESC. A partir dessas constatações ficam algumas
questões: o que significa democratizar a educação superior? Disponibilizar uma sala de aula
numa escola de ensino médio com um tutor, estudantes e materiais instrucionais significa
interiorizar a universidade? É possível afirmar que a UDESC e a UFSC se fazem presentes
em Criciúma?
Estudar numa universidade pública possui algumas “vantagens” que são apresentadas
pelo T13. O compromisso social dos professores e sua autonomia é colocado pelo
entrevistado como aspecto positivo das instituições educacionais públicas:
Às vezes, nós professores, que trabalhamos em escolas públicas, matriculamos
nossos filhos em escolas privadas. A vantagem dos alunos que estudam na escola
pública é que seus profissionais têm mais compromisso social do que aqueles
que trabalham numa instituição privada. Numa instituição pública tu tens mais
liberdade para desenvolver o trabalho. Isso pode inclusive produzir algum resultado
diferente, mas acredito que as diferenças não sejam tão grandes. O nosso público, na
maioria das vezes, são alunos trabalhadores. (grifo nosso)
Além da questão econômica, para a T5 a flexibilidade de tempo permite que o
estudante concilie trabalho, estudo, cuidado da casa e também assumir um outro trabalho.
No relato aponta também a intensificação do trabalho das estudantes, pois ao flexibilizarem
os tempos-espaços para realizarem sua formação profissional acabam assumindo outros
compromissos que podem comprometer a qualidade de seu aprendizado, principalmente
quando o curso é na modalidade EAD. Essa modalidade de ensino requer que o sujeito,
ainda que de modo flexibilizado, estude autonomamente:
17
A questão de pagamento também interfere porque a UDESC é pública. Eu analiso
que o fator motivador principal é que o curso é uma vez por semana, porque eles
trabalham. Esses outros dias eles disponibilizam para ficar em casa, cuidar da
casa ou para trabalhar em outra escola, sempre tem outra atividade. (grifo
nosso)
Para a T6 a expansão da educação superior na modalidade EAD deve focalizar bem o
público a que se destina para que não haja prejuízo da qualidade e a perda dos objetivos
estabelecidos. Para a entrevistada, o curso de Pedagogia da UDESC, na modalidade EAD,
deveria ser ofertado apenas para os professores que já estão atuando profissionalmente,
caracterizando a chamada capacitação em serviço:
Primeiramente no meu entendimento o curso de Pedagogia a distância vem atender
uma demanda de profissionais efetivos que não possuem curso superior,
novamente por conta de uma lei, a LDB. Esse pessoal efetivo deveria ter curso
superior até 2006. Ele vem para atender uma demanda específica e aí, na leitura que
eu faço, ele se expandiu para além dos limites, tomou outra proporção. Então acho
que com isso se perdeu um pouco do objetivo do curso. (grifo nosso)
Focalizar bem o público a que se destina o curso na modalidade EAD é fundamental
para que as experiências que cada estudante construiu possam ser utilizadas como ponto de
partida para a construção do conhecimento. Diferencia a produção das alunas que não
possuem experiência daquelas que já atuam na docência. Contudo, para a T6, o esforço
individual minimiza a diferença de rendimento escolar:
As alunas que tenho têm uma história, já têm anos de experiências, elas têm muito
mais facilidade de aprender os módulos. As que não possuem essa experiência de
sala de aula “se quebram”, mas elas estudam. As que eu tenho na minha turma pelo
menos são esforçadas, são as que mais me procuram, são as que mais buscam
materiais porque elas precisam dar conta e chegar até onde as outras estão. Por falta
de experiência, em alguns trabalhos, elas têm dificuldades. Às vezes a produção é
até melhor de quem atua, justamente pelo esforço, dedicação e pela vontade que
elas têm de aprender. Mas, de modo geral elas têm mais dificuldades, mas acabam
meio que se superando pela força de vontade. (grifo nosso)
A T6 ressalta ainda a importância da motivação e do compromisso do estudante para
estudar. As dificuldades do processo ensino-aprendizagem são atenuadas quando há esforço
por parte do estudante, mesmo para aqueles que não podem fazer uma universidade
presencial. A convivência profissional com colegas e familiares que cursaram Pedagogia na
UDESC a distância contribuiu para que a T11 se identifique com essa modalidade de
ensino:
18
Acho que dá bastante acesso porque atinge muita gente que não poderia estar lá
todos os dias na universidade presencial, oportuniza também as pessoas que
não têm acesso mesmo pela distância física. Acredito muito na EAD, não sei se
porque presenciei muito as dificuldades e o empenho da minha irmã em fazer
UDESC. Ela não podia estar lá na universidade presencial, mas se empenhou tanto.
Também acompanhei uma professora que trabalhava na minha escola que estava o
tempo todo lendo, buscando. Aquilo me animava tanto e me fez acreditar muito na
universidade a distância. (grifo nosso)
Todavia, a melhoria da qualidade de ensino passa também pela qualidade da
estrutura física da universidade, no caso do curso de Pedagogia, na modalidade EAD da
UDESC, pela qualidade do pólo situado no município de Criciúma. A T12 destaca em seu
depoimento a necessidade de ter um campus com toda estrutura necessária, tornando a
UDESC mais presente no município, para os estudantes e tutores:
Eu acho que podia estar mais presente se tivesse um campus com uma estrutura
melhor. Tem encontro uma vez por semana, mas aonde vai ser? Em qualquer lugar
emprestado? Teria que montar esse campus então. Acho que devia centralizar
também, montar um grupo de trabalho aqui, uma equipe de assessoria para o aluno
que tratasse de questões administrativas e pedagógicas. Com tantas alunas, acho
que justificaria uma estrutura melhor para o ensino superior. (grifo nosso)
Para a T7, a falta de recursos tecnológicos no pólo de Criciúma e a metodologia
adotada pela UDESC que se materializa no estudo do caderno pedagógico, nos encontros
tutoriais e aulas presenciais; dificulta a consolidação do projeto pedagógico, uma vez que o
aprendizado autônomo realizado virtualmente acontece timidamente:
Eu aponto várias críticas do nosso pólo, as alunas quase não têm acesso à internet.
Acho que o sistema virtual seria de suma importância para esse aprendizado
autônomo que se propõe. Acho que só os cadernos, encontros tutorais e aulas
presenciais, parece que ainda não garante a proposta num todo. (grifo nosso)
O conjunto de dados apresentados até então demonstram a diversidade de olhares
que podem se constituir para a expansão da educação superior na modalidade EAD. A
mercantilização da educação, a ampliação da educação superior sem um acompanhamento
mais efetivo, a falta de recursos (humanos, tecnológicos, físicos) e mesmo um campus são
apontados como aspectos que podem comprometer a expansão da educação superior na
modalidade EAD com qualidade.
Todavía, os entrevistados destacam que o ensino presencial também poderia ter
flexibilizado um pouco mais os espaços-tempos de aprendizagem. Enfatizam a dificuldade
de fazer comparações entre o presencial e a EAD por atenderem públicos diferentes, a
ampliação da oferta de vagas desconsiderando os objetivos iniciais do projeto pedagógico
19
que seria realizar a formação em serviço.
Outros aspectos abordados pelos entrevistados, como a educação pública e privada
na modalidade EAD, a intensificação do trabalho dos tutores e estudantes e a necessidade do
comprometimento desses estudantes com o seu aprendizado nos desafiam a continuar
investigando como se materializam os projetos pedagógicos em EAD. Portanto, os tutores
manifestam as dificuldades de expandir a educação superior no Brasil sem as condições
necessárias ao bom funcionamento e qualidade das universidades.
Considerações finais
O artigo mostrou a diversidade de percepções construídas por tutores em exercício
num curso de graduação na modalidade EAD acerca da expansão da educação superior. Um
dos aspectos que chama atenção é a preocupação dos tutores com a possibilidade de
mercantilização da educação superior potencializada pela EAD.
A falta de estrutura física, a intensificação do trabalho dos tutores e o baixo nível de
comprometimento dos estudantes são ingredientes que minimizam a qualidade de ensino e
fortalecem as práticas de mercantilização da educação.
Contudo, não podemos deixar de destacar que a modalidade EAD amplia
consideravelmente as possibilidades de acesso da população à educação superior, sobretudo,
daquelas que não dispõe de tempo para freqüentar cursos presenciais. Além disso, a
modalidade EAD facilita a fixação da população mais jovem nas suas cidades de origem
uma vez que não precisam deslocar-se para os grandes centros, em busca da educação
superior.
Referências
ANUÁRIO BRASILEIRO ESTATÍSTICO DE EDUCAÇÃO ABERTA E A DISTÂNCIA:
ABRAEAD 2005. São Paulo: Instituto Monitor, 2005.
CHAUÍ, Marilena. A universidade pública sob nova perspectiva. Poços de Caldas, 26
Reunião da ANPED, 2003.
CUNHA, Maria Isabel. Tendências investigativas na formação de professores. XX
Reunião anual da ANPED. Sessão Especial.
FRIGOTTO, Gaudêncio. A educação e a crise do capitalismo real. São Paulo: Cortez,
1995.
20
GENTILI, Pablo; FRIGOTTO, Gaudêncio (Orgs.). A cidadania negada: políticas de
exclusão na educação e no trabalho. São Paulo: Cortez, 2001.
GENTILI, Pablo (Org.) Universidades na penumbra: neoliberalismo e reestruturação
universitária. São Paulo: Cortez, 2001
LAVAL, Christian. A escola não é uma empresa: o neo-liberalismo em ataque ao ensino
público. Londrina: Editora Planta. 2004.
MAUÉS, Olgaíses Cabral. Reformas internacionais da educação e formação de professores.
In: Cadernos de pesquisa. N. 118, p. 89-117, março/2003.
MORAES, Maria Célia Marcondes de (Org.). Iluminismos às avessas: produção de
conhecimento e as políticas de formação de professores. Rio de Janeiro, DP&A, 2003.
VIANNEY, João; TORRES, Patrícia; SILVA, Elizabeth. A universidade virtual no Brasil.
Tubarão: UNISUL, 2003.
Sumário
21
III CONGRESSO INTERNACIONAL DE EDUCAÇÃO UNIBAVE
“Educar na e para a diversidade”
Orleans, 06, 07 e 08 de novembro de 2008
DO LIMBO À MESA
O GARFO E SEU LUGAR NA HISTÓRIA DA CULTURA ALIMENTAR
Maurício Rafael 1
Centro Universitário Barriga Verde - UNIBAVE
TC 1G4
Resumo: Este artigo apresenta e discute o papel do garfo como utensílio doméstico de degustação de
alimentos, presente na história da alimentação. À medida que o homem evoluiu modificaram-se
também seus hábitos alimentares, bem como as ferramentas utilizadas para sua nutrição, fazendo
com que a história da cultura alimentar e da sociedade se entrelacem. Do homem das cavernas até o
contemporâneo, a necessidade de alimentar-se é um dos seus traços mais marcantes. Não apenas por
se tratar da sobrevivência, mas também por esta ser indispensável a uma qualidade de vida
satisfatória. Percebe-se nos talheres, em especial no garfo, a importância de sua funcionalidade seja
para a alimentação, ou no preparo destes, e como este utensílio se transformou num paradigma de
sofisticação dos hábitos alimentares. A proposta deste estudo é pesquisar sua história e evolução
através dos tempos e compreender como a partir de um simples objeto pode-se abranger e aprender a
evolução da sociedade; seus costumes, tradições, paradigmas – que ao longo do tempo foram
quebrados ou reconstruídos; dependendo das necessidades ou intenções de quem as põem em voga.
Palavras-chave: Garfo. Talher. História alimentar. Museu. Imigração. Etiqueta social.
INTRODUÇÃO
[...] toda a existência humana decorre do binômio estômago e sexo. A
fome e o amor governam o mundo. [...] O estômago é contemporâneo,
funcional ao primeiro momento extra-uterino. Acompanha a vida,
mantendo-a na sua permanência fisiológica. O sexo pode ser adiado,
transferido sublimado em outras atividades absorventes e compensadoras.
O estômago não. É dominador, imperioso, inadiável. [Friedrich Schiller] 2
1
Acadêmico do 5º semestre do curso de Bacharelado em Museologia, do Centro Universitário
Barriga Verde – UNIBAVE, de Orleans/SC. Estagiário da Fundação Catarinense de Cultura, no
departamento de Patrimônio Cultural, em Florianópolis/SC. E-mail: [email protected].
2
SCHILLER, Friedrich apud CASCUDO, Luís da Câmara. História da Alimentação do Brasil. São
Paulo: Universidade de São Paulo, 1983, p. 12.
III CONGRESSO INTERNACIONAL DE EDUCAÇÃO: EDUCAR NA E PARA A DIVERSIDADE
ORLEANS, 06, 07 E 08 DE NOVEMBRO DE 2008
PP. 22-32
A história da alimentação é tema de diversos trabalhos de pesquisas,
impulsionando um diálogo interdisciplinar e fazendo com que comecem a surgir publicações
cada vez mais voltadas para o estudo da evolução e do comportamento humano. Muitos
trabalhos acadêmicos abrangem processos históricos com enfoque cultural, social,
econômico, nutricional, tecnológico, ou antropológico, buscando a memória gustativa,
possibilitando articulações entre a História, Museologia, Pedagogia, Antropologia e outras
disciplinas.
Há, hoje, um interesse pela história da nutrição, fazendo com que a gastronomia
saia da cozinha e passe a ser objeto de estudo com a devida atenção ao simbólico, às
representações e às diversas formas de socialização.
Acredita-se que na Pré-História o homem teria iniciado a consumir alimentos
provenientes apenas dos locais em que habitava. Assim, naquela época, sua dieta continha
basicamente raízes e frutos. Depois desta fase, o homem passou a consumir carne crua. A
descoberta do fogo trouxe os assados e cozidos.
Entre os séculos XIV e XV não havia distinção entre faca de caça e a de mesa.
Todas eram pontiagudas e serviam para espetar os pedaços de carne nas travessas. O garfo
para a culinária, representa o que a perspectiva é para a pintura renascentista. Significa a
sofisticação do cardápio, fim das “bárbaras” tradições gastronômicas.
Quanto ao tema da etiqueta e das boas maneiras à mesa, Margaret Visser (1998) 3,
explicita que “o homem transforma o consumo do alimento, que é uma necessidade
biológica, numa necessidade cultural, usando o ato de comer como um acesso para
relacionamentos sociais”.
Na cozinha, prevaleceu a arte de elaborar os alimentos e de lhes dar sabor, prazer
gustativo e sentido. Nela, há a intimidade familiar, as relações afetivas, simbólicas, estéticas
e econômicas. Em seu interior, aparecem as relações entre homens e mulheres, de gerações,
e a distribuição das atividades que traduzem uma relação de um espaço rico em relações
sociais, num ritual mais amplo do que apenas o ato de alimentar-se.
Reconhece-se no garfo, um utensílio de grande importância de sua funcionalidade
seja para a alimentação, ou no preparo destes. Mas pouco se sabe sobre a cronologia deste
talher.
Dentro desse contexto, este artigo apresenta uma análise histórica e museológica
acerca do garfo encontrado no Museu da Imigração Conde D´Eu, em Orleans/SC, datado
3
VISSER, Margaret. O Ritual do Jantar. São Paulo: Campus, 1998, p.143.
23
aproximadamente da década de 1940 e pertencente a Ignez de Bona Sartor Macari, já
falecida, então moradora da localidade de Belvedere em Urussanga/SC e filha de imigrantes
italianos vindos da Europa.
Para tanto, utilizou-se uma revisão teórica, abordando os aspectos históricos da
alimentação e do surgimento dos talheres na nutrição. Na pesquisa exploratória foram
utilizados relatos de duas entrevistas realizadas por este acadêmico, livros, artigos e fontes
textuais retirados da internet, sobre o assunto mencionado, a fim de dar sustentação à base
teórica deste trabalho.
GARFO – DE SÍMBOLO DO PECADO A SÍMBOLO DA COMENSALIDADE
[...] o comportamento alimentar do homem distingue-se do dos animais
não apenas pela cozinha – ligada, em maior ou menor grau a uma
dietética e as prescrições religiosas -, mas também pela comensalidade e
pela função social das refeições. [Jean-Louis Flandrin] 4
O homem no seu processo evolutivo, começou a variar o cardápio alimentar
e logo que descobriu o fogo progrediu para o consumo de alimentos cozidos. Mas, cansado
de se sujar tanto e ter tanta dificuldade em comer a carne de outros animais, inventou-se os
talheres. A cultura deste utensílio e a facilidade do seu uso foi se disseminando por todo o
Ocidente e assim o homem passou a comer dentro de pratos e a cortar com faca.
A faca que conhecemos hoje provavelmente surgiu na Idade do Bronze, (a partir
de 3300 a.C). Assim, surgiram as facas de cozinha, a utilizada para comer; e para a caça. A
colher surge também neste período. “A palavra colher, cuchara (espanhol), ou cuillère
(francesa), tem sua origem no latim, que por sua vez tem origem na palavra grega, koklias,
ou concha” (FILHO). 5
O garfo foi último dos três talheres a ser inventado. Sua etimologia é proveniente
do latim graphiu, que significa “garra” (COBRA) 6. Ele só apareceu mais onipresente na
Itália, durante o século XV, na renascença italiana, “onde as boas maneiras à mesa ficaram
4
FLANDRIN, Jean-Louis; MONTANARI, Massimo. História da Alimentação. 3 ed. São Paulo:
Estação Liberdade, 1998, p.32.
5
FILHO, Moacyr Mallemont Rebello. A História da Colher. Disponível
<www.mallemont.redel.com.br/historia/colher.htm>. Acesso em: 28 de maio de 2008.
6
COBRA,
Rubem
Queiroz.
Os
Pratos
e
os
Talheres.
Disponível
<www.cobra.pages.nom.br/bmp-mesatalheres.html>. Acesso em: 28 de maio de 2008.
24
em:
em
mais refinadas e exigiam o uso de utensílios que evitassem que as mãos ficassem sujas
durante as refeições” (FLANDRIN) 7.
A partir da Renascença houve uma crescente especialização dos equipamentos
de cozinha e conseqüentemente a individualização dos utensílios de mesa em especial os
talheres.
Ewald Kislinger 8, afirma que o garfo descende do espeto e surgiu com dois
dentes. As pessoas o usavam para segurar o alimento que precisavam cortar; ou, então, para
fisgar a comida na travessa e conduzir ao prato. Só mais tarde surgiria o terceiro dente. O
hábito de tirar a comida do prato e levar à boca com o garfo também se firmaria depois de
muito tempo.
Os religiosos europeus diziam que sua forma de tridente lembrava o “forcado”
com o qual o diabo aparece na sua iconografia clássica. Criticavam igualmente a função do
garfo, “pois o alimento, era uma dádiva de Deus, e devia ser levado à boca diretamente
pelas mãos do homem, sem a intermediação de utensílios” (FLANDRIN) 9
A ETIQUETA DESCOBRE O GARFO
[...] gastronomia é um instrumento poderoso na investigação da história
do homem sobre a terra. Alimentar-se é uma das necessidades que nunca
o abandona, do nascimento à morte. É natural, portanto, que grandes
momentos da história tenham se desenrolado à mesa. Através das
disposições dos lugares, dos rituais de limpeza antes das refeições, das
comidas festivas, do modo de servir e de se portar, pode-se reconstruir
com precisão a mobilidade de uma sociedade, no que se refere a poder
político, econômico ou de gênero (patriarcal ou matriarcal). [...] a mesa
é, sem dúvida, um lugar curioso, onde todos estão armados e
perigosamente próximos um do outro. [Margaret Visser] 10
Com o descobrimento da América no final do século XV, onde se amplia a gama
de alimentos da Europa; o garfo começa a despertar maiores interesses. Em 1565, o rei
Felipe II da Espanha enviou batata americana ao papa Pio IV para combater reumatismo.
Assim raízes encontradas em abundância na América, como a cenoura, foram enviadas para
o Velho Continente. Estes alimentos eram saboreados com maior praticidade devido ao uso
do garfo, que com seus espetos afiados prendia o alimento para corte.
7
FRANCO, Ariovaldo. De Caçador a Gourmet: Uma História da Gastronomia. 3. ed. São Paulo:
SENAC, São Paulo, p. 25.
8
KISLINGER, Ewald in FLANDRIN, Jean-Louis; MONTANARI, Massimo (orgs). Op. Cit., p.326.
9
FLANDRIN, Jean-Louis; MONTANARI, Massimo (orgs). História da Alimentação. 3 ed. São
Paulo: Estação Liberdade, 1998, p.384.
10
VISSER, Margaret. O Ritual do Jantar. São Paulo: Campus, 1998, p.95.
25
Registros indicam que o talher completo só se popularizou no restante da Europa
no século XVII. Isso ocorreu graças à revolução dos napolitanos, ou melhor, dos fios do
espaguete, que acrescentou o quarto dente ao garfo, facilitando o ato de enrolar os fios do
macarrão no talher. Afinal, durante muito tempo os napolitanos comeram o espaguete com
as mãos. Não havia outro jeito. O garfo tinha apenas três dentes, não sendo prático para
degustação do macarrão.
No decorrer dos séculos os nobres foram se acostumando com a apresentação e
etiqueta à mesa. Na verdade, o preconceito só desapareceria depois da Revolução Francesa,
sendo difundida ao extremo pela burguesia que trouxe os costumes da nobreza decapitada e
mais adiante usada também pelo povo em geral, que sempre teve o anseio de ser
considerado nobre.
“[...] banquete torna-se, assim, o sinal, da identidade do grupo que se
reúne em torno de uma mesa [...] mas lembremo-nos de que a mesa
funciona não apenas como agente de agregação, mas também, de
separação e de marginalização [...] o banquete é, portanto, não apenas o
espaço por excelência onde se expressam as identidades, mas também, o
da mudança social [...]”(GIAMMELLARO) 11
NASCE
A COZINHA BRASILEIRA,
E
O
GARFO
PARTICIPA
DESSA
MISCIGENAÇÃO
Da África vieram ao Brasil a partir do século XVI, milhares de escravos trazidos
pelos portugueses para o trabalho forçado. Esses africanos e os portugueses com suas
famílias iam se misturando aos indígenas formando, desta maneira, o povo brasileiro. Nascia
também desta mescla a cozinha brasileira, miscigenação das culinárias indígena e
portuguesa e depois sofrendo influência também da culinária africana.
Quanto ao papel da cozinha portuguesa na formação da culinária tupiniquim, diz
Gilberto Freire: “A base lusitana da cozinha brasileira é comum às demais cozinhas lusotropicais – a oriental, a africana, a ameríndia –, condicionando diferentes expressões de
simbioses nesse setor” (FREIRE ) 12
11
GIAMMELLARO, Antonella in FLANDRIN, Jean-Louis; MONTANARI, Massimo (orgs). História da
Alimentação. 3 ed. São Paulo: Estação Liberdade, 1998, p.92
12
FREIRE, Gilberto apud FRANCO, Ariovaldo. De Caçador a Gourmet: Uma História da
Gastronomia. 3. ed. SENAC. São Paulo, 2004, p.35.
26
Os escravos, não podiam escolher quanto nem o que comer, por isso adaptavamse de acordo com aquilo que lhes era oferecido como sustento. Com a farinha de mandioca
adicionada ao caldo fervente descobriram o pirão. Depois, buscando aumentar a porção que
lhes era destinada, desenvolveram o pirão massapê que ganhou este nome por causa da
coloração que a pimenta malagueta dava à mistura. Em nenhum destes relatos, registrou-se o
uso do garfo como talher. A preferência continuava sendo a colher. Até que em 1808, o
cenário político-social no Brasil sofria profundas transformações:
“[...] temendo a invasão de Napoleão a Portugal, o Príncipe D. João fugiu
para o Brasil com uma caravana de aproximadamente quinze mil pessoas.
Isso motivou com que muitos ingredientes de Portugal viessem ao Brasil
para servir à corte como agradasse. Junto com esta caravana de nobres
também vieram os hábitos e utensílios sofisticados para a alimentação
[...]” (CASCUDO ) 13
Depois da proibição do tráfico de escravos, já em 1888, começou-se a incentivar
a vinda de europeus para trabalhar nos cafezais e, desta forma, outros povos com seus
hábitos e costumes começaram a influenciar a cozinha brasileira. Os italianos foram
campeões nessa contribuição à culinária com os molhos, com as sopas como o minestrone,
com as polentas, nhoques, panetones, e risotos, que aqui se popularizaram e sofreram
variações.
A ARTE DA MEMÓRIA GASTRONÔMICA NO SUL DE SANTA CATARINA – O
GARFO COMO COADJUVANTE
Na região sul de Santa Catarina, houve uma predominância de imigrantes
italianos, (o que não impediu a presença de alemães, poloneses e letos) que se estabeleceram
a princípio na colônia de Azambuja em 1877 e iniciaram a interiorização para outras
localidades:
“[...] estes colonos que acham-se na Colônia vieram do Desterro até
Morrinhos em vapores. De Morrinhos a Azambuja foram a pé, e suas
bagagens em carros puxados a boi [...] vieram migrando para Urussanga,
Criciúma, Nova Veneza e Araranguá; já em 1880 [...]” (DALL´ALBA ) 14
O avanço da colonização e por conseqüência, a derrubada de árvores fez com que
os “imigrantes defrontassem com os índios Botocudos, popularmente conhecidos como
bugres (no interior do sul de Santa Catarina) e os Guaranis da nação Carijó no
13
CASCUDO, Luís da Câmara Cascudo. História da Alimentação no Brasil. Global. São Paulo,
2004, p. 287
14
DALL´ALBA, João Leonir. Pioneiros nas Terras dos Condes. 2 ed. Orleans, 2003, p.53.
27
litoral”.(DALL´ALBA) 15. Mesmo com uma relação conflituosa, (com muitos casos de
mortes entre os dois lados), os primeiros habitantes desta terra influenciaram na alimentação
dos invasores. As índias praticavam o cultivo de mandioca, cará, milho, jerimum, amendoim
e mamão, amplamente utilizado pelos brasileiros (CASCUDO) 16
Com o progresso dos colonos, estes passaram a ter uma alimentação mais
elaborada por isso, abatiam os animais e aproveitavam boa quantidade da carne de porco
para fazer salame, e o restante conservavam cozida na banha.
No café da manhã, não faltava a polenta sapecada na chapa, salame, queijo, ovos
fritos, pão com mel, acompanhado de uma taça de vinho. O café só era servido aos
domingos ou quando chegava alguma visita.
No almoço, a sopa de feijão (minestra) com massa, arroz, batata inglesa e
condimentos. Também variavam com carne de porco ao molho, polenta, queijo, salame, pão
com mistura, salada verde, e vinho. Aos domingos preparavam a sopa de galinha recheada,
macarronada e saladas. Os doces também faziam parte da alimentação dos colonos italianos,
como, o pudim, sagu, biscoitos de massa e os bolos.
Na janta, o colono tomava a sopa, sobra do almoço, pois as mulheres preparam
sempre bastante comida durante ao meio-dia, para requentar a noite, também regado com
vinho para os adultos e leite para as crianças. 17
Segundo depoimento de Victória Raizecky Rafael, filha de imigrantes europeus
que aqui no Brasil fixaram residência na localidade de Vila Nova, município de Içara/SC, o
uso do garfo era quase nulo. Conforme sua fala:
“[...] a gente ficava o dia todo na roça, trabalhando [...] as oito horas quem
ficava em casa, minha mãe ou minhas irmãs, fazia o almoço. [...] a gente
só comia de colher, não usava nem garfo e nem faca [...] dava muito
trabalho [...] a gente não comia comida muito dura e garfo só se usava
quando tinha visita importante lá em casa, faca não se usava... nós éramos
mais acostumado com colher, e até hoje é assim [...]” 18
É interessante perceber em seu relato, o cardápio das refeições, que se assemelha
com as refeições dos italianos e até dos negros:
“[...] em casa tinha pão, tinha o cavaquinho, sopa de macarrão, até uma
farofa de ovo, com farinha e açúcar, que a gente comia junto com o café
15
Idem, p. 168.
CASCUDO, Luís da Câmara Cascudo. História da Alimentação no Brasil. Global. São Paulo,
2004, p. 329.
17
CASCUDO, Luís da Câmara Cascudo. História da Alimentação no Brasil. Global. São Paulo,
2004, p. 412
18
Victória Raizeck Rafael, 80 anos. Entrevista concedida ao autor em 29/06/2008.
16
28
[...] a nossa comida era feita no fogão a lenha [...] nós botávamos o feijão
para cozinhar num gancho em cima desse fogão, e se era polenta, a gente
cozinhava na brasa e fazia do lado [...] a gente matava porco, fazia salame,
pendurava perto da fumaça , tudo produzido em casa... milho, feijão,
arroz[...]” 19
Curioso também é maneira com eram feitas a limpezas dos talheres naquela
época, para impedir a oxidação destes utensílios, geralmente compostos de ferro, material
barato e mais usado antes da utilização do aço-inoxidável:
“[...] as colheres, o garfo... a gente pra ariar, tinha que fazer com uma
areinha que tinha do lado da estrada. A gente juntava e ariava porque as
colheres enferrujavam por serem de ferro [...] e a nossa panela de fazer
polenta também era de ferro. Depois que eu me casei, começou a aparecer
garfo, faca de aço, aí ficou mais fácil pra limpar [...]20.
Atualmente, reproduções dos muitos modelos de garfos existentes fazem parte
do acervo de vários museus, como o Museu da Imigração Conde D´Eu, em Orleans/SC, no
qual foi realizada a pesquisa inicial do objeto escolhido. Talheres pertencentes a Ignez de
Bona Sartor Macari, natural da localidade de Belvedere em Urussanga/SC, e doados para a
instituição por sua neta, Fabiana Just Cataneo, quando esta atrabalhava na instituição.
[...] eu doei, não lembro bem, se foram três ou quatro garfos. Faz uns três
anos mais ou menos, e a doação aconteceu pelo fato de quando eu e
outros colegas fomos montar uma exposição na Casa de Pedra,
organizando a mesa, a gente se deparou com um problema que foi a falta
de garfos no acervo do museu [...] 21
Pelo que se observou, e a partir dos dois depoimentos colhidos, estas peças
deveriam ser usadas somente em ocasiões especiais, como casamentos, visitas; pois na
região era mais comum o uso de garfos, facas e colheres de formatos mais simples. Costume
este muito aplicado até hoje em famílias do interior, onde os utensílios mais bonitos ficam
guardados para serem usadas em ocasiões ilustres.
DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
É notório como a história e a evolução do garfo (assim como a da faca e da
colher), está atrelada com a evolução da etiqueta social alimentar, simbolizando uma cultura
19
Idem.
Victória Raizeck Rafael, 80 anos. Entrevista concedida ao autor em 29/06/2008.
21
Fabiana Justi Catâneo, 30 anos. Entrevista concedida ao autor em 30/05/2008.
20
29
de estratificação social, separando a aristocracia das pessoas menos abastadas. O que não
difere muito atualmente, pois para o uso destes utensílios, exige-se um padrão de
manipulação, o que certamente não está ao alcance das classes menos favorecidas
economicamente.
O uso do talher estava (e está) ligado aos hábitos corporais, que são apenas uma
das expressões da civilização, das “boas maneiras” propagadas pelo colonizador europeu, da
polidez, do urbano, do civilizado, do educado. Um ideal da classe média burguesa e da
aristocracia em toda a Europa, representando a vontade da sociedade, como uma qualidade
específica do comportamento humano, o refinamento de boas maneiras sociais.
O garfo que foi desenvolvido com o simples objetivo de segurar alimentos e
facilitar o preparo gastronômico e a alimentação em si derivou-se ao longo do tempo em
vários utensílios (espeto, garfo para peixe, garfo para carne...), que dificultara ou facilitara –
dependendo do ponto de vista – o manuseio destes pela população; e servindo até de objeto
de status social.
Na região sul de Santa Catarina, isto não se difere, tendo em vista que este objeto
teve sua difusão com a chegada do representante da família real brasileira (Conde D´Eu),
num momento em que coincidia com a chegada dos imigrantes europeus que perpetuaram o
uso dos talheres na região, que ao contrário dos habitantes nativos destas terras, os índios
Botocudos, usavam apenas as mãos para se alimentarem.
Mas o importante a ressaltar neste estudo, e já citado na introdução, é de como a
partir de um simples objeto pode-se abranger a evolução da sociedade, seus costumes,
tradições, paradigmas – e que ao longo do tempo foram quebrados ou reconstruídos;
dependendo das necessidades ou intenções de quem as põem em voga.
Portanto, concordo com Chagas 22 na sua pontuação sobre a importância da
pesquisa como função básica dos museus:
“[...] os museus também são casas de comunicação e de investigação [...]
um museu só se completa quando desenvolve essas funções básicas [...]
por isso insisto em dizer que os museus são casas de pesquisa [... faz parte
da identidade dos museus [...]”.
Como “guardiões de objetos”, os museus têm a importância não só de
salvaguardar, mas de incitar a pesquisa destas peças, afim de que se possa compreender
melhor um acontecimento, uma época, ou até desmistificar paradigmas estabelecidos sobre
algo que a falta de um aprofundamento de estudos permita distorções e variações duvidosas.
22
CHAGAS, Mário in GRANATO, Marcus; SANTOS, Cláudia Penha. MAST Colloquia vol.7 –
Museu: Instituição de Pesquisa. Rio de Janeiro, 2005.
30
Nas entrevistas realizadas também é perceptível com as lembranças, tanto
gustativas, quanto emocionais vêm à tona com a simples invocação de um objeto que denota
a lembrança de uma prática familiar e social. E essas mesmas lembranças são indicadores
para o entendimento de uma realidade que pode estar distante, tanto fisicamente quanto
temporalmente.
Os hábitos alimentares de grupos sociais, práticas estas distantes ou recentes que
podem vir a constituírem-se em tradições culinárias, fazem com que o indivíduo se
considere inserido num contexto sociocultural que lhe outorga uma identidade, reafirmada
pela memória gustativa.
REFERÊNCIAS
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CASCUDO, Luís da Câmara Cascudo. História da Alimentação no Brasil. São Paulo:
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GRANATO, Marcus; SANTOS, Cláudia Penha. MAST Colloquia 7 – Museu: Instituição
de Pesquisa. Rio de Janeiro: 2005.
31
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SOARES, Edvaldo. Metodologia Científica – Lógica, Epistemologia e Normas. Campos
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2008.
VISSER, Margaret. O Ritual do Jantar. 2. ed. São Paulo: Campus, 1998.
Sumário
32
III CONGRESSO INTERNACIONAL DE EDUCAÇÃO UNIBAVE
“Educar na e para a diversidade”
Orleans, 06, 07 e 08 de novembro de 2008
APOIO EDUCACIONAL À INCLUSÃO DO ACADÊMICO COM NECESSIDADE
ESPECIAL NO ENSINO SUPERIOR
Roberto Pacheco
Márcia V. M. Nunes
Sara dos Santos Reis
UNISUL – [email protected]
TC 3C4
Resumo: Este artigo é um estudo retrospectivo sobre a organização do apoio à inclusão do
acadêmico com necessidade especial realizado pelo Programa de Promoção da Acessibilidade da
Universidade do Sul de Santa Catarina, em Tubarão, SC. Institucionalizado em 2005, esse
programa atua nos eixos de acessibilidade atitudinal, arquitetônica, comunicacional, metodológica,
instrumental e programática. Atualmente acompanha 35 acadêmicos com necessidades especiais
(deficiência física, auditiva, visual, intelectual, conduta típica e transtornos neurológicos). O apoio
à inclusão destes acadêmicos envolve a identificação e o acolhimento, avaliação das barreiras e
adaptações curriculares, atendimento educacional especializado, atividades informativas e
formativas em toda a universidade.
Palavras-chave: Inclusão. Acessibilidade. Necessidade especial. Deficiência. Ensino Superior.
Introdução
A partir do trabalho desenvolvido pelo curso de Habilitação em Educação Especial
da Faculdade de Pedagogia 1 e seu respectivo Laboratório, entre os anos de 2002 e 2004,
verificou-se na Universidade do Sul de Santa Catarina, na cidade de Tubarão, a presença
de acadêmicos com necessidades especiais que não tinham seus direitos educacionais
assistidos. Com base nessa demanda, começou a ser criado o Programa de Promoção da
Acessibilidade, a partir do seguinte problema: como criar uma rede de apoio institucional à
inclusão do acadêmico com necessidade especial?
Nossa experiência no campo da educação especial e da saúde permitia compreender
que, para garantir a inclusão, não bastavam ações isoladas, centralizadas no acadêmico
III CONGRESSO INTERNACIONAL DE EDUCAÇÃO: EDUCAR NA E PARA A DIVERSIDADE
ORLEANS, 06, 07 E 08 DE NOVEMBRO DE 2008
PP. 33-43
com necessidade especial, descontextualizadas da história política e administrativa da
universidade. Nesse sentido, o Programa estabeleceu como objetivo criar uma cultura
inclusivista no âmbito universitário. Para isso, precisava desenvolver ações sistemáticas
com os diversos setores e atores institucionais, atingindo macro e micro estruturas
institucionais. Porém, como iniciar esse processo?
Os principais desafios eram o desconhecimento sobre a prevalência dos acadêmicos
com necessidades especiais e as barreiras enfrentadas por eles, a ausência de recursos, a
invisibilidade do tema no âmbito universitário e a carência teórica e científica na política e
na legislação acerca da inclusão no ensino superior. Nesse contexto, o primeiro passo foi
avaliar a prevalência de alunos com deficiência e as barreiras institucionais. O segundo,
garantir a legitimidade do programa dentro da universidade. O terceiro, estruturar um
fluxograma de ações prioritárias. E, por fim, o quarto passo, estabelecer uma metodologia
e uma rotina de trabalho para o apoio educacional ao aluno com necessidade especial. A
relevância da inclusão educacional transcende às exigências legais e sociais, como a
necessidade de garantir dignidade, conhecimento e formação para o trabalho. Desta forma,
a inclusão educacional da pessoa com necessidade especial deve ser compreendida como
um importante exercício para começarmos aprender a conviver com a diversidade, lutando
pela igualdade de oportunidades e, conseqüentemente, por um futuro mais humano e justo.
1 Considerações teóricas, metodológicas e resultados
1.1 Necessidade especial e deficiência no Brasil
Pessoa com necessidade especial é aquela que apresenta, em caráter permanente ou
temporário, alguma deficiência física, sensorial, cognitiva, múltipla, condutas típicas ou
altas habilidades, necessitando de recursos especializados para desenvolver plenamente o
seu potencial e/ou superar ou minimizar suas dificuldades (BRASIL, 1994).
Desta forma, necessidade especial engloba as diferentes formas de deficiência,
porém não se limita a elas. Assim, pode-se dizer que a deficiência é uma necessidade
especial, mas nem toda necessidade especial é uma deficiência. Segundo a Organização
Mundial da Saúde – OMS (2001), deficiência é uma condição relacionada com a restrição
ou perda das funções ou da estrutura anatômica, fisiológica ou psicológica do corpo
1
Esta habilitação foi extinta.
34
humano. O Decreto Federal 5296, de 2 de dezembro de 2004, destaca que deficiência
corresponde a uma limitação ou incapacidade para o desempenho de atividades nas
seguintes categorias:
a) Deficiência física: alteração parcial ou completa de um ou mais seguimentos do
corpo humano, de forma a comprometer o funcionamento da produção física
(exceto deformidades estéticas);
b) Deficiência auditiva: perda da capacidade de escutar os sons, bilateral, total ou
parcial, acima de 40dB, comprovada por audiograma;
c) Deficiência visual: envolve a cegueira, em que a acuidade visual é igual ou
inferior a 0,05 no melhor olho, após correção óptica; e a baixa visão, em que a
acuidade visual fica entre 0,3 e 0,05 no melhor olho, após correção óptica;
d) Deficiência mental (intelectual): funcionamento intelectual significativamente
inferior à média, com início antes dos 18 anos de idade, associado a dificuldades
em duas ou mais condutas adaptativas, ou seja, comunicação, cuidado pessoal,
habilidades sociais, utilização dos recursos da comunidade, habilidades acadêmicas,
segurança, saúde, lazer e trabalho;
e) Deficiência múltipla: associação de duas ou mais deficiências citadas
anteriormente.
Estas deficiências englobam diferentes formas clínicas e especificidades que,
conseqüentemente, geram diferentes necessidades individuais. Assim, por exemplo,
uma deficiência física do tipo paraplegia (perda dos movimentos das pernas)
envolve características e necessidades totalmente diferentes de uma amputação de
membros superiores. Da mesma forma uma deficiência auditiva neurossensorial
(por lesão na cóclea e/ou nervo vestíbulo-coclear) é diferente de uma deficiência
auditiva do tipo central (por lesão ou disfunção em áreas neurológicas responsáveis
pelo processamento auditivo). No Brasil, em 2000, tínhamos uma população de
14,5% de pessoas com deficiência. Desta população, a maior parte (47, 2%) estava
no grupo etário entre 30 e 59 anos de idade (IBGE - Censo Demográfico, 2000).
Em relação à escolaridade média, a pessoa com deficiência estudava em torno de
um ano a menos que a pessoa sem deficiência, sendo que 21,6% nunca
freqüentaram escolas. Em 2000, Santa Catarina tinha 14,1% de pessoas com
deficiência, constituindo-se, assim, no décimo sétimo estado brasileiro com maior
prevalência de pessoas com deficiência. Além das deficiências, existem outras
necessidades especiais que, muitas vezes, demandam atenção e mudanças
35
institucionais por parte da universidade. Entre elas, temos a conduta típica, ou seja,
“manifestações comportamentais típicas de portadores de síndromes e quadros
psicológicos,
neurológicos
ou
psiquiátricos
que
ocasionam
atrasos
no
desenvolvimento da pessoa e prejuízos no relacionamento social, em grau que
requeira atendimento educacional especializado”(BRASIL, 1994).
1.2 Acessibilidade e inclusão educacional no Brasil
A exclusão social e a luta pelo direito à dignidade da pessoa com deficiência são
movimentos antagônicos que fazem parte da história da humanidade desde a antiguidade.
Historicamente alguns movimentos sociais e políticos do século XX foram
fundamentais para o aprofundamento da discussão sobre o direito à acessibilidade e
inclusão social e educacional da pessoa com necessidades especiais, entre eles a
Declaração dos direitos das pessoas deficientes (1975), resolução aprovada pela
Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas - ONU, quando se estabeleceu que
as pessoas com e sem deficiência deveriam ter os mesmos direitos; Declaração de
Salamanca (1994), evento realizado na Espanha, que discutiu e definiu diretrizes para a
promoção de uma educação para todos; Convenção de Guatemala (1999), ação
Interamericana para a eliminação de todas as formas de discriminação contra as pessoas
com deficiência; Carta para o Terceiro Milênio (1999), encontro realizado em Londres,
solicitando que governos e sociedades se mobilizassem para defender os direitos da pessoa
com deficiência e a Declaração Internacional de Montreal (2001), congresso realizado no
Canadá, que defendeu a inclusão social como a essência do desenvolvimento social
sustentável.
Atualmente, a inclusão no ensino superior é orientada basicamente pela Portaria nº
3.284, de 7 de novembro de 2003, e pelo Decreto Federal 5.296, de 2 de dezembro de
2004. O primeiro documento estabelece requisitos de acessibilidade para instruir os
processos de autorização e reconhecimento de cursos e de credenciamento de instituições,
orientando as instituições de ensino superior a promover, sobretudo, acessibilidade
arquitetônica, produção de recursos e de materiais adequados e flexibilização curricular
para os acadêmicos com deficiência física, visual e auditiva, ficando de fora outras
deficiências e necessidades especiais. O segundo, define acessibilidade como a
possibilidade de a pessoa com deficiência e/ou com mobilidade reduzida utilizar, com
segurança e autonomia, total ou assistida, os espaços, mobiliários e equipamentos urbanos,
das edificações, dos serviços de transporte e dos dispositivos, sistemas e meios de
36
comunicação e informação. Em seu Art. 24, define que as escolas, de qualquer nível, etapa,
modalidade e natureza, proporcionem aos acadêmicos com deficiência ou mobilidade
reduzida, condições de acesso e utilização de todos os seus ambientes e compartimentos,
bem como coloquem à disposição de professores e funcionários as ajudas técnicas
necessárias para garantir ao acadêmico com necessidade especial o acesso às atividades
escolares e administrativas em condições de igualdade em relação aos demais acadêmicos.
Para isso, é necessário eliminar as barreiras, ou seja, os entraves ou obstáculos que limitam
ou impedem o acesso, a liberdade de movimentação, a circulação com segurança e a
possibilidade de as pessoas se comunicarem ou terem acesso à informação (Brasil, Decreto
5.296/2004). Desta forma, a eliminação das barreiras seria uma forma de apoio à inclusão
social e educacional da pessoa com necessidade especial.
Alguns documentos legais na área da educação especial para o ensino básico são
aplicados para o planejamento da inclusão no ensino superior, como as diretrizes nacionais
de educação especial na educação básica (2001) e a atual política nacional de educação
especial na perspectiva inclusiva (2007). No que diz respeito à inclusão no ensino superior,
deve-se compreender que incluir não significa apenas aceitar a diferença ou fazer pequenos
ajustes curriculares, mas se transformar para se ajustar à diversidade.
[...] o processo de inclusão tem uma amplitude que vai além da inserção
de alunos considerados especiais na classe regular, e de adaptações
pontuais na estrutura curricular. Inclusão implica em um envolvimento
de toda a escola e de seus gestores, um redimensionamento de seu
projeto político pedagógico, e, sobretudo, do compromisso político de
uma re-estruturação das prioridades do sistema escolar (municipal,
estadual, federal ou privado) do qual a escola faz parte, para que ela
tenha as condições materiais e humanas necessárias para empreender
essa transformação (GLAT, 2003, p. 33).
Moreira (2005) destaca que as dificuldades para a universidade pública brasileira
efetivar uma educação inclusiva e democrática está, em parte, associada à sua história
exclusivista. Desta forma, a universidade precisa ampliar o significado da sua função social
e garantir o direito à educação e à igualdade de oportunidades àqueles que
tradicionalmente não puderam fazer parte desse cotidiano escolar. Em 2005, 11.999
brasileiros com necessidades especiais estavam matriculados em algum curso superior,
10.500 tinham algum tipo de deficiência, sendo 3.948 física, 3.418 visual, 2.428 auditiva,
515 múltipla e 225 mental (MEC/INEP - Censo Superior, 2005). Esses dados demonstram
o aumento do ingresso de pessoas com deficiência no ensino superior e a tendência desta
realidade ser cada vez mais comum na universidade brasileira. Porém, faltam dados
37
científicos sobre as barreiras, políticas e as estratégias educacionais estabelecidas pelas
universidades para esse novo paradigma.
1.3 Metodologia
A inclusão da pessoa com necessidade especial na Universidade do Sul de Santa
Catarina, em Tubarão, começou a ser discutida com maior ênfase a partir de 2002, com a
identificação de alguns alunos com necessidades especiais que não estavam tendo seus
direitos garantidos.
Como resultado dessas discussões, em 2004 começou a ser estruturado o Programa
de Promoção da Acessibilidade. A metodologia utilizada para estruturar esse programa e,
conseqüentemente, a rede de apoio à inclusão do acadêmico com necessidade especial,
envolveu: pesquisa sobre a prevalência de alunos com necessidades especiais, através de
entrevistas com as coordenações de cursos; identificação das barreiras institucionais,
através de entrevistas com os alunos com necessidades especiais e seus professores, e
observação direta e indireta do campus, com base na NBR 9050, da Associação Brasileira
de Normas Técnicas; elaboração e apresentação à direção da universidade do projeto para
criação do Programa como um serviço institucional, visando a garantir a captação de
recursos para o apoio à inclusão dos acadêmicos com deficiência; criação de uma
metodologia sistemática de trabalho capaz de garantir a efetivação de ações para a
promoção da acessibilidade em seus diferentes eixos (atitudinal, arquitetônica,
comunicacional, metodológica, instrumental e programática), com base, sobretudo, no
projeto Escola Viva: garantindo o acesso de todos os alunos à escola (2000), Portaria 3.284
de 2003, Decreto Federal 5.296 de 2004 e na política nacional de educação especial na
perspectiva inclusiva (2007).
1.4 Resultados
As principais barreiras institucionais identificadas no início do nosso trabalho, em 2004,
foram:
a) Arquitetônicas – o campus universitário, sobretudo, em relação à área externa e
às construções mais antigas, não apresentava, em vários pontos, rampas de acesso,
vagas exclusivas nos estacionamentos, banheiros adaptados, pisos regulares e
adequação dos materiais e utensílios em salas e corredores (carteiras, cadeiras,
bebedouros, lixeiras, extintores de incêndio, entre outros);
b) Comunicacionais – inadequação no acesso às informações e poluição visual;
38
c) Metodológicas e instrumentais – ausência de recursos, materiais e estratégias de
ensino adequadas em sala de aula;
d) Atitudinais – diversas manifestações de preconceito e atitudes de menos valia em
relação aos acadêmicos com deficiência.
Para melhorar as condições de acessibilidade e inclusão, os acadêmicos com
necessidades especiais e alguns de seus professores sugeriram: adotar ações para auxiliar o
aluno com deficiência em suas dificuldades; melhorar as condições arquitetônicas do
campus e desenvolver um trabalho de formação com alunos, funcionários e professores.
Nesse sentido, verificou-se que a inclusão está diretamente relacionada com a criação de
uma rede de apoio, envolvendo pesquisa, ensino e extensão, sendo necessário o adequado
planejamento do espaço físico, dos serviços e do processo de ensino. Com base nesses
dados, elaboramos um projeto visando a atuar nos diferentes eixos de acessibilidade
(atitudinal, arquitetônica, comunicacional, metodológica, instrumental e programática),
com objetivo de criar uma rede de apoio à inclusão do acadêmico com necessidade
especial, estimulando a cultura inclusivista no âmbito da universidade. Tal projeto foi
institucionalizado em julho de 2005 através do Fórum Sul Brasileiro sobre cidadania:
acessibilidade - direito à locomoção digna. Após a institucionalização, o Programa
começou a fazer parte da Gerência de Ensino, Pesquisa e Extensão (Gepex) da
universidade.
Atualmente, o Programa funciona estrategicamente na biblioteca e conta com uma
equipe composta por três profissionais, um estagiário e voluntários. Em relação à atual
metodologia e rotina de trabalho para o apoio à inclusão do acadêmico com necessidade
especial, atuamos nos seguintes níveis:
a) Processo de identificação e acolhimento do acadêmico com deficiência – no
início de cada semestre, o Programa acompanha a matrícula de calouros e
veteranos2 e faz contato com as coordenações de curso para verificar o ingresso ou
a saída de alunos com deficiência ou situações de mobilidade reduzida.
b) Avaliação das barreiras e adaptações de grande e de pequeno porte 3 – após a
identificação de acadêmicos com necessidades especiais, o Programa realiza a
avaliação das principais dificuldades encontradas e das necessidades educacionais
específicas para cada caso. Também são realizadas, durante cada semestre,
2
Foi inserido, na ficha de matrícula, um campo para declaração de deficiência. Todo aluno que declara ter
alguma deficiência é apresentado ao Programa.
3
Ver Projeto Escola Viva – Garantindo o acesso de todos os alunos à escola (Brasília, MEC/SEE, 2000).
39
observações diretas e indiretas de vários setores da universidade para avaliação das
condições de acessibilidade arquitetônica e comunicacional.
c) Processo de informação e de formação humana e profissional – são
desenvolvidas em cada semestre várias atividades informativas/formativas, como
palestras, mini-cursos e oficinas com diferentes setores e atores da instituição,
conforme necessidades e prioridades identificadas. Por exemplo, ao identificarmos
que estavam sendo depositados vários materiais nos banheiros adaptados,
desenvolvemos uma oficina com a equipe da limpeza. Também participamos e
desenvolvemos campanhas de conscientização sobre os direitos sociais da pessoa
com deficiência.
d) Atendimento Educacional Especializado – esse atendimento é individual e ocorre
nos turnos em que o acadêmico não tem aula. O atendimento compõe orientação
para o estudo e para a vida acadêmica, monitoria de conteúdo através do projeto
“aluno tutor”(projeto em que um acadêmico acompanha e auxilia nos conteúdos em
que o aluno com necessidade especial está encontrando dificuldade 4), orientação
familiar, entre outros. Atualmente o Programa tem cadastrado trinta e cinco alunos
com necessidades, especiais, sendo um com deficiência mental; um com conduta
típica (Síndrome de Asperger); cinco com baixa visão; seis com surdez; dezesseis
com deficiência física (amputação, hemiplegia, paraplegia, má formação congênita
e paralisia cerebral); e seis com doenças neurológico-psiquiátricas que causam
alguma limitação física. Destes, todos necessitaram de algum tipo de adaptação
curricular de grande ou de pequeno porte, e cinco são atendidos semanalmente no
atendimento educacional especializado. Temos conseguido conquistas no plano
espacial, ou seja, melhorias e reformas arquitetônicas de pontos inacessíveis; no
plano programático, como a implantação das diretrizes institucionais para
acessibilidade e a inclusão do eixo acessibilidade no novo Plano Diretor Físico da
Instituição (que está projetando a ampliação da universidade para as próximas
décadas); e no plano pedagógico, como o trabalho de formação continuada com
diversos atores institucionais e adaptações curriculares para o ensino em sala de
aula com alguns acadêmicos.
4
O aluno tutor deve ter bom desempenho acadêmico e ser da mesma sala, curso ou área do conhecimento do
aluno com deficiência.
40
Considerações finais
O apoio à inclusão do acadêmico com necessidade especial no ensino superior
requer ações de extensão, ensino e pesquisa, envolvendo os diferentes setores e atores
institucionais. Nesse sentido, o foco tem de ser a instituição e não o acadêmico em si, ou
seja, é necessário reavaliar e modificar conceitos, discursos, normas e práticas
institucionais, e não apenas prestar atenção educacional especializada ao acadêmico,
embora esta atenção seja importante em relação à promoção de igualdade de oportunidades
para acesso ao conhecimento.
As barreiras institucionais verificadas entre 2005 (período de institucionalização do
Programa) e 2008 são, direta ou indiretamente, geradas e/ou sustentadas pela
desinformação, ingenuidade, invisibilidade e preconceito. Dito de outra forma, a barreira
existe porque alguns atores institucionais não têm informação sobre o que é e como fazer
acessibilidade, refletindo tanto um desconhecimento tanto dos direitos da pessoa com
deficiência, quanto das normas técnicas para a promoção da acessibilidade; desenvolvem
ações para a promoção da acessibilidade, sem preocupação teórica e técnica, como, por
exemplo, fazem rampas fora das normas técnicas e em locais não prioritários para a
instituição; não reconhecem a necessidade da acessibilidade como algo legítimo na
universidade, ou seja, as pessoas com deficiência são invisíveis para esses atores; são
contrários ao conceito de acessibilidade, deixando transparecer em discursos e atitudes que
não devem existir medidas específicas e/ou diferenciadas para a pessoa com deficiência
dentro da universidade. Diante dessa realidade, são necessárias ações gradativas e
sistemáticas nos ambientes físicos e seus compartimentos, nos serviços e na prática
pedagógica, garantindo que a pessoa com necessidade especial possa acessar e utilizar
autônoma e plenamente a universidade.
Referências
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Livro 1. Brasília: SEESP, 1994.
________. Senado Federal. Decreto n° 5.296/2004 – regulamenta as Leis n° 10.048/2000
e Lei n° 10.098/2000. Brasília: Senado Federal, 2005.
________. Senado Federal. Lei nº 9.394/96 - Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
Brasília: Senado Federal, 2004.
41
________. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística. Censo Demográfico 2000. Brasília: IBGE, 2000. Disponível em:
http://www.ibge.gov.br/home/. Acesso em: 05 set. 2008.
________. Ministério da Educação e Cultura. Censo Superior 2005. Brasília: MEC/INEP,
2005. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/brasil.pdf. Acesso em: 05
set. 2008.
________. Ministério da Educação. Diretrizes nacionais para a educação especial na
educação básica. Secretaria de Educação Especial – MEC, SEESP, 2001.
________ Decreto nº 3.956 de 8 de Outubro de 2001.Convenção da Organização dos
Estados Americanos - Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas
de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência, Guatemala, 1999.
Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/txt/dec_def.txt. Acesso em: 05 set.
2008.
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 9050: Acessibilidade a
edificações, mobiliário, espaços e equipamentos urbanos. Rio de Janeiro, 2004.
__________. Ministério da Educação e Cultura. Portaria nº 3.284 de 7 de Novembro de
2003.
BRASÍLIA, Ministério da Educação, Secretaria de Educação Especial. Projeto Escola
Viva – Garantindo o acesso de todos os alunos na escola, 2000.
CARTA PARA O TERCEIRO MILÊNIO. Assembléia Governativa da Rehabilitation
International, aprovada em 9 de setembro de 1999. Londres, Grã-Bretanha. Disponível
em: http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/txt/dec_def.txt. Acesso em: 05 set. 2008.
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com a Fundação Banco do Brasil. Retratos da deficiência no Brasil. Disponível em:
http://www.fgv.br/cps/deficiencia_br/PDF/PPD.
DECLARAÇÃO DOS DIREITOS DAS PESSOAS DEFICIENTES. Resolução aprovada
pela Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas em 09 de Dezembro de 1975.
Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/txt/dec_def.txt. Acesso em: 05 set.
2008.
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Necessidades Educativas Especiais. Resolução das Nações Unidas, 1994. Disponível em:
http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/txt/dec_def.txt. Acesso em: 05 set. 2008.
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Internacional "Sociedade Inclusiva", Canadá. Aprovada em 5 de junho de 2001.
Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/txt/dec_def.txt. Acesso em: 05 set.
2008.
GLAT, Rosana; FERREIRA, Júlio Romero. Panorama Nacional da Educação Inclusiva
no Brasil. Rio de Janeiro: Banco Mundial, 2003.
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ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Classificação
funcionalidade, incapacidade e saúde. Genebra: OMS, 2001.
internacional
de
MOREIRA, Laura Ceretta. (ex)clusão na universidade: o aluno com necessidades
educacionais especiais em questão. Revista Educação Especial - Departamento de
Educação Especial do Centro de Educação da UFSM/Rio Grande do Sul. Edição nº 25,
2005.
Sumário
43
III CONGRESSO INTERNACIONAL DE EDUCAÇÃO UNIBAVE
“Educar na e para a diversidade”
Orleans, 06, 07 e 08 de novembro de 2008
FILOSOFAR PARA EDUCAR NA E PARA DIVERSIDADE
Rafael Uliano
UNIFEBE – [email protected]
TC 1E3
Resumo: O Ensino de Filosofia nas escolas, bem como o “saber pelo saber” vem sendo desprezado
com o passar do tempo. A falta de criatividade por parte dos docentes, ou seja, a falta do uso da
prática ligada à teoria no ensino de Filosofia na diversidade de público apresentada atualmente, pode
ser a causa de tanto desinteresse pela arte do pensar lógico, sistemático, concatenado. Pensar é uma
atividade do intelecto humano, dessa forma, todos em pleno gozo de juízo mental, podem desfrutar
da arte do saber. Filosofar é um deleite, haja vista que não prioriza um aspecto, mas analisa crítica e
racionalmente os princípios fundamentais de todo universo.
Palavras-chave: Ensino de Filosofia. Reflexão Filosófica. Logicidade. Diversidade.
1 Introdução
Neste trabalho, querem-se abordar as questões intrínsecas ao modelo de ensino,
adotado hoje por grande parte dos educadores. Essa abordagem, de início, se dá com o
intuito de buscar novos modelos de educação para um melhor aprendizado por parte da
diversidade discente, haja vista que o paradigma que hoje se dispõe, em grande parte, possui
fundamentos no modelo tradicional de educação, que por vezes até excluí.
A partir de uma nova experiência de ensino pretende-se despertar na consciência dos
alunos e dos professores de outras áreas, a importância do estudo de Filosofia, de modo que
o aluno esteja apto a organizar suas idéias de maneira sistemática, lógica e concatenada,
aplicando objetividade no seu modo de filosofar.
Com o auxílio de filmes, trabalhos em campo, uso dos meios de comunicação para
prática e análise de textos de cunho filosófico, exposições com aplicação do método da
III CONGRESSO INTERNACIONAL DE EDUCAÇÃO: EDUCAR NA E PARA A DIVERSIDADE
ORLEANS, 06, 07 E 08 DE NOVEMBRO DE 2008
PP. 44-51
maiêutica 1 – pretende-se que os alunos percam o constrangimento de expressar-se em
público, mesmo aqueles com alguma deficiência, de modo que a disciplina de Filosofia seja
um atrativo para todos.
Justifica-se a idéia deste trabalho, pela importância de despertar um “novo”
entusiasmo nos alunos e professores, para o estudo de Filosofia. Observada muitas vezes
como a disciplina que não tem prestígio, que não reprova aluno, que não é cobrada no
vestibular, que é coisa de “iluminado”, a Filosofia vem passando por um processo de
desencantamento.
A idéia de propor a prática, intimamente ligada aos elementos teóricos da Filosofia, o
“saber pelo saber”, também faz parte do conjunto de novidades, se assim pode-se dizer, que
se busca com a aplicação posterior deste trabalho de inclusão (agora da disciplina). O
objetivo é que com a Filosofia se possa também educar na e para diversidade e não apenas
para um grupo seleto de admiradores da beleza do pensar.
Dentro de uma nova perspectiva do ensino de Filosofia, pretende-se despertar nos
alunos e professores das diversas áreas da educação, a grande importância da reflexão
filosófica. Deseja-se que os discentes estejam aptos a organizarem suas idéias de maneira
sistemática e lógica, dando objetividade ao seu modo de filosofar e dizendo não ao senso
comum, aos pré-conceitos, aos pré-juízos, aos fatos e às idéias da experiência cotidiana, ao
estabelecido, lançando sempre uma interrogação sobre o que são as coisas, as idéias, os
fatos, as situações, os comportamentos, os valores.
2 Ensino de Filosofia
O Ensino de Filosofia nas escolas, como já é sabido por muitos, passa por
dificuldades ainda hoje. Trata-se de um reflexo dos anos em que fora censurado pela
ditadura militar no Brasil (1964-1984). O que se pode observar hoje é um desinteresse pela
disciplina. Esta é tida, por muitos, como a ideal para os que cultivam o ócio.
Antes de qualquer coisa, é importante ressaltar que a Filosofia possui papel
formativo diante do ser humano. Cai-se muitas vezes no tecnicismo, quando se vê a escola
como lugar de puro ensino e aprendizagem, ou seja, profissionalizante. Entretanto, que
qualificação técnica, profissionalização haverá, se não houver simultaneamente formação?
1
Criada por Sócrates no século IV a.C., a maiêutica é o momento do "parto" intelectual da procura da verdade
no interior do homem.
45
Segundo Severino (2004, p. 15), tal formação, “é o amadurecimento, o
desenvolvimento dos estudantes como pessoas humanas. Quando nós nos damos conta do
sentido de nossa existência, quando tomamos consciência do que viemos fazer no planeta,
do porque nós vivemos”.
A escola precisa sempre estar cumprindo uma tarefa com foco duplo, ou seja,
desenvolver a inteligência do aluno e ao mesmo tempo sua subjetividade, no âmbito das
questões éticas, sociais, mesmo que essas se apresentem num amplo campo de diversidade.
Não basta a integridade física, biológica, o bom funcionamento orgânico, as
forças instintivas para uma adequada condução da vida humana. Sem a vivência
subjetiva, continuamos como qualquer outro ser vivo puramente natural, regido
por leis pré-determinadas [...], sem possibilidades de escolhas, sem flexibilidade
no comportamento (SEVERINO, 2004, p. 15).
A Filosofia colaborará muito com os alunos, ajudando-os a situar-se dentro da
perspectiva de um mundo competitivo e globalizado que se vivencia na contemporaneidade.
Formar cidadãos críticos é tarefa dessa disciplina. Eis por que não se pode haver formação
das pessoas, sem que haja o exercício filosófico.
[...] os conhecimentos científicos não podem expressar uma razão para nossas
escolhas existenciais [não são capazes de nos proporcionar formação suficiente
sobre os valores da dignidade humana, da cidadania], para formarmos nossa
escala valorativa, para nos sensibilizar à dignidade da vida humana. É preciso
recorrer a modalidade do conhecimento filosófico que é onde desenvolvemos
nossa visão mais abrangente do sentido da coisas e da vida, nos permite buscar,
[...], a significação de nossa existência, e o lugar de cada coisa nela (SEVERINO,
2004, p. 17).
Diante da realidade exposta e da diversidade de pessoas que estão nos bancos
escolares, poder-se-ia perguntar se não seria a religião um caminho mais certo, de modo a
dispensar a reflexão filosófica? Severino responde essa questão, assinalando que:
A formação humana, tal qual deve ser realizada no processo educacional, é
naturalmente laica, é antropológica, de tal modo que conceitos e valores aceitos
pela mediação fé não podem substituir os conceitos e valores construídos
filosoficamente (2004, p. 17).
46
Essa posição, com certeza não impede que se tenham escolas de clara opção
religiosa. Entretanto, a opção parte de seus mantenedores e talvez colaboradores, e não dos
alunos e de seus pais.
Da mesma forma como a religião não é a maneira mais viável para se incutir essa
visão crítica do mundo, assim também não o é, a ideologia política, o cultivo da
afetividade... Cabe, neste caso, à Filosofia a justificativa da existência, a compreensão dos
fatos, acontecimentos, ou seja, a função de situar estes fatos, no conjunto dos vários aspectos
que circundam a existência humana. Segundo Horn (2004), a Filosofia é necessária para o
exercício da cidadania, portanto o ensino desta é imprescindível.
Cabe aos professores da disciplina de Filosofia, aplicar a teoria à prática, de modo
que os alunos possam assimilar o conteúdo, mediante este processo organizacional da
metodologia de ensino. “A escola educa mais pela forma como organiza o processo de
ensino do que pelos conteúdos ideológicos que veicula através desse processo” (MARTINS,
1998, p. 17).
3 Reflexão Filosófica
Acerca da Reflexão Filosófica, faz-se importante ressaltar que “uma simples
pergunta contém, silenciosamente, várias crenças não questionadas por nós” (CHAUÍ, 1995,
p. 9). A partir disso, a Reflexão Filosófica aparece como sendo um retorno da consciência
sobre si mesma, a fim de conhecer, racionalmente, a si própria. Entretanto, como o ser
humano não é somente um ser pensante, racional, mas um ser que se relaciona com os outros
seres humanos e com a realidade diversa que o circunda, a Reflexão Filosófica acontece
através de perguntas que buscam motivos, razões, causas, sentido, finalidade. Trata-se de
perguntas sobre a essência, a significação e a origem de todas as coisas.
O filósofo é aquele que toma distância da vida cotidiana e de si mesmo, passando a
indagar racionalmente o que são as crenças e os sentidos que alimentam, silenciosamente, a
existência, no desejo de conhecer porque se crê no que se crê; porque se sente o que se
sente; o que são crenças; o que são sentimentos? (CHAUÍ, 1995).
Com a Reflexão Filosófica, chega-se:
“a decisão de não aceitar como óbvias e evidentes as coisas, as idéias, os fatos, as
situações, os valores, os comportamentos de nossa existência cotidiana; jamais
47
aceitá-los sem antes havê-los investigado e compreendido” (CHAUÍ, 1995, p. 12)
Refletindo-se filosoficamente, se estará dizendo, ao mesmo tempo, não ao senso
comum, aos pré-conceitos, aos fatos e às idéias da experiência do dia-a-dia, ao estabelecido;
e perguntando-se sobre o que são as coisas, as idéias, as situações, os valores, o que é o ser
humano? Levar em consideração estes dois lados da atitude filosófica significa que se está
pensando criticamente. É pelo fato de acontecer uma volta do pensamento sobre si mesmo,
que acontece a Reflexão Filosófica.
Diante da Reflexão Filosófica, pode-se dizer que todas as pessoas, que gozam de
juízo, são filósofas, pelo fato de que “todo aquele que deseja saber, deseja ser filósofo”
(RUBIN, 2002, p. 12). A sede pelo saber, aparece desde a infância, quando uma criança
pergunta: o que é isto? Esse questionamento pode ser tido como a semente da Filosofia, na
consciência do ser humano. Os grandes filósofos, desde sempre disseram que se nasce
filósofo e naturalmente se é filósofo.
Através do desejo de “descomplicar” a Filosofia, se estará buscando alcançar
resultados valiosos na educação, desde o ensino fundamental ao superior. A sociedade num
todo, não pode perder a confiança de conseguir satisfazer o desejo de conhecer cada vez
mais, o amor à sabedoria, o saber pelo saber. O pensador Jacques Maritain, em seu livro Sete
lições sobre o ser, escreveu que “o professor é o inimigo um da Filosofia”, ou seja, este
geralmente é desprovido de compreensão e metodologia adequadas, conseguindo criar nos
alunos aversão à Filosofia, a esta arte do pensar.
4 Logicidade
É importante frisar que a lógica é uma ciência de caráter matemático, entretanto
fortemente ligada à Filosofia. Tendo em vista que o pensamento é a manifestação do
conhecimento, e que o conhecimento busca a verdade, é preciso estabelecer algumas regras
para que essa meta possa ser atingida. A lógica é o ramo da Filosofia que cuida das regras do
bem pensar, do refletir corretamente, sendo um importante instrumento do raciocinar.
A questão da logicidade, como se pode perceber, provém do contato direto com a
lógica, que se apresenta subdividida em lógica formal, lógica material, lógica matemática,
lógica de predicados, lógica de vários valores, lógica filosófica... A reflexão acerca do
conceito de logicidade, parte da idéia principal do conceito da lógica filosófica, que é
48
utilizada como instrumento, pela Filosofia, para garantir a validade da argumentação.
Segundo Aranha (1993), a lógica, e por conseqüência a logicidade é uma disciplina
propedêutica, ou seja, preparatória da Filosofia, que permitirá uma reflexão filosoficamente
rigorosa. Confirmando essa idéia do método sistemático e rigoroso da Filosofia, Chauí
(1995) expõe que a Filosofia trabalha com enunciados precisos e rigorosos, buscando entre
eles encadeamentos lógicos, operando com conceitos ou idéias obtidas por procedimentos de
demonstração e prova, exigindo uma fundamentação racional do que é enunciado e pensado.
O conhecimento filosófico é um trabalho intelectual. É sistemático pois não se
contenta em obter respostas para as questões colocadas, mas exige que as próprias questões
sejam válidas e, suas respostas sejam verdadeiras, estejam relacionadas entre si,
esclarecendo umas às outras, podendo serem provadas e demonstradas racionalmente. Com
isso, não se pode julgar diferente, a Filosofia é indispensável para o ser humano.
Considerações finais
A arte de filosofar, apesar de ser uma atividade do intelecto humano, está ao alcance
de qualquer pessoa portadora de sã consciência. Desse modo, a Filosofia pode e deve ser
aplicada nos vários meios aonde chega a semente da educação. Filosofia não é coisa de
iluminado e sim de quem quer iluminar.
Sendo a Lógica propedêutica da Filosofia, e esta mãe de todas as ciências, a
logicidade é indispensável também na educação, haja vista que, a Filosofia colabora
diretamente num salto qualitativo de ensino na e para diversidade.
Toda educação gira em torno do pensar. Sendo assim, não se educa sem a Filosofia,
que pode ser aplicada através de diversos meios pedagógicos disponíveis. A Filosofia é
importante também, pelo fato de não ser um manual de instruções, mas sim uma alavanca
para o compreender a realidade que circunda o ser humano.
Pode não ter sucesso a inclusão da Filosofia nos diversos campos de ensino?
Evidentemente. Entretanto um dos princípios que permeiam a educação é o fato de que
“quem vence sem riscos sobe no pódio sem louvor” (CURY, 2007, p. 29).
Educar na e para diversidade, apesar de parecer utopia é, com o auxilio da Filosofia,
abraçar quando todos rejeitam; animar quando todos condenam; prevenir quando todos
esperam para apontar os erros. Educar é uma tarefa intelectual, por isso a Filosofia não pode
nem se quer ser pouco utilizada, deve sim ser aplicada.
49
Qualquer educador deve dar o melhor de si na educação, mas deve estar convicto de
que não são eles que fabricam a personalidade dos alunos, apenas a influenciam. Se esta for
baseada na arte do pensar e não apenas no receber pronto, com certeza se estará
proporcionando campo fértil para o crescimento intelectual do ser humano.
A Filosofia fundamenta o pensamento. Sem a reflexão filosófica, os fatos são aceitos
muitas vezes sem o crivo da racionalidade, estendendo-se muitas vezes argumentos baseados
no senso comum. Muitas idéias dadas por Popper, Kuhn, Lakatos podem ser utilizadas para
a construção de novos modelos metodológicos, de modo a romper paradigmas ultrapassados.
Todavia qual é o conhecimento que os educadores possuem desses e tantos outros baluartes?
Com raras exceções, se conhece vida e obras. É hora de abrir as portas e janelas da educação
para que circulem novos ares.
Referências
CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. 5 ed. São Paulo: Ática 1995.
CURY, Augusto. Maria, a maior educadora da História. São Paulo: Planeta 2007.
HORN, Geraldo Balduino. O ensino da Filosofia nas escolas públicas do Paraná: um olhar
sobre a realidade local. In: ROMANOWSKI, Joana Paulin et al. Conhecimento local e
conhecimento universal: práticas sociais: aulas, saberes e políticas. v. 4 . Curitiba:
Champagnat, 2004. p. 21-29.
MARTINS, Pura Lúcia Oliver. A didática e as contradições da prática. Campinas:
Papirus, 1998.
RUBIN, Achylle. Também você é filósofo. Santa Maria: Pallotti, 2002.
SEVERINO, Antônio J. A Filosofia como Elemento Cultural e seu Papel Formativo: da
Necessidade da Filosofia na Escola. In: ROMANOWSKI, Joana Paulin et al. Conhecimento
local e conhecimento universal: práticas sociais: aulas, saberes e políticas. v. 4 . Curitiba:
Champagnat, 2004. p. 13-20.
Sumário
50
III CONGRESSO INTERNACIONAL DE EDUCAÇÃO UNIBAVE
“Educar na e para a diversidade”
Orleans, 06, 07 e 08 de novembro de 2008
MUSEU DA FREGUESIA DE MIRIM:
UM SUPORTE PARA O ENCONTRO E A PRESERVAÇÃO DO
PATRIMÔNIO CULTURAL
João Paulo Corrêa 1
Centro Universitário Barriga Verde - Unibave
TC 1G4
Resumo: Documentação museal é um tipo de trabalho que articula a necessidade de um rigor
científico à necessidade de prestar um serviço público, se consolidando em uma prática de preservação
da memória e garantia da continuidade de um serviço de pesquisa de patrimônio. Neste artigo
apresentam-se resultados do desenvolvimento do Projeto de Bolsa Pesquisa “Museu da Freguesia de
Mirim”, concedido na instituição UNIBAVE, mediante participação no Artigo 170 da Constituição do
Estado de Santa Catarina. Tendo como objetivo criar a documentação museológica de todo o acervo
que se encontra no Museu da Freguesia de Mirim, o qual foi devidamente catalogado e inventariado,
servindo inclusive para posteriores pesquisas. Para tanto, o processo se amparou em estudos sobre
museu de Marlene Suano, além de trabalhos de inventário e documentação de Cecília Londres, bem
como em estudos de normatização catalográfica do Thesaurus sobre acervo museológico. Mediante o
delineamento teórico dos referidos autores e a prática efetuada, defendemos a importância da
documentação como fonte de salvaguarda do patrimônio para os museus de pequeno porte, para a sua
sustentabilidade como instituição museal e inserção da comunidade que a cerca.
Palavras-chave: Museu. Documentação. Salvaguarda. Comunidade.
Introdução
[...] o museu batalhou arduamente para deixar de ser um
armazém de objetos e transformar-se em gerenciador de
cultura. E é sabido, afinal, que o museu será tão sólido
quanto seja a pesquisa científica que nele se processa
(SUANO, 1986, p. 74).
O Museu da Freguesia de Mirim, localizado cerca de 95 km ao sul de Florianópolis,
no Estado de Santa Catarina/Brasil, possui em seu acervo 62 objetos que retratam a história
1
João Paulo Corrêa – Acadêmico de Museologia do UNIBAVE, bolsista na
do Prof. Msc. Maurício da Silva Selau – UNIBAVE – Orleans – SC..
Bolsa Pesquisa, sob a orientação
III CONGRESSO INTERNACIONAL DE EDUCAÇÃO: EDUCAR NA E PARA A DIVERSIDADE
ORLEANS, 06, 07 E 08 DE NOVEMBRO DE 2008
PP. 52-61
da própria comunidade.
Entre elas, se encontram no museu objetos de uso doméstico,
cotidiano, artesanato, agricultura, pesca, comércio, carpintaria e religião local. Vale ressaltar
que as denominações usadas para identificação dos objetivos são embasadas na normatização
para catalogação de peças e objetos inserida em “Thesaurus para acervo museológico” do
Ministério da Cultura que define as tipologias do uso original da peça como objeto em uso e
não como objeto musealizado.
O Museu da Freguesia de Mirim é um exemplo de instituição que se preocupa com a
preservação dos referenciais da cultura e da história da população que ajudou a construir a
sociedade e que hoje compõem o espaço geográfico do Distrito de Mirim, município de
Imbituba, Santa Catarina. Por meio das atividades do projeto garantimos a salvaguarda dos
objetos representativos da história e memória desta população, permitindo as gerações
presentes e futuras um encontro permanente com o seu patrimônio cultural, evitando uma
possível perda destes suportes de memória.
[...] a história dos museus está indissoluvelmente ligada à dialética entre o
homem e os objetos que o cercam, por ele mesmo criado ou pela natureza,
bem como à compreensão de que o desaparecimento ou a perda desses
referenciais seria prejudicial para uma reflexão sobre a sua própria
existência (ALMEIDA, 2006, s. p.).
O inventário do acervo do Museu da Freguesia de Mirim, como fonte de preservação é
bastante pertinente, pois a maioria das instituições de pequeno porte se preocupa somente com
a comunicação e a salvaguarda material do seu acervo, esquecendo da salvaguarda
documental.
A conseqüência disso será vista mais tarde, com a perda dessas valiosas
informações para a sociedade que a cerca, pois a memória dos que vivem esse cotidiano,
justamente com o objeto, adormece e acaba no esquecimento e com o passar dos anos some
literalmente. Os objetos fazem um link para essa memória adormecida, mas somente para os
que viveram o uso e os costumes destes, mas mesmo assim sem esses objetos a memória é
nula, por isso a importância destes como fonte de salvaguarda da memória.
[...] essas lembranças durante tanto tempo confiadas ao silêncio e
transmitidas de uma geração a outra oralmente, e não através de
publicações, permanecem vivas. O longo silencio sobre o passado, longe de
conduzir ao esquecimento, é a resistência que uma sociedade civil
impotente opõe ao excesso de discursos oficiais. Ao mesmo tempo, ela
transmite cuidadosamente as lembranças dissidentes nas redes familiares e
53
de amizade, esperando a hora da verdade e da redistribuição das cartas
políticas e ideológicas [...] (POLLAK, 1989, p. 5).
Quando as memórias não são tratadas e documentadas, elas correm o risco de se
perder, ou pior, serem alteradas ao serem passadas de geração para geração, ou até mesmo
entre as redes sociais, ideológica ou políticas, pois elas se moldam ao ideal e costumes de
cada época, perdendo assim a fonte de pesquisa e a veracidade dos fatos.
A instituição museal da Freguesia de Mirim, através da documentação, garantiu a
proteção no que tange ao registro das peças e a conservação do suporte da memória e
identidade desta população.
1 Museo templo, museu fórum
Museus são lugares de memória de um povo, o museu teve origem na Grécia antiga
com o nome de mouseion, ou casa das musas.
Era uma mistura de templo e instituição de
pesquisa voltado para as artes humanas, o estudo do comportamento e as questões filosóficas
que a cercam.
Na Grécia, o mouseion, ou casa das musas, era uma mistura de templo e
instituição de pesquisa, voltado sobre tudo para o saber filosófico. As
musas, na mitologia grega, eram as filhas que Zeus gerara como
Mnemosine, a divindade da memória. As musas, donas de memória
absoluta, imaginação criativa e presciência, com suas danças e narrativas,
ajudavam os homens a esquecer a ansiedade e a tristeza. (SUANO, 1986, p.
10),
Ainda de acordo com Suano, o mouseion era um local privilegiado, onde a mente
repousava e onde o pensamento profundo e criativo era liberto dos problemas e aflições do
cotidiano, sendo sua mente voltada para se dedicar completamente para as artes e o estudo da
ciência. As obras de arte expostas no mouseion, existiam para agradar as divindades e não
para serem contempladas pelo homem como obra de arte.
Outro importante templo de salvaguarda da memória, mas particularmente neste caso
da memória escrita, seria a Biblioteca de Alexandria, que formava um grande mouseion, e ao
contrário do mouseion das musas, Alexandria era voltado para o saber enciclopédico.
54
A Biblioteca de Alexandria, considerada a primeira do mundo e descrita
como "o grande templo da sabedoria", surgiu em 331 e 330 a.C. e dispunha
de uma estrutura física com dez grandes salas e quartos separados para a
consulta. Quando foi inaugurada por Ptolomeu Sóter, general de Alexandre,
o Grande, biblioteca mantinha um programa de captação de acervo pelo
qual todo navio que chegasse ao porto de Alexandria era obrigado a
entregar quaisquer rolos de papiro que possuísse a Biblioteca (SOUZA,
2005, p. 6).
Os museus hoje em dia são, ou pelo menos deveriam ser um espelho no qual a
população se reconhece e contempla sua memória. De acordo com o ICOM - Conselho
Internacional de Museus (1986), os museus são instituições permanentes, sem fins lucrativos,
a serviço da sociedade e do seu desenvolvimento, aberta ao público que adquirem, conservam,
divulgam e expõem, para fins de estudo, de educação e prazer, os testemunhos materiais e
imateriais dos povos e seus ambientes.
Ainda de acordo com o ICOM, os museus asseguram a proteção, a documentação e a
promoção do patrimônio natural e cultural da humanidade.
Apesar dos preconceitos existentes que vinculam essas instituições com as
coisas “velhas” e “sem vida”, há também um grande questionamento sobre
o papel real que podem desempenhar no âmbito das sociedades onde estão
inseridas (BRUNO, 1997, p. 37).
A instituição museu vem ao encontro da realidade que a população vivencia, servindo
de instrumento de entendimento do passado com base no presente. A realidade do nosso
cotidiano, entre outros, são temas com os quais o museu passa a refletir e se torna símbolo
que caracteriza a sociedade que a cerca.
1.1 Museu da Freguesia de Mirim
O Museu da Freguesia de Mirim pertencente à Sociedade Cultural da Freguesia de
Mirim, localizado no distrito de Mirim, na cidade de Imbituba, Santa Catarina, uma
comunidade de origem Luso Açoriana por colonização de povoamento tipicamente agrária e
pesqueira, vinda na segunda metade do século XVIII através do Porto de Laguna e fixando-se
neste local que naqueles tempos pertencia a Laguna. No Distrito de Mirim, a exemplo de
outras áreas de colonização açoriana, impera a tradição da Festa do Divino Espírito Santo;
55
nossa arquitetura é marcada pela igreja virada para a lagoa, com uma pracinha à frente e as
casas em torno desta, tradição de origens lusa.
O projeto implantado na comunidade de Mirim, consistiu na junção da instituição
museal com a comunidade, rica na arte da memória e do saber fazer. A documentação da
história e da memória da população local se resume hoje nos registros da memória de seus
habitantes mais antigos e do acervo, já inventariado e catalogado sob a guarda do Museu,
sendo este a única forma de salvaguardar esse patrimônio.
O Museu da Freguesia de Mirim foi erguido a partir da vontade da comunidade e da
Sociedade Cultural da Freguesia de Mirim, sua atual mantenedora, que com muito esforço e
ajuda do comércio local conseguiram instituir o museu.
A vontade de manter os vínculos
com a nossa origem e a salvaguarda de nosso precioso bem material, os objetos em depósito
no museu, e nossa imaterialidade, fizeram e fazem de nosso museu algo inédito em nossa
região, pois foi construído com e pela sociedade que o rodeia. Nosso público é principalmente
a comunidade que o rodeia, pois é na vida destas pessoas que o museu se baseia sendo muito
forte a ligação dos objetos com os doadores. Isso é sentido nas visitas e nos relatos dos
tempos passados que circundam o objeto doado,
O museu vira ator e ferramenta do desenvolvimento cultural, social e
econômico de um grupo determinado. O funcionamento de Novo Museu é
baseado na participação ativa dos membros da comunidade (SOARES,
2003, p. 2).
O Museu da Freguesia de Mirim, com seu trabalho de documentação para a salvaguarda
da memória eleva a auto-estima de nosso povo para uma construção de cidadania. É um
instrumento de desenvolvimento social e cultural de nossa região, pois destaca-se por seu
caráter museal desenvolvido com base na salvaguarda, na pesquisa e na comunicação.
1.2 A delimitação do estudo
Para proteger e conservar essa coleção, que não se compõe somente de objetos, mas
também de histórias, em abril de 2007 o acadêmico João Paulo Corrêa do curso de
bacharelado em Museologia foi contemplado com o projeto “Museu da Freguesia de Mirim”,
para obtenção de Bolsa Pesquisa do artigo 170 da constituição do Estado de Santa Catarina,
56
conforme edital n° 002/2007 do UNIBAVE, com orientação do professor Msc. Maurício da
Silva Selau.
O referido projeto consistiu em realizar o tratamento técnico do acervo do Museu,
garantindo a sua proteção no que tange ao registro e a documentação das peças, sua
conservação e salvaguarda como suporte da memória e identidade desta população.
As peças passaram por uma limpeza mecânica para garantir os cuidados mínimos de
conservação e para que pudéssemos fazer o inventário. Tivemos a orientação da museóloga
Angela Paiva, que passou os procedimentos básicos para a conservação da mesma. Com uma
trincha macia limpamos os objetos de papel e logo após foi inserido um papel alcalino entre
as folhas para estabilizar a oxidação do papel. Nos objetos de madeira, metal e porcelana,
também foi utilizado a limpeza mecânica com uma trincha e para a limpeza mais detalhada,
foi utilizado algodão com água destilada.
Figura 01: Limpeza mecânica de um livro pertencente ao acervo Freguesia do Mirim
Após a limpeza dos objetos houve a separação conforme a tipologia de uso e o
Thesaurus para acervo museológico (1987), criando assim a divisão de Educação e Laser,
Religiosidade, Artes e Ofícios e Usos Domésticos.
A marcação das peças obedeceu ao sistema de numeração corrida alfanumérica com 4
dígitos, ficando assim: MFM 0001; as letras iniciais do museu, MFM, e o numero
correspondente ao objeto.
De acordo com Londres a documentação é um tipo de trabalho que cruza a
necessidade de um rigor científico e a necessidade de prestar um serviço público, ou seja, para
57
um leigo a documentação é somente um item desnecessário a mais para a função de um
museu, mas na verdade ele é um trabalho de preservação da memória e garantia da
continuidade de um serviço de pesquisa de patrimônio.
[...] a documentação museológica, enquanto resgate de uma informação do
objeto museal, teve como suporte determinados elementos retirados dos
métodos e técnicas da biblioteconomia, que foram adequados aos objetivos
relacionados com a questão do estudo do objeto, sua documentação de
controle e segurança, objetivando informações para um discurso
museológico (NASCIMENTO, 1998, p. 88).
De acordo com Nascimento (1998), quando um objeto é doado pela comunidade
para o museu, ele possui significância plena da cultura e adota um caráter de qualidade única
de valor inestimável para essa sociedade, mesmo não sendo um objeto raro, ele é parte
integrante da vida desta comunidade. Tendo esses fatos apontados, o projeto salvaguardou o
que mais tem de precioso em nossa comunidade, a memória e os mais raros objetos que por
meio de doação chegaram a nossa instituição.
1.3 Discussão dos resultados
Em nosso projeto foram documentados 62 objetos em caráter de doação ao Museu
da Freguesia de Mirim, dos quais todos foram feitos um levantamento documental de
relevância museológica para a sua salvaguarda.
Antes de o projeto ser colocado em prática, a expografia foi feita ao leu, sem
critérios de organização e planejamento prévio, o resultado disso era uma comunicação
truncada e sem riqueza pedagógica.
Ao término da documentação, já com os dados em mãos, organizamos uma
exposição para prestigiar os resultados obtidos e apresentar para a comunidade o trabalho que
eles ajudaram a construir e mostrar um pouco da sua origem e seus costumes, ela foi
organizada de acordo com os resultados do projeto de pesquisa, pois somente com uma boa
base documental poderíamos fazer a comunicação expográfica desejada, e a comunidade
merecia isso.
Com a ajuda do comércio local e a Sociedade Cultural da Freguesia de Mirim,
desenhamos uma expografia nova para o local e confeccionamos mobiliário expositivo novo.
O contentamento nos olhos dos visitantes e a aprovação do projeto foi a alavanca para novas
58
iniciativas, como o estudo detalhado que vai ser feito em cima dos resultados obtidos neste
projeto.
Figura 02: Expografia do MFM anterior ao desenvolvimento projeto
Figura 03: Expografia atualizada do MFM
Na figura 02, da antiga expografia, podemos reparar uma série de objetos fora de
lugar e sem contexto. O circuito expositivo era feito aleatoriamente, não seguindo uma
cronologia ou concordância nos objetos, pois ainda não se tinha um profissional ou acadêmico
na frente das discussões e da pesquisa, ela foi concebida pela comunidade conforme a sua
idéia de museu, ou seja, ainda impera o museu “gabinete de curiosidades”.
59
O contraponto a expografia anterior podemos observar na figura 03. A nova
roupagem museológica do Museu da Freguesia de Mirim, embasada em pesquisa e a
conceitos museológicos, feitos pelo acadêmico com seu orientador. A disposição dos objetos
segue a divisão do Thesaurus para acervos museológicos (1987) e segue uma ordem dos usos
e costumes do cotidiano histórico da comunidade de Mirim. O mobiliário foi todo refeito
para atender as necessidades existentes, mas com flexibilidade para acomodar novas
expografias e atender nossas necessidades.
Com isso conseguimos dar destaque aos nossos objetos e conseqüentemente nossa
história. Para a comunidade, nosso trabalho teve caráter de valorização da memória e as
pessoas se sentiram representadas na nova expografia.
Considerações finais
A comunidade de Mirim apóia o Museu da Freguesia de Mirim e vê nele uma
instituição preocupada em manter as origens de sua história. Demonstramos através de nossas
ações, a confiança necessária para que os co-autores desta história sintam que seus bens estão
sendo cuidados de forma sistemática, e que a memória deste povo vai ficar muito bem
guardada, e não somente na memória dos seus moradores, mas também na forma da pesquisa
documental, na salvaguarda dos objetos e na apresentação e comunicação da nova expografia.
Este projeto de documentação dos bens culturais materiais, vai servir de apoio aos
museus de pequeno porte a respeito da documentação de seu acervo. Esperamos que os
mesmos percebam a documentação do acervo como uma das etapas para se tornar uma
instituição organizada. E com os seus dados organizados, possam dar início a sua pesquisa
museológica, aprofundando o conhecimento sobre o acervo e a sociedade que o produziu.
Com os resultados obtidos no projeto, vamos suprir as informações básicas para as
necessidades museais de uma pesquisa museológica mais detalhada, pois é com ela que
vamos assumir nosso papel museal de salvaguarda permanente de nosso patrimônio, sendo
esse o passo seguinte para a nossa instituição.
Referências
60
MINISTÉRIO DA CULTURA. Caderno de Diretrizes Museológicas. Rio de Janeiro: Ed.
IPHAN, 2006.
CATEL. Pierre. Museu de Artes e Ofícios, Belo Horizonte: afinal, como nascem os
museus? 2005. Disponível em:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010459702005000400016&lng=pt
&nrm=iso. Acesso em: 03 jun. 2008.
NASCIMENTO, Rosana. O objeto museal como objeto de conhecimento. In. Cadernos de
Sociomuseologia. Vol. 11. Ed. Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias. 1998.
p. 35-95.
LONDRES, Cecília. A Noção de referencia cultural nos trabalhos de inventários.
POLLAK, Michel. Memória, esquecimento, silêncio. In. Estudos Históricos. Vol. 2. Rio de
Janeiro. 1989. p. 3-15.
SUANO, Marlene. O Que é Museu. 1. ed. São Paulo: Editora Brasiliense: 1986. 97p.
SOARES, Bruno César Burlon. Entendendo o Ecomuseu: Uma Nova Forma de Pensar a
Museologia. Revista Eletrônica Jovem Museologia. Estudos sobre Museus, Museologia e
Patrimônio. 2006. Disponível em: www.unirio.br/jovemmuseologia. Acesso em: 03 jun. 2008.
SOUZA, Clarice Muhlethaler de. Biblioteca: uma trajetória. III Congresso Internacional de
Biblioteconomia: Rio de Janeiro, 2005.
Sumário
61
III CONGRESSO INTERNACIONAL DE EDUCAÇÃO UNIBAVE
“Educar na e para a diversidade”
Orleans, 06, 07 e 08 de novembro de 2008
CONCEITOS NORTEADORES DA AÇÃO DOCENTE DOS PROFESSORES DO
CURSO DE ADMINISTRAÇÃO DA UNESC:
CONTINUAM TRADICIONAL OU FORMAÇÃO NA E PARA A DIVERSIDADE
Vanilda Maria Antunes Berti
UNESC - [email protected]
TC 1F4
Resumo: O presente estudo teve como objetivo principal conhecer as concepções pedagógicas que
marcaram o processo de ensino e aprendizagem das turmas de 1975 e 2005 do curso de graduação
em Administração da FUCRI/UNESC. A amostra contou com 20 docentes, sendo 10 docentes de
cada ano em análise. Utilizou-se um estudo qualitativo/quantitativo, com uma abordagem descritivocomparativa, a qual permitiu analisar os aspectos implícitos ao desenvolvimento das práticas de
ensino, bem como, descrever com fidelidade os fatos e fenômenos nela inseridos. O instrumento de
pesquisa foi uma entrevista estruturada, permitindo estabelecer os dados em categorias acerca dos
conceitos de professor, educação e ação pedagógica. Verificou-se que tanto na instalação do curso
(1975) quanto na sua consolidação (2005), o discurso pedagógico quase não mudou: Continuam
tradicional, aulas utilizando metodologias individuais, de cunho tecnicista. Nesse sentido, a
compreensão da evolução do conhecimento em termos conceituais possibilitará que os docentes
tenham condições de explicar, justificar e reconhecer a urgência de modificar sua prática, atendendo
assim, a proposta do Curso de Administração que é formar profissionais qualificados e capacitados
nos aspectos técnicos, humanísticos e éticos.
Palavras-chave: Ensino superior. Concepções pedagógicas. Avaliação.
Conceitos norteadores da ação docente dos professores do curso de Administração da
UNESC
O presente trabalho é parte de uma investigação maior que deu origem a uma
dissertação de mestrado. Nesta oportunidade temos como objetivo apresentar os conceitos
norteadores de Educação, Professor e Abordagem pedagógica que nortearam a ação docente
dos professores do curso de Administração da UNESC, nós períodos de criação do curso
(1975) e consolidação (2005).
Os conceitos norteadores são importantes na medida em que confere às atitudes
docentes um caráter de práxis, dirigindo as ações formativas para um perfil de profissional
que esteja diretamente ligado ao paradigma ao qual se filia o docente, formando um
III CONGRESSO INTERNACIONAL DE EDUCAÇÃO: EDUCAR NA E PARA A DIVERSIDADE
ORLEANS, 06, 07 E 08 DE NOVEMBRO DE 2008
PP. 62-75
profissional que comunga e dissemina as idéias do formador.
Para Vygotsky (1998) os conceitos podem ser científicos e cotidianos, sendo que os
primeiros são mediados e não se adquire sem a escola e as ações decorrentes enquanto que
os conceitos cotidianos são adquiridos diretamente da experiência pessoal, de senso comum
e apresentam como pontos fracos a incapacidade de resistir a uma análise severa de seus
atributos.
São os conceitos que fundamentam as práticas pedagógicas adotadas no processo
ensino-aprendizagem, bem como, o processo de avaliação e a metodologia que orientam um
Projeto Político Pedagógico (PPP), utilizado para o enriquecimento do curso no seu processo
de desenvolvimento.
O curso de Administração deve primar, segundo seus instrumentos legais pela
formação de indivíduos para a condução da sociedade, elementos estes centrais no processo
de desenvolvimento sócio-econômico, sendo os agentes catalisadores deste processo. Assim,
não basta que os conteúdos sejam bem ensinados, é preciso que tenham significação humana
e social, e, sobretudo, estar em consonância com as Diretrizes Nacionais.
Com os seus 30 anos de existência (1975-2005), o curso de Administração da
UNESC esteve embasado em um processo pedagógico sujeito a alterações, quer seja pelas
novas dinâmicas das relações de trabalho ou pelos próprios ordenamentos legais. Com
efeito, este estudo se propõe a produzir um conhecimento das turmas iniciadas no ano de
1975 e das turmas finalistas do ano de 2005, sobre as concepções pedagógicas que
fundamentaram antes e continuam a fundamentar o desenvolvimento do curso, com base em
conceitos de Educação, Docência e Ação docente.
Metodologia do estudo
Para tanto utilizamos a pesquisa quali-quantitativa, julgada mais apropriada para a
situação, pois, como salienta Leopardi (2001, p.137):
Quando se utiliza de dados e análises quantitativos e
qualitativos, se o problema sugere necessidade de ambos e,
neste caso, parte dele será esclarecido na perspectiva
quantitativa, enquanto a outra parte na perspectiva qualitativa.
Quanto ao método quantitativo, sua relevância nesta pesquisa, deu-se devido à
descrição numérica das opiniões da população estudada.
63
Realizamos também uma abordagem comparativa, que conforme Lakatos e Marconi
(1994) permitem analisar dados concretos, deduzindo dos mesmos os elementos constantes,
abstratos e gerais. Esta abordagem, segundo Gil (1994), é muito utilizada em pesquisas no
campo das ciências sociais, possibilitando comparar e ressaltar diferenças e similaridades,
consistindo em levantar os dados e informações embasadas em bibliografia especializada
sobre conceitos teóricos e em documentos que relatam um caso específico.
Ainda assim, o presente estudo necessitou da utilização da abordagem descritivocomparativa, que segundo Triviños (1987), permite analisar os aspectos implícitos ao
desenvolvimento das práticas de ensino. A abordagem descritiva é praticada quando o que se
pretende buscar é o conhecimento de determinadas informações e por ser um método capaz
de descrever com exatidão os fatos e fenômenos de determinada realidade.
A população pesquisada foi constituída por docentes do curso de graduação de
Administração da FUCRI/UNESC dos anos de 1975 e 2005, dos primeiros e segundos
semestres.
A amostra selecionada foi composta por 20 (vinte) professores, sendo 10 do ano de
1975 e 10 do ano de 2005, totalizando 20 sujeitos pesquisados, independente dos semestres,
para não haver dissonância na coleta dos dados. Esta amostra foi considerada suficiente para
representar o total dos sujeitos, pois contemplaram docentes e discentes dos anos
pesquisados, possibilitando uma generalização dos dados obtidos com as entrevistas,
validando a interpretação dos mesmos.
Na definição dos docentes e discentes entrevistados fez-se uso da variedade que,
segundo Turato (2003) é um processo de seleção de sujeitos escolhidos segundo o arbítrio e
interesse científico do pesquisador, facilidade de localização e disponibilidade..
Como instrumento de pesquisa foi utilizado uma entrevista estruturada com o
estabelecimento de categorias, uma vez que Lüdke e André (1986, p. 48), afirmam: “o
primeiro passo nessa análise é a construção de um conjunto de categorias descritivas” para a
organização dos dados, estabelecidas no esteio da entrevista. Em função disso escolhemos as
categorias de docência, professor e ação pedagógica.
A esse respeito temos o comentário de Minayo (2000, p.70):
As categorias são empregadas para se estabelecer
classificações. Neste sentido, trabalhar com elas significa
agrupar elementos, idéias ou expressões em torno de um
conceito capaz de abranger tudo isso. Esse tipo de
64
procedimento, de um modo geral, pode ser utilizado em
qualquer tipo de análise em pesquisa qualitativa.
Já a entrevista, segundo Gil (1994, p.113), representa uma:
[...] técnica em que o investigador se apresenta frente ao
investigado e lhe formula perguntas, com o objetivo de
obtenção dos dados que interessam à investigação. [...] forma
de diálogo assimétrico, em que uma das partes busca coletar
dados e a outra se apresenta como fonte de informação.
No ato da entrevista, foi apresentado um Termo de Consentimento Informativo, que
todos assinaram e permitiram a divulgação dos dados obtidos a partir da mesma.
Análise e interpretação de Dados
Os dados qualitativos foram analisados criteriosamente, destacando os de relevância
ao estudo proposto, dando ênfase às categorias estabelecidas.
Na transcrição dos dados houve a preocupação em não se limitar ao teor explícito nas
entrevistas, pois de acordo com Minayo, (2000, p. 76) “[...] devemos tentar desvendar o
conteúdo subjacente ao que está sendo manifesto”.
Neste sentido, procurou-se estabelecer articulações entre os dados obtidos e a
fundamentação teórica, respondendo ao problema de pesquisa, tendo como base os objetivos
propostos (MINAYO, 2000).
Para uma visualização detalhada dos questionamentos propostos aos docentes do
curso e das turmas em estudo, foi elaborado um quadro de apresentação das respostas por
categorias, que serão apresentadas para estudo e analise.
Pontuamos nesta comunicação alguns aspectos considerados significativos em
algumas categorias, a partir do marco teórico desenvolvido para esta pesquisa.A análise
documental do PPP do curso de administração possibilitou nortear os dados principais desta
pesquisa, metodologia da pesquisa e avaliação, considerados marcos decisivos para este
estudo.
Categoria 01 - Perfil dos docentes de 1975/2005
A pesquisa junto aos docentes de 1975 foi marcada pela presença exclusiva do sexo
masculino, em um total de dez docentes. Dos pesquisados de 1975, todos apresentaram
65
especialização, sendo que um deles chegou a cursar mestrado na FGV, porém, como não
apresentou a dissertação, ficou sem direito ao título. Quanto à formação pedagógica, todos
receberam curso em Magistério pela UFSC (curso especial para formados em ciências
aplicadas), entretanto, na época não havia processo de educação continuada formal e
obrigatória aos docentes da instituição em estudo.
Os docentes entrevistados de 2005, decorrente da inserção da mulher no mercado de
trabalho, tendo em vista as mudanças culturais, sociais políticas e econômicas, pois,
passados 30 (trinta) anos do curso na Instituição; encontramos (04) quatro mulheres e (06)
seis homens Os quais apresentaram títulos acadêmicos diferenciados, 02 (dois) doutores, 03
(três) mestres e 05 (cinco) especialistas.
Quanto à formação pedagógica e participação na formação continuada, oferecidas
pela própria instituição (UNESC), todos participaram, totalizando uma amostra de 10 (dez)
sujeitos entrevistados.
Diante destes dados é possível afirmar que os docentes de 1975 e 2005 eram
titulados conforme estabelecido pela legislação para exercerem suas funções acadêmicas
dentro do curso de administração. Importante considerar que no ano de 1975 não era
obrigatório o percentual de 30% de mestres e/ou doutores no quadro docente.
Categoria 2. Conceito de Educação para os docentes de 1975/2005
Apresenta-se a tabela-síntese dos conceitos emitidos pelos docentes a acerca de
Educação:
Tabela 1: Conceito de Educação pelos docentes de 1975/2005
Categorias
Docentes 1975
Conceito Educação
Processo crescimento pessoal (física
moral e intelectual)
Processo de interação professor x
aluno
Relevantes entre as funções do
governo
Outras
Freq.
2
Docentes 2005
Conceito Educação
Freq.
Processo de crescimento pessoal 5
e social
Troca de conhecimento
2
2
2
Capacidade de executar tarefas 1
técnicas e humanas
Transmissão de conhecimento
2
3
66
TOTAL
10
TOTAL
10
Fonte: Dados da Pesquisa
O conhecimento é uma ferramenta com a intencionalidade de dar um sentido
orientador para a existência humana. Nele está envolvida a educação, a qual, segundo
Severino (2002, p.14):
[...] deve ser entendida como prática simultânea da técnica e da
política, atravessada por uma intencionalidade teórica, fecundada pela
significação simbólica, mediando à integração dos sujeitos educados
nesse tríplice universo das mediações existenciais: no universo do
trabalho, da produção material, das relações econômicas; no universo
das mediações institucionais da vida social, lugar das relações
políticas, esfera do poder; no universo da cultura simbólica, lugar da
experiência da identidade subjetiva, esfera das relações intencionais.
Tendo em vista o que se pode dizer do “ideário” acima, a realidade demonstrou ser
distinta. Na década de 1970, Santa Catarina encontrava-se, segundo Goularti Filho (2007),
em uma retomada do desenvolvimento industrial, ocasionando a necessidade de
administradores para gerir a comunidade empresarial do Estado. Neste sentido, nota-se a
relação do conhecimento com o universo social.
Levando em consideração esta realidade, a educação segundo as falas dos
entrevistados, deve estar presente no seu contexto histórico-cultural, independente da época.
Em resposta ao conceito de educação pode-se citar um dos entrevistados (docente) de 1975
que diz: [...] A educação para mim é a base de tudo na vida da gente, o ser humano se tem
educação, ele tem um prosseguimento na vida, se ele não tem educação [...] não tem muita
perspectiva de vida.”
Porém, a década de 1975 é marcada pelo tradicionalismo e o tecnicismo, devido à
necessidade de técnicos para o desenvolvimento industrial do país. Neste momento Libâneo
(1994, p. 20) comenta, “[...] o professor se vê pressionado pela pedagogia oficial que prega a
racionalidade e a produtividade do sistema e do seu trabalho, isto é, ênfase nos meios
(tecnicismo) [...]. Pillotto e Schramm (2001) esclarecem que a tendência tradicional é
marcada pela concepção do homem em sua essência. Tem a finalidade em dar expressão à
sua própria natureza. A pedagogia tradicional preocupa-se com a universalização do
conhecimento, o treino intensivo, a repetição e a memorização.
67
A concepção tecnicista fundamentou-se no positivismo, propondo uma ação
pedagógica inspirada nos princípios da racionalidade, da eficiência, da eficácia e da
produtividade. O principal papel da escola era treinar os alunos, funcionários como
modeladora do comportamento humano e o professor nesta tendência, se caracterizam como
um mero transmissor e reprodutor do conhecimento, portanto o aluno, nesta tendência, é um
mero espectador frente à realidade objetiva. A aprendizagem do aluno decorre dos estímulos
e reforços que recebe – componentes imprescindíveis para que este aprenda (SAVIANI,
1994b).
Categoria 3. Conceito de Professor emitidos pelos docentes de 1975/2005
Tabela 2: Conceito de Professor emitido por docentes de 1975/2005
Principais Categorias
Docentes 1975
Ser professor/educador
Facilitador/
orientador
conhecimento
Dar-se e dedicar-se ao próximo
Freq.
do 4
3
TOTAL
10
Freq.
Mediador,
comprometimento 5
com a formação cidadã
Transmissão de conhecimentos, 5
agente formador de pessoas
3
Transmitir autoconhecimento
Docentes 2005
Ser professor/educador
TOTAL
10
Fonte: Dados da Pesquisa
A prática docente, para Cunha (1992), se expressa de forma intencional ou implícita,
tendo suas concepções sobre ensinar e aprender, de acordo com a visão de mundo, de
sociedade e de ciência; estando essencialmente vinculada às formas de organização e
distribuição do conhecimento em uma determinada sociedade. É ainda uma prática social
complexa que combina conhecimentos, habilidades, atitudes, expectativas e visões de
mundo condicionadas pelas diferentes histórias de vida dos professores, os quais se
influenciam, também, pela cultura das instituições.
Na universidade, essa atividade situa-se no âmbito de uma instituição singular que se
constituem por processos de diferenciação e convergências, relações formais e informais que
68
se produzem no cotidiano. Nesse ambiente, os professores exercem a prática docente
divididos entre os princípios da autonomia acadêmica, a lealdade à instituição a qual
trabalham os princípios das suas disciplinas, os objetivos da instituição e as exigências da
sociedade.
Este processo, ainda segundo Cunha (1992), envolve múltiplos saberes e escolhas
determinadas pela formação, área disciplinar, experiências pessoais e subjetividade dos
professores e expressam, ainda que de forma não intencional, a sua concepção pedagógica.
Pode-se então afirmar que a prática docente forja a identidade da experiência educativa.
Ao se analisar os quadros acima se notam que os conceitos da maioria dos
entrevistados de 1975 e 2005, estão vinculados à concepção tradicional e tecnicista, quando
os mesmos citam: “transmite conhecimentos”, “transmitir autoconhecimento”, “segundo pai
ou mãe”, “aquele que ensina”, “transmite conhecimentos”, “aquele que ensina”.
Neste sentido Gadotti, (2000, p.21) afirma que ser professor:
[...] é viver intensamente o seu tempo, com consciência e
sensibilidade. Não se pode imaginar um futuro para a humanidade
sem professor. Eles não só transformam a informação em
conhecimento e em consciência crítica, mas também formam
pessoas. Eles fazem fluir o saber, porque constroem sentido para a
vida dos seres humanos e para a humanidade, e buscam, numa visão
emancipadora, um mundo mais humanizado, mais produtivo e mais
saudável para a coletividade. Por isso eles são imprescindíveis.
Nesta descrição do que deva ser o professor do século XXI, não tem
mais espaço para professores donos de um saber, mas só aquele que
tenham a humildade de serem também eles aprendizes e a única
diferença que os separa de seus alunos é que eles professores são
profissionais do ensino e por isso comprometidos com o aprender
e o ensinar.
Diante dessa afirmação, Gadotti (2000) esclarece que as ações do professor estão
impregnadas no seu processo ensino-aprendizagem; seu relacionamento com os alunos,
deriva da relação que ele tem com a sociedade e com a sua cultura.
Neste sentido Abreu e Masetto (1990, p. 115) afirmam:
[...] é o modo de agir do professor em sala de aula, mais do que suas
características de personalidade, que colabora para uma adequada
aprendizagem dos alunos. O modo de agir do professor em sala de
aula fundamenta-se numa determinada concepção do papel do
professor, que por sua vez reflete valores e padrões da sociedade.
69
O processo ensino aprendizagem, para os professores, requer uma capacitação
constante, ou educação continuada, para poder estar atento às mudanças constantes do
mundo ao qual está inserido.
Vale notar que os movimentos sociais, culturais e políticos são as oportunidades de
crescimento e interação do educando com o meio. Entretanto, essa reflexão e transformação
somente são alcançadas com a participação ativa do educando no processo ensinoaprendizagem, constituindo-se como um meio de formação do aluno, porém mesmo assim,
segundo Mizukami (1986, p.31); “[...] nenhuma instituição de ensino superior, por mais
eficiente que seja a prática pedagógica dos profissionais que nela atuam e por mais
articulados e consistentes que sejam seus currículos, pode fornecer a formação completa e
definitiva.”
O resultado da pesquisa junto aos docentes de 1975 aponta: “agente a ser mudado”,
“condição de sobreviver na vida”, “aprendizado constante”, “busca de diploma”, “aluno de
nível superior era algo inatingível (1970)”, “havia necessidade de técnicos na época” e
apenas uma resposta que diz que o aluno deve “ser interativo”.
Este período foi marcado pela prioridade à formação da mão-de-obra para atender à
indústria, às reformas do sistema de ensino universitário. O objetivo da educação era a
preparação de mão-de-obra para o cotidiano das indústrias. Neste aspecto salienta Saviani,
(1994, p.51) a pedagogia tecnicista buscou “planejar a educação de modo a dotá-la de uma
organização racional capaz de minimizar as interferências subjetivas que pudessem por em
risco sua eficiência”. Destacam-se neste momento, os componentes planejamento e controle,
para assegurar a produtividade do processo.
Este contexto mostra a realidade da época, a qual se destinava o processo de ensino
aprendizagem à formação de profissionais, porém, destaca-se ainda a influência da tendência
tradicional.
Entretanto, em 2005, apresenta: “busca conhecimento”, “querer estudar”, “aprender”,
“buscar conhecimento e se aperfeiçoar”, “o professor aprende com o aluno”, “participa com
sua experiência na sala de aula”; a constância das palavras ‘aprender’, ‘conhecimento’,
indica a preocupação de ambos (docentes e discentes), sobre a importância da educação,
sendo que, a importância da interação professor-aluno nesta construção não é destacada.
Para tanto, Libâneo (2002), destaca a importância da educação que é um processo de
desenvolvimento, onde o ser humano se transforma continuadamente, sendo que a educação
atua na configuração desse indivíduo de acordo com as suas condições internas.
70
Cabe ressaltar a expressão “lutador”; tendo em vista que a maioria dos discentes da
FUCRI/UNESC trabalharem no período diurno e estudarem no período noturno, retrato da
situação dos alunos entrevistados, tanto de 1975 como de 2005.
Categoria 4. Abordagem Pedagógica para os docentes de 1975/2005
Tabela 3: Conceitos de Abordagem Pedagógica emitido pelos docentes de 1975/2005
Principais Categorias
Docentes 1975
Abordagem Pedagógica
(o que é/o que era)
Desenvolvimento de técnicas
educadores e filósofos
Metodologia para ensinar
Freq.
por 1
Freq.
Forma de conduzir o processo 7
de ensinar e aprender
Linha a ser seguida através da 1
tendência do curso, com a
realidade do aluno e da época.
Outro
2
4
Linha atualmente adotada nas escolas 2
modernas como diferencial
Outros
3
TOTAL
Docentes 2005
Abordagem Pedagógica
(o que é/o que era)
10
TOTAL
10
Fonte: Dados da Pesquisa
As tendências pedagógicas, segundo Saviani (1994a) acompanham posturas políticofilosóficas da sociedade, onde o homem pauta o desenvolvimento e interação com o meio
em que vive e na produção de conhecimento. Dessa forma, as diversas concepções sobre a
educação, do homem, são os reflexos de diferentes compreensões do mundo.
A prática docente expressa, de forma intencional ou implícita, as concepções sobre
ensinar e aprender, aliadas às visões de mundo, de sociedade e de ciência; vinculadas com as
formas de organização e distribuição do conhecimento de uma determinada sociedade
(MIZUKAMI, 1986).
Portanto, diante das respostas a esta questão da pesquisa, verifica-se que a maioria
dos entrevistados do ano de 1975 não apresentou com clareza o conceito ou idéia sobre
abordagem pedagógica. Os docentes do curso de administração não tinham conhecimento
sobre o assunto ou o curso não tinha uma linha definida acerca de uma tendência ou
abordagem para sua prática de ensino-aprendizagem. Pois, ao afirmarem: “não havia
71
concepção pedagógica”, “não se falava em tendências pedagógicas”, trazem implícito nas
respostas que o curso não discutia esse assunto com seu corpo docente e, consequentemente,
não era adotada uma tendência pedagógica, mesmo assim era praticada implicitamente,
conforme verificado em respostas a outros itens, a tendência tradicional e a tecnicista.
Entretanto, o mesmo não acontece com a maioria dos docentes de 2005, que com
clareza definiram tendência ou abordagem como: “caminhos que norteiam e condizem às
diretrizes que se deseja”, “processo de ensino que se propõe a fazer”, “linha a ser seguida
através da tendência do curso, com a realidade do aluno e da época”.
Constatou-se durante as entrevistas que o curso de administração do ano de 2005
ainda não havia definido a tendência pedagógica, assunto este que veio a fazer parte do
curso após a instalação do PPP, o qual se encontrava em construção. Essa afirmação está
presente na fala de alguns docentes quando dizem: “Não. Não deixava claro isso ai.”; outro
ainda diz: “o curso de administração, em 2005, não dizia sua concepção pedagógica, eu sei
que o curso de administração, tem o seu processo político pedagógico, na verdade ele é
norteado pelo PPP da UNESC, mas ele, isso nunca foi motivo de uma pauta ou preocupação
do corpo docente esses pressupostos”.
Quanto ao conhecimento das abordagens pedagógicas aos entrevistados, nota-se que
tanto em 1975 como 2005, existe um vago conceito sobre as abordagens. Encontramos as
seguintes falas: “[...] não lembro, não era discutido”; “nunca ouvi falar”; “comportamento
tradicional”; “botar em prática o que aprendia”. Essas afirmações vêm constatar que o curso
em estudo não direcionava a uma tendência ou abordagem pedagógica, como visto
anteriormente. Porém, estão implícitas no seu interior as abordagens vigentes da época,
como já mencionado, a tendência tradicional e tecnicista.
Cunha (1998) elucida que muitas vezes a universidade, pressionada pelas exigências
de mudanças, convive com contradições e tensões as quais vão gerando novos espaços, onde
se podem observar experiências inovadoras, sendo “o professor elemento fundamental que
pode favorecer a mudança, pela sua condição de dar direção à prática pedagógica que
desenvolve” (CUNHA, 1998, p.33).
Conclusão
A Universidade é um local privilegiado para a construção do conhecimento,
possibilitando à comunidade acadêmica aprendizagens diferenciadas, onde a pesquisa está
72
inserida no ensino revertendo, na maioria das vezes, em mudanças e benefícios para a
sociedade.
É preciso entender a educação como processo que objetiva o desenvolvimento pleno
das potencialidades do ser humano, privilegiando a formação de sujeitos autônomos,
intelectualmente críticos e criativos, possibilitando o direito de exercer sua liberdade,
perseguir seus ideais de felicidade individual e social, construindo referenciais éticos
pautados na cooperação, no respeito e na solidariedade, refletindo em uma sociedade mais
justa e digna.
Essas razões são fortes o suficiente para fundamentar a convicção de que o processo
educacional é mais amplo que o simples fato de informar, pois deverá ser voltado para a
formação integral do ser humano, permitindo o aperfeiçoamento profissional e o
desempenho da cidadania. Os sujeitos envolvidos, bem como as relações vivenciadas,
consistem em uma dinâmica de troca, onde as teorias buscam explicar e aprimorar as
práticas utilizadas.
Diante desse contexto, o curso de administração da FUCRI/UNESC, em seus 30
(trinta) anos de existência (1975-2005), vivenciou momentos históricos na comunidade
regional, tendo seu inicio marcado por um período de avanço econômico e se consolidando
no decorrer dos anos, apresentando na atualidade um número considerável de acadêmicos
advindos da sociedade do entorno da UNESC.
Verifica-se que, mesmo passados 30 anos, a prática docente quase não mudou: é
tradicional, tecnicista e quase sem envolvimento com a formação humana e complementar
do aluno. As questões que envolvem o docente e sua práxis não são ainda discutidas em
profundidade que permita uma práxis esclarecida e ditadas por ações norteadas pela por
teorias pedagógicas da formação docente.
Estas constatações contribuíram para responder a problemática proposta para o
estudo, que indagava acerca das concepções pedagógicas que estiveram presentes na origem
e consolidação do curso de graduação em Administração da FUCRI/UNESC (1975/2005).
Os pressupostos teóricos e históricos estudados e analisados tiveram a contribuição
valiosa de Andrade e Amboni (2004) e como suporte às teorias, a presença de Mizukami
(1986), Saviani (1994a), e Libâneo (1994), contribuindo consideravelmente na identificação
e compreensão das abordagens presentes no contexto do curso de Administração pesquisado.
Acreditamos que este estudo cumpriu o seu o propósito em identificar as concepções
pedagógicas que marcaram o processo de ensino e aprendizagem das turmas iniciadas em
73
1975 e finalizadas em 2005 do curso de graduação em Administração, permitindo identificar
as abordagens pedagógicas, as influências e os significados nas relações do processo ensinoaprendizagem do curso em questão.
Referências
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São Paulo: MG Editores Associados, 1990.
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Sumário
75
III CONGRESSO INTERNACIONAL DE EDUCAÇÃO UNIBAVE
“Educar na e para a diversidade”
Orleans, 06, 07 e 08 de novembro de 2008
IMPLICAÇÕES CULTURAIS EM ACERVOS MUSEOLÓGICOS: A HISTÓRIA DOS
COLONIZADORES NA CONSTITUIÇÃO DE SEUS OBJETOS DE USO FAMILIAR
Ana Claudia Roecker1
Resumo: Como outros objetos de uso familiar, a cama surge com a necessidade de
conforto do homem, passando ao longo dos séculos pelas mais diversas mudanças,
resultando nas características da atualidade. Presente em todos os tipos de
sociedade, em espaços privados ou públicos, suas características se diversificam de
acordo com o contexto geográfico e histórico, as quais se preservam em espaços
como Museu Histórico Municipal de Santa Rosa de Lima, no qual a cama ganha
sentido ao manter vivos aspectos da história construída pelo homem. Durante sua
evolução, se transformou em um objeto carregado de signos e de memórias
representativas do ser humano. Tecendo considerações acerca do valor do acervo
museológico como alternativa de preservação da cultura dos colonizadores, este
artigo evidencia os resultados de uma pesquisa histórica, cujo objetivo consistiu em
analisar a percepção de sujeitos que vivenciaram o processo de transformação do
objeto cama no decorrer da história, atribuindo sentido às diferentes formas de
criação e utilização.
Palavras-chave: Museu. Objeto. Pesquisa. História. Conhecimento.
Introdução
Os museus atualmente mostram-se como uma ferramenta positiva na
preservação do patrimônio cultural. Ao longo da história da humanidade o homem
sempre esteve em constante mudança, deixando para trás grande parte da sua
historia que afortunadamente se preserva atualmente em diferentes museus.
O presente artigo tem como objetivo mostrar os resultados da pesquisa
museológica sobre a constituição do objeto cama como representação cultural,
evidenciando a memória e os signos de um objeto de museu.
Esperamos que por meio deste artigo a real importância da pesquisa
museológica, a partir dos objetos de museu, seja ressaltada, evidenciando a história
1
Ana Claudia Roecker acadêmica da 5ª fase do curso de Bacharelado em Museologia do Centro Universitário
Barriga Verde – UNIBAVE. e-mail: [email protected]
III CONGRESSO INTERNACIONAL DE EDUCAÇÃO: EDUCAR NA E PARA A DIVERSIDADE
ORLEANS, 06, 07 E 08 DE NOVEMBRO DE 2008
PP. 76-83
contada pelos acervos museológicos carregados de memória, significados e
relevância histórica.
1 A preservação cultural no acervo museológico
Os museus de forma bastante homogênea são reconhecidos por parte da
população como local de coisas velhas, coisas do passado, ou depósito de objetos.
A sociedade, em parte, não consegue ver o museu como um espaço de memória e
história. Contudo, seu valor pode ser ressignificado pela pesquisa que permite o
conhecimento da história que se expressa no patrimônio que disponibiliza .
Conforme Chagas (2005) a pesquisa é uma função básica do museu, num
processo de busca por conhecimento, onde os significados e valores falam muito
mais que o objeto por si só.
A pesquisa dá vida ao museu, faz com que ele
transforme-se em um lugar de conhecimento.
Um objeto do museu pode ganhar outros significados a partir do processo de
pesquisa. Cada tábua, cada prego tem uma história a ser contada. Em cada pluma
da pena que forma a coberta, ou em cada flor de marcela que é colhida para formar
um travesseiro. A pesquisa consegue ir muito além da forma ou da utilidade que um
objeto possui, com seus resultados a maneira de expor pode mudar, despertando
uma nova maneira de ver o objeto, ele passa a ser muito mais que uma “cama”, pois
adquire valor.
Os museus funcionam como casas de preservação, mas o que eles
preservam vai além das coisas. Se, por um lado, eles preservam as
coisas; por outro, eles utilizam as coisas como preservadas com
determinados objetivos (CHAGAS, 2005, p.59).
O objeto no processo de pesquisa possibilita trazer para o conhecimento da
sociedade as técnicas, e o saber fazer, o conhecimento é passado de pai para filho,
técnicas utilizadas no passado recente, são esquecidas no advento da modernidade
e da industrialização. A pesquisa museológica permite um olhar diferenciado para o
objeto do museu, esse processo vem ao encontro da necessidade de adquirir
informações e torná-las públicas em forma de conhecimento.
A pesquisa museológica consegue trazer para a atualidade formas de
conhecimento a partir do objeto, debruçando-se sobre o mesmo e aprofundando a
pesquisa para o foco desejado. O objeto musealizado passa a ser questionado,
77
buscando uma maneira que possibilite obter a maior quantidade de informações.
Esse processo é enriquecido quando se torna possível o diálogo entre o
pesquisador, o doador, ou de uma pessoa próxima ao contexto do objeto doado.
A referida pesquisa teve como objetivo buscar dados e informações sobre a
cama como objeto de museu e como parte da história de um povo. Fazendo
referência ao cotidiano dos colonos da cidade de Santa Rosa de Lima no final do
séc. XIX e inicio do séc. XX, a cama como objeto de pesquisa nos possibilita
conhecer o contexto familiar, de um determinado tempo, período e espaço, fazendo
relação com crenças, costumes e tradições. Esse processo trás para a atualidade
memórias que durante um determinado período permaneciam estagnadas.
O processo de pesquisa utilizou-se do método histórico, que conforme
Marconi e Lakatos (2004) parte do princípio de que as atuais formas de vida social,
as instituições e os costumes têm origem no passado, sendo importante pesquisar
suas raízes para compreender sua natureza e função. Esse método possibilita uma
pesquisa mais aprofundada sobre o objeto e o contexto que o cerca.
A metodologia qualitativa preocupa-se em analisar e interpretar
aspectos mais profundos, descrevendo a complexidade do
comportamento humano. Fornece analise mais detalhada sobre as
investigações, hábitos, atitudes, tendências de comportamento etc
(MARCONI; LAKATOS, 2004, p. 269).
A abordagem qualitativa e o método histórico aliados resultaram em uma
abordagem bastante ampla e profunda, dessa forma possibilitam um diálogo entre o
pesquisador e objeto. O contato entre pesquisador, doador e pessoas que de
alguma forma tiveram contato com o objeto proporcionam ao pesquisador a
oportunidade de aprofundar ainda mais a sua pesquisa, obter informações mais
seguras e enriquecer sua pesquisa.
O processo de pesquisa do objeto, iniciou-se com a necessidade de uma
maior comunicação entre objeto e museu, atribuindo valores e informações,
características importantes e únicas na formação de conhecimento. Essa
necessidade impulsionou a realização de um trabalho de pesquisa voltado ao objeto.
Dentro dessa abordagem, o método histórico e a abordagem qualitativa fortaleceram
a pesquisa oral em um questionário pré-definido e aberto aos entrevistados. Esse
modelo de questionário permite um contato mais próximo entre pesquisador e
78
entrevistado e consegue dar espaço para possíveis discussões. Após esse processo
podemos observar os seguintes resultados.
Assim como o ser humano, um objeto do museu em hipótese alguma é livre
de significados. A ele os mais variados pontos de vista podem ser direcionados.
Sobre ele diferentes culturas podem discursar e argumentar, mas somente a
pesquisa museológica pode contribuir com informações verídicas. A realização do
processo de pesquisa museológica sobre a cama resultou em estudo sobre o objeto.
2. A história dos colonizadores representada no objeto cama
Desde o inicio dos tempos o homem esteve em busca de maneiras (ou
condições) que facilitassem sua vida. Descobrindo o fogo, técnicas de caça, busca
por abrigo em cavernas e grutas. Todos esses aspectos acabaram por facilitar seu
modo de vida e incentivavam novas descobertas.
A cama tem sua origem no inicio dos tempos, naquele período tinha uma
forma muito rudimentar, resumia-se a um amontoado de folhas que servia como uma
proteção entre o homem e o solo. Isso permitia o maior aquecimento e conforto.
Este foi o princípio da cama na existência humana.
Durante a noite ou o dia, enquanto as pessoas repousavam o corpo sempre
permanecia em contato com o solo. Esse contato diário acarretava uma série de
problemas de saúde. Apresentava-se então a necessidade de elevar a cama, como
uma maneira de proteger o corpo de bactérias, doenças e frio. A cama passa a
possuir pernas que lhes dava sustentação, cabeceira, suporte para pés e estrado.
Nas antigas civilizações do Egito e da Assíria a cama já era um mobiliário
muito comum, possuíam formas bastante distintas com adornos e incrustações
preciosas. Na Idade Média as camas passam a ter formas mais retas e simples,
além de serem utilizada para dormir, descansar, sentar-se, ler, praticar sexo ela
também era utilizada como um local para fazer as refeições. A partir de século XIII
as camas voltam a ser ornamentadas com pinturas, incrustações e em relevo,
mostrando muito luxo e sofisticação.
No final de século XIX o Brasil passa a ser colonizado por imigrantes vindos
da Europa, a maior parte dessa população teve como destino o sul do país. Santa
Catarina (Brasil) foi um dos estados que recebeu muitas famílias vindas da Europa.
79
Conforme Ricken (2008) a região de Santa Rosa de Lima passou a ser colonizado
por volta do ano de 1900, muitas famílias de descendência italiana e alemã se
fixaram no território. Quando os primeiros colonos chegaram ao território não traziam
sua família, deixavam a mulher e os filhos menores em casas de parentes e amigos
e seguiam a viagem pela conquista das suas terras. Geralmente o colono não ia
sozinho, partia com ele os filhos maiores que fossem capazes de manobrar o
machado e alguns vizinhos que ajudavam na busca por território.
O inicio da vida era muito difícil, pois chegavam a um território desconhecido,
coberto por mata nativa e habitado por tribos indígenas. Iniciavam o povoamento
abrindo clareiras na mata e construindo um barraco que servia para repousarem
durante a noite e para guardar os alimentos. As derrubadas eram feitas inicialmente
na margem dos rios e após a queima da mata plantavam milho. Enquanto o milho
crescia era preparada a madeira para a construção da casa. Após a colheita
buscavam a mulher, os filhos, a criação e os pertences. As casas da região eram
simples, mas bastante espaçosas para a época, isso devido as famílias serem
numerosas.
Era difícil pra fazer as casas, tirava o alinhamento do mato, se
ajudava com umas pessoas para carregar pra fora. E as taubinhas
era tudo serrado a braço. Buscava telha com cargueiro lá no Rio
Fortuna, onde tinha uma olaria, outros rachavam taubinhas e usavam
para cobrir as casas. Aprendi a serrar com meu avó que já era velho,
foi ele que me ensinou. (Daniel Roecker, agricultor e filho de
imigrante alemães).
As casas eram compostas por uma grande sala e vários quartos de dormir.
A cozinha geralmente possuía duas salas, a cozinha propriamente dita, e o
refeitório, tendo ainda um quarto para guardar mantimentos e comidas. Um fogão a
lenha, uma mesa, bancos e uns poucos instrumentos domésticos guardados em um
único armário formavam o cenário.
O quarto era composto por uma cama de casal bastante alta, um baú e um
cabide, que era suficiente para acomodar todos os pertences. No contexto desse
período o baú era objeto sempre presente, na maioria das casas juntamente com a
cama ajudava a compor o ambiente do quarto. Em todas as casas existiam mais de
um, os mais bonitos e trabalhados eram usados para guardar roupas e calçados.
80
[...] naquela época o baú era o guarda-roupa, nós tinham um par de
sapatos, e uma ou duas mudas de roupa, cabia tudo dentro de um
baú eu e minha irmã dividíamos o quarto e também o baú. A gente
ganhava uma roupa no natal, as vezes na páscoa e o primeiro
sapato a gente ganhava quando fazia a primeira comunhão [...]
(Rosalina Luctemberg agricultora e descendente de imigrante
alemães).
Existiam baús mais simples, usados para guardar alimentos como: farinha
de mandioca, arroz, farinha de milho e outros mantimentos usados para a
alimentação. A utilização de baú para a guarda de alimentos fazia-se necessária por
uma questão de higiene, evitando o contato de roedores e insetos com os alimentos.
As camas eram altas, no fundo tinham uma camada de palha, sobre ela um
colchão feito de marcela ou de flores de taboa. Na cabeceira se acomodavam os
travesseiros de penas ou marcela. A coberta era de pena, usada tanto no inverno
como verão. A própria família é que recolhia os materiais e também produzia as
cobertas, travesseiros e colchões que eram usados pelos membros da família.
Nesse contexto novamente a cama é um objeto presente, de maneira mais simples,
mas com a mesma finalidade das camas que surgiram muitos anos antes.
A mesma dificuldade que os colonos encontraram para construção de suas
casas, permanecia quando procuravam por mobiliário. A grande distância entre as
comunidades, o difícil acesso, a falta de marceneiros e até mesmo condições
econômicas para o pagamento dos mesmos fazia com que os próprios colonos
produzissem os móveis. Derrubavam e serravam a madeira, quando não eram eles
mesmos que produziam, levavam até um conhecido que entendesse um pouco e
este os fazia. Esse fator fez com que a maior parte dos moveis daquele período
fossem simples.
Meu pai tinha uma casa de tijolo à vista e a cozinha era de madeira.
Os móveis eram muito poucos, as camas eram feitas de tábuas
simples, enchia um saco de palha de milho e colocava dentro, e
ficava bem fofinho. Tinha uma mesa alguns bancos, sofá ninguém
conhecia. (Rosalina Luctemberg, agricultora e descendente de
imigrante alemães).
81
A cama sempre foi um móvel presente no cotidiano da sociedade bem como
dos colonos da região. Algumas possuindo características simples e outras com
mais requinte e sofisticação. Esse objeto consegue mostrar o modo de vida de um
povo, seus costumes e tradições. Informações relacionadas à economia, religião e
convívio familiar.
Ao ouvirmos falar em cama sempre nos vem em mente o descanso, o
sossego e o prazer. Mas a cama consegue ir muito além de seu valor de uso, por
trás de um objeto muito simples existem muitas histórias, angústias que podem estar
escondidas. Essa memória esta impregnada nos objetos e espaços dos museus,
surgindo do passado por meio da pesquisa museológica.
Considerações finais
A cama sempre foi um móvel presente no cotidiano das famílias da cidade de
Santa Rosa de Lima, diferenciado suas características em função do poder
aquisitivo das famílias.
Esse objeto fez parte da vida familiar, em momentos de alegria,
representados pelo nascimento de uma criança que é símbolo de vida, mas também
de dor e sofrimento com a morte e períodos de enfermidade de pessoas da família.
Um elo de amizade proporcionou a construção da cama, em um período onde
a falta de mão-de-obra especializada resultava na ajuda mutua dos membros da
comunidade. Ajuda que se caracterizava tanto na construção de móveis, casas,
igrejas e espaços comunitários.
A composição das roupas de cama partia dos membros da família, a mãe
costurava as capas dos travesseiros e das cobertas. Os filhos ajudavam na colheita
das flores de marcela que compunham os travesseiros. As penas que formavam a
coberta, e as palhas de milho que preenchiam o colchão também era resultado do
trabalho coletivo. Essas características representavam o cotidiano de maior parte
das famílias da região, que com o seu trabalho e poucas condições financeiras
proporcionavam o mínimo de conforto possível.
Na história da sociedade os objetos sempre tiveram seu espaço, de alguma
forma eles sempre foram representativos para o homem. Mas a possibilidade de
buscar novas informações sobre eles, representa para o homem algo ainda melhor,
82
pois novas descobertas sobre um determinado objeto podem contribuir e mudar a
história que até um determinado espaço de tempo era considerado verdade. A
história nunca permanece estagnada no tempo, novos signos sempre são
agregados a ela.
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RICKEN. D.T; RICKEN.I. Rio Fortuna Resgatando as Origens, Cultivando
Valores, Alicerçando o Futuro. Vol. 1. Rio Fortuna, 2008. 426 p.
Sumário
83
III CONGRESSO INTERNACIONAL DE EDUCAÇÃO UNIBAVE
“Educar na e para a diversidade”
Orleans, 06, 07 e 08 de novembro de 2008
A EDUCAÇÃO ESCOLAR E A CULTURA DOS INSTRUMENTOS
DISCIPLINARES
Caroline Martello 1
Resumo: A carteira escolar como instrumento disciplinar começa a ser utilizada na
Região do Alto Vale do Rio do Peixe em meados de 1930, quando se instala dois
colégios na região. Dessa forma, nos seus variados instrumentos, a educação
escolar em Caçador marcou uma época de progresso. O Museu Histórico e
Antropológico da Região do Contestado no seu papel de salvaguarda e
comunicação expõe objetos dessa história como uma das carteiras escolares
duplas utilizadas, formando um espaço para a pesquisa museológica. Diante das
perspectivas que a carteira representa para o contexto educacional, este artigo
tece considerações sobre a cultura disciplinar implícita em seu uso, configurando
uma análise da realidade mediante os recursos criados no decorrer da história
educativa.
Palavras Chaves: Cultura disciplinar. Educação. Carteira Escolar. Pesquisa
Museológica.
Introdução
“A vida só é possível se reinventada”
(Cecília Benevides de Carvalho Meirelles)
O presente artigo aborda a carteira escolar como objeto de pesquisa
museológica, a qual incorpora o surgimento do primeiro núcleo escolar na região,
mais precisamente na cidade de Caçador, região meio-oeste do Estado de Santa
Catarina.
A constituição do referido núcleo viabilizou-se na década de 30 a
instalação efetiva de dois ginásios na cidade, assim a migração de crianças e
jovens do interior para o centro interessados em uma educação escolar torna-se
freqüente, logo Caçador vira pólo em educação.
1
Caroline Martello, acadêmica da 5ª fase de Bacharelado em Museologia pela Fundação
Educacional Barriga Verde. e-mail: [email protected]
III CONGRESSO INTERNACIONAL DE EDUCAÇÃO: EDUCAR NA E PARA A DIVERSIDADE
ORLEANS, 06, 07 E 08 DE NOVEMBRO DE 2008
PP.84-92
Para tanto, métodos e normas eram criados e seguidos dentro das
instituições educacionais para que Caçador cada vez mais crescesse em torno da
educação. O mobiliário, por exemplo, era disposto dentro de uma reforma escolar
do ano 1911 que seguia um designer tosco e desconfortável, ainda que se
buscasse por meio da estruturação da escola a eficácia e qualidade.
A organização da “escola moderna” apoiava-se nos itens
seguintes: Prédio Escolar, Mobília Escolar, Material Escolar,
Livros Didáticos, Disciplina, Ensino e Programa. O
ordenamento adequado de todos eles garantiria uma escola
primária eficaz e de qualidade. (NOBREGA, p. 02)
Tentando entender aspectos da vida educacional do município, na
pesquisa optou-se pela análise do uso da carteira escolar pelas alunas do Ginásio
Nossa Senhora Aparecida, inaugurado em 1936, e que hoje se encontra exposta
no Museu Histórico e Antropológico da Região do Contestado. A referida carteira
foi escolhida dentre tantos objetos para ser fonte de pesquisa e relatos por ser um
objeto significativo para a contextualização do período histórico e de suas
repercussões nas organizações sociais.
A pesquisa justifica-se pela significação histórica escondida atrás de
símbolos, neste caso a carteira, que representa traços culturais remontando formas
de vidas e fornecendo mediante a pesquisa museológica, subsídios imprescindíveis
para a compreensão da organização social e, em decorrência, da organização
educacional.
Engana-se quem pensa que a pesquisa museológica é a que
alimenta a ficha técnica. Não é. Mas é nela, na ficha, e na base de
dados, que nasce a pesquisa museológica. Porque essa pesquisa
parte do objeto catalogado para ampliar o conhecimento sobre a sua
inserção no mundo. Por meio dela passamos a observar cada objeto
por seus múltiplos aspectos. (REIS, 1993, p. 01)
Para tal pesquisa foi utilizado o método histórico, com abordagem
qualitativa através da técnica de entrevista oral.
Partindo do princípio de que as atuais formas de vida social, as
instituições e os costumes têm origem no passado, é importante
pesquisar suas raízes, para compreender sua natureza e função.
Assim, o método histórico consiste em investigar acontecimentos,
processos e instituições do passado para verificar sua influência na
sociedade de hoje, pois as instituições alcançaram sua forma atual
por meio de alterações de suas partes componentes, ao longo do
tempo, influenciadas pelo contexto cultural particular de cada época.
85
Seu estudo para uma melhor compreensão do papel que atualmente
desempenham na sociedade, deve remontar aos períodos de sua
formação e de sua modificação (LAKATOS; MARCONI, 2004, p. 91)
O mesmo objeto visto por pessoas diferentes, em épocas e espaços
diferentes, gerará sempre interpretações diferentes. Essa leitura dos objetos estará
sempre ligada ao ambiente dos museus, instituição que tem como função
conservar e estudar os produtos materiais e imateriais do saber humano.
A Educação no Vale do Rio do Peixe e no Estado
Os fatos históricos comprovam que o Vale do Rio do Peixe foi um dos mais
prejudicados com os reflexos da Guerra do Contestado 2. Só a partir de 1928
(quase 12 anos após o final do conflito) é que se sente a necessidade de uma
alfabetização na região, a partir disso instala-se na cidade de Caçador a primeira
escola da região meio-oeste do estado de Santa Catarina, o conhecido “Colégio
Aurora”, ficando a responsabilidade para dois imigrantes italianos: Dante Mosconi e
sua esposa Albina Mosconi.
Em São Paulo, o casal começou o aprendizado da língua portuguesa, mas
não conseguiu entrosamento com a colônia italiana local (THOMÉ, 1993). Decidiu
partir e a escolha recaiu no Rio Grande do Sul, seguindo os dois para a cidade de
Sarandi. No ano de 1924, resolveram se mudar para Passo Fundo, onde Albina
lecionou Matemática e Francês no colégio dos Irmãos Maristas, enquanto Dante
trabalhava em projetos e construções, inclusive no Departamento de Engenharia
da Prefeitura Municipal.
Naquele tempo, a Companhia Estrada de Ferro São Paulo - Rio Grande e
diversas empresas particulares estavam colonizando as terras desocupadas pelo
2
A Guerra do Contestado foi um conflito armado entre a população cabocla e os representantes
do poder estadual e federal brasileiro travado entre outubro de 1912 a agosto de 1916, numa região
rica em erva-mate e madeira pretendida pelos Estados do Paraná e Santa Catarina. A Guerra do
Contestado teve origem em conflitos sociais, frutos de desmandos, em especial no tocante à
regularização da posse de terras por parte dos caboclos. Representando, ao mesmo tempo, a
insatisfação da população com sua situação material, o conflito era permeado pelo fanatismo
religioso, expresso pelo messianismo e pela crença, por parte dos caboclos revoltados, de que se
tratava de uma guerra santa.
86
governo devido a construção da ferrovia e ainda iniciava-se
a
formação
de
diversos povoados junto a algumas estações ao longo do Vale do Rio do Peixe
pelos operários da estrada. No antigo território do Contestado estavam se
instalando centenas de famílias de imigrantes e seus descendentes, na maioria
egressos das colônias velhas do Rio Grande do Sul.
Num dia qualquer do ano de 1928, aportou na estação ferroviária o
cidadão Dante Mosconi, vindo de Passo Fundo para conhecer melhor esta região,
atraído pelas maravilhas a ele contadas por Leônidas Coelho de Souza numa
viagem de trem, “que o convenceu a ficar em Caçador, onde se lutava ativamente
para a criação do Município, no lugar de grande futuro, com população crescente
em ritmo acelerado, mas absolutamente carente de escolas, médicos, paróquia,
etc., assim como de homens de espírito de grandes iniciativas para promover o seu
progresso” (THOMÉ Nilson, 1993). Depois de uma longa conversa, surge a
possibilidade da fixação de Dante Mosconi em Caçador, onde poderia desenvolver
suas atividades na construção civil, adicionada ao vasto e promissor campo de
trabalho para sua esposa no magistério.
Já em 1934, Caçador alcançou sua emancipação política, tornando-se
referência em educação no oeste do estado, colonos do interior migravam para o
centro atrás de estudo digno para seus filhos e “muitas famílias do Rio Grande do
Sul buscavam o futuro no Vale do Rio do Peixe” (THOMÉ Nilson, 1993). Logo a
necessidade de criar um internato não foi dispensada. E para somar a educação na
época através dos padres da Paróquia São Francisco de Assis foi contactada a
congregação das irmãs de São José, com sede em Curitiba – Paraná, para
instalarem na cidade um outro estabelecimento educacional, desta forma em 1936
é inaugurado o Ginásio Nossa Senhora Aparecida.
Regulamentação educacional
No início da República, São Paulo dá início a um processo de
modernização de sua instrução pública primária que repercutiria em outros estados
brasileiros (TANURI, 1970).
Esta reorganização da escola primária pressupunha a
uniformização
e
seriação
dos
conteúdos,
distribuídos
87
racionalmente no tempo de curso, e uma homogeneização dos
grupos de alunos de modo que em cada grupo todos estivessem
dentro de um mesmo grau de desenvolvimento escolar e sujeitos
ao ensino simultâneo. E ainda, a adoção de determinado método
de ensino – lastreado em certa concepção de conhecimento, de
homem, de sociedade: liberal e positivista – chamado “método
intuitivo” ou “lição de coisas”. No Brasil, inicialmente em São Paulo,
deu-se este tipo de organização escolar graduada que foi
nomeada Grupo Escolar, expressando o processo pelo qual foram
criadas: reunião ou agrupamento de escolas primárias
preexistentes em determinada localidade, sob novo prédio.
(SOUZA, 1998)
A Reforma Escolar no Estado de Santa Catarina elaborada no governo de
Vidal Ramos em 1911 e inspecionada no estado de Santa Catarina por Orestes de
Oliveira Guimarães, foi sentida na construção dos dois Ginásios que surgiam em
Caçador nos anos 30.
A primeira delas foi à separação de gêneros a partir da quarta série:
No primário, no ensino primário da época, que era de primeira a
quarta série de hoje, ali era junto, depois os meninos não podiam
mais estudar no Colégio Nossa Senhora Aparecida, então os
meninos iam para o Colégio Aurora Marista e as meninas ficavam
no Aparecida, daí elas seguiam após o primário, veja bem como é,
tinha o primário de uma a quarta série e tinha o ginásio (THOMÉ,
entrevistado).
Outra novidade incorporada à estrutura do prédio, mas que, como as
demais, tinham um fim pedagógico, foram os quadros negros. Em 1909, Guimarães
assim se referia a eles:
Foram construídos quadros negros corridos nas paredes de todas
as classes. Este último melhoramento é um dos melhores
introduzidos, pois facilita muitíssimo o ensino de todas as matérias,
principalmente aqueles que dependerem do processo tabulário
(GUIMARÃES, 1909, p.15).
Não obstante a isso, a introdução da carteira escolar dupla era encarada
como forma disciplinadora e punitiva aos alunos que de alguma forma
ultrapassassem os limites estabelecidos pelo professor.
Essas carteiras eram usadas, lá ainda, dentro de uma
determinação que eu não consegui encontrar o regulamento
original, mas que determinava que os alunos devessem sentar em
duplas, dois a dois, por isso que as carteiras não eram individuais,
eram para dois alunos. (THOMÉ, entrevistado).
88
Pesquisa museológica - a carteira escolar
Vivemos no “tempo dos objetos”. No passado, não muito distante,
havia uma perenidade que hoje não se vê: os objetos viam o
nascimento e a morte de gerações humanas. Atualmente, são os
homens que assistem ao início e ao fim dos objetos (RAMOS,
2004, p. 67)
É nesse contexto que os museus entram como espaços que ancoram
determinados significados e valores, tanto valores de exposição, quanto de valores
de culto, como diria Walter Benjamin. Nos museus esses significados são
partilhados por um conjunto maior de pessoas. E é através da pesquisa
museológica que o museu e o objeto dialogam. E esse dialogo resulta em uma
interação com o visitante.
Os museus também são casas de comunicação e de investigação.
Em meu entendimento um museu só se completa quando
desenvolve essas funções básicas. Assim, como estou tentando
deixar claro, considero a pesquisa como uma das funções do
museu. Estou ciente de que em alguns casos essa função não
esta presente ou, na melhor das hipóteses, esta “relegada para um
segundo ou terceiro plano”.
(CHAGAS, 2005, p. 59)
Desta forma para chegar ao resultado deste artigo a entrevista oral foi
utilizada de maneira a aproximar o objeto de seu contexto.
A história oral preocupa-se com o que é importante e significativo
para a compreensão de determinada sociedade. Esse
levantamento, realizado por meio mecânicos ou manuais, tem
como finalidade preservar as fontes pessoais, obtendo dados que
podem preencher lacunas em documentos escritos, registrando,
inclusive, a linguagem, os sotaques, as inflexões, até mesmo as
entonações dos entrevistados. Tudo o que se pode coletar sobre o
passado de certos indivíduos, suas opiniões e maneiras de pensar
e agir, procurando captar principalmente dados desconhecidos
(MARCONI; LAKATOS, 2005, p. 61)
A carteira escolar em suas diferentes faces trouxe a compreensão de uma
determinada época, participou da vida de diferentes pessoas, carregando em si
histórias de felicidade, educação, sofrimento e disciplina.
Pois é, a carteira escolar especificadamente estava dentro de uma
sala de aula, então você imagine que numa sala de aula que na
época era uma base de trinta, quarenta alunos, né?! De 1936, isso
89
funcionou até 1970, digamos trinta e cinco anos, trinta e cinco
turmas de entorno a quarenta á cinqüenta alunos cada uma.
Quantas pessoas do ano inteiro sentaram obtendo a instrução, a
educação, a parte familiar, era muito interessante, era uma
educação rígida. (THOMÉ, entrevistado).
De outra maneira o uso desta carteira, levava intencionalmente ou não a
exclusão das crianças com alguma deficiência motora, ou até mesmo de
aprendizagem. O professor instruído para tal ação, fazia com que o aluno mais
desobediente senta-se ao lado do que tinha mais dificuldades de aprendizagem,
criando uma ação constrangedora para ambos os alunos.
Seu designer desconfortável – com tábuas intercaladas e as costas de um
servindo com mesa para o de trás, era para muitas crianças a forma mais bela do
contato com um novo mundo, com seu futuro e com uma vida próspera. De
maneira geral esta carteira de imbuia remonta um cenário, de pleno
desenvolvimento econômico da região através das madeireiras que se instalavam
cada vez com mais freqüência pela grande quantidade de mata existente por ali.
Famílias se deslocavam de diversos lugares, atrás de melhores condições de vida
depois de um dos mais sangrentos conflitos que aconteceu na região oeste. A
população se vê salva e acolhida pelas instituições educacionais que surgiam.
Em 1970, o Colégio Nossa Senhora Aparecida sofre uma mudança
administrativa e a Fundação Educacional do Alto Vale do Rio do Peixe, atual
Universidade do Contestado assume a sua administração e reformulam novas
práticas de ensino, descartando o que era utilizado pelas irmãs, inclusive as
carteiras que foram preservadas por um antigo aluno que relata:
[...] por que nem o colégio aurora preservo, nem ninguém tem
dessas carteiras e seu pudesse eu teria preservado mais, não deu
tempo hábil de eu pegar tudo que precisava. E depois se levo
muita coisa embora para Curitiba também, quando as irmãs foram
elas levaram junto... (THOMÉ, Nilson, entrevistado).
Considerações finais
A vinda de algumas irmãs da Sociedade Beneficente CaritativaCongregação das Irmãs de São José para a administração do Ginásio Nossa
90
Senhora Aparecida, trouxe novos conceitos e novas formas de disciplinas para as
meninas que pretendiam estudar nesse colégio. A carteira escolar era mais um
instrumento educacional utilizado de forma disciplinadora e comportamental.
A mesma funcionava com a caneta bico de pena, com o nanquim, com o
papel, porém assume fundamental importância quanto a caracterização de uma
vida escolar promissora, como foi a de Caçador.
Concluindo este artigo percebe-se a gama de informações que se pode
relatar através da pesquisa do objeto. Visitar museu proporciona milhares de
sensações, mas a mais preciosa é quando descobrimos a nossa verdadeira
história. Essa história que reflete na memória das diferentes pessoas e que se vê
exposta nos museus pode ser dita como uma grande “vitrine de memórias”.
Referências
LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Marina Andrade. Metodologia Cientifica. 4. ed.
São Paulo : Atlas, 2004.
RAMOS, Francisco Regis Lopes. A Danação do Objeto: o museu no ensino de
história. Chapecó : Argos, 2004.
GRANATO, M; SANTOS, C. P. MAST Colloquia. v. 7, Rio de Janeiro: Museu de
Astronomia e Ciência Afins, 2005.100 p.
TANURI, L. M. Contribuição Para o Estudo da Escola Normal no Brasil. Centro
Regional de Pesquisas Educacionais – CRPEP: São Paulo, 1970.
THOMÉ, Nilson. História da Instituição Escolar “Colégio Aurora”, de Caçador
(SC). Disponível em:
http://www.cdr.unc.br/PG/layoutNovo/edicoes/numeroquinze/ColegioAurora.pdf.
Acesso em: 15 jul. 2008.
_____________. A Nacionalização do Ensino no Contestado, Centro-Oeste de
Santa Catarina, na primeira metade do século XX. Disponível em:
http://www.histedbr.fae.unicamp.br/navegando/artigos_frames/artigo_087.html.
Acesso em: 16 jul 2008.
NÓBREGA, de Paulo. Orestes Guimarães e as questões educacionais de sua
época: da Direção do Colégio Municipal de Joinville à Reforma do Ensino
Catarinense de 1911. Disponível em:
http://www.anped.org.br/reunioes/24/P0291926962769.DOC. Acesso em: 16 jul.
2008.
91
REIS, Claudia Barbosa. A pesquisa museológica no museu casa Rui Barbosa.
Disponível em: http://www.casaruibarbosa.gov.br/dados/DOC/artigos/oz/FCRB_ClaudiaBarbosaReis_A_pesquias_museologica_no_museu_casa_de_Rui
Barbosa.pdf. Acesso em: 16 jul. 2008.
Sumário
92
III CONGRESSO INTERNACIONAL DE EDUCAÇÃO UNIBAVE
“Educar na e para a diversidade”
Orleans, 06, 07 e 08 de novembro de 2008
A UTILIDADE DA SERRA CIRCULAR DURANTE O CICLO DA MADEIRA:
UM OLHAR SOBRE O PATRIMÔNIO CULTURAL E AMBIENTAL
Eráclito Pereira 1
TC 1G4
Resumo: A madeira figura, por sua importância econômica, como uma das principais matériasprimas para o comércio mundial. Sua influência no progresso da humanidade é das mais
evidentes. Foi usada pelos povos antigos sob formas ainda primitivas. O advento das
ferramentas aumentou as possibilidades de emprego e diferenciou os usos da madeira. O
desenvolvimento da terra, da flora e da fauna e da humanidade é fonte de imensa fascinação e
este artigo está em posição de aprofundar o conhecimento acerca deste tema. A cidade de Bom
Jardim da Serra viveu o que hoje é denominado “O Ciclo da Madeira”, com a implantação de
várias madeireiras para explorar a riqueza de nossa terra. Os rastros positivos e negativos
dessas atividades estão preservados nos Museus da região onde houve o extrativismo da
madeira e, principalmente na memória daqueles que vivenciaram esse período. Socializar este
conhecimento para o público é construir, ampliar e ao mesmo tempo qualificar o olhar frente
aos equipamentos histórico-culturais que nos cercam.
Palavras-chave: Memória. Educação. Serra Circular. Patrimônio Cultural e Ambiental.
Introdução
Não fale em necessidades! Reduza a natureza às necessidades naturais
e o homem não passa de um animal. Entende que precisamos de algo
mais para continuar vivendo?
Shakespeare 2
1
Bacharelando em Museologia / Centro Universitário Barriga Verde – UNIBAVE, Orleans - SC.
Professor da Rede Estadual de Ensino de Bom Jardim da Serra - SC. Secretário do Centro Acadêmico
Livre de Museologia Pe. “João Leonir Dall’Alba” – Unibave, Orleans – SC.
([email protected])
2
SHAKESPEARE, Rei Lear, Séc. XVII Apud COELHO, Teixeira. Dicionário Crítico de Política Cultural:
Cultura e Imaginário. São Paulo: Iluminuras, 1997, pág.14.
III CONGRESSO INTERNACIONAL DE EDUCAÇÃO: EDUCAR NA E PARA A DIVERSIDADE
ORLEANS, 06, 07 E 08 DE NOVEMBRO DE 2008
PP. 93-101
O meio ambiente, a partir de um ponto de vista humanista, compreende a natureza e
todas as modificações nela introduzidas pelo homem. Assim, essa mesma visão nos permite
separar o meio, transformando em dois: o natural e o cultural.
A cultura, segundo o conceito antropológico é o elemento que identifica as sociedades
humanas, ainda que a não consiga existir isolada do mundo natural. Dessa forma dizemos que
cultura e ambiente são elementos indissociáveis, portadores de ampla diversidade. “A história é
a estampa de um povo. Seu desaparecimento esta para sua gente assim como o ar está para a
raça humana” (MACARI) 3.
Com efeito, o que consideramos patrimônio ambiental-natural e cultural, é elemento
fundamental da cultura e principalmente da civilização dos povos, ou seja, uma vez que o
desaparecimento deste esteja ameaçado, toda a sociedade a qual ele pertence também estará
ameaçada.
Considerando que o homem é um ser histórico, e que vive em processo, é possível dizer
que ele cria um conceito mediador no qual ele dialoga com o meio, garantindo desta forma a
sua inserção sócio-cultural no tempo e espaço.
1 A utilização da madeira na construção de instrumentos de uso diário
A utilização de madeira na construção não é nenhuma novidade. Desde a antiguidade
ela é utilizada seja de uma maneira funcional (estrutura, cobertura, etc), seja de maneira
decorativa.
A madeira foi um dos primeiros materiais utilizados pelo homem na construção de
habitações e equipamentos de transporte. As técnicas de utilização da madeira, bem como de
sua extração, nos reportam a Grécia Antiga, quando na escultura surgem os primeiros kouros 4
em madeira.
3
Rivaldo Antonio Macari, Deputado Estadual, in Bom Jardim da Serra – Um pouco de sua história –
CARVALHO, Eliane Zandonadi de; GAMBA FILHO, Raulino. Florianópolis: Paralelo 27, 1992, Prefácio.
4
Kouros do Grego – Homem Jovem.
94
Da mesma forma contextualizamos aí o surgimento do Museion - morada das musas.
Templo onde as oferendas de adoradores formavam coleções. Apareceu no Egito dos Ptolomeu,
teve seus objetos confinados em grandes gabinetes, galerias e pinacotecas, para depois
abandonar a sua estrutura antiga, e tornar-se patrimônio coletivo dos povos (GIRUADY;
BOUILHET 5)
À antiguidade também é reportada a técnica de flexionar madeiras, inicialmente cestos
de varas e posteriormente a construção de barcos. Sim, de madeira foram os primeiros barcos,
carros, trenós; as primeiras armas, arcos e flechas. O que mudou com o tempo foram as
técnicas de construção com madeira, seu melhoramento em relação à resistência ao tempo e a
forma que este material é utilizado na arquitetura e não só na arquitetura, também na fabricação
dos diversos artefatos: mobiliário, estruturas, arquitetura de interiores, artesanatos, etc. Muita
coisa hoje em dia que é feita com madeira tem a mesma resistência de uma estrutura construída
com outro material.
Faz-se necessário a preservação constante da história da criação dos objetos de madeira.
Para tal utilizamo-nos dos Museus, como espaços que não só preservam, mas que também
contribuem com ações culturais e educativas, cujo objetivo é possibilitar aprendizagens.
Antes de tudo, é necessário lembrar que vivemos sempre em um processo histórico, o
qual por vezes, estará presente apenas na memória dos que sobrevivem. Uma vez que os
Museus são ambientes educacionais, e de aprendizado mútuo, precisam viver realmente
processos históricos dinâmicos, pois a memória viva de um povo é a garantia da inserção do ser
humano no mundo.
Os Museus por sua vez redimensionam-se em diferentes contextos, e momentos
históricos, e assim sendo reajustam a sua linguagem didática pedagógica de forma que a
comunicação se dê de forma visual, ou seja, por meio de objetos, que reacendem a memória já
mencionada, agora voltada à preservação do patrimônio cultural e ambiental.
5
GIRUADY, Danièle; BOUILHET Henry - Le Musée et La Vie – Tradução de Jeanne France Filiatre Ferreira da
Silva, Instituto Estadual do Livro, ED. UFMG, 1977, pág. 7.
95
2 Bom Jardim da Serra e o ciclo da madeira (1948 – 1987)
Bom Jardim da Serra tem suas origens no início do século XVIII, época em que os
tropeiros do sul do país, principalmente do Rio Grande do Sul, viajavam para o Estado de São
Paulo com a finalidade de levar suas mercadorias, para vendê-las ou trocá-las, e trazer itens não
existentes em suas regiões de origem. Geralmente levavam charque, couro, queijo, sebo,
pinhão, gado, cavalos, suínos e muares, e traziam de volta tecidos, sal, farinha de mandioca,
açúcar, arroz, querosene, munições e armas.
A maior parte dessa região era primitivamente coberta por imensas florestas nativas,
onde, além da imbuia, do cedro, da canela, da erva mate, predominavam os belos e majestosos
pinheiros, tão típicos das paisagens sulinas do Brasil.
E nesse cenário natural habitavam, já há mais de 4.000 anos, povos que viviam da caça,
da pesca e do pinhão. Depois deles, surgiram os índios das tribos Kaingang e Xokleng, ou os
“bugres”, como vieram a ser chamados pelos brancos que desbravaram a região, e dos quais
restam hoje apenas alguns poucos, vivendo em reservas indígenas.
Os “caboclos”, que ainda se encontram por toda parte, mostram, na cor queimada de
suas peles, o “sangue” miscigenado dos primitivos habitantes deste lugar.
Com a grande procura por madeira, e possuindo a região de Bom Jardim da Serra
grandes áreas de araucária nativa, a partir de 1949 e até por volta de 1967, houve um afluxo
muito grande de madeireiras que aqui montaram suas serrarias, retirando milhares de metros
cúbicos de madeira por dia.
Durante esse período criou-se um grande número de empregos e o comércio da cidade
cresceu enormemente, impulsionado pelo volume de dinheiro que circulava em todos os
setores.
Alguns madeireiros que se dedicavam à extração da araucária, nas décadas de 40 e 50,
instalaram um cabo aéreo, semelhante a um elevador nas proximidades da Serra do Rio do
Rastro para descerem toda a produção e estas eram transportadas para o seu destino, geralmente
Porto Alegre.
Entretanto, como toda extração não controlada, nesse espaço de tempo praticamente
extinguiu-se as matas de araucária natural, passando os campos a serem simplesmente áreas
descampadas.
96
As serrarias, como sempre, são nômades, e assim que a madeira escasseou, foram-se
embora, deixando um vasto número de desempregados, e o comércio à beira da falência
(muitos faliram mesmo).
Com a volúpia do ganho imediato, os proprietários de terras não se preocuparam em
replantar as áreas desmatadas e também não investiram no comércio local, preferindo a
aquisição de bens móveis ou mesmo outras propriedades. Com isso o comércio local definhou e
hoje é um simples arremedo daquele de outrora.
2.1 A serra circular como instrumento de mudança cultural e ambiental
Segundo Willinston (1976) 6 os egípcios 6000 anos a.C. já utilizavam serras de bronze
para serrar madeira e os romanos com a utilização de ferro desenvolveram uma serra alternativa
manual ou, eventualmente movida por roda d’ água.
Muitas dificuldades foram encontradas até que novas técnicas foram desenvolvidas para
facilitar o extrativismo. Com o advento das máquinas de serrar ficou mais fácil a derrubada de
pinheiros. Não se usava mais um traçador – serrote utilizado por duas pessoas uma de cada lado
– para extrair a madeira das matas de araucária, mas sim peças motorizadas.
A primeira patente para uma serra circular foi concedida em 1777 na Inglaterra. Nas
serras circulares o elemento de corte é uma folha circular ou disco, dentado em sua periferia,
aplicando sobre um eixo que gira a uma velocidade variável; ao girar, os dentes penetram na
madeira e a cortam. Por serem de fácil operação, eram as mais usadas no processamento da
madeira. Quando utilizadas como serras principais eram propícias apenas para pequenas toras.
As serras circulares múltiplas dispunham de mais de dois discos de serra, o que permitia
as mesmas a execução de quantos cortes fossem necessários simultaneamente. Possuem ainda
um conjunto de discos móveis que permitem a mudança de bitolas com rapidez.
Durante o Ciclo da Madeira na cidade de Bom Jardim da Serra, as serras circulares
eram fabricadas e exportadas por empresas paranaenses e gaúchas.
As serras circulares tinham as funções de refilar e modular a madeira. Hoje podemos
contemplá-las no Museu Histórico Municipal de São Joaquim – Espaço “Assis Chateaubriand”,
6
WILLINSTON, E. M. Lumber Manufacturing: The Design and Operation of Sawmills and Planer
Mills. San Francisco - Editora Miller Freeman Publications, 1976. 512p.
97
bem como nos demais Museus da região. E não somente serras circulares, mas outras tantas
peças doadas ao Museu de São Joaquim pelo Sr. Gilberto Grillo, que fizeram parte deste
processo histórico denominado “Ciclo da Madeira”, e que são um “prato cheio”, para o
desenvolvimento de possíveis ações culturais e educativas.
3 Considerações finais
Paxinã
As idéias diversas encontram-se; as múltiplas faces de um mundo
aparentemente conhecido que os “entraves de meus olhos” não
quiseram ver nas mudanças da vida.
A dança do saber observar o “outro olhar”, que à distância também
não tem de mim notícias: práticas diferentes intergrupais...
Necessidade urgente de aproximar esses “tesouros” de seus
construtores.
A humanidade agradecerá com essa vontade desmedida de aproximar a
produção cultural de um Estado em um espaço comum formando um
musical de múltiplas diferenças.
O canto do Paxinã é minha alma e renasce a cada vez que sou lançado
a desafios como esse... Recolher pedaços da vida e costurá-los com
lágrimas, alegria e satisfação.
Rinaldo Barbosa Sanches 7 2002 – (Citado por Maria Célia Teixeira
Moura Santos, In Encontros Museológicos – reflexões sobre a
museologia, a educação e o museu – Minc/IPHAN/DEMU - 2008 p.173).
Preservar a natureza intocada implicaria a morte dos seres humanos porque isto
impediria até a coleta e a caça, e não haveria como alimentar a humanidade.
Não houve! Ali havia muita discussão sim, mas poucas replantaram
acho que eles acharam que era antieconômico, e não havia um retorno
na região. Aqui teve duas firmas que plantaram: Foi a Batistela e a
Gaúcha, mas não deram continuidade.
7
Coordenador da Unidade de Ação Comunitária do Museu Sacaca
98
Sérgio Ramos Melo 8 - (Referindo-se as empresas madeireiras que não
se preocuparam em replantar as matas araucárias – Entrevista concedida
em 27 de maio de 2008).
Com efeito, o ato de preservar o meio ambiente natural e cultural é torná-los
imprescindíveis para a manutenção do equilíbrio ambiental, e conseqüentemente,
identificadores ou não da história da sociedade humana e da cultura deste mesmo grupo social.
Tem muitos pontos que houve uma recuperação né. Não houve mais
queimadas naqueles pontos onde foi destruído pelas queimadas. Onde
houve destruição a própria natureza recuperou.
Sérgio Ramos Melo - (Referindo-se as “matas” de araucárias ainda
existentes em Bom Jardim da Serra – Entrevista concedida em 27 de
maio de 2008).
O patrimônio ambiental é a garantia de sobrevivência física da humanidade e o
patrimônio cultural é a garantia de sobrevivência social dos povos.
Busca-se uma nova visão de museu, busca-se um espaço aberto, capaz
de permitir experimentações amplas, como ações educativas onde o
sujeito possa criar, construir e representar novos conhecimentos
(Pantaleão 9)
Assim, se faz necessária uma intervenção na qual, a partir de um olhar
museológico onde será possível por meio de ações educativas fazer com que não apenas alunos,
mas também o público do museu reconheça os benefícios e os malefícios que o extrativismo
proporcionou ao meio ambiente.
8
Funcionário Aposentado da Gaúcha Madeireira Ltda. – Ocupava o Cargo de Contador, na cidade de
Bom Jardim da Serra – SC.
9
- PANTALEÃO, Margarida Brandina – in Museu e ação pedagógica; uma parceria de sucesso
Artigo Publicado na Revista Museu – 2006.
99
Através destas ações a instituição museológica proporcionará o acontecimento do Fato
Museau: Relação Homem – Objeto e assim será possível conscientizar a comunidade de que o
museu é ao mesmo tempo, um vínculo de expressão popular (história oral) e também uma
instituição capaz de preservar a memória de um povo e de estimular processos de
aprendizagens.
Referencias
SHAKESPEARE, Rei Lear, Séc. XVII Apud COELHO, Teixeira. Dicionário Crítico de
Política Cultural: Cultura e Imaginário. São Paulo: Iluminuras, 1997, pág.14.
WILLINSTON, E. M. Lumber Manufacturing: The Design and Operation of Sawmills and
Planer Mills. San Francisco - Editora Miller Freeman Publications, 1976. pág. 512.
GIRUADY, Danièle; BOUILHET Henry - Le Musée et La Vie – Tradução de Jeanne France
Filiatre Ferreira da Silva, Instituto Estadual do Livro, ED. UFMG, 1977, pág. 7.
SANTOS, Maria Célia Teixeira Moura. Encontros Museológicos – reflexões sobre a
museologia, a educação e o museu. Rio de Janeiro: Minc/IPHAN/DEMU, 2008, pág. 256.
CARVALHO, Eliane Zandonadi de; GAMBA FILHO, Raulino. Bom Jardim da Serra – Um
pouco de sua história. Florianópolis: Paralelo 27, 1992. Prefácio.
PANTALEÃO, Margarida Brandina – in Museu e ação pedagógica; uma parceria de
sucesso Artigo Publicado na Revista Museu – 2006.
Fonte oral
Sérgio Ramos Melo – Funcionário Aposentado da Gaúcha Madeireira Ltda. Ocupava o Cargo
de Contador, na cidade de Bom Jardim da Serra – SC. (Entrevista concedida em 27 de maio de
2008).
100
Sumário
101
III CONGRESSO INTERNACIONAL DE EDUCAÇÃO UNIBAVE
“Educar na e para a diversidade”
Orleans, 06, 07 e 08 de novembro de 2008
ARTEFATO DA CULTURA AÇORIANA: PÃO-POR-DEUS
Lenaide Gonçalves Innocente
UNIBAVE – [email protected]
TC 1G3
Resumo: Este artigo analisa o gênero Pão por Deus (Pão-de-Deus) que é produzido nas comunidades
açorianas, na costa sul de Santa Catarina. Objetiva-se investigar a historicidade do gênero “PÃOPOR-DEUS” que circulava e/ou circula, nas comunidades de origem açoriana, no litoral sul de Santa
Catarina. Além de investigar de que forma se processava a interação dos envolvidos no ato
comunicativo e como era a estrutura textual, foram feitas entrevistas com membros da comunidade
açoriana, a fim de investigar como a interação entre os participantes se efetuava durante o agir
comunicativo. Foram coletadas doze amostras do gênero em estudo e com o material coletado
processou-se a análise com base nos procedimentos propostos em Motta-Roth (2005b, p. 192) com
"foco no texto e contexto".
Palavras-chave: Gênero Pão-por-Deus. Interação. Comunidade
1
Introdução
O ser humano é um ser social, e como tal, necessita comunicar-se com o outro,
estabelecer relações sociáveis e para isso utiliza-se das linguagens, sejam elas orais, escritas,
gestuais ou simbólicas. A escrita, assim como a fala, aparece nestas relações a todo instante,
dando origem aos gêneros textuais.
Por isso, desde a década de oitenta o estado de Santa Catarina, com a sua Proposta
Curricular construtivista (1988), e na década seguinte, com a Nova Proposta Curricular (1998)
com uma abordagem sociointeracionista,
propõe um trabalho com gêneros (textuais ou
discursivos) no ensino da Língua Portuguesa. Isso não é diferente nos PCNs de Língua
Portuguesa (1998), no que diz respeito a gênero, pois, esse documento sugere um estudo
analítico de gênero e ainda propõe que o estudo da língua tenha-o “como objeto de ensino”, a
III CONGRESSO INTERNACIONAL DE EDUCAÇÃO: EDUCAR NA E PARA A DIVERSIDADE
ORLEANS, 06, 07 E 08 DE NOVEMBRO DE 2008
PP. 102-111
fim de possibilitar aos alunos a produção adequada dos gêneros que circulam na sociedade.
(BRASIL, 1998, p. 48).
Diante do exposto, este artigo tem como objetivo levantar a historicidade do
gênero “PÃO-POR-DEUS” que circulava nas comunidades de origem açoriana, no litoral sul
de Santa Catarina. Além de investigar de que forma se processava a interação dos envolvidos
no ato comunicativo e como era a estrutura textual.
A presente pesquisa se caracteriza como um estudo qualitativo. Teve como campo
de estudo os municípios de Imbituba, Garopaba e Imaruí. Os dados foram coletados por meio
de entrevistas semi-estruturadas, no período de setembro a outubro de 2007. Os sujeitos da
pesquisa foram moradores dos municípios citados, entre 45 anos a 90 anos. Foi estabelecido o
aspecto ético do consentimento para as entrevistas, conservando-se a fidedignidade das falas.
Durante a pesquisa obteve-se uma amostra do gênero em estudo, composta por doze
exemplares. Com o material coletado, os dados foram analisados com base nos procedimentos
propostos por Motta-Roth (2005b, p. 192) com “foco no texto e contexto”.
2
Conceito de gêneros textuais
De acordo com Bonini (2002, p.12), no período pré-cristão, já havia uma
preocupação entre os gregos de que o texto tivesse uma forma identificável. Aristóteles em
seu livro: A arte retórica dá testemunhos das discussões sobre a caracterização do discurso.
De lá para cá o que chegou até nós foi um conjunto de fórmulas de composição dos textos,
todas voltadas às possibilidades de convencimento.
Ainda do mesmo autor:
Os antigos retóricos tinham como preocupação central. O desenvolvimento da
capacidade de argumentar e, para isso, como componente de técnicas didáticas,
desenvolveram uma descrição de partes convencionais do discurso. Deve ser levado
em conta que, neste período e nos posteriores até o século XX. Não havia uma
definição bastante técnica sobre o que venha a ser um texto. (BONINI, 2002, p. 12).
De acordo com Bonini (2002), esse modo de estudo da identidade dos textos,
seguindo a visão clássica, tentava construir princípios que possibilitassem classificar todos os
gêneros textuais existentes.
O mesmo autor lembra que Bakhtin, em meados do século XX, aponta uma
segunda concepção, de que os textos adquirem identidades específicas.
103
Toda a reflexão de Bakhtin sobre a linguagem centra-se em uma noção de diálogo.
O dialogismo, tomado como um princípio fundamental da linguagem, pressupõe que
o esforço na construção de uma ação linguageira é compartilhado pelos interatores
envolvidos, não havendo assim um receptor passivo. (BONINI, 2002, p. 14).
Então, texto é uma ação que deve considerar os aspectos da interação e as
condições sócio-históricas da produção da linguagem.
Bonini (op.cit. p. 15) ainda afirma, que foi a partir da década de 80 que os debates
em torno das questões de gênero possibilitaram o surgimento de várias abordagens teóricas.
“Dentre muitas destaco: o modelo sócio-retórico de Swales (1990; 1992); e o
configuracionista de Adam (1987 – 1992)”.
De acordo com Swales (1990), “O conceito de gênero, por sua vez, diz respeito à
forma e ao conteúdo característicos de um texto, aos propósitos comunicativos que encerra e
ao seu percurso social. (citado por BONINI, 2002, p. 62)
Sendo assim, toda comunicação envolvendo interlocutores conhecedores das
convenções da linguagem utilizada apresenta-se sob alguma forma de gênero textual.
2.1 Gênero: “artefatos culturais” construídos nas relações humanas
Motta-Roth (2002, p. 80) afirma que o gênero “(...) pressupõe uma forma,
conteúdo e função específicos” e “propósito” (SWALES, 1990) que origina-se “a partir da
experiência humana em uma dada cultura” 1 (MOTTA-ROTH, idem. ibid.); ou, nas palavras
de Marcuschi (2005, p. 30), gênero são “artefatos culturais construídos historicamente pelo
ser humano”. Como artefatos culturais, os gêneros nem sempre sobrevivem às mudanças
sócio culturais, que ocorrem no mundo. Há vários gêneros que fizeram história em um dado
contexto e, hoje, não circulam mais na sociedade, perderam seus propósito e sua funções
comunicativas. A partir do momento que ocorre essa perda de propósito, o gênero perde seu
valor cultural, e, é extinto de uma comunidade discursiva.
A linguagem se constitui como gênero, segundo Meurer (2002, p. 11), no
momento em que serve de “materialidade textual e une determinada interação humana”. Esta
interação tem tempo e espaço determinado.
1
“Cultura’, portanto é um sistema, um conjunto de processos sociais, que são dinâmicos e sujeitos a mudanças,
pois não são fixos dentro de padrões sociais econômicos ou nacionais”. (MOTTA- ROTH e HEBERLE, 2005, p.
185).
104
O gênero, nesta linha, é um evento comunicativo, como define Swales (1990) ou,
como enfoca Bakhtin (2003) “enunciados (orais ou escritos) concretos e únicos, proferidos
pelos integrantes desse ou daquele campo de atividade humana” (citado por INNOCENTE,
2005, p. 17). Neste sentido as ações de linguagem movem uma dada comunidade ou contexto
discursivo que se constituem em gêneros textuais, que podem “ser reconhecidos por sua
capacidade de se evidenciar em eventos comunicativos recorrentes (...)” (MOTTA-ROTH,
2002, p. 78).
Segundo Motta-Roth (id., p. 78) estes dois fatores, estabilidade e capacidade de
ocorrência, contribuem para a “convencionalidade” do gênero. A partir do momento em que
não há ocorrência do gênero, pela comunidade discursiva, o gênero tende a se extinguir.
Depois dessas considerações todas, é inegável admitir que os textos, dos mais
variados gêneros, que circulam na sociedade podem constituir sim um objeto relevante no
estudo da língua materna. Com isso torna mais prazeroso o ato de ler e a produção textual
com os gêneros textuais ampliam a competência comunicativa de quem o usufrui. Pois, sabese que é nos textos que se encontram as várias manifestações lingüísticas que o falante
necessita para atingir o maior objetivo da língua: conseguir dominá-la e saber empregá-la
adequadamente nas diversas situações de comunicação, exercendo assim, seu direito de
cidadão .
3
Discutindo os dados
Seguindo os passos delineados na metodologia, a entrevista versou sobre vários
aspectos, tais como origem, propósito, conteúdo e forma. A partir dos dados, passou-se à
análise da amostra, que será ilustrada por comentários dos entrevistados, bem como, as
informações que se obteve através da literatura específica sobre o gênero e das amostras
coletadas.
3.1 Conhecendo um artefato cultural dos açorianos
Um artefato cultural torna-se um gênero textual na medida que nasce em um
“contexto da situação recorrente”, conforme lembra Motta-Roth (2005, p. 190). Neste sentido,
recorrendo à bibliografia pesquisada, o pão-por-Deus foi um gênero que mediava as relações
de amizade, de amor entre os descendentes açorianos, habitantes do litoral sul catarinense.
105
Conforme Volpato (2005), “o pão-por-Deus é uma forma artística folclórica (...), uma
contribuição cultural trazida pelos imigrantes açorianos.”
Percebe-se que este gênero foi flexível ao migrar dos Açores para o nosso litoral.
Lá o pedido de pão-por-Deus acontecia sempre nos dois primeiros dias do mês de novembro,
aqui, ocorre no dia primeiro de outubro (VOLPATO, 2005). Há uma certa flexibilidade
quando concebemos os gêneros como “formas culturais e cognitivas de ação social
corporificada de modo especial na linguagem”. (MARCUSCHI, 2005, p. 18, grifo do autor).
Eles não são estáticos, mas dinâmicos, dependendo do contexto cultural que passam a mediar.
Outra mudança ocorrida de uma cultura para outra é quanto aos usuários deste
gênero. Na ilha dos Açores e arquipélagos da Madeira quem pedia pão e/ou guloseimas eram
as crianças. Aqui, conforme Cabral, os usuários têm qualquer idade e “o objeto do pedido
qualquer outra coisa, até mesmo amor...” (citado por VOLPATO, 2005). O gênero pão-porDeus, entre os anos 1940 a 1960, era “o “centro” das dimensões comunicativas da vida
social” (id., p. 68) das comunidades de origem açorianas do Sul do Estado de Santa Catarina.
Ao questionar-se sobre o formato do gênero em questão, um dos entrevistados
respondeu que quem pedia ou mandava pão-por-Deus os fazia de coração, ou seja, era um ato
feito com sentimentos gerados por laços familiares, de amor ou amizade. Ainda acrescentou
que conforme o coração (cor, tamanho, desenhos, acessórios), “saberíamos a grande amizade
que nos unia ou o grande amor.” Outro entrevistado acrescentou que “só ao ver o coração,
sabíamos se era de um enamorado, pretendente ou não” Fica claro com tais declarações que o
gênero influenciava, exercia uma força na comunidade discursiva conforme lembra Bazerman
(2005, p. 102).
Diante do exposto, observa-se que o “suporte” neste gênero é um fator determinante
para as relações estabelecidas entre seus usuários, confirmando o postulado de Bazerma, que
diz que ao começar utilizar o gênero o usuário:
[...] começará a pensar de maneira ativa, produzindo enunciados pertencentes
aquela forma de vida, e também adotará todos os sentimentos, esperanças,
incertezas e ansiedades relacionadas ao ato de tornar-se uma presença visível
naquele mundo, participantes das atividades disponíveis. (id., p. 102)
O gênero na comunidade discursiva de origem se processava de forma oral com
“cantorias infantis simples ou solicitações simples”. (CABRAL, citado por VOLPATO,
2005). Aqui, conforme entrevista, as pessoas faziam as solicitações via escrita, apenas quando
havia laços muito estreitos de amizade ou familiar entre elas é que o pedido se processava
106
através da língua falada. Ou conforme entrevista: “Primeiro eu chegava até a pessoa fazia um
versinho com o nome dela e pedia (de boca mesmo). Esperava uma semana, se ela não correspondesse
eu fazia o coração e mandava pedir novamente”. (Moradora de Imbituba , 76 anos) 2.
O mais usado era o gênero escrito em um suporte 3 feito em formato de coração,
vejamos no modelo a seguir:
Fonte: www.rosanevolpatto.trd.br/paopordeus.html
Ou conforme o que narram os entrevistados: “Eu fazia um coração com as bordas
todas furadinhas, com agulha de costura, ficava lindo. Depois escrevia a quadrinha e enfeitava com
flores, guardava num envelope e mandava por alguém de minha confiança.” ( Moradora de Imbituba,
72 anos). Outro entrevistado confirma: “O pão-por-Deus tinha formato de coração. O coração era
rendado e no papel de seda, colorido. Dentro tinha quadrinhas amorosas que mandavam para os
namorados, padrinhos.” (moradora de Imbituba, 65 anos)
O pão-por-Deus tem um formato padronizado, mostrado anteriormente. E na
escrita, estrutura-se com uma estrofe de quatro versos (quadra ou quadrinha). Cada suporte
comportava uma estrofe. Era escrito em primeira pessoa do singular. Às vezes, o autor dava
pistas sobre sua identidade.
Vejamos: “Minha mãe é cantadeira/De um grande terno de Reis/Vou mandar um pãopor-Deus/Para a família de vocês.”
A rima aparece sempre no segundo e quarto verso, ilustra-se a seguir:
“Lá vai
meu coração/Meu querido visitar/Vai pedir o pão-por-Deus/Perdoe o amigo, incomodar.”
Percebe-se claramente a tipificação do suporte, no entanto, este detalhe não o
torna fixo, há uma variedade deles, e esta variedade surge com a criatividade do povo que
constrói e reconstrói os mais variados tipos de suporte. Este gênero era escrito “em lindos
papéis rendilhados, coloridos, em forma de coração, ou de acordo com a sensibilidade
artística de cada um.” (VOLPATO, op. cit).
Portanto, os gêneros não podem ser classificados, conforme lembrou Marcuschi
(op. cit. p. 18) “de maneira rígida. Devem ser vistos na relação com as práticas sociais, os
2
3
Foi preservada a variação lingüística dos participantes.
“É uma superfície física com formato que suporta, fixa e mostra um texto.” (MARCUSCHI, 2003, p. 6)
107
aspectos sociais, os interesses, (...) e no interior da cultura.” Procura-se analisar esses aspectos
na próxima seção.
3.2 Práticas sociais mediadas
Com o resultado da observação das amostras, percebe-se que várias práticas
sociais eram mediadas por este gênero, que tinha estabelecido, como propósito principal, a
troca de presentes. Observe: “Lá vai meu coração/Que agora não posso ir/Neste rendilhado
papel/Pão-por-Deus mando pedir.”
Nesta relação estabelecida constata-se, claramente, o que afirma Bazerman (2005,
p. 566) quando nos diz que o “gênero fornece um meio para que os indivíduos possam
orientar-se e realizar situações de modo reconhecível, com conseqüências reconhecíveis (...)”.
Essas situações passam a mediar várias práticas sociais no interior de uma dada comunidade.
Uma vez que, um dos membros da comunidade enviava o pão-por-Deus, passava
a ser candidato a receber um presente, ou outro pão-por-Deus em forma de agradecimento, ou
ainda, em resposta do enviado até o dia do natal. Esta relação é construída em uma dialógica,
pois, é interessante ressaltar, que este retorno era certo, a comunidade açoriana havia
estabelecido a obrigatoriedade de retribuir tal pedido. A retribuição era uma forma de
agradecimento; de cumprir a promessa. Isto se evidencia em cada entrevista.
Vejamos: “Eu recebi um pão-por-Deus de um senhor, meu vizinho, e ele veio a falecer.
Fiquei muito preocupada. Como pagar o pão-por-Deus? Então minha mãe me mandou acender uma
vela pro defunto... Fiquei tranqüila”(Moradora de Garopaba).
A pessoa quando recebia o pão-por-Deus era cometida de emoções e ansiedade.
Emoção porque foi lembrado, era querido ou amado de outrem. Por outro lado, ansioso em
saber quem lhe enviou o pedido e como entregar o presente solicitado. Embora houvesse
pistas no texto sobre o autor, este, normalmente, não se identificava, caberia a quem recebesse
descobrir o emitente. Se não fosse descoberto, o autor enviava outro pão-por-Deus se
identificando. Com estas atividades constata-se como “os gêneros moldam as intenções, os
motivos, as expectativas, a atenção, a percepção, o afeto e o quadro interpretativo.”
(BAZERMAN, 2005, p.102)
Os participantes dessa atividade cultural estavam temporariamente (de outubro a
dezembro) implicados naquele pedido efetuado pelo pão-por-Deus. Essa atividade dentro da
comunidade açoriana aumentava os laços afetivos entre os usuários. Segundo os
108
entrevistados, tornava-se uma obrigação retribuir o pedido com um presente. E as pessoas não
podiam recusar o pedido. “Era falta de moral, de ética” disseram alguns, ou, “sem educação”,
responderam outros. Piazza (1956) nos diz que “É, entretanto, necessário frisar que há uma
certa obrigatoriedade no atendimento do pedido de pão-por-Deus, sob pena de Divino
Castigo, visto não se dever negar aquilo que é solicitado em nome de Deus, como afirma o
povo”.
Outra função do gênero e a mais evidente é a relação de dois corações
apaixonados ou enamorados, dos 12 textos analisados apenas três não tratam este tema, como
mostra o exemplo a seguir: “Lá vai meu coração/No carro do tio Silvério/Vai encontrar com
Renato/O meu amor eterno.”
Outro propósito é lembrar a pessoa amada que ela(e) não foi esquecida: “Lá vai
meu pão-por-Deus/Nas asas de uma andorinha/Vai pedir o pão-por-Deus/A minha amada Belinha.”
Os usuários do gênero também aproveitam a oportunidade para declarar amizade:
“Eu mandei pão-por-Deus/Na asa de um passarinho/É pelo seu jeito de olhar/Pra mim com
muito carinho.”
Outra função que se percebe é a preservação dos valores religiosos com evocação
aos Santos e a Deus: “Mandei pedir aos Santos/Para os Santos pedir a Deus/Mando pedir meu
amor/Que mande meu pão-por-Deus”
Além de firmar uma amizade: “Lá vai meu coração/Meu querido visitar/Vai pedir o pãopor-Deus/Perdoe o amigo, incomodar”. E preservar a tradição: “Eu mando este pão-por-Deus/Me
lembrei da tradição/Está gravado o teu nome/No fundo do meu coração.”
Como nos lembra Bazerman (2005, p.21), “nesta seqüência de eventos, muitos
textos são produzidos.
Considerações finais
No processo de desenvolvimento social vivenciado pelos seres humanos, percebese que a linguagem, tanto escrita como oral, foi fundamental para a concretização e
continuação deste desenvolvimento.
Constatou-se durante a análise que o gênero pão-por-Deus mediava várias práticas
sociais das comunidades açorianas. Como vimos, no decorrer do trabalho, a comunicação
acontece, quando os indivíduos envolvidos no discurso estão inseridos num mesmo grupo
social e compartilham da real situação em discurso. Se analisássemos o gênero apenas em seu
109
formato, estático, não conseguiríamos decifrar quais interações humanas ocorriam em nossa
sociedade mediada por este gênero. E percebemos que é a partir da “experiência humana”,
que surgem e sobrevivem na história e na cultura os gêneros textuais carregados de
significados, que o contexto cultural lhe confere.
O pão-por-Deus, enquanto evento comunicativo, perdeu seu valor sociocultural 4 na
região dos descendentes açorianos. Não tem relevância para as novas gerações. Porque os
propósitos na sociedade atual são outros, isto é, a Internet (salas de bate-papo, MSN, entre
outros) ocuparam o lugar deste gênero.
É importante frisar que este trabalho pode servir de proposta pedagógica, para
outros trabalhos, utilizando-se de outros gêneros que circulam ou, circulavam na sociedade. O
importante é levar o aluno a compreender e analisar os vários gêneros produzidos pelas várias
práticas sociais. Além de observar e analisar os aspectos contextuais em que os interlocutores
estão envolvidos. Assim, professor e aluno “(...) aprendem a identificar valores e ideologias”
e (re)descobrem sua cultura (TICKS, 2006, p. 185).
REFERÊNCIAS
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Paulo: Martins Fontes, 2003 [1953].
BAZERMAN, C. Gênero textuais, tipificação e interação; DIONÍSIO, A. P.;
HOFFNAGEL, J. C. (organizadoras); tradução e adaptação de HOFFNAGEL. São Paulo:
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BONINI, Adair. Gêneros textuais e cognição: um estudo sobre a organização cognitiva da
identidade dos textos/Adair Bonini. Florianópolis: Insular, 2002.
BRASIL, Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais:
terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: Língua Portuguesa. Brasília: MEC/SEF, 1998.
INNOCENTE, L. G. A tira em quadrinho no jornal do Brasil e no Diário Catarinense:
um estudo de gênero. Dissertação de Mestrado. Tubarão, SC.: Programa de Pós-graduação
em ciência da linguagem, Universidade do Sul de Santa Catarina, 2005.
MARCUSCHI, L. A. Gêneros Textuais: Configuração, dinamicidade e circulação. In:
KARWOSKI, A. M.; GAYDECZKA, B.S; BRITO K. S. (org.). Gênero Textuais: Reflexões
e Ensino, Palmas e União da Vitória, PR: Kaygangue, 2005.
4
Maiores informações em Hemais e Rodrigues (2005)
110
MEURER, J. L. & MOTTA-ROTH, D. Introdução. In: MEURER, J. L. & MOTTA-ROTH,
D. (Orgs.) Gêneros textuais e práticas discursivas: Subsídios para o ensino da linguagem.
Bauru, SP: EDUSC, 2002, p. 09-14.
MOTTA-ROTH, D. Questões de metodologia em análise de gênero. In: KARWOSKI, A. M.;
GAYDECZKA, B.S; BRITO K. S. (org.). Gênero Textuais: Reflexões e Ensino, Palmas e
União da Vitória, PR: Kaygangue, 2005. p. 79-202.
_______________ e HERBELE, V. M. O conceito de “estrutura potencial do gênero” de
Ruqayia Hasan. In: MEURER, J. L.; BONINI, A.; MOTTA-ROTH, D. (Orgs.). GÊNEROS:
teorias, métodos e debates. São Paulo: Parábola Editorial, 2005b, p. 12-45.
_______________ A construção social do gênero resenha acadêmica. In: MEURER, J. L. &
MOTTA-ROTH, D. (Orgs.) Gêneros textuais e práticas discursivas: Subsídios para o
ensino da linguagem. Bauru, SP: EDUSC, 2002, p. 77-109.
PIAZZA, V. F. Boletim catarinense de folclore, ano VI, nº 22, Florianópolis, janeiro de
1956. Disponível em: http://jangadabrasil.com.br/outubro38/cn38100a.htm. Acessado em 04
de abril de 2006.
SANTA CATARINA, Secretaria de Estado da Educação e do Desporto. Proposta
Curricular de Santa Catarina: Educação Infantil, Ensino Fundamental e Médio.
Florianópolis: COGEN, 1998.
SWALES J. M. Genre analysis: English in academc and research settings. New York:
Cambridge University Press, 1990.
__________Re-thinking genre: another look at discourse community effects. In: Rethinking
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TICKS, L. K. O livro didático de língua inglesa sob a perspectiva de análise de gênero. In:
MOTTA-ROTH; D., BARROS; N. C. & RICHTER, M.G. (Org.). Linguagem Cultura e
Sociedade. Universidade Federal de Santa Maria, Centro de Artes e Letras, Programa de PósGraduação em Letras, 2006.
VOLPATO, Rosana. Pão-por-Deus. 2005. Disponível em: www.rosanevolpatto.trd.br.
Acesso em: 30 de abr. 2006.
Sumário
111
III CONGRESSO INTERNACIONAL DE EDUCAÇÃO UNIBAVE
“Educar na e para a diversidade”
Orleans, 06, 07 e 08 de novembro de 2008
A MODERNIDADE APORTA EM ITAJAÍ: INOVAÇÃO TECNOLÓGICA E
REGISTROS DA CULTURA EM MUTAÇÃO
Marco Antonio Figueiredo Ballester Junior1
Resumo: O presente trabalho é fruto de pesquisa sobre a peça M.H.I. 021/0018 –
Máquina Fotográfica, do Museu Histórico de Itajaí, unidade cultural da Fundação
Genésio Miranda Lins. O objetivo é traçar uma linha entre a peça, sua função social
e a construção histórica da tipologia, além de analisar sua utilização no contexto de
um espaço museológico, verificando sua relevância na construção identitária aliada
aos contextos históricos imbricados durante sua criação e trajetória de uso. Nessa
direção, analisa-se a peça “máquina fotográfica” nas suas facetas que vão desde o
período conhecido como Revolução Industrial até o fluxo migratório europeu do Vale
do Rio Itajaí-Açu.
Palavras-chave: História. Museologia. Tecnologia. Constituição identitária.
A pesquisa
A presente pesquisa tem o intuito de construir uma leitura do surgimento, uso
e intervenções sociais da peça M.H.I. 021/0018 – Máquina Fotográfica, sua
influencia no mundo e seus reflexos na cidade de Itajaí/SC. Para tanto, na pesquisa
foi utilizado o método histórico, considerando que “[...] do princípio de que as atuais
formas de vida social, as instituições e os costumes têm origem no passado, é
importante pesquisar suas raízes, para compreender sua natureza e função.”
(MARKONI; LAKATOS, 2004, p. 30).
Tendo como análise o ponto de partida a cidade de Itajaí, mas como essa
localidade foi influenciada por fatores externos na sua gênese, além dos os registros
1
Marco Antonio Figueiredo Ballester Junior, acadêmico da 5ª fase do curso de Bacharelado em
Museologia do UNIBAVE. Endereço eletrônico: [email protected]
III CONGRESSO INTERNACIONAL DE EDUCAÇÃO: EDUCAR NA E PARA A DIVERSIDADE
ORLEANS, 06, 07 E 08 DE NOVEMBRO DE 2008
PP. 112-121
tridimensionais deixados nos seus espaços de memória, como no caso especifico do
Museu Histórico de Itajaí, a pesquisa insere as interpretações que esse local
construiu sobre seu acervo, especificamente sobre o objeto estudado.
A cidade
A cidade de Itajaí, localizada no litoral norte do Estado de Santa Catarina, em
sua privilegiada posição geográfica, juntamente com as facilidades de atracação e
do porto protegido, favorece o contato com outras localidades no mundo. A
constituição do que seria o território Itajaí, possibilitou o encontro de diversas
culturas que passam pelo seu cais, principalmente com a leva de imigrantes que
adentraram o Vale do Rio Itajaí-Açu no final do século XIX e que trouxeram
contribuições primorosas na constituição de seu núcleo urbano, desde novidades
vindas de outras localidades, bem como serviços que antes eram somente
oferecidos em grandes centros do Velho Continente.
O mundo muda
Desde o final do século XVIII a Europa passava por modificações na sua
estrutura política e econômica, impulsionadas pelo processo de industrialização das
cidades conhecido como Revolução Industrial.
O advento de novas tecnologias para o processo produtivo europeu rompeu
com o modo de produção agrário e artesanal que existia naquele continente. Em
decorrência, países como Grã Bretanha, Alemanha, França e Itália investem de
forma maciça nesse novo modo de produção, principalmente em novas tecnologias.
Várias foram as inovações nesse período, desde maquinários até a sistemas
econômicos.
A história que se conhecia naquele momento iniciava um processo de
aceleramento 2 (NORA, 1984). O impacto que as pessoas receberam foi do
2
Entende-se aqui aceleramento, o processo histórico até antes conhecido muda e fatos e
acontecimentos que se efetuariam em um determinado espaço para análise, tornam-se mais
dinâmicos diante do contexto que anteriormente era analisado.
113
assombro, mas ao mesmo tempo ficavam maravilhadas com o “progresso” da
ciência. A burguesia, por sua vez, se vê triunfante, vivendo ao mesmo tempo a
experiência da locomoção de grandes levas migratórias devido às péssimas
condições de vida que esse processo suscitou para as classes menos abastadas.
A Revolução Industrial, nas suas diversas faces, foi um período que
possibilitou o aparecimento de novas tecnologias que nos acompanham até hoje.
Uma das inúmeras invenções criadas nos séculos XVIII e XIX foi a reprodução de
imagens de forma mecânica, bem como,o processo brutal de desapropriação dos
meios de produção dos antigos artesãos e o surgimento de categorias ou classes
antagônicas que são dependentes e ao mesmo tempo se rivalizam, construindo
estruturas sociais e redes de poder.
A construção de máquinas fotográficas representou um dos subprodutos
desse período. Uma das empresas pioneiras desse processo foi a Thornton-Pickard,
companhia formada em 1888, auge da industrialização inglesa. Lançou dois
modelos, Jubileu e Rubi. A referida empresa desenvolveu o primeiro modelo como
obturador, sistema que proporciona controle da luz no interior do aparelho. Devido a
diversos problemas internos da empresa e o crescimento técnico-científico nessa
área, a Thornton-Pickard foi ultrapassada em 1940 pela recente criada Kodak3, com
máquinas menores e com maior agilidade de revelação dos negativos.
A engrenagem no maquinário
A Máquina Fotográfica foi o instrumento que registrou o período de grandes
transformações com cenas do cotidiano daquela época. Com isso, muda-se a
observação das cenas do real, a arte (até então a única forma de registro visual),
reordenando “o desejo de idealizar as aparências, o repúdio ao feio, conforme os
cânones da pintura oficial convergem igualmente para o ordenamento do retrato
foto” (DUBY; ARIÈS, 2003, p. 426).
3
Museum of Science & Industry. Thornton-Pickard Manufacturing Company. 2008. Disponível em:
http://www.mosi.org.uk/media/611566/thorntonpickard%20manufacturing%20company%20(large%20
print).rtf – acesso em 28 jun. 2008.
114
Nesse âmbito, esse instrumento, filho de uma época, serviu para a criação de
diversos imaginários. Sua patente foi oficializada em 1839 por Jacques Mandé
Daguerre, configurando a técnica de “fixar em uma placa de metal, após um quarto
de hora de exposição um retrato único” (DUBY; ARIÈS, 2003 p. 425). Com isso, a
Revolução Industrial alterou as práticas sociais, econômicas e culturais do homem.
Ela “inventou” um método de se auto-registrar. Após o anúncio da técnica, o governo
francês adquire a referida patente, transformando-a em domínio público.
Portanto, a produção de imagens de forma mecânica torna-se popularizado, a
sociedade
começa
ancorar
sua
lembrança
na
fotografia,
lembrando
que
anteriormente o sistema de memória social se procedia por meio de relatos ou
escritos e nunca de maneira iconográfica.
A máquina fotográfica possibilitou, por meio de seu produto, a foto, uma
tentativa de democratização. Pela primeira vez, parte da população tem a
possibilidade de representar e preservar a imagem de seus entes (DUBY; ARIÈS,
2003, p. 426). A memória familiar começa operar de forma diferente, suas
referências para esse processo mudam, sendo que o simbolismo de visualizar outra
pessoa tende a canalizar sentimentos antes meramente orgânicos para condições
psicológicas. A máquina fotográfica proporciona dessa forma a modificação de
processos e conexões anteriormente biológicas para construção de imaginários
individuais.
O aparelho de Estado em busca de um aparelho de imaginário
No Brasil, a inserção de máquinas fotográficas ocorreu no período histórico
nacional conhecido como II Império. Desde a sua coroação em 1843, o imperador
buscou diversas formas de modernização do país, estimulando o uso de tecnologias
tais como o telégrafo e a instalação de ferrovias.
Mas o estado - conhecido como “Império do Brasil” - por ser jovem
necessitava de reconhecimento interno, ficando demonstrado nos diversos conflitos
registrados durante o Período Regencial. Para isso, o uso de imagens que
demonstrassem a “modernidade” no país, “a foto serviu como instrumento de
formulação de uma “imagem oficial, ligada ao Imperador...” (TRINDADE;
115
TRINDADE; GARCIA, s. d., p. 02). Com isso, aliado a inserção de outras
tecnologias, o governo tentava demonstrar que acompanhava os novos avanços da
ciência.
Nessa busca de legitimação a máquina fotográfica auxiliou também para a
divulgação de imagens das elites imperiais. A colocação do Imperador como grande
responsável pelo crescimento e criação do processo civilizatório no Brasil foi a lógica
do movimento de propaganda interna. O resultado foi a propagação para a
população que o país seria um referencial no Novo Mundo. Assim, o produto desse
aparelho, a fotografia, proporcionou a construção de uma “imagem” oficial das elites,
juntamente com a propaganda diretamente associada a “D. Pedro II, mecenas das
artes e ciências, que já tinha sido responsável pela chegada do daguerrótipo ao
Brasil” (TRINDADE; TRINDADE; GARCIA, s. d., p. 04).
Aliado a essa imagem idealizada e construída do Imperador, foi também,
durante esse período que aconteceram grandes migrações vindas do continente
europeu. Esse processo foi incentivado devido a problemas citados anteriormente na
Europa, bem como, a substituição de mão-de-obra escrava africana, que cada vez
mais estava dificultada pelas inúmeras legislações que restringiam e proibiam a
prática do tráfico negreiro. Nesse processo, a migração advinda do continente
europeu vem ao encontro de idéias que passavam a ser defendidas no séc. XIX,
substituindo a intencionalidade migratória pela função a ocupação do território.
As novidades antigas do Velho Mundo
No contexto exposto, o Brasil recebeu um grande contingente de imigrantes
europeus, sendo que a maior quantidade foi deslocada ao Sul do país, os atuais
Estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
Em Santa Catarina, as levas migratórias se deram principalmente das etnias
alemã e italiana, regiões como o sul e norte catarinense foram os principais núcleos
coloniais. O Vale do Itajaí-Açu, região estratégica para ocupação e exploração foi
primeiramente ocupado por alemães e logo após por italianos. O ponto de encontro
para a chegada dessas correntes migratórias no vale foi a Vila do Santíssimo
Sacramento de Ithajay, hoje atual município de Itajaí. Nem todas as pessoas foram
116
para as terras a elas destinadas, grupos de alemães e italianos ficaram na Vila para
ponto de referência de venda de produtos produzidos no Vale do Itajaí para Moreira
(1998).
Essa leva de pessoas que optou em residir no pequeno centro urbano da
cidade começou a operacionalizar em formato de casas comerciais a compra e
venda de produtos que tinham destino o exterior e as colônias que estavam a ser
instaladas. Profissionais liberais, artesãos, trabalhadores portuários (nesse caso
afro-descendentes alforriados) circulavam nas ruas da cidade. Serviços que
anteriormente só eram vistos no Velho Continente também começaram a ser
oferecidos, dentre eles os chamados “Foto Artísticos”.
Um dos primeiros do ramo foi José Hindelmeyer. Dados históricos desse
primeiro
fotógrafo
na
cidade
e
seu
ateliê
são
atualmente
praticamente
desconhecidos, a única fonte que se remete a esse profissional é uma máquina,
fotográfica de tripé, que hoje se encontra no Museu Histórico de Itajaí. O mesmo
artefato pertenceu a Geraldo Von Hacke, que perdurou como sua propriedade até
1945. Nesse ano, Roland Schneider adquire a referida aparelhagem e torna-se um
dos fotógrafos que permeou as memórias da cidade.
Além de jogador e técnico de futebol, atuando em clubes da cidade (no caso o
Almirante Barroso e o Clube Tiradentes), foi exímio fotógrafo e seu ateliê estava
bem localizado em ponto estratégico do centro histórico da cidade (nos eixos das
ruas Hercílio Luz e Lauro Müller). Em sua memória encontram-se alguns registros
dessa época:
Ah! Na fotografia trabalhei muito, bem na esquina da Catarinense eu
tinha foto [...] eu tinha foto naquele tempo, eu trabalhei 42 anos de
fotografia ai na praça, em frente a Catarinense, no lado dela agora
tem uma loja bonita, lá naquele tempo uma casinha velha, lá eu
trabalhei 42 anos [...].
Nesse espaço onde estava localizado o ateliê, a máquina fotográfica foi
utilizada desde os finais do século XIX, período que foi de grande fluxo migratório na
cidade, até 1982. Através do olho desse fotógrafo muitas imagens de casamentos
realizados na Igreja Imaculada Conceição, localizada na mesma Praça do Edifício
Catarinense, foram feitas juntamente com eventos religiosos.
117
Leituras museológicas
A partir de 1982, com a abertura do Museu Histórico de Itajaí, a referida
máquina foi doada àquela instituição adotando o número M.H.I. 021/0018, ficando na
categoria (021) de artistas e artesãos. O que se pode analisar que a profissão era
mais um ofício artesanal que profissional. Essa leitura é feita a partir de sua
categorização como peça que adentra um museu.
O processo de musealização consiste em que o objeto tridimensional é
despido de seu valor de face e ganha outros significados. Isso fica caracterizado
quando a peça em si entra em exposição, no caso da máquina fotográfica em
questão, encontrando-se na seção do Museu Histórico de Itajaí de economia e
progresso tecnológico, desde 1982 até 2004.
Atualmente a peça está no setor de reserva técnica, sendo que a mesma foi
retirada de exposição devido à mudança da expografia do museu em 2005, onde era
contemplado mais a memória de determinado segmento social da cidade do que o
“progresso tecnológico” que a mesma retratava. Analisando a peça dentro da lógica
que “Um museu, seja ele qual for, só pode ser produzido e reconhecido como tal,
quando está inserido numa codificação social compartilhada, quando faz parte de
uma experiência comum.” (CHAGAS, 2005 p. 57).
Ou seja, a peça em questão não foi interpretada como meio social ou
entendida como imaginário de uma sociedade. Em ambos os casos, foi observada
dentro de uma lógica inicial tecnicista (progresso tecnológico) e pós 2004 de
representações sociais de um grupo (atual exposição intitulada Casa Museu).
Um exemplo registrado a seguir, explicita as questões de uso do objeto e sua
transformação em acervo museológico:
Gilberto Freyre – o exemplo pode ser esclarecedor – no início dos
anos vinte, em viagem pela Europa, foi recebido na casa de Léon
Kobrin, escritor israelita que se exprimia em iídche. Ao oferecer-lhe
uma xícara de chá, servindo à moda russa, Kobrin lhe disse: “desta
xícara que vamos servi-lo, muitas vezes bebeu chá, aqui mesmo,
Léon Trotski”. Relembrando o acontecimento, Gilberto Freyre
comentou: “Tive emoção fácil de ser compreendida; afinal entre os
grandes homens de ação do nosso tempo, quem é maior do que
Trotski?
Interessa compreender que naquele momento o jovem Freyre, por
meio da xícara, conectou-se a um outro tempo, a um personagem, a
uma imagem que não estava ali. Aquela xícara foi investida de uma
118
determinada potência aurática como diria Walter Benjamin, e por
esse caminho Freyre fez uma conexão com Trotski. Observa-se, no
entanto, que essa potência aurática não está depositada na xícara
como propriedade intrínseca ou como valor inerente ao objeto. A
potência aurática da xícara resulta de um caldo de experiência social,
posto que Gilberto Freyre não soubesse quem era Léon Trotski, a
experiência não faria sentido. (CHAGAS, 2005 p. 58).
Por esse viés, a peça M.H.I. 021/0018 em ambos os casos foi interpretada
sem uma análise da sua relevância diante a sociedade. Ou seja, um objeto que
suscitou duas interpretações que não aquela de sua origem e sua funcionalidade.
A sua valorização só ocorreu com uma exposição temporária que aconteceu
no mesmo Museu Histórico de Itajaí. A mostra intitulada “Noivas de Maio” foi alusiva
à comemoração ao Dia 18 de Maio, também conhecido como Dia Internacional dos
Museus, nesse período os museus do mundo fazem mostras e ações que remetam
a sociedade a esses espaços de memória.
A referida exposição reproduziu um ateliê fotográfico, com fotos de diversas
noivas em épocas distintas, onde, existiam máquinas fotográficas de modelos
variados e dentre elas a Máquina Fotográfica (M.H.I. 021/0018), ou seja, a
cenografia construída naquele contexto a peça foi apenas um elo entre a profissão
ou artesão fotógrafo e sua proposta de reproduzir imaginários, que foi demonstrado
nas ações educativas sobre as temáticas namoro e relações sociais.
Considerações Finais
Observando o processo de construção tecnológica de um artefato produzido
para reprodução e registro de imagens, a visibilidade que esse artefato traduziu
durante o século XIX e XX, bem como sua importância para a sociedade foi
fundamental para criação de novas formas de entendimento de uma determinada
sociedade, bem como o registro dela. Em Itajaí, a construção de imaginários e seu
uso diante outros locais no mundo deparou-se com similaridades.
Analisando como a peça foi musealizada foi reparado as diversas
interpretações que uma peça pode tomar, bem como o uso dela para um
determinado conceito expositivo ou informacional.
119
A principal observação dessa análise é que uma peça pode ter diversos
significados. Mas a pesquisa sobre ela pode desvendar qual o caminho a ser
tomado no acervo para sua comunicação, observando sua trajetória social, seu
contexto cultural e econômico. Esses dados para a interpretação do objeto em
questão são fundamentais nas exposições.
Dentro dos três exemplos tomados diante da máquina fotográfica, sua
primeira exposição de forma longa (1982 a 2004) constatou-se que a pesquisa foi
voltada para a peça por si só e não para o contexto social. Na retirada dela de
exposição no ano de 2005, deparou-se com o desinteresse dos visitantes que
chegou ao ponto de não contemplá-la na exposição. A última exposição, realizada
no ano de 2008, fortaleceu-se contextualização de seu uso e as representações que
ela tomou diante da cenografia construída e, mesmo que a peça não ter sido o maior
destaque, foi considerada a mola propulsora para a mesma.
Diante do exposto fica perceptível que o uso de acervos museológicos para
fins de pesquisa não termina em si ou para si, mas são pontes para o contato de um
determinado contexto social, servindo para discutir qual é a função daquela peça e
seu papel educativo para a comunidade.
Referências
d`ÁVILA, Edison. Pequena História de Itajaí. Itajaí: Fundação Genésio Miranda
Lins, 1981. 160 p.
DUBY, G.; ARIÈS, P. História da Vida Privada: Da Revolução Francesa à
Primeira Guerra. Vol. 4 São Paulo: Companhia das Letras, 2003. 476 p.
FOCAULT, M.. Microfísica do Poder. 20ª ed. Rio de Janeiro: Graal, 1979. 295 p.
GRANATO, M; SANTOS, C. P. MAST Colloquia. V. 7 Rio de Janeiro: Museu de
Astronomia e Ciências Afins, 2005. 100 p.
JANSON, H. W.; JANSON, A. Iniciação a História da Arte. 2ª ed. São Paulo:
Martins Fontes, 1996. 475 p.
LENZI, R. M. Anuário de Itajaí 2000. Itajaí: Fundação Genésio Miranda Lins,
2000. 161 p.
MOREIRA, S. M. T. O Porto Natural do Rio Itajaí: A Formação Social da cidade
Portuária. Anuário de Itajaí 1998. Itajaí: Fundação Genésio Miranda Lins p. 121-125
dez. 1998.
120
MUSEUM OF SCIENCE & INDUSTRY. Thornton-Pickard Manufacturing
Company. 2008. Disponível em: http://www.mosi.org.uk/media/611566/thorntonpickard%20manufacturing%20company%20(large%20print).rtf. Acesso em: 28 jun.
2008.
NORA, Pierre. Entre Memória e História. In: As Leis da Memória. Vol. 1 A
República. Paris: Gallimard, 1984.
TRINDADE. D. F.; TRINDADE. L dos S. P.; GARCIA. L. F. dos S. P. s/data.
Disponível em: http://www.oswaldocruz.br/download/artigos/social3.pdf – acesso em
04/07/2008.
Sumário
121
III CONGRESSO INTERNACIONAL DE EDUCAÇÃO UNIBAVE
“Educar na e para a diversidade”
Orleans, 06, 07 e 08 de novembro de 2008
A MODA COMO REPRESENTAÇÃO IDENTITÁRIA DAS MULHERES NO
INÍCIO DO SÉCULO XX EM ORLEANS: O CASO DO ESPARTILHO
Ricardo Alberton Fernandes 1
TC 1G4
RESUMO: Ao longo da história, o uso do espartilho tem sido difundido nas mais variadas culturas.
Confeccionado de diferentes materiais e transformado em objeto de desejo feminino na busca pelos
padrões de beleza de cada época, serviu como um referencial para a construção da identidade social
das mulheres adeptas do lingerie. Devido à rigidez com que era utilizado e aos empecilhos que
impingia as mulheres, o espartilho passou a ser um obstáculo ao trabalho doméstico, tornando-se um
diferenciador de classes. Tecendo considerações acerca de seu uso, este artigo objetiva além de
registrar uma breve revisão teórica a respeito da história do espartilho e da formação do município
de Orleans na região sul catarinense, analisar o objeto de estudo no contexto dos acontecimentos
sócio-econômicos e culturais do município. Por este motivo, analisar o espartilho encontrado no
Museu da Imigração Conde D´Eu, em Orleans/SC, foi uma forma de verificar a importância desta
vestuária feminina na formação identitária da mulher na sociedade orleanense entre 1900 e 1910.
Palavras-chave: Espartilho. Moda. Identidade. Museu. Mulher. Iimigração.
Introdução
A filosofia “sofrer para ser bela” sempre esteve muito presente no universo
feminino desde os mais remotos tempos. Adaptar-se a um padrão estético pré-estabelecido
por uma determinada sociedade é motivo pela qual as mulheres vêm se submetendo, ao
longo da história, as mais bizarras e exaustivas técnicas para se tornarem belas e atraentes.
Mais do que uma peça de roupa íntima da mulher ocidental, associada ao erotismo,
repressão e dor, o espartilho moldou o corpo feminino de acordo com a história de cada
período. Mesmo causando sérios problemas à saúde o espartilho, em determinados
momentos da história, foi considerado pela sociedade aristocrática um sinal de
superioridade, já que era um obstáculo ao trabalho.
1
Acadêmico do 5º semestre do curso de Bacharelado em Museologia, do Centro Universitário
Barriga Verde – UNIBAVE, de Orleans/SC. E-mail: [email protected]
III CONGRESSO INTERNACIONAL DE EDUCAÇÃO: EDUCAR NA E PARA A DIVERSIDADE
ORLEANS, 06, 07 E 08 DE NOVEMBRO DE 2008
PP. 122-132
No inicio do século XX, após a chegada dos imigrantes europeus ao Brasil,
decorrente de uma massiva campanha migratória que impulsionou a colonização do
território nacional, a agricultura era à base da economia das colônias do sul do estado de
Santa Catarina.
Independente da localização que ocupavam, no campo ou na cidade, os hábitos e os
costumes dos imigrantes moldava-se a realidade sócio-econômica da época, da região e de
suas novas condições de vida na colônia. Muitos eram os aspectos que diferenciavam as
classes sociais e trabalhistas, em especial as das mulheres. Entre outros, o espartilho, que
viria a ser um obstáculo ao trabalho feminino devido a forma rígida com que a peça era
utilizada, dificultaria a execução de serviços pesados. Dessa forma o uso da peça era
destinado a mulheres de determinadas classes sociais mais abastadas e que não precisassem
fazer uso do serviço braçal tão comum à época.
Dentro deste contexto, o presente trabalho propõe-se a analisar o espartilho
encontrado no Museu da Imigração Conde D´Eu, em Orleans/SC, datado da primeira década
do século XX e pertencente a Hermelina Minatti Pfutzenreuter, eminente cidadã filha de
imigrantes alemães vindos da Europa em busca de oportunidades de trabalho, afim de
verificar a importância desta vestuária feminina na formação identitária da mulher na
sociedade orleanense entre 1900 e 1910.
Para tanto, utilizou-se uma revisão teórica, abordando brevemente os aspectos
históricos que circundam o surgimento do espartilho no guarda roupa feminino e o
desenvolvimento sócio-econômico e cultural do município de Orleans após o processo de
colonização das terras que se iniciou no final do século XIX.
Na pesquisa exploratória foram utilizados livros, artigos e materiais retirados da
internet, sobre o assunto mencionado, a fim de dar sustentação à base teórica deste trabalho.
Para alcançar um entendimento maior a respeito da influência do espartilho na
formação identitária da mulher na sociedade orleanense entre 1900 e 1910, foi realizada
uma entrevista oral com Orlinda Cascaes Pfutzenreuter, nora de Hermelina Minatti
Pfutzenreuter.
123
1 Espartilho - a história no contexto da moda
A história do lingerie começa por volta de 2000 a.C, na cidade de Creta na Grécia
Antiga, período em que as mulheres usavam um corpete simples sustentando a base do
busto, projetando os seios nus, moda inspirada na imagem da mitológica Deusa com
Serpente, considerada ideal de beleza feminino da época.
Após uma longa trajetória através da história da humanidade, conquistando adeptas
nas mais variadas culturas e adquirindo diferentes aspectos em cada região, é na Idade
Média que essa peça íntima viria ascender significativamente no guarda-roupa feminino.
Evoluindo na sua forma, confeccionado em diferentes materiais e recebendo várias
denominações durante seu processo de evolução, o lingerie com o passar do tempo tornouse cada vez mais rígido e pesado, até o surgimento do espartilho propriamente dito.
Entretanto, foi somente no final da Idade Média, durante o ducado de Borgonha
que as mulheres nobres passaram a usar um largo cinto sob o busto que, além de sustentar os
seios, faziam com que eles parecessem mais volumosos, e aproximando-se cada vez mais
dos modelos de espartilho que dominariam o universo da moda feminina.
Nenhuma outra época exaltou tanto a beleza feminina como o Renascimento, um
período de sensualidade e erotismo, onde durante quase todo o século XV a atenção da
estética feminina estava voltada para os seios. A partir deste momento, o vestuário torna-se
tão rígido quanto a época.
Do século XV ao século XVI o corpete pespontado que dava ao busto o aspecto de
um cone era amarrado com uma haste (lâmina de madeira, marfim, madre pérola, prata ou
osso de peru para os menos abastados) encaixada no próprio tecido. Essas hastes eram
muitas vezes trabalhadas com gravuras e inscrições, pois de acordo com os costumes da
época, podiam ser retirados e exibidos em sociedade depois de um lauto jantar.
Personagens marcantes da aristocracia européia elevaram o espartilho a peça
fundamental no guarda-roupa das damas da sociedade da época. Mulheres de grande
expressão política e social tornaram o espartilho famoso no mundo todo.
A aristocracia espanhola, inglesa e francesa, por exemplo, considerava o espartilho
um sinal de superioridade, afinal, tratava-se de um obstáculo ao trabalho. Apesar de causar
sérios danos à saúde (se muito apertado pode impedir os movimento e atrapalhar na
respiração), ele era uma “necessidade” para se distinguir do povo.
124
Mesmo extremamente difundido e enraizado nos costumes femininos estes corpetes
começaram a causar polêmica entre os médicos esclarecidos da época, pois comprimiam
órgãos internos, causando entrelaçamento de costelas e até a morte. A repressão dos tecidos
e dos órgãos era tão brutal que podia provocar um aborto. E ainda que não levasse ao óbito,
o espartilho era responsável também por diversos distúrbios respiratórios, circulatórios e do
sistema digestivo.
O objetivo do espartilho era pressionar a barriga para dentro, estufar os
seios para cima e empurrar os quadris para trás. Ficava difícil respirar. Os
movimentos se tornavam restritos. Algumas mulheres não conseguiam se
sentar ou subir escadas. Não eram raros os casos de grávidas que, com o
uso do espartilho, abortavam. O artefato causava também problemas
respiratórios e digestivos [VELLOSO E SANCHES] 2.
A rigidez da peça e o rigor que exigia das mulheres começou a fazer do espartilho
um grande inimigo da saúde feminina. Para dar forma a tão invejada silhueta, a peça era
confeccionada em diferentes materiais, de madeira a ferro, desde que alcançassem o
objetivo esperado.
Depois de um longo tempo de sacrifício em nome da beleza, somente no século
XVIII é que as mulheres começaram a respirar, literalmente, um pouco mais aliviadas. As
hastes de madeira e de metal que sustentavam a peça foram substituídas pelas barbatanas de
baleia. Os decotes aumentaram e os corseletes passaram a ser confeccionados para
comprimir a base do busto, deixando os seios em evidência. Também foi nesta época que os
corseletes ganharam sofisticação. As peças começaram a ser trabalhadas com bordados,
laços e tecidos adamscados.
Contudo, o alívio só chegou definitivamente a partir de 1770, junto com as idéias
iluministas que culminaram com a revolução francesa, onde houve uma espécie de cruzada
anti-espartilho. Médicos, escritores, filósofos e mulheres esclarecidas da época militavam
contra os corseletes.
A Revolução Francesa sacudiu a sociedade européia. As roupas voltaram a ser mais
simples e práticas, levando a moda a outras camadas da sociedade. Pela primeira vez em
séculos, as mulheres deixaram de usar suas crinolinas (uma armação feita de arcos de aço
para moldar a forma das saias) e seus espartilhos. A moda era das transparências e os seios
eram sustentados por um coroinho de tecido.
2
VELLOSO, Beatriz; SANCHES, Mariana. Por que elas querem ser tão magras? Época, edição nº 432 ,
28/08/06. Disponível em: <http://www.patriciagalvao.org.br/novo2/Epocamagra.htm> Acesso em 16 de julho
de 2008.
125
Entretanto a idéia de que o corpo deveria ficar firme era muito forte e com isso os
espartilhos voltaram a ser usados. Vários modelos surgiram acompanhando a moda do
momento tanto para as vestimentas como para os padrões físicos da época. A peça ajudava
as raparigas, na adolescência, a transformar a silhueta. Revistas de moda da época
publicavam artigos aconselhando a como tirar melhor proveito do espartilho.
Mesmo com o passar do tempo e com significativas transformações, o sofrimento e
o desconforto sempre caminharam juntos com a ditadura do espartilho. Alguns anos foram
necessários para que algumas mulheres deixassem de se submeter às torturas físicas
impingidas pelo lingerie.
Com o início da industrialização era possível fabricar modelos mais baratos,
expandindo o uso da peça para outras camadas da população menos favorecidas
economicamente. Em 1840 foram utilizados cordões elásticos que facilitava as mulheres se
vestirem e se despirem sozinhas.
Contudo, para Perrot (1991) 3, jamais o corpo feminino havia sido tão escondido
como entre 1830 e 1914 e o espartilho continuava resistindo às violentas ofensivas
empreendidas contra ele pelo corpo médico. Mesmo com os avanços tecnológicos e com
atenções das comunidades médicas para os danos causados pelo uso excessivo do espartilho,
no final do século XIX algumas peças eram ainda tão apertadas que as mulheres não
conseguiam mais se abaixar.
É então que, a partir do século XX, as mulheres começaram a exigir novos
modelos, que correspondessem melhor aos seus anseios. Seu modo de vida havia mudado e
uma classe média de mulheres que trabalhava começou a surgir, além da popularização da
prática de esportes. A mulher continuava a usar o espartilho, porém ele estava menor e mais
flexível, permitindo movimentos mais livres e postura reta.
Durante os anos de guerra os espartilhos foram gradativamente sendo substituídos
por cintas. Os seios, porém, precisavam de algum suporte, já que o espartilho também servia
para erguê-los. Neste contexto, um acessório que já havia aparecido em anúncios
publicitários de langerie a partir do fim do século XIX, mas que ainda não havia
conquistado todas as mulheres, passou a ser fundamental – o sutiã.
A moda, entretanto, voltou a adotar a silhueta marcada em 1940, trazendo de volta
os espartilhos, porém mais leves. Só que desta vez, a Segunda Guerra Mundial tratou de
3
PERROT, Michel (Org.). História da vida privada, 4: da revolução Francesa à Primeira Guerra;
tradução Denise Botman, partes 1 e 2; Bernardo Joffily, partes 3 e 4. São Paulo: Companhia das Letras,
1991.
126
tirá-los de cena. Somente em 1947, com o “New Look” de Christian Dior, que valorizava as
formas do busto e a cintura fina, os espartilhos voltaram a ser usados. O costureiro resgatou
o uso do corset ao lançar a coleção chamada Linha 8, inspirada nas formas de uma
ampulheta, mas foi somente nos anos 80 que a peça deixou de ser usada apenas por baixo
para virar roupa propriamente dita, quando a criadora francesa Chantal Thomaz lançou uma
coleção com espartilhos a mostra. A ousadia de Chantal foi seguida por vários mestres da
alta costura.
Criado há três mil anos, para deleite de homens e mulheres, o espartilho já saiu e
voltou à moda várias vezes, seguindo diferentes tendências. Ameaçando seu retorno desde
os anos 80, só agora o rei dos lingeries voltou para o trono e para as ruas. O espartilho
aparece mais confortável e menos escondido nas passarelas dos grandes desfiles de moda.
Não somente ao vestuário feminino o espartilho ficou restrito, mas também aos
acessórios como sapatos, chaveiros, jóias, bolsas e até mesmo em algum mobiliário pode-se
perceber a influência da peça marcando presença.
Todavia o espartilho ganhou grande expressão no campo da sexualidade. A peça
criada apenas com o intuito de acentuar as formas femininas permeia, nos dias de hoje, o
imaginário sexual coletivo de homens e mulheres do mundo todo.
Fetiche masoquista e símbolo da mulher dominadora e sexualizada do século XXI,
o espartilho reina quase que absoluto nas prateleiras de lojas especializadas (sex shop) e
divide com demais acessórios do gênero as mais variadas fantasias sexuais.
2 Orleans – a moda e a identidade social da mulher no início do século XX
Por ocasião do casamento de Suas Altezas Imperiais, a Princesa Isabel e o Conde
d´Eu, ocorrido em 15 de outubro de 1864, foi determinado pelo Imperador Dom Pedro II e
pela Imperatriz Teresa Cristina um dote de terras cuja macro localização seria estabelecida
por ato assinado em 17 de outubro de 1870, fixando em 98 léguas a serem escolhidas nos
estados de Santa Catarina e Sergipe.
Em vista a descoberta de carvão mineral no sul do estado catarinense, foi formada
uma comissão para selecionar e demarcar uma gleba de terras destinada a implantar uma
colônia na região. Uma equipe de engenheiros e agrimensores foi encaminhada para
examinar as áreas alternativas na região do vale do Rio Araranguá e no Vale do Rio
Tubarão.
127
Escolhido o território, em 1882 é criada a Colônia Grão-Pará na região do Vale do
Rio Tubarão a fim de promover a ocupação das terras com colonos imigrantes e nacionais.
Iniciada a distribuição das terras primeiramente aos imigrantes italianos e posteriormente
aos imigrantes alemães, letos e poloneses, a colônia desenvolveu-se paralelamente à
construção da estrada de ferro para atender principalmente a região carbonífera.
A escolha do local e do nome da região que viria se desenvolver o município de
Orleans foi realizada, então, por ocasião da visita de Sua Alteza, o Conde d´Eu, numa
viagem especial a fim de implantar a sede da colônia Grão Pará às margens da estrada de
ferro e do Rio Tubarão. O nome foi uma homenagem a sua própria família de nobres
franceses. A escolha do nome e de sua localização determinou a tomada de grandes
providências, já em 1885, com a abertura de ruas, venda dos primeiros lotes e construção da
Capela nas imediações da estrada de ferro.
No inicio do século XX, após o processo migratório iniciado no final da segunda
metade do século XIX, a agricultura ainda era a base da economia das colônias do sul do
estado. Contudo, Orleans, sede de despacho da produção colonial pela estrada de ferro e
caminho por onde ingressariam os imigrantes em toda a colônia, contava com a instalação
das primeiras indústrias e casas comerciais. (LOTIN, 1998). 4
Reflexos naturais de uma região em pleno desenvolvimento, Orleans despontava
num crescente processo de urbanização, recebendo influências externas no campo dos
acontecimentos sócio-econômicos e culturais.
Devido ao significativo processo de desenvolvimento iniciado neste período e pela
forma como os imigrantes europeus se fixavam na região (de acordo com a localização),
sendo na área rural ou urbana, era iniciado o processo de construção da identidade sócioeconômica e cultural da cidade.
A identidade cultural do povo orleanense teve origem nos seus fundadores de etnia
portuguesa, dita brasileira, formada pelos primeiros moradores da cidade, antes mesmo da
contribuição dos imigrantes de outras etnias, à medida que vinham morar na cidade. Foram
os portugueses e brasileiros, que, por sua formação e conhecimentos necessários aos cargos
que vinham aqui exercer, deram os primeiros passos para o desenvolvimento cultural de
Orleans.
Eram escrivães, professores, médicos, padres, comerciantes, guarda livros,
tipógrafos, farmacêuticos, vendedores, escriturários e funcionários do governo nos correios,
4
LOTTIN, Jucely. Orleans 2000: história e desenvolvimento. Florianópolis: Elbert, 1998. 228 p.
128
coletorias, prefeitura e outras instituições. Pessoas cuja vivência cultural adquirida em suas
cidades de origem (Tubarão, Laguna, Florianópolis, e até algumas do Rio de Janeiro)
acrescentavam novos hábitos aos conhecimentos básicos da população urbana de Orleans.
Os hábitos e costumes eram moldados também de acordo com as atividades
econômicas desenvolvidas pelos imigrantes no município. Na área rural, a participação de
todos os membros da família, inclusive as mulheres, era muito importante para o rendimento
do trabalho árduo desempenhado no campo no cultivo das plantações e na criação dos
animais domésticos. Na cidade, área urbana, com os homens dedicando-se ao comércio local
e a instalação das primeiras indústrias, as mulheres ficavam destinadas ao serviço doméstico
e a criação dos filhos. Contudo, Lottin (1998) 5 já aponta no início do século XX para a
mulher desenvolvendo significativas funções no mercado de trabalho, destacando-se nas
áreas pedagógicas ou ajudando o marido nos negócios da família.
Frente a esses apectos e referente à condição das mulheres na comunidade
orleanenses do início do século XX, é possível destacar alguns modismos que moldavam o
comportamento feminino e regiam a construção de sua identidade social na época. Entre
eles, o espartilho, objeto de análise deste trabalho, serviu em determinados momentos para
identificar a posição ocupada por certas mulheres na sociedade.
Confeccionado em materiais simples, ainda que o espartilho refletisse a origem
humilde das mulheres imigrantes da época, firmava sua posição social em relação às
atividades econômicas da família. Dentro deste contexto o espartilho podia diferenciar as
mulheres de acordo com sua posição na sociedade e designar sua classe social devido a
certas imposições que a peça empunha a elas.
Orlinda Cascaes Pfutzenreuter, cidadã orleanense, através de uma entrevista oral
realizada para dar maior sustentabilidade a pesquisa do objeto de estudo deste trabalho,
ressalta a condição elitizada a que estava submetido o uso do espartilho. Viúva de um dos
filhos de Hermelina M. Pfutzenreuter ao qual pertence o espartilho encontrado no Museu da
Imigração Conde D´Eu, em Orleans/SC, lembra que sua mãe também usava o lingerie antes
da chegada do primeiro herdeiro e que na condição de filha e esposa de comerciantes,
dispunha de uma sorte de comodidades típicas das famílias abastadas da sociedade.
Das histórias contadas pela mãe, Orlinda relata que a peça era usada somente em
ocasiões especiais em que, auxiliada por empregadas, era vestida com certo rigor uma vez
5
LOTTIN, Jucely. Orleans 2000: história e desenvolvimento. Florianópolis: Elbert, 1998. 228 p.
129
que a cintura fortemente marcada traduzia o padrão de beleza e elegância para as mulheres
da época. O ato de vestir-se para essas determinadas ocasiões especiais tomava certo tempo
das mulheres da sociedade. Com horas de antecedência iniciava-se o processo cujos
cuidados se alongavam pelo dia todo.
Uma vez com o espartilho, evitavam-se quaisquer tipos de alimentação. E mesmo
depois de retirado, era preciso aproximadamente uma hora para que as mulheres voltassem a
relaxar o corpo, devido as dores que a peça provocava pelo excesso e rigor do uso.
Neste período, as novidades da moda chegavam a cidade pelas mãos dos mascates e
caixeiros viajantes. Através da estrada de ferro Tereza Cristina, esses comerciantes traziam
das mais variadas regiões do estado e do país suas roupas, tecidos, acessórios em geral e
demais produtos pra serem comercializados. Algumas peças, como no caso do espartilho,
podiam às vezes ser encontrados, também, nos armazéns de secos e molhados da cidade.
Contudo, como reflexo dos acontecimentos ocorridos pelo mundo a fora, o declínio
da ditadura do espartilho, intimamente ligado a Primeira Grande Guerra Mundial, levou a
escassez da peça no mercado de consumo e a queda da demanda pelo produto. Com homens
mais ocupados, lutando na frente de batalha, as mulheres foram convocadas a assumir os
trabalhos nos campos, nas cidades e nas fábricas. O trabalho operário exigia espartilhos
menores, mais confortáveis e simples. Além disso, a burguesia não contava mais com a
criadagem de outrora, o que fez com que as damas optassem por modelos de corpetes mais
simples e fáceis de vestir.
Considerações finais
Em diferentes épocas e em diferentes sociedades o espartilho sempre teve o mesmo
objetivo, realçar os atributos físicos de suas damas acentuando-lhes a silhueta tornando-as
mais sensuais. Desde muito longe na história com o início da civilização ocidental na Grécia
Antiga até os dias atuais, os espartilhos fazem a cabeça da maioria das mulheres.
Entretanto, o espartilho no contexto histórico da moda, possibilita uma análise mais
profunda, além de sua mera função utilitária. Os hábitos e costumes que o fizeram
sobreviver às mudanças de comportamento na sociedade e o mantiveram presente no guarda
roupa feminino, suscitam reflexões a respeito do papel da mulher e da construção de sua
identidade social.
130
A forma rude com que o lingerie era confeccionado e a maneira rígida como era
utilizado tornou-o um empecilho ao trabalho. Mesmo com o passar dos anos e com os
avanços tecnológicos que sofisticaram o espartilho, suavizando seu uso, a peça sempre
esteve restrita a uma parcela mais favorecida da população.
Assim como em diferentes momentos da história e em diversas partes do mundo, às
mulheres brasileiras também tiveram limitações impingidas pelo uso do lingerie frente a
ditadura da moda. Mais precisamente, no contexto das mulheres orleanenses, no sul do
estado de Santa Catarina, entre as décadas de 1900 e 1910, o espartilho aparece como
obstáculo ás atividades domésticas.
Não somente por dificultar o trabalho, mas também, devido a maneira custosa com
que tinham acesso a peça, o espartilho era considerado um luxo para poucas mulheres
abastadas e influentes da época.
O espartilho de Hermelina Minatti Pfutzenreuter encontrado no Museu da
Imigração Conde d’Eu, reflete a condição elitizada de algumas mulheres neste período.
Cidadã orleanense, filha de imigrantes alemães vindos da Europa em busca de
oportunidades de trabalho por volta do final do século XIX, casou-se com Otto
Pfutzenreuter, também de origem alemã e singular visão comercial que viera a desenvolver
com o passar dos anos várias atividades comerciais, sócio-políticos e culturais no município
de Orleans.
Na entrevista com Orlinda C. Pfutzenreuter foi possível perceber nos seus relatos
que sua mãe, contemporânea de Hermelina M. Pfutzenreuter, era esposa de um próspero
comerciante, além de contar também com o auxílio de empregadas que executavam os
serviços domésticos.
Popularizado pela globalização e difundido nas mais variadas culturas, o espartilho
sempre será uma peça do guarda roupa feminino de uso singular. Impingido em nome da
beleza e abolido em prol da liberdade de expressão da nova mulher que nasceria nos anos
vindouros do século XX, ainda que tenha tido um início tortuoso e submetido durante anos
as mulheres ao sacrifício pela moda, o espartilho chegou ao seu apogeu com ares de rei,
tendo sempre o seu espaço reservado no guarda-roupa feminino e na imaginação dos
homens.
Referências
131
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<http://manequim.abril.com.br/desafiodamoda>. Acesso em 16 de julho de 2008.
CIMNET, Carolina. Três mil anos de espartilho e fetiche. São Paulo, 2006. Disponível
em: <http.www.terra.com.br/diversão/interface/espartilho.htm>. Acesso em 16 de julho de
2008.
DALL’ALBA, João Leonir. Pioneiro nas terras dos condes. –2.ed..- Orleans: Gráfica do
Lelo, 2003. 208 p.:il.; 20 cm.
GARCIA, Claudia. História dos Espartilhos. São Paulo, 2006. Disponível em:
<http://almanaque.folha.uol.com.br/espartilho_historia.htm>. Acesso em 16 de julho de
2008
LOTTIN, Jucely. Orleans 2000: história e desenvolvimento. Florianópolis: Elbert, 1998.
228 p.
PERROT, Michel (Org.). História da vida privada, 4: da revolução Francesa à Primeira
Guerra; tradução Denise Botman, partes 1 e 2; Bernardo Joffily, partes 3 e 4. São Paulo:
Companhia das Letras, 1991.
VELLOSO, Beatriz e SANCHES, Mariana. Por que elas querem ser tão magras? Época,
edição nº 432 , 28/08/06. Disponível em:
http://www.patriciagalvao.org.br/novo2/Epocamagra.htm> Acesso em 16 de julho de 2008.
______________. Espartilho. Encicoplédia Virtual Livre Wikipédia. São Paulo, 2006.
Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/espartilho. Acesso em 16 de julho de 2008.
.
Sumário
132
III CONGRESSO INTERNACIONAL DE EDUCAÇÃO UNIBAVE
“Educar na e para a diversidade”
Orleans, 06, 07 e 08 de novembro de 2008
SAPATO ARTESANAL:
O OLHAR MUSEOLÓGICO SOBRE A CULTURA DE PRODUÇÃO E USO
Valdete Baggio Crocetta 1
RESUMO: Desde os primórdios, o homem vem procurando formas de produzir condições para
qualificar sua vida, iniciando pela criação de pequenos artefatos para conseguir alimento e
também para proteger-se contra os animais e as intempéries da natureza, como o frio ou
rugosidade e aspereza do solo, adversidades resolvidas, por exemplo, com a criação do calçado.
Tal criação, rudimentar no início, se aprimorou cada vez mais, chegando atualmente a uma
multiplicidade de opções que se adaptam à cultura de cada local e em decorrência a modificam
conforme das inovações se faz uso. Tomando como base esse processo evolutivo, a pesquisa
sistematizada neste artigo teve por pretensão analisar que aspectos delinearam a produção do
calçado no início do século XX e sua influência na cultura de Orleans (Brasil). Para tanto,
utilizou-se do método exploratório e a abordagem qualitativa. Espera-se que as reflexões
resultantes deste estudo possam contribuir para avançar no entendimento sobre as produções
humanas, ressaltando que ao mesmo objeto podem ser atribuídos valores distintos, os quais são
convencionados culturalmente pelas condições estabelecidas em cada sociedade.
Palavras-chave: Produção Artesanal. Valorização Cultural. Calçado. Acervo Museológico.
Introdução
Muito antes das primeiras civilizações aprimorarem significativamente suas condições
produtivas, o homem já utilizava algum artefato para proteger seus pés, como o couro, a madeira e
até mesmo os tecidos. Na produção dos artefatos com couro, por exemplo, o material era secado
ao sol e untado com graxa feita a partir de produto animal. A fabricação era muito simples:
1
Acadêmica do Curso de Museologia do Centro Univesitário Barriga Verde – UNIBAVE – Orleans (Brasil). e-mail:
[email protected].
III CONGRESSO INTERNACIONAL DE EDUCAÇÃO: EDUCAR NA E PARA A DIVERSIDADE
ORLEANS, 06, 07 E 08 DE NOVEMBRO DE 2008
PP. 133-144
cortava-se o couro de um tamanho apropriado ao pé, fixando-o por meio de tiras vegetais ou
animais. Assim, no princípio era apenas um pedaço de couro atado aos pés, mas gradativamente o
processo produtivo foi aprimorado, fazendo surgir modos cada vez mais inovadores de produzir
esse e outros artefatos.
A evolução das técnicas usadas na manufatura do calçado é observada neste estudo,
começando pela antigüidade, passando do artesanato para a industrialização e chegando aos dias
atuais. A ênfase é dada, contudo, ao calçado artesanal produzido em Orleans (Brasil) no século
XX e o contexto social a qual está inserido este objeto 2.
Para viabilizar a pesquisa optou-se pelo método exploratório e abordagem qualitativa,
utilizando-se da técnica de história oral com uso de entrevista semi-estruturada, tendo três pessoas
como participantes que vivenciaram este período.
Esteja passeando ou trabalhando, o calçado é hoje essencial como complemento do
vestuário de qualquer cidadão. Considerando essa perspectiva, este trabalho pretende ressaltar que
valores distintos podem ser atribuídos ao mesmo objeto dependendo do contexto em que dele se
faz uso.
1 A produção artesanal
Historicamente, o artesão responde pelo processo inicial de transformação da matériaprima em produto aprimorado. Mas antes da fase de transformação, o artesão é responsável pela
seleção da matéria-prima a ser utilizada e pela concepção ou projeto do produto a ser executado.
A partir do século XI, o artesanato ficou concentrado em espaços conhecidos como
oficinas, local em que geralmente um pequeno grupo de aprendizes vivia com o mestre-artesão,
detentor de todo o conhecimento técnico. Este oferecia, em troca de mão-de-obra barata e fiel,
conhecimento, vestimentas e comida. Criaram-se as Corporações de Ofício, organizações que os
mestres de cada cidade ou região formavam a fim de defender seus interesses.
Com a Revolução Industrial, teóricos do século XIX e artistas criticavam a desvalorização
do artesanato pela mecanização, considerando que o artesão tinha uma maior liberdade por
possuir os meios de produção e pelo alto grau de satisfação e identificação com o produto.
2
Trata-se de um sapato fechado produzido artesanalmente. Pertence ao acervo do Museu da Imigração Conde D’Eu
de Orleans-S.C.
134
Na tentativa de lidar com as contradições da Revolução Industrial, William Morris funda o
grupo de Artes e Ofícios na segunda metade do século XIX, tentando valorizar o trabalho
artesanal e se opondo à mecanização. Segundo Mantoux (1991) o artesanato antes da Revolução
Industrial era a tarefa mais importante. Havia mestres, oficiais e aprendizes, numa hierarquia que
indicava o domínio que cada artesão tinha do seu fazer. Havia artes ou ofícios, maiores e
menores, mas a sapataria era sim, uma arte.
Nos 200 anos transcorridos entre o final do século XVII e o final do século XIX,
popularizou-se a distinção entre “artista” e “artesão” e também se especificou o “cientista”. A
arte passou a ser concebida como o conjunto dos bens “espirituais” nos quais a forma predomina
sobre a função e o belo sobre o útil. A ela se atribuiu uma pretensa autonomia, associada à noção
de uma produção com certa gratuidade de propósito, e definiu-se a idéia do gênio criador,
produtor de peças únicas, não-repetíveis.
Já o artesanato ficou como o domínio dos objetos com sentido prático e feitos em série. O
termo “artesão” se tornou cada vez mais especializado para defenir o trabalho manual que,
embora habilidoso, não se propõe a propósitos intelectuais ou criativos. Foi, pois, a estética
moderna que circunscreveu o artesanato. A ciência também se separou das artes, as quais
deixaram de ser liberais para se tornarem belas (CANCLINI, 2003).
Apesar de ser uma atividade antiga, felizmente os artesões conseguem mantê-la de certa
forma atualizada. Atualmente o artesanato tem a seu favor várias técnicas, produtos e materiais
que possibilitam mais agilidade ao artesão, sem deixar de lado a faceta tradicional do ofício.
1.1 A história e evolução do calçado
É interessante observar as modificações sofridas pelos calçados, desde a pré-história até
atualidade. A maioria dos povos como os sumérios, egípcios e hindus andavam preferencialmente
descalços, criando desta forma uma proteção natural aos pés. Alguns, contudo, enrolavam algum
tipo de couro animal para uma maior proteção.
Através de inscrições egípcias, chinesas e de civilizações emergentes da época, percebeuse que os sapatos estavam sempre presentes. Conforme afirma Dorfles (2003) existem evidências
de que a história do sapato começa a partir de 10.000 a. C., ou seja, no final do período paleolítico
(pinturas desta época em cavernas na Espanha e no sul da França fazem referência ao calçado).
135
As sandálias dos egípcios eram feitas de palha, papiro ou de fibra de palmeira. Sabe-se que
apenas os nobres da época possuíam sandálias. Mesmo um Faraó como Tutancâmon usava
calçados como sandálias e sapatos de couro simples (apesar dos enfeites de ouro).
Os primeiros sapatos macios foram introduzidos na Mesopotâmia por montanheses da
fronteira que invadiram o vale e o material utilizado era o couro cru. Os coturnos eram símbolos
de alta posição social.
Na Grécia o tipo de calçado mais conhecido era a sandália, que era usada principalmente
pelos ricos. Dentro de casa os gregos raramente usavam sapatos, mas os mais pobres também
andavam descalços nas ruas. Foram os gregos que lançaram a diferença entre pé esquerdo e pé
direito, foi uma grande inovação para a época, fazendo muito sucesso.
Da mesma forma que por algum tempo, quem determinava a classe social foi os saltos, os
vermelhos eram das classes privilegiadas, com ornamentos em ouro.
Foi com Eduardo III que surgiu a moda dos bicos compridos, que o rei limitou a duas
polegadas, depois com Ricardo II aumentaram para 18 polegadas, ou seja, 45 centímetros.
Em Roma o calçado indicava a classe social. Os cônsules usavam sapato branco, os
senadores sapatos marrons presos por quatro fitas pretas de couro atadas por dois nós e o calçado
tradicional das legiões era a bota de cano curto que descobria os dedos.
A padronização da numeração é de origem inglesa. O rei Eduardo (1272-1307) foi quem
uniformizou as medidas.
A primeira referência conhecida da manufatura do calçado na Inglaterra é de 1642 quando
Thomas Pendleton forneceu 4.000 pares de sapatos e 600 pares de botas para o exército. As
campanhas militares desta época iniciaram uma demanda substancial por botas e sapatos.
O salto alto, como conhecemos hoje, apareceu primeiro no pé de um homem: o vaidoso
Rei Sol, Luís XIV, que imperou na França de 1643 a 1715. Por se achar muito baixo, mandou
fazer calçados de saltos pintados com miniaturas, pedras e fitas. A corte, em decorrëncia, adotou o
modelo (BARROS).
Em meados do século XIX começam a surgir às máquinas para auxiliar na confecção dos
calçados, mas só com a máquina de costura o sapato passou a ser mais acessível. Mas é a partir do
século XX que grandes mudanças começam a acontecer nos calçados e eles começam a ser
fabricados em massa. A partir da década de 40 que nas indústrias de calçados começa a acontecer
136
a troca do couro pela borracha e pelos materiais sintéticos principalmente nos calçados femininos
e infantis (FRANCASTEL, 1963).
Estamos em 1900 e o progresso bate à porta, a moda ganha vez e voz. Nos pés predomina
o estilo boneca. Bicos arredondados, botões e laços fazem parte da moda. Saltos grossos e baixos,
enfeites com pele de animais, uso de duas cores e texturas diferentes era a grande pedida.
Em 1920 já passa ser a vez dos sapatos bicolores de salto alto com abertura no calcanhar,
que se tornariam um clássico da moda. Saltos altíssimos em formatos variados viram coqueluche.
Os sapatos se tornam, então, objetos de desejo de homens e mulheres.
Os anos 30 foram marcados pela escassez do couro, o que obrigou a indústria de calçados a
adotar outros materiais.
O cinema e a reconstrução da Europa no pós-guerra movimentam a indústria da moda. Os
sapatos dos anos 40 tinham bico redondo e plataforma de madeira revestida com couro de vaca.
Sapatos de salto tipo agulha são a tônica dos anos 50. Bicos finos alongados conferem uma
dose extra de feminilidade aos calçados. A moda reinventa o modo de revestir os pés de homens e
mulheres, e as novas formas e desenhos conquistam os pés mundiais.
Os anos 60 trouxeram uma grande abundância de estilos. Sapatos baixos e de bico
arredondado fizeram a cabeça e os pés dos homens. Surge o mocassim, calçado preferido pelos
estudantes norte-americanos e europeus. Aparecem as botas longas e justas.
Os anos 70 pediam sapatos com motivos folclóricos e étnicos. Cor, verniz, brilho, saltos
grossos, plataformas e bicos redondos completam a fase.
Logo no começo da década de 80, o sapato ganhou vida própria. A indústria se
desenvolveu e um único estilo já não é mais aceito, usa-se de tudo.
O tênis ganha força e vitalidade, tornando-se um grande curinga. No começo eles possuíam
sola de borracha, eram feitos de lona e amarrados com cadarço. Essa combinação os deixava leve.
Gradativamente, o tênis foi sendo incorporado ao vestuário do dia-a-dia. Esse processo foi longo e
continua ocorrendo.
A partir dos anos 90, nada se cria e tudo se transforma. Nos pés, o resgate dos anos 50 e 70
se faz presente. Exotismo, futurismo e uma pitada de audácia são os principais ingredientes do
calçado da moda ( FRANCASTEL).
137
A tecnologia avança e, com isso, a indústria de calçados se aperfeiçoa, criando modelos e
materiais cada vez mais admiráveis. Surgem as campanhas publicitárias milionárias que apostam
no sapato como arma de sedução e sucesso.
2 O calçado no contexto histórico de Orleans no século XX
Com a pretensão de conhecer a realidade histórica mais próxima, o estudo desenvolvido
nesta pesquisa se construiu a partir do objeto do Museu da Imigração Conde D”Eu de OrleansSanta Catarina (Brasil) (registro 12-134). Trata-se de um sapato fechado, modelo infantil, de
couro de boi, na cor preta. Foi produzido artesanalmente pelo comerciante e artesão Rodolpho
Dalsasso e doado ao museu em 2004, por seu neto, Paulo Afonso Dalsasso.
Após a pesquisa do objeto, utilizou-se do método exploratório, optando-se em desenvolver
e apropriar-se da técnica de história oral, por meio de entrevistas.
A pesquisa exploratória envolveu pessoas que tiveram experiências praticas com o
problema pesquisado.
Para melhor entendimento foram entrevistadas pessoas que tivessem alguma
ligação com o objeto pesquisado. Sendo eles: Paulo Afonso Dalsasso, funcionário do museu e
neto do artesão citado acima; Acari Bússulo, sapateiro aposentado e João F. Geremias, ex-caixeiro
viajante e pioneiro na indústria calçadista de Orleans.
Utilizou-se para as entrevistas, um roteiro semi-dirigido, através de um pré agendamento
com o entrevistado.
O estudo possibilitou tecer reflexões sobre vários ângulos da construção do saber sobre o
objeto de pesquisa, de modo a perceber que no acervo dos museus existe um vasto potencial de
informação histórica e cultural.
Para contextualizar o objetivo é importante referenciar Orleans e sua trajetória histórica.
O atual município vivia por volta de 1900 num período sem eletricidade, com poucas casas
comerciais e os transportes dependiam dos carros de boi e carroças em estradas precárias. A
maioria das casas era feita de barro. O comércio, a indústria e outros serviços foram atividades
que nasceram com a chegada da população imigrante. A compra e o conserto de calçados deram
início ao comércio. Rodolfo e Augusto Westphal, Domenico Pizzolatti e Francisco Hustad foram
138
os pioneiros nas atividades de sapataria e selaria. Esses registros são de 1896 e se referem a
atividades que atravessaram o século com duração por muitos anos.
De 1910 a 1950 tiveram grande atuação as charqueadas 3 e o então já município de Orleans
tornou-se grande exportador de carne de gado e couros, abatendo tropas vindas da serra, motivo
de atração de novos comerciantes e industriais. Em 1927 funcionava juntamente com a Casa
Verani a Sapataria Verani, depois vieram as lojas de calçados mais especializadas e a do Sr.
Rodolpho Dalsasso foi uma das primeiras (DALL’ ALBA, 1986)
Em entrevista com o Sr. Paulo Afonso Dalsasso, funcionário do Museu da Imigração
Conde D’Eu de Orleans se constatou que o sapato era usado exclusivamente para passeio e os
colonos mais abastados e do sexo masculino eram os clientes mais freqüentes. As mulheres da
cidade, principalmente, usavam sapatos abertos, provenientes de outras fábricas ou dos caixeiros
viajantes. O sapato era feito por encomenda, media-se o pé da pessoa com um cordão, depois era
moldado nas fôrmas de madeira, já prontas pelo próprio artesão no formato do pé e com o uso do
alargador, outra peça em madeira que dividida ao meio possibilitava sua abertura conforme o
formato do pé do cliente,
[...] normalmente ficava um pouco apertado, aí tinha uma ferramenta que
enfiava dentro do sapato e atarraxava até abrir o couro. Ficava às vezes um dia
com aquela tarraxa dentro e de vez em quando tinha que dar uma apertadinha.
Atarraxava mais, aí ia alargando o couro e aí quando o indivíduo vinha, testava.
Ta bom, não ta bom, ficava mais um dia na tarraxa, bota mais um pouco de
pressão e até ela ir abrindo e ficar confortável. 4
O material usado para a fabricação era o couro do boi, produzido no curtume Pizzolatti
(existe ainda hoje, só que desativado), que já saía pronto: uma parte era destinada para o sapato e
outra mais grossa, a interna, para a sola. Como nesta época não tinha cola, a fixação da sola era
feita com pequenos pregos de madeira molhada, também artesanal.
3
Charqueada é o nome que os brasileiros dão, no estado do Rio Grande do Sul, à área da propriedade rural em que
era produzido o charque (onde se "charqueia" a carne} : uma quantidade de galpões cobertos, onde a carne salgada
era exposta para o processo de desidratação. Fonte: Alvarino da Fontoura Marques - Episódios do Ciclo do Charque
4
Trecho da entrevista com Paulo Afonso Dalsasso. Orleans-SC, 26 de maio de 2008
139
Na obra Colonos e Mineiros (Dall’Allba, 1986, p. 154) são registradas algumas
abordagens, por meio de declarações diretas, conseguidas em entrevistas. Entre elas com a
senhora Cláudia Santana, a qual afirmou que “Andava-se descalço. Aos domingos, sapatos para ir
aos bailes. Mas ao entrar na sala tirava-se o sapato e colocava-se embaixo do banco, onde a mãe
sentava e tomava conta.” Por outro lado, o senhor Pedro José Novalski, nascido em 1905 não
chegou a conhecer calçado. D. Lidína Oening Borget, explica:
Nos pés usavam as chamadas botinas e sapatos abertos. Só tinha um par, cada
pessoa. Mesmo tendo sapato, quando iam à missa nos domingos, iam descalços,
ou com um chinelinho. Calçavam sapatos só quando estavam perto da igreja,
pois era muito cansativo andar todo aquele trajeto a pé, com os sapatos que
eram muito pesados.
Henrique Baggio comenta: “Não se usava calçados nos pés. Só gente de mais posses usava
tamancos”. E Maria de Lourdes Dimon conta que: “Só aos 13 anos é que ganhavam o primeiro
sapato.”
Por meio destas declarações diretas, levantadas na década de 70, em geral os entrevistados
eram já anciãos, nascidos em fins do século XIX ou início do século XX, foram obtidas
informações de extrema relevância para situar o objeto no contexto histórico. Do conjunto das
respostas é que se pode compreender melhor como era a vida desse povo. Uma fase difícil, com
poucas estradas, escassos meios de subsistência, comércio precário, sem energia elétrica e as
benesses mais simples da civilização moderna. Lembrando sempre que Orleans teve contato com
culturas diversas e diferenciadas. Hoje os meios de comunicação unificam gestos, costumes,
maneiras de viver, sentir. Naqueles tempos, vivia-se isolado, cada um revivendo a cultura do seu
país de origem.
Os tamancos também eram bastante comercializados, eram feitos artesanalmente de madeira
especial, bem mole e leve, como: a canela sebo, canela nosara, caxeteiro, uma madeira que
impedia a penetração de umidade e frio nos pés e que não gastava com facilidade. Eram
fabricados em Urussanga – Santa Catarina. Trabalhava-se muito durante a noite na confecção dos
tamancos, faziam em média 5 pares cada vez, que durante o dia eram vendidos para armazéns nos
municípios vizinhos como Orleans.
Conforme entrevistas as sapatarias passaram a vender outros tipos de calçados provenientes
das fábricas. Uma destas fábricas pertenceu ao Sr.João Frontino Geremias, ex-caixeiro viajante e
pioneiro na indústria calçadista desta cidade. Conta ele:
140
Iniciei a J. F. Geremias, em 1969, com oito funcionários chegando a
quatrocentos. Produzia 70.000 mil pares de sapatos por mês para o mercado
externo e 15.000 para o interno. Naquel período surgiram mais cinco fábricas,
uma delas a MONZA, especializada em tênis. Como a maior parte da produção
destinava-se ao mercado externo, em 1987, todas foram afetadas pela
desvalorização da moeda estrangeira acarretando, conseqüentemente, em
mudanças de atividades no setor industrial. 5
Atualmente Orleans possui várias sapatarias, atendendo a um variado público consumidor.
Outro entrevistado, Acari Bússulo, ex-sapateiro, trabalha hoje com conserto de calçados
nesta cidade:
[...] eu em 1967 a 1983 eu parei de trabalhar. Trabalhei na firma de construção
de asfalto empresa Betta de construções. Aí tive 16 anos fora daqui, aí voltei a
trabalhar na fábrica de calçados J G que era do meu cunhado, o Geremias, aí
me aposentei, fiquei um tempo parado, aí resolvi colocar isso aqui. 6
Além desses resultados, as entrevistas acrescentaram informações importantes sobre os
aspectos que delinearam o período em que o objeto foi produzido, bem como o saber fazer da
época.
Para apresentar uma sistematização conclusiva dos resultados cita-se a fala de José Mauro
Matheus Loureiro: 7
Como tantos saberes e discursos recentes criados para darem conta de
fenômenos específicos, a Museologia possui um solo teórico ainda pouco
cristalizado e em permanente mudança. Desse modo, tem a possibilidade de
reunir e organizar diferentes lógicas e esferas do conhecimento dispondo-a a
serviço de objetivos comuns. Neste ponto, residiria a sua grande riqueza.
CONSIDERÇÕES FINAIS
Ao se observar a trajetória das técnicas utilizadas desde a pré-histórica, quando o homem inicia sua
criação de artefatos para caça e para sua própria proteção, até as mais variadas técnicas e materiais de
5
Trecho da entrevista com João Frontino Geremias, em Içara-SC, 21 de janeiro de 2008.
Trecho da entrevista com Acari Bússulo em Orleans-SC, 25 de maio de 2008.
7
LOUREIRO, José Mauro Matheus. Formado em museologia pela UNIRIO/1980, mestre e doutor em Ciência da
Informação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro(UFRJ).
6
141
fabricação para a confecção do calçado utilizado atualmente, pode-se considerar que o calçado passou,
então, por várias mudanças de valores.
Como assinalado anteriormente, esta pesquisa pretendeu ressaltar não apenas o sistema de
produção, bem como a população a ser atingida, o material a ser empregado, consistindo no fato de que o
artesão dominava toda a técnica, ficando a cargo dele a venda ou troca do produto fabricado
artesanalmente.
A indústria hoje, diferentemente, todo esse processo está subdividido em diversas etapas e cada
pessoa se encarrega de algumas poucas atividades, no que concerne à fabricação do calçado, perdendo de
vista o domínio das atividades como um todo. A pessoa que curte o couro só executa esta atividade e
repassa esta matéria prima para o fabricante de calçado que irá processar o material para depois ser
vendido no comércio aos usuários.
Deste modo, o contato entre a atividade de curtição do couro e seu usuário final é distanciado em
virtude da divisão do trabalho, provinda da Revolução Industrial. Nesse processo, o que se nota é que o
fabricante do calçado nunca pôde deixar de ser criativo para se sobressair perante seus concorrentes.
Também deve ser ressaltado o fato dos funcionários das fábricas não terem mais controle de todo o
processo da fabricação e comercialização, ocorrendo uma subdivisão do processo em várias etapas com
atividades distintas, comandando toda essa produção, desde a criação passando pela manufatura até chegar
às mãos dos consumidores: objetivo final.
A evolução continua mais rápida que antes, devido à alta concorrência e as facilidades provenientes
da informatização das empresas e setores comerciais, juntamente com a globalização que chega até os
mercados mais longínquos, podendo desta maneira produzir calçados para usuários dos mais diversos
lugares e classes sociais.
Atualmente a oferta de modelos de calçados tem crescido, assim como de vários itens do nosso
vestuário. Esta oferta de produtos responde a uma necessidade da moda em ser mais democrática, onde
fazer moda significa produzir de maneira mais individual. Indo nesta direção, as tendências de moda, que
são frutos do resultado medido pelos formadores de opinião em relação às possibilidades numa
determinada estação, apresentam cada vez mais opções.
O sapato do século XXI é fruto do design. Em futuro bem próximo possivelmente poderemos
encontrar um calçado exato para cada pé e personalidade, e se não o encontrarmos poderemos solicitá-lo e
ele será fabricado em escala industrial, mas de maneira personalizada. Poderemos escolher os componentes
que me melhor nos convier e poderemos participar da ação de personalizá-los.
As tendências do futuro devem revelar, ainda forte influência do estilo do passado, bem como o
modo de produção artesanal que hoje atinge com exclusividade uma minoria da elite social.
142
Deste modo a pesquisa a partir de um objeto, torna possível, saber ler, interpretar e compreender o
contexto em que este está inserido. Assim sendo, pode-se perceber vários aspectos que delinearam a
produção de calçados no século XX, entre eles que houve na localidade de Orleans uma divisão de classe
social: comerciantes, industriais, produtores rurais bem sucedidos, os que usavam sapatos... E a classe dos
que andavam descalços. Além disto, pode-se avaliar as várias possibilidades de abordagens deste assunto,
a partir da pesquisa do objeto.
Referências
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Francal _ Feiras e Empreendimentos, 1991.
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BÚSSSULO, acari. Entrevista concedida. Orleans, no dia 25 de maio de 2008
DALSASSO, Paulo Afonso. Entrevista concedida. Orleans, no dia 26 de maio de 2008.
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Assentamentos Humanos, Marília, v3, n. 2, p19-28, 2001. Disponivel em:
http://www.unimar.br/publicações/assentamentos. Acesso em: 12 jul. 2008.
Sumário
144
III CONGRESSO INTERNACIONAL DE EDUCAÇÃO UNIBAVE
“Educar na e para a diversidade”
Orleans, 06, 07 e 08 de novembro de 2008
QUALIFICAÇÃO DE DOCENTES DAS SÉRIES INICIAIS DO ENSINO
FUNDAMENTAL PARA A INCLUSÃO DE ALUNOS COM DEFICIÊNCIA
Carla Coan
UNIBAVE - [email protected]
TC 1C2
Resumo: A inclusão de alunos com deficiência no contexto escolar regular é o fenômeno que
vem dinamizando as discussões da educação nos limiares da Sociedade da Informação. Diante
das possibilidades e das necessidades que movimentam o cenário educativo em função dessas
discussões, o objetivo deste estudo é analisar a qualificação de professores das séries iniciais
do Ensino Fundamental para a inclusão de alunos com deficiência. Para tanto, utilizou-se uma
pesquisa exploratório-descritiva viabilizada mediante a aplicação de uma entrevista semiestruturada, por se entender que essa técnica favorece a visão mais ampla sobre o assunto
pesquisado. Espera-se que os resultados deste estudo contribuam para aprofundar os
conhecimentos sobre uma realidade em construção, expressando a perspectiva daqueles que
atualmente estão diretamente vinculados ao exercício da inclusão.
Palavras-chave: Inclusão. Deficiência. Qualificação do professor.
Introdução
O presente estudo aborda a temática da inclusão como foco principal por ocasião da
inserção, no ensino público, das políticas de educação inclusiva criadas pelo MEC e por
outros órgãos nacionais e internacionais, visando identificar como está a qualificação do
profissional docente para acolher alunos com deficiência diante de propostas desafiadoras de
inclusão.
Assim, os objetivos concentram-se na análise, identificação e observação do processo
de qualificação de professores, visando saber, entre outras questões, se os mesmos sentem-se
preparados para acolher alunos deficientes e se consideram a inclusão relevante.
III CONGRESSO INTERNACIONAL DE EDUCAÇÃO: EDUCAR NA E PARA A DIVERSIDADE
ORLEANS, 06, 07 E 08 DE NOVEMBRO DE 2008
PP. 145-153
A inclusão de alunos com deficiências e o contexto escolar
Na realidade escolar são cada vez mais acentuadas as reflexões sobre a necessidade de
tornar realidade processos de inclusão. Nessa direção, o próprio avanço do mundo da
tecnologia, os avanços da medicina e das próprias teorias educativas estão influenciando os
meios educacionais a reconhecerem as pessoas com deficiência como seres sociais, ou seja,
cidadãos com direitos para desenvolver suas potencialidades.
Contudo, é somente nos últimos anos que a idéia de incluir efetivamente está atingindo
um nível de discussão mais profundo. Esse fato pode ser observado no teor das
regulamentações que delimitam as políticas inclusivas, como no caso da Lei nº 9394 - Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional, a qual define que deve ser oportunizada aos alunos
com deficiência a freqüência na escola de ensino regular.
Na efetivação das deliberações legais um fato que chama a atenção é se realmente tem
acontecido um processo formativo que possibilite aos professores acolher esses alunos. Não
se defende com isso que o processo delimitado pela legislação seja interrompido ou
invalidado. Contudo, é importante que se atente para as necessidades que decorrem desse
processo. Assim, está claro que no novo milênio a educação deve ser para todos, sendo que é
extremamente relevante que todos sejam incluídos no ensino escolar. Para tanto, é
indispensável que a todos sejam dadas as condições para que na prática os resultados
esperados se efetivem e, para isso, é fundamental a preparação do professor e sua busca
permanente por qualificar seu trabalho.
O que se espera deste novo milênio para a educação são novas perspectivas,
principalmente em relação ao mito de duas “educações”: “Uma regular e outra especial”.
Sobre este prisma, “tem-se esperança de que algo ocorra”, pois “a esperança traz, como
”tempero” da expectativa, a fé, a crença, a confiança de que acontecerá o que se deseja”
(CARVALHO, 2002, p. 14).
Diante disso, é importante destacar, segundo Goffredo (1999), que o processo de
educação especial é uma questão nova e que recentemente está tendo um grande avanço. E é
imprescindível entender como as pessoas com deficiência têm o direito à inclusão, pois, até
então, elas não puderam estar próximas dessa realidade. Por isso, a necessidade de se elaborar
propostas permeadas por procedimentos didáticos específicos e adequados às condições
desses alunos que agora formam as equipes inseridas nas escolas regulares. Essas propostas
146
devem ser projetadas por professores do ensino regular com os professores do ensino especial,
para troca de experiências e conhecimentos.
Para essa mesma autora, o comportamento da pessoa deficiente é decorrente do
processo ensino/aprendizagem oferecido até então, ou seja, a estima negativa perante o
deficiente só tende a obter um conceito negativo diante das dificuldades encontradas. A escola
deve enfrentar isso e, conseqüentemente, modificar essa realidade ainda existente. Quanto
mais
a
estima
estiver
positiva,
maior
será
o
rendimento
no
processo
de
desenvolvimento/aprendizagem.
E para quebrar a visão negativa que o ensino regular enfrenta, a
mesma autora alerta para a seguinte questão: se a escola existe em
função do aluno, para que esse possa se apropriar de conhecimentos,
habilidades, técnicas; por que a maioria das escolas não é assim? [...]
Os alunos deficientes, por serem diferentes são discriminados, porque a
escola impõe uma regra de que todos devem ter um único modo de ser,
padronizado. E isso faz com que “essas crianças com carência social e
cultural são vistas como incapazes de aprender e avançar dentro de uma
escola acabada e perfeita, que se julga imune a qualquer avaliação.”
(GOFFREDO, 1999, p. 49).
É preciso um olhar mais profundo sobre as condições de existências das pessoas com
deficiência para que não se negue as especificidades de suas necessidades.
Buscando a homogeneidade, é escamoteado que crianças diferentes criadas
em contextos diferentes, expostas a realidade diferente, desenvolvem,
conseqüentemente, habilidades e conhecimentos diferentes. Embora a
diferença não signifique a capacidade de uns para aprender e a incapacidade
de outros, sua existência aponta a necessidade de que o trabalho escolar
possa incorporar a heterogeneidade que constitui o real, sendo construído a
partir destas diferenças, que o tornam mais rico e dinâmico. (ESTEBAN,
1992, p. 80 apud BRASIL, 1999, p. 49).
Uma escola para ser inclusiva precisa estar preparada para acolher e trabalhar com
alunos que precisam de atenção especial, atendendo necessidades para o desenvolvimento das
suas potencialidades.
Para uma escola se tornar inclusiva precisa do todo o apoio da sociedade, da
participação de todos e não somente dos professores, pois um professor que tem uma atitude
inclusiva precisa ter os meios para inserir o aluno com necessidades especiais na escola
regular, fazendo com que este se sinta bem junto com seus colegas (VARGAS, 2003).
Assim, por um lado está a estrutura que deve ser disponibilizada ao professor, por outro,
sue compromisso e o conhecimento para tornar real a inclusão. Para Atack (2001, p. 35) “um
professor é alguém que ajuda os outros a aprender”. Por isso, o mesmo autor oferece
sugestões para que o professor tenha um bom desempenho:
147

o professor competente deve ser um bom observador, ou seja, aquele que olha,
acompanha. Sabe-se que essa técnica é a mais simples para o professor, mas é a
mais complicada de cumprir, pois o mesmo, ao olhar seus alunos, deve observar
tudo do que necessitam e cumprir as necessidades ali observadas.

um bom profissional é ser um provedor, é aquele que providencia todo o material
adequado, para poder ter um bom rendimento em sala de aula.

ser um facilitador também é importante, pois é no papel de facilitar as ações dos
deficientes que o professor deve atuar. Por exemplo, uma pessoa com deficiência
física, o profissional deve facilitar para que este aluno consiga produzir suprindo
suas necessidades.

ser um grande ouvinte e interessado. A criança que está num meio escolar deve ser
muito encorajada, deve receber elogios para continuar se desenvolvendo seu
potencial. É uma técnica de grande valia para motivar os alunos deficientes.
Estas observações citadas por Atack são fundamentais para o processo de inclusão que
não pode ser concebida como uma prática isolada, mas um trabalho no qual toda comunidade
escolar se sinta de alguma forma comprometida.
Para tanto, o processo de inclusão vem quebrar alguns paradigmas que a sociedade
impôs. Paradigmas esses derivados de diferentes dimensões. Ou seja, o modelo de escola
oferecido é aquele forçado pelo modelo econômico, político, social e cultural que precisa ser
superado para dar lugar a uma nova dinâmica educativa.
[...] o acesso e permanência na escola, desta maioria, podem significar a
oportunidade de trabalhar ou desmistificar as contradições que constituem,
determinam e condicionam a produção da natureza, das relações históricosociais até a subjetividade e individualidade que caracteriza cada um dos
seres vivos (SANTA CATARINA, 2001 p. 9).
Portanto, as premissas inclusivas são imprescindíveis para delimitar um novo
horizonte de inserção das pessoas com deficiência. Contudo, vivenciamos um processo no
qual várias bases de sustentabilidade devem ser implantadas, como a formação dos
professores e todos os demais aspectos que contribuam para a efetiva inclusão.
Metodologia
No desenvolvimento da pesquisa, optou-se pelo método exploratório-descritivo. De
acordo com Galliano (1986, p. 06), “o método é um conjunto de etapas, ordenadamente
148
dispostas a serem vencidas na investigação da verdade, no estudo de uma ciência ou para
alcançar determinados fins”.
A pesquisa exploratória é descrita por como sendo a pesquisa que melhor pode definir o
objetivo principal da investigação, tendo uma maior familiaridade com o problema
pesquisado. O método descritivo é definido como “a descrição das características de
determinada população ou fenômeno ou, então, o estabelecimento de relações entre variáveis”
(GIL, 2002, p. 42).
Na escolha da abordagem optou-se inicialmente pela qualitativa, que de acordo com
Lakatos (2004, p. 269), “[...] preocupa-se em analisar e interpretar aspectos mais profundos,
descrevendo a complexidade do comportamento humano. Fornece análise mais detalhada
sobre as investigações, hábitos, atitudes, tendências de comportamento etc.”
Contudo, em parte das questões aplicadas seguiu-se a perspectiva quantitativa. A
abordagem quantitativa, também denominada por metodólogos internacionais como
paradigma quantitativo, tem entre os pressupostos básicos a “busca pela objetividade
mediante o desenvolvimento de técnicas que situem os dados à margem dos significados,
interpretações e valores da sociedade e dos investigadores” (CARDONA, 2002, p. 29).
A referida abordagem “pretende tomar a medida exata dos fenômenos humanos e do
que os explica. [...] Conseqüentemente, deve escolher com precisão o que será medido e
apenas conservar o que é mensurável de modo preciso” (LAVILLE; DIONNE, 1999, p. 43).
A junção das duas abordagens foi possível em função de que algumas questões
suscitavam respostas objetivas.
Na seleção da técnica optou-se pela entrevista semi-estruturada, pois é a que permite um
controle mais efetivo “... quando o entrevistador tem liberdade para desenvolver cada situação
em qualquer direção que considere adequada. É uma forma de poder explorar mais
amplamente a questão”. (LAKATOS, 2004, p.279).
Para Rauen (2002, p. 125) “... a entrevista é uma forma de interação verbal não
convencional. A relação entrevistador e entrevistado é singularizada, porque é orientada por
determinado fim e delimitada por uma área temática”.
Segundo Oliveira (1997), a coleta de dados é uma atividade cansativa e ocupa muito
tempo do pesquisar, muito mais do que se espera. Assim, ele considera que o pesquisador
tenha muita paciência, perseverança e um esforço pessoal significativo para um cuidadoso
registro de dados e de um bom preparo anterior. Em função disso, as entrevistas foram
149
gravadas e estão armazenadas num banco de dados confidencial. Com isso, todos os dados
apresentados por este relatório são questões relatadas pelos profissionais.
Apresentação dos resultados
Como o estudo objetivou coletar informações acerca da qualificação do professor para
a inclusão, nos resultados apresentados a seguir foram selecionados os mais significativos.
Para facilitar uma visão geral da situação que contorna a realidade dos entrevistados, optou-se
dar mais ênfase a dados quantitativos, pois os mesmos permitem que se tenha um panorama
de questões que precisam ser superadas ou estimuladas para que a inclusão seja
definitivamente efetivada.
1. Você possui que tipo de formação?
100 % responderam que são pós-graduados
2. Dentre todos estes estudos, você fez algum curso direcionado à deficiência?
33% responderam que têm vários cursos na área
33% responderam que não têm curso na área
33% responderam que tiveram poucos cursos
3. Você, diante de toda a sua formação, considera-se apto para receber alunos com
deficiências? Por que?
67% responderam que não
33% responderam que sim
Os professores que responderam que não se sentem aptos para trabalhar com alunos
com deficiências justificaram suas respostas afirmando ter pouco conhecimento da área e,
portanto, não se sentem qualificados para trabalhar adequadamente com a situação.
4. Como será para você trabalhar em sala de aula com alunos com diferenças cognitivas?
67% responderam que trabalhariam somente com professor auxiliar
33% responderam que criariam atividades diversificadas
5. Quais os objetivos da inclusão?
33% responderam que a socialização
33% disseram que é por preconceito
33% disseram que é socializar, mas para esconder os preconceitos que existem
6. Considera adequado incluir os alunos com deficiência no ensino regular? Por quê?
33% responderam que não
150
33% responderam que sim
33% responderam que talvez
7. Entre os objetivos da inclusão o mais importante pode ser considerado a fato de
estimular a superação do preconceito?
100% disseram que sim
Para os participantes a idéia de incluir alunos com deficiência no ensino regular partiu
da idéia de buscar alternativas para superar os preconceitos, sendo que em uma escola
inclusiva poderiam ser trabalhados aspectos como acolhimento, respeito e valorização.
8. Agora é lei, você professora terá que estar preparada para receber alunos com
deficiência. Mesmo que já tenha estudado para isso, considera importante se
aperfeiçoar mais, ou seja, fazer novos cursos específicos para trabalhar com estes
alunos? Por quê?
100% disseram que sim
A unanimidade das respostas se deve ao fato de que os professores ainda se percebem
pouco preparados, afirmando que os conhecimentos sobre a deficiência têm avançado e
que uma formação continuada poderia ajudá-los a dinamizar o processo de inclusão, além
de que se sentiriam valorizados por saber que existem políticas que se voltam para as
necessidades dos profissionais que buscam a inclusão.
9. O que você sugere para que melhore a qualidade de ensino na escola pública, no
tocante ao processo de inclusão?
33% responderam que o governo deve valorizar mais
67% responderam que se deve preparar mais os professores
Considerações finais
Por meio deste estudo pode-se perceber como o processo de qualificação dos docentes
do ensino público está bastante debilitado, mesmo que exista uma preocupação com a
inclusão de alunos com deficiência no ensino regular. Por isso é emergente a necessidade de
uma maior qualificação para poder receber alunos com deficiência.
Ao entrevistar os profissionais, observou-se que demonstram interesse para aprofundar
seus conhecimentos e querem maiores informações, pois sem qualificação têm dificuldades de
ministrar aulas de maneira proveitosa para todos os alunos.
Diante disso segue algumas sugestões:
151

Os professores devem procurar novas especializações na área de inclusão;

Os professores devem obter mais informação a respeito do processo de inclusão.

O professor, independente o governo, precisa estar aberto ao processo de
inclusão;

A escola precisa apoiar e ajudar os seus profissionais com cursos para que
possam receber todos os alunos, independente de sua necessidade.

Nas políticas publicas a formação docente para a inclusão deve ser uma
prioridade.
A partir deste estudo, observa-se que os professores na sua grande maioria não se
encontram satisfeitos com o processo de inclusão. Isso faz com que eles se sintam
desmotivados, desanimados e preocupados com o ensino que oferecem.
Além de considerar todas os aspectos implícitos nas respostas dos professores é preciso
estimulá-los para que percebam que incluir é algo muito importante na vida de uma pessoa
com deficiência e ninguém melhor que o professor, apoiado por formação e recursos, para
potencializar as possibilidades de aprendizagem das pessoas com deficiência.
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Sumário
153
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iii congresso internacional de educa