III CONGRESSO INTERNACIONAL DE EDUCAÇÃO UNIBAVE “Educar na e para a diversidade” Orleans, 06, 07 e 08 de novembro de 2008 SUMÁRIO DOS ARTIGOS CIENTÍFICOS 1 CULTURA ESCOLAR E INOVAÇÃO CURRICULAR EM ESCOLAS INCLUSA.......................................................................................... Geovana Mendonça Lunardi Mendes, Edna Araujo dos Santos de Oliveira e Deborah Christêllo Nazário 2 EXPANSÃO DA EDUCAÇÃO SUPERIOR NA MODALIDADE EAD: 3 13 DEMOCRATIZAÇÃO DO ACESSO E PERCEPÇÕES DA DIVERSIDADE... Ricardo Luiz de Bittencourt 3 DO LIMBO À MESA:O GARFO E SEU LUGAR NA HISTÓRIA DA CULTURA ALIMENTAR...................................................................... Maurício Rafael 4 APOIO EDUCACIONAL À INCLUSÃO DO ACADÊMICO COM NECESSIDADE ESPECIAL NO ENSINO SUPERIOR............................. Roberto Pacheco, Márcia V. M. Nunes e Sara dos Santos Reis 5 FILOSOFAR PARA EDUCAR NA E PARA DIVERSIDADE...................... Rafael Uliano 6 MUSEU DA FREGUESIA DE MIRIM: UM SUPORTE PARA O ENCONTRO E A PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO CULTURAL............................... João Paulo Corrêa 7 CONCEITOS NORTEADORES DA AÇÃO DOCENTE DOS PROFESSORES DO CURSO DE ADMINISTRAÇÃO DA UNESC: CONTINUAM TRADICIONAL OU FORMAÇÃO NA E PARA A DIVERSIDADE.................................................................................. Vanilda Maria Antunes Berti 8 IMPLICAÇÕES CULTURAIS EM ACERVOS MUSEOLÓGICOS: A HISTÓRIA DOS COLONIZADORES NA CONSTITUIÇÃO DE SEUS OBJETOS DE USO FAMILIAR............................................................ Ana Claudia Roecker 9 A EDUCAÇÃO ESCOLAR E A CULTURA DOS INSTRUMENTOS DISCIPLINARES................................................................................. Caroline Martello 10 A UTILIDADE DA SERRA CIRCULAR DURANTE O CICLO DA MADEIRA: UM OLHAR SOBRE O PATRIMÔNIO CULTURAL E AMBIENTAL............ Eráclito Pereira 11 ARTEFATO DA CULTURA AÇORIANA: PÃO-POR-DEUS........................ Lenaide Gonçalves Innocente 12 A MODERNIDADE APORTA EM ITAJAÍ: INOVAÇÃO TECNOLÓGICA E REGISTROS DA CULTURA EM MUTAÇÃO........................................... Marco Antonio Figueiredo Ballester Junior Voltar 22 33 44 52 62 76 84 93 102 112 13 A MODA COMO REPRESENTAÇÃO IDENTITÁRIA DAS MULHERES NO INÍCIO DO SÉCULO XX EM ORLEANS: O CASO DO ESPARTILHO........ Ricardo Alberton Fernandes 14 SAPATO ARTESANAL: O OLHAR MUSEOLÓGICO SOBRE A CULTURA DE PRODUÇÃO E USO....................................................................... Valdete Baggio Crocetta 15 QUALIFICAÇÃO DE DOCENTES DAS SÉRIES INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL PARA A INCLUSÃO DE ALUNOS COM DEFICIÊNCIA... Carla Coan 122 133 145 III CONGRESSO INTERNACIONAL DE EDUCAÇÃO UNIBAVE “Educar na e para a diversidade” Orleans, 06, 07 e 08 de novembro de 2008 CULTURA ESCOLAR E INOVAÇÃO CURRICULAR EM ESCOLAS INCLUSIVAS Geovana Mendonça Lunardi Mendes UDESC - [email protected] Edna Araujo dos Santos de Oliveira UDESC - [email protected] Deborah Christêllo Nazário UDESC - [email protected] TC 1C2 Resumo: Inúmeras pesquisas têm apontado que a diversidade presente em salas de aula em que crianças com deficiência encontram-se incluídas desafia a forma escolar estabelecida. Partindo deste pressuposto, o presente projeto objetiva investigar a cultura escolar constituída em escolas consideradas inclusivas apontando as inovações curriculares identificadas nessas instituições. Pretende-se identificar o movimento cotidiano de significação e reinvenção do seu papel construído pela escola para atender esses alunos e o impacto de tal atendimento nos aspectos chaves de sua cultura, a saber: tempo, espaço e saberes. Palavras-chave: Currículo. Diferença. Inclusão. Educação Especial. Introdução Inúmeros estudos da Sociologia e da História da Educação têm compreendido a escola, da forma como a concebemos hoje, como um produto de variadas determinações históricas, políticas e sociais. Como uma construção histórica, a escola, passa por processos de modificação decorrentes do contexto cultural em que esta inserida e das exigências sociais nela depositadas. III CONGRESSO INTERNACIONAL DE EDUCAÇÃO: EDUCAR NA E PARA A DIVERSIDADE ORLEANS, 06, 07 E 08 DE NOVEMBRO DE 2008 PP. 3-12 Se a sociedade muda, suas expectativas com relação aos processos de escolarização também se modificam, o que necessariamente, conforme nos mostra a História da escolarização, ocasiona mudanças na escola, refletidas na sua organização interna: métodos, práticas, saberes, estrutura física, entre outros. No entanto, os estudos têm apontado também que o modelo escolar constituído na modernidade se tornou hegemônico, dentre os diferentes tipos de escola, e tem mantido uma estrutura sólida de princípios e práticas que parecem resistir as mais diferentes pressões. Essa estrutura tem sido um fecundo objeto de estudo da Sociologia e da História da Educação. Diversos autores têm, em suas pesquisas, procurado nomear os elementos que fazem as escolas serem semelhantes e terem tanta resistência, ou mudarem muito lentamente. Tyack e Cuban(2001) falam de Gramática Escolar, Antonio Viñao Frago(2002) de Cultura Escolar, Guy Vincent(1994) em Forma Escolar. Ainda que com importantes diferenças epistemológicas, escolheremos aqui trabalhar com o conceito de cultura e forma escolar por entendermos que tais conceitos auxiliam no enfrentamento da problemática desta pesquisa. Tal cultura possibilita no interior da escola a manutenção de uma série de práticas cristalizadas condicionando a apreensão de novas práticas a partir de um processo de tradução, reinterpretação e modificações em função desses reguladores internos. Para entender o processo de mudança da escola é condição sine qua non compreender sua cultura. É a partir da sua cultura que a escola organiza seu tempo, espaços e saberes. Aliás, tais elementos, inter-relacionados, acabam contribuindo no papel social de aluno, professor e práticas pedagógicas constituídos dentro da escola com base nestes condicionantes. Nesse sentido, o currículo origina-se dessa construção orientada pela cultura escolar e expressa também essa manutenção e similaridade dos conteúdos, das práticas e das aprendizagens produzidas na escola. No bojo das reformas educacionais produzidas na década de 90 a proposição de mudanças curriculares, em especial no caso do Brasil, adquiriu centralidade nos discursos sobre a escola. 4 Rever as orientações curriculares, visando à definição de conteúdos a serem trabalhados 1, objetivando uma maior uniformidade entre as práticas curriculares das escolas no continente nacional foi uma das metas perseguidas pelas reformas empreendidas. Além disso, o respeito à diversidade, através da inclusão de temas transversais no ensino e de políticas de inclusão, desde ações afirmativas até benefícios financeiros para a manutenção na escola, conferiram a escola o desafiador papel de auxiliar na redenção de uma série de desigualdades. Parece, portanto que, cada vez mais, a escola tem sido chamada a respeitar, lidar e trabalhar com a diversidade de uma forma inclusiva visando constituir-se uma escola para todos. Ora, se até agora afirmamos que a escola é um produto de seu tempo e uma construção cultural, por mais que existam condicionantes importantes que ajudam na manutenção de suas práticas, os processos de mudança, também são possíveis de se estabelecer no seu cotidiano. Roldão (2003) aponta que, diante da diferença (entre elas a deficiência) o processo de escolarização tem lidado de três formas: com uma diferenciação discriminadora socialmente legitimada, na medida em que, inicialmente, o processo de escolarização era para alguns; com a massificação do acesso, a diferenciação passou a ser entendida como ilegítima, passando a ser recuperada a idéia de diferenciação como forma de democratização do sucesso. Atualmente, essa situação se complexificou principalmente por que os “excluídos do interior” como afirma Bourdieu, numa sociedade cada vez mais escolarizada, acabam se tornando excluídos da, na e pela escola e também no exterior da escola. Essa situação acabou criando um convívio crescente da escola com o insucesso escolar, por isso mesmo, defensivamente retificado de maneira naturalizada pela comunidade escolar, e ao mesmo tempo gerando a necessidade de enfrentar essa situação. Atender às diferenças que geram insucesso escolar torna-se uma necessidade, dado os altos índices de insucesso. Como afirma, Gimeno Sacristán (2003, p.293) “se, no dia-a-dia, em qualquer área das relações sociais, o convívio com a diferença é um dado adquirido, considerado natural, nos sistemas educativos a variabilidade intra-subjetiva, intersubjetiva e intergrupal dos seres humanos convive como um problema por resolver ou como uma dificuldade que se deve suprimir”. 1 No nosso caso especifico, a proposição dos Parâmetros Curriculares Nacionais cumpre esse fim. 5 Portanto, atualmente se redime o conceito de diferenciação, retomando o que fora percebido como um problema, para ser entendido agora como solução. A diversidade tem assumido então o status de uma grande narrativa, capaz de permitir inúmeras soluções. Neste contexto, os discursos que apregoam uma escola para todos e posteriormente uma escola inclusiva focalizam e orientam a necessidade de uma mudança significativa na “cultura escolar” e a constituição de “inovações curriculares” para cumprir os objetivos de tais propostas. Com isso, algumas mudanças e orientações curriculares são apresentadas aos professores como forma de operacionalizar os discursos presentes nos documentos oficiais. Entre os complicadores de tal perspectiva podemos apontar: - uma compreensão de cultura escolar e de currículo que não dimensionam o circuito de produção-apropriação-seleção-criação-recriação que a escola põe em movimento a partir das suas motivações próprias e do seu entorno sócio-cultural, - uma idéia de que a mudança e consequentemente processos de inovação curriculares são sempre positivas e orientam para práticas escolares emancipatórias. Partindo dessas premissas, objetivamos investigar os discursos oficiais das propostas de educação para todos e da escola inclusiva, focalizando nas mudanças/inovações sugeridas a cultura escolar bem como a realidade curricular construída nas escolas em suas práticas cotidianas. Nesse sentido, tais propostas, em certa medida, vêm imbuídas de uma idéia de progresso e pretende-se inovadora e instituidora de uma nova lógica de organização do conhecimento escolar. Por isso, compreendemos que as mudanças sugeridas pelas propostas curriculares atuais, além de serem recontextualizadas no espaço das práticas curriculares da escola, por si só podem não significar avanços significativos para o processo de escolarização dos alunos, em especial, daqueles considerados deficientes. As bases teóricas em que se sustentam podem não ser diferentes daquelas que ajudam a manter o quadro de exclusão do interior (BOURDIEU, 1998) vivido no cotidiano escolar. Em pesquisas anteriores (Lunardi (2005) e Silva(2003)), identifica-se como a cultura escolar, tomando por princípios organizadores a homogeneização e a uniformização tem inúmeras dificuldades para incorporar em seu cotidiano às diferenças dos alunos. As diferenças 6 dos alunos são entendidas sempre como incômodas e negativas para o processo de escolarização. Diante de tal movimento que mudanças se operam na cultura escolar da escola? A organização das aulas, o conhecimento trabalhado e o significado destes para os alunos são modificados pela da inclusão? Viñao-Frago (2002) ao analisar as mudanças nos sistemas educativos, re-visita o conceito de cultura escolar, para apontar que a mudança tende a ser lenta na escola, ao mesmo tempo em que podem ocorrer mudanças aceleradas, ou seja, o ritmo nem sempre é uniforme. A fonte da mudança também é diversa. No caso das políticas de inclusão estamos diante de modificações organizativas externas que são ressignificadas pela escola e reorientam sua cultura. Assim, a enunciação de um discurso inclusivo orienta para mudanças no cotidiano escolar que passam por um processo de seleção, apropriação e criação condicionadas pela cultura escolar que precisam ser escrutinados. É nosso interesse investigar esse processo de enunciação e as práticas construídas no universo escolar diante das deficiências, entendidas como dos alunos. Partindo de uma perspectiva que entende a constituição do currículo em todas as suas dimensões focalizaremos os documentos legais que orientam para a constituição de uma escola inclusiva e partiremos para a análise do currículo aprendido, a partir das produções escolares das crianças. Serão objetos dessa investigação especialmente a produção de crianças consideradas deficientes mentais. Entendemos que tais crianças, por características próprias dos seus processos de aprendizagem desafiam a lógica e os princípios orientadores da cultura escolar instituída. Deste modo, torna-se extremamente necessário identificar que mudanças e que inovações se tem constituído na escola para atender esses sujeitos. As investigações sobre os processos de inclusão destes sujeitos ainda são incipientes e muito temos que construir para o enfrentamento adequado das questões suscitadas por estes processos. Deste modo, queremos empreender uma análise da cultura escolar pela perspectiva destes alunos: como se constituem como alunos? O que registram? O que aprendem? Como 7 aprendem? Avaliaremos, para tanto, os processos de aprendizagem das crianças consideradas deficientes, a partir de protocolos de avaliação específicos, objetivando conhecer estes percursos e perceber, em que medida, eles são respeitados nas atividades realizadas na escola. Desenvolvimento Desde o final da decada de 80 no estado de Santa Catarina, são desenvolvidas ações com vistas a integração de crianças com deficiência no ensino regular. Em 1987, especificamente, o governo do estado lança, uma política conhecida como o “Plano para a campanha de Matrícula Escolar da Secretaria da Educaçao(1987-1991), que além da expansão do acesso a escola, trabalhava com a idéia de uma “escola para todos”, deflagrando um processo que ficou conhecido com “matricula compulsória”, ou seja, o direito legal, no âmbito do estado de as famílias com filhos deficientes matricularem suas crianças na escola mais próxima de sua residência, independente de sua deficiencia. A partir dessa política, várias outras começaram a ser pensadas e geradas no Estado com este fim. No entanto, no Brasil somente após a LDB de 1996, a discussão aprofundou-se, assim como com a profusão de um cenário internacional( Declaração de Salamanca, Jontiem, Guatemala) que foram impactando em uma série de políticas e modificações na forma como até então era pensada a educação de crianças consideradas deficientes. Entre as principais modificações das últimas décadas, a produção cientifica e os debates políticos tem gerada a constatação que é um direito dos sujeitos considerados deficientes o acesso a uma educação escolar de qualidade. Nessa afirmação explicita-se a compreensão de que mais do que ocupar, participar e integrar os espaços escolares regulares comuns a todas as crianças, é preciso desenvolver apoios, serviços e metodologias especializadas objetivando favorecer o acesso também ao conhecimento escolar difundido na escola. Trata-se de uma garantia não só pelo acesso a escola, mas ao processo de escolarização em toda a sua amplitude. Dessa forma, quando focalizamos a deficiência mental, a situação complexifica. Historicamente, a deficiência mental é entendida como uma incapacidade orgânica limitadora 8 da elaboração das operações mentais complexas. O sujeito acometido por tal incapacidade é visto como cognitivamente incapacitado, o que limita as expectativas relativas a sua escolarização. Em ínumeras experiências desenvolvidas no Brasil e no mundo, tais afirmações tem sido relativizadas e temos avançado na compreensao de que mais do que a marca biológica, as mediações sociais a que ele está submetido são definidoras do seu desenvolvimento. No que diz respeito a escolarização, a interação com sujeitos “ditos” normais e as trocas possibilitadas por tais interações são espaços fecundos e necessários para o desenvolvimento. No entanto, não são suficientes. É preciso apoio, estrutura, e preparação voltados não somente aos alunos considerados deficientes, mas a escola em seus diversos segmentos. Nesse sentido, considerando a importância da defesa por uma escola de qualidade para todos os alunos, esta pesquisa justifica-se principalmente pelo ainda incipiente acúmulo de informações sobre o impacto das experiências inclusivas nos processos de aprendizagem dos alunos considerados deficientes, assim como na própria escola. Além disso, a articulação deste projeto ao Laboratório de Educação Inclusiva, traz como papel fulcral desta investigação, também, os esforços para a consolidação daquele ambiente como espaço produtor de conhecimento científico na área, objetivando o seu reconhecimento e visibilidade futuros. A investigação da cultura escolar remete sempre para um complexo processo de investigação. Diversas formas de se estudar a escola tem sido desenvolvidas nos últimos anos. Pesquisas etnográficas baseadas, principalmente, no longo período de presença no campo, associada às técnicas de observação participantes tem sido bastante difundidas na pesquisa educacional. Como abordagem epistemológica esse estudo baseia-se em alguns estudos da Sociologia da Cultura, principalmente as contribuições de Raymond Williams. Com fundamento no pensamento marxista, Williams nos permite entender o objeto a partir de uma perspectiva teórico-metodológica relacional. Os estudos portugueses que indicam a mesoabordagem como forma de encaminhamento da investigação também serão essenciais para o processo de coleta e análise dos dados. A forma como Williams (1992) procedeu seus estudos sobre as práticas culturais, bem como sua concepção de cultura, ajuda a constituir o corpus teórico que precisa ser forjado para 9 o entendimento de homem, de prática e de cultura que se faz necessário para o desenvolvimento da investigação. Na perspectiva do autor, uma sociologia da cultura deveria se preocupar com todas as produções culturais, com as instituições e formações das produções culturais, com as formas artísticas e com os processos de reprodução social e cultural. É interessante percebermos, no entanto, que o autor trabalha com uma concepção muito própria de cultura. Para Williams (CEVASCO, 2001, p.47), antes de mais nada a cultura já está dada no nosso modo de vida: “a cultura é experiência ordinária” e como tal é de todos. Com isso, Williams rompe as perspectivas tradicionais de cultura enquanto cultivo de um bem e explica que a produção cultural está em todos os lugares. Que relações essa compreensão traz para o nosso estudo? As pistas são dadas pelo próprio autor: os estudos culturais nos ajudam a compreender que a cultura é o amálgama no qual estão presas todas as práticas sociais, ou seja, ela não é um processo social secundário nem pode ser entendido como estanque: a educação, a economia, a cultura... Trata-se de uma prática de constituição de significados e como tal orientadora de todas as outras práticas. Nesse sentido, as práticas educativas são também ordinárias e estão imbricadas no processo de produção cultural da sociedade. Entender isso é compreender que a escola como instituição tem um papel determinado por essas relações. As práticas desenvolvidas no seu interior, às vezes, carecem de explicitações exteriores a elas e não são frutos de intenções racionalizadas e individuais. Então partindo dessas premissas teórico-metodológicas, essa pesquisa irá trabalhar com o desafio de analisar aspectos macros, como as políticas educativas voltadas à escola para todos, como aspectos micros, as produções escolares dos alunos. Iremos prioritariamente trabalhar com análise documental, seja das políticas, seja das produções dos alunos e só ocasionalmente realizar observações participantes. O lócus de investigação principal será o Laboratório de Educação inclusiva e nele iremos realizar também aplicação de protocolos específicos de investigação. O Laboratório de Educação Inclusiva a partir de 2008 irá realizar uma série de Oficinas Pedagógicas com turmas heterogêneas de alunos(crianças com desenvolvimento típico e atípico). As oficinas serão compostas de, em média, dez alunos(com desenvolvimento heterogêneo) e serão envolvidos na investigação todos os alunos da oficina. 10 Será alvo desta investigação, as turmas que tiverem crianças com desenvolvimento cognitivo atípico, em especial aquelas consideradas com deficiência mental. A partir da identificação destas crianças, realizaremos a investigação tomando por base as suas produções escolares(cadernos e trabalhos acadêmicos). Paralelamente a isso, será realizada uma investigação sobre as escolas de que essas crianças são oriundas e sua relação com as políticas que orientam escolas inclusivas. A idéia é construir elementos a partir de pistas indiciárias sobre a cultura escolar em que estas crianças estão inseridas. Além disso, desenvolveremos, com base em uma ampla pesquisa, nos protocolos de avaliação nacionais, um instrumento que seja adequado para identificarmos algumas das aprendizagens já desenvolvidas pelas crianças nos espaços escolares. Sem fins diagnósticos, tais instrumentos terão como principal objetivo identificar os processos escolares de aprendizagem já desenvolvidos pelas crianças e aqueles que ainda precisam ser alcançados, tendo por base a perspectiva Vygotskiana(1998) do desenvolvimento real, proximal e potencial. Tais exercícios objetivam compreender os processos cognitivos empreendidos pelas crianças nas aprendizagens escolares e em decorrência estratégias didáticas que podem ser constituídas para este fim. Essa parte da pesquisa pode ser definida como do tipo experimental mista. Ou seja, os dados para análise serão coletados de forma experimental em sessões realizadas com o grupo no Laboratório de Educação Inclusiva. As sessões serão filmadas e devidamente registradas. As análises dos referidos dados se basearão tanto em informações quantitativas, quanto qualitativas das questões investigadas. Conclusão Por se tratar de projeto de pesquisa em andamento, com início no mês de agosto do presente ano, ainda não possuímos elementos conclusivos. Referências 11 BOURDIEU, Pierre. La reproduction. A reprodução: elementos para uma teoria do sistema de ensino'', Lisboa: Editorial Vega, 1978 CEVASCO, Maria Elisa. Para ler Raymond Williams. São Paulo, Paz e Terra, 2001 GIMENO-SACRISTÁN, J. El curriculum: Una reflexión sobre la pratica. Madrid: Morata. 1989. GIMENO-SACRISTÁN, J.; PÉREZ GÓMEZ, A. I. Compreender e transformar o ensino. 4. Ed. Porto Alegre: Artes Médicas. 2000. GIMENO-SACRISTÁN, J. Consciência e acção sobre a prática como libertação profissional dos professores. In: NÓVOA, A. (Ed.), Profissão professor. Porto: Porto-Editora. 1991. P. 6192. ROLDÃO, Maria do Céu. Gestão do Currículo e avaliação de Competências: As questões dos professores. Editorial Presença: Lisboa, 2003. TYACK, D y Cuban, L. En busca de la utopía. Un siglo de reformas en las escuelas públicas. México: Fondo de cultura económica, 2001. VINCENT, Guy; LAHIRE, Bernard; e THIN, Daniel (1994) Sur l’histoire e la théorie de la forme scolaire. In: GUY, Vincent (Dir.). L’éducation prisionnière de la forme scolaire? Scolarisation et socialisation dans les sociétés indsutrielles. Lyon: Presses Universitaires de Lyon, 1994. P. 7-47. VIÑAO FRAGO, A. Alfabetização na sociedade e na história. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993. __________. Do espaço escolar e da escola como lugar: propostas e questões. In: VIÑAO Frago, A.; ESCOLANO, B. Currículo, espaço e subjetividade. Rio de Janeiro: DPA, 1998. VYGOTSKY, L.S. Interação entre aprendizado e desenvolvimento. In:_________. A Formação Social da Mente. São Paulo: Martins Fontes, 1998. VYGOTSKY, L.S.; LURIA, A.R.; LEONTIEV, A.N. Linguagem, Desenvolvimento e Aprendizagem. São Paulo: Ícone, 1989. Sumário 12 III CONGRESSO INTERNACIONAL DE EDUCAÇÃO UNIBAVE “Educar na e para a diversidade” Orleans, 06, 07 e 08 de novembro de 2008 EXPANSÃO DA EDUCAÇÃO SUPERIOR NA MODALIDADE EAD: DEMOCRATIZAÇÃO DO ACESSO E PERCEPÇÕES DA DIVERSIDADE 1 Ricardo Luiz de Bittencourt 2 Universidade do Extremo Sul Catarinense - UNESC – [email protected] TC 1F4 Resumo: Este artigo pretende analisar a expansão da educação superior na modalidade educação a distância - EAD. Toma-se como referência de análise as percepções de tutores que participam do curso de Pedagogia da Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC, na modalidade EAD. Busca-se mostrar como as políticas públicas de educação estão alinhadas com os interesses de organismo internacionais que estabelecem metas a serem alcançadas pelos países em desenvolvimento. Os dados da pesquisa foram coletados por meio de entrevista semi-estruturadas e analisadas a partir do referencial teórico adotado. Palavras-chave: Expansão da educação superior. Formação de profesores. Políticas públicas. Introdução A expansão da educação superior é uma das marcas presentes do nosso tempo. O Estado brasileiro tem investido em políticas de expansão da educação superior tendo em vista os ditames de organismos internacionais. Na década de 60 do século passado, no que tange à Santa Catarina, o discurso desenvolvimentista favoreceu a criação das instituições de educação superior comunitárias, vinculadas à Associação Catarninense das Fundações educacionais - ACAFE. A Lei de Diretrizes e Bases 9394/96 quando estabeleceu a necessidade de formar professores para a Educação Básica em nível superior até o final de 2006 e diversificou os formatos institucionais de educação superior como universidades, centros universitários e a própria modalidade EAD. 1 Artigo apresentado no III Congresso Internacional de Educação: Educar na e para a diversidade, realizado no período de 5 a 7 de novembro de 2008. 2 Doutor em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Professor no curso de Pedagogia da Universidade do Extremo Sul Catarinense. III CONGRESSO INTERNACIONAL DE EDUCAÇÃO: EDUCAR NA E PARA A DIVERSIDADE ORLEANS, 06, 07 E 08 DE NOVEMBRO DE 2008 PP. 13-21 Desenvolvimento Compreender as percepções dos tutores sobre a formação de professores nos desafia a refletir como eles percebem a expansão da educação superior alavancada pela EAD. O Brasil, por ser um país muito extenso, é terreno fértil para a ampliação da educação superior na modalidade EAD. Essa expansão, principalmente, quando realizada pelo setor privado, pode se constituir como uma das estratégias de mercantilização da educação. O depoimento da T1 3 coloca em evidência a preocupação com a qualidade de ensino que se manifesta também pela interação. O ensino presencial é considerado pela entrevistada como de melhor qualidade em relação à EAD. Manifesta sua preocupação com a diminuição do ensino presencial por considerar que o custo da EAD é menor. Sua preocupação tem sentido na medida em que o índice de candidatos ao vestibular destinado ao preenchimento de vagas do curso de Pedagogia das IES vinculadas à ACAFE diminuiu sensivelmente a partir da oferta deste curso pela UDESC, na modalidade EAD: A expansão do ensino superior na modalidade EAD, eu ainda tenho algumas restrições, pois por mais que eu valorize e acredite que realmente acontece aprendizagem na EAD eu continuo dizendo que o ensino presencial é fundamental. A gente sabe que a EAD é mais barato e por isso pode haver uma diminuição do ensino presencial que para mim é o melhor de todos. É melhor pela interação, o professor estar ali no dia-a-dia, o próprio professor da disciplina porque na EAD existe apenas um encontro do professor com os acadêmicos, os outros encontros são com os tutores. (grifo nosso) Contudo, a T2 destaca a dificuldade de fazer comparações entre EAD e ensino presencial por atender necessidades e interesses de públicos diferenciados. A preocupação com a mercantilização da educação que não acontece apenas na modalidade EAD aparece novamente no depoimento desta entrevistada: É impossível fazer comparações, atendem necessidades e interesses de diferentes grupos. O que há de positivo na EAD é a possibilidade desse pessoal que trabalha, que tem o tempo muito carregado poder minimizar esse tempo e fazer o curso superior. Eu não vejo apenas na modalidade de EAD, na educação de maneira geral, cursos de educação são muito fáceis de se abrir, pedagogia mesmo, em qualquer instituição privada, e não só porque é privada, não se tem estrutura, qualquer sala que se alugue, cantinho, se abre um curso superior. (grifo nosso) A mercantilização da educação como um dos reflexos da política educacional assumida pelo Estado brasileiro não passa despercebida pela reflexão da T9. As políticas de 3 Para preservar a identidade dos entrevistados optou-se nomeá-los como tutor 1 – T1 14 educação empreendidas no Brasil se traduzem, muitas vezes, como estratégias de desregulamentação, o que possibilita que instituições de educação superior sejam autorizadas a funcionar sem as condições necessárias. De modo complementar, o Estado também assume o papel de regulador na medida em que estabelece diretrizes curriculares, define critérios para autorização, reconhecimento e recredenciamento de instituições de educação e seus respectivos cursos. Essas práticas de regulação se articulam com os sistemas de avaliação atualmente materializadas pelo Sistema de Avaliação da Educação Superior – SINAES. No que tange à modalidade EAD, em 2007 foram estabelecidos pelo Ministerio da Educação - MEC os critérios de avaliação, principalmente para analisar as condições para abertura de pólos onde serão ofertados cursos superiores. Laval (2004, p. 109) afirma que: A ideologia liberal acompanha, reforça e legitima as diversas formas de desregulamentação, cuja característica geral consiste em deixar no espaço escolar um lugar crescente para os interesses particulares e para os financiamentos privados, quer sejam de empresas ou de indivíduos. Apesar dos desmentidos oficiais, a modernização da escola passa por uma extinção progressiva das fronteiras entre o domínio público e interesses privados, o que na tradição administrativa francesa representa uma ruptura considerável. O questionamento acerca da rigidez dos tempos-espaço do ensino presencial e a expansão tímida das universidades públicas presenciais é explicitado pela T9: Acho que facilita a propagação da educação como mercado livre e, a educação a distância, vai depender da política educacional que está por trás dela. Eu penso que nós tínhamos que ter flexibilizado o tempo do curso presencial e ter dado mais oportunidades de curso superior via instituição pública. Abrir esse curso para pessoas que não estão no exercício da docência foi um problema. Aqui uma das coisas que chama e atrai as pessoas é a possibilidade de fazer um curso superior sem pagar, sem custo. Na verdade isso acabou se estendendo para todo mundo porque no início ele era para atender só quem estava atuando e quem não tinha feito o curso superior, aí é que está, de repente, isso virou comércio. (grifo nosso) Conforme depoimento da T9, o público atendido nos cursos na modalidade EAD deve ser bem focado para que não se crie um “comércio educativo”. Em sua opinião, o principal atrativo para cursar Pedagogia, na modalidade EAD, na UDESC é a gratuidade, uma vez que a universidade é pública. A T13 faz uma diferenciação entre EAD ofertada numa universidade pública e EAD ofertada na universidade privada. Nas universidades privadas é necessário um número mínimo de alunos matriculados para sustentar financeiramente a oferta do curso, enquanto que nas universidades públicas essa 15 preocupação é minimizada, uma vez que a educação é vista como bem público e não um serviço a ser prestado: Existem diferenças quando a EAD é ofertada em instituições públicas e privadas porque os interesses são diferentes. Nós temos turmas aqui na UDESC com vinte alunos. Numa instituição privada tu não abres uma turma com menos de trinta e cinco alunos. Eu tenho alguns colegas que dizem que se nós não tivemos trinta e cinco alunos, eles fecham a turma. Acredito que um dos fatores que mais comprometem a educação é o fator econômico. (grifo nosso) Expandir a educação superior regulada por critérios pode ser uma estratégia de democratização, conforme destaca a T12. Enfatiza a importância das relações entre diferentes sujeitos para o processo ensino-aprendizagem e coloca a EAD como alternativa para quem não pode fazer ou não se enquadra num curso presencial: Eu acho que a EAD democratiza, mas teria que ter alguns critérios. Primeiro o jovem deveria tentar um ensino presencial. O ensino a distância é uma alternativa para aqueles que não conseguiram entrar no ensino presencial. Acho que no encontro com o grupo tu cresces tanto quanto com o estudo do material pedagógico, a relação com os colegas da turma é tão rica quanto ler um livro ou mais até. Então, eu acho que deve se priorizar o encontro diário. O ensino a distância democratiza no sentido de que aquelas pessoas que não conseguem, que não se enquadram mais na modalidade presencial, elas têm essa oportunidade. Acho que a distância é uma alternativa para quem não se enquadrou no presencial. Tem que ser priorizado o presencial pelo encontro diário que tu vais ter com o grupo, pela interação que tu vais ter. (grifo nosso) Acreditamos que um dos principais questionamentos para a modalidade EAD é a dificuldade de acompanhamento do processo como um todo. Quando se amplia muito o universo de pessoas atendidas o risco de se perder o acompanhamento sistemático do processo por parte da IES é potencializado. O movimento pela garantia da universidade pública e gratuita emerge no depoimento da T9: Teve um problema sério aqui em Criciúma. Quando a UDESC percebeu, eles tinham criado uma turma sem a UDESC saber. Essa última turma está tendo aula por decisão judicial. As alunas foram para justiça buscando garantir a continuidade deste curso gratuitamente. Não foi a UDESC que abriu a turma na época, foi o Colégio Objetivo que abriu a turma. Quando a UDESC viu, a turma já estava formada. Então todos esses problemas levaram a Universidade a rever algumas coisas, inclusive porque eles estavam querendo continuar com o curso a distancia. (grifo nosso) Reflexão semelhante pode ser encontrada no relato do T13 quando destaca as diferenças entre EAD ofertada em universidade pública e universidade privada. Enfatiza a importância da democratização da educação superior pública, questiona o número de universidades públicas em Santa Catarina e elogia o trabalho desenvolvido pela UDESC, na 16 modalidade EAD: Acho que existem aí duas vertentes. Eu tinha preconceito com relação à EAD. Eu acreditava que EAD era algo para quem não queria estudar, mas necessitava de um diploma. Essa era a visão que eu tinha. Eu mudei depois que comecei a ver o trabalho sério da UDESC. Eu sei que hoje em dia a EAD virou um grande negócio. Tem gente ganhando muito dinheiro com a EAD. A UDESC não, ela é pública. Nenhum acadêmico paga nada. Quando foi cobrada mensalidade foi por conta do convênio UDESC e o Colégio Objetivo. A UDESC teve que inclusive intervir neste processo e nós tivemos que fazer concurso para regularizar a situação. Agora, é inegável que algumas instituições estão ganhando dinheiro com a EAD. Eu não posso falar de outros cursos na modalidade EAD, agora, a UDESC trabalha com a idéia da democratização. Quantas universidades públicas têm em Santa Catarina? Apenas duas, uma federal e outra estadual. A grande maioria das pessoas não tem acesso à universidade pública. Nesse sentido, a UDESC tem um trabalho muito interessante em termos de EAD. (grifo nosso) O princípio da democratização da educação superior pública tem motivado o Estado brasileiro a criar práticas de interiorização das universidades, principalmente na modalidade EAD. No caso de Santa Catarina, a UFSC também está sendo interiorizada em Criciúma com a oferta de cursos de Administração, Física e Matemática, na modalidade EAD, em condições muito semelhantes da UDESC. A partir dessas constatações ficam algumas questões: o que significa democratizar a educação superior? Disponibilizar uma sala de aula numa escola de ensino médio com um tutor, estudantes e materiais instrucionais significa interiorizar a universidade? É possível afirmar que a UDESC e a UFSC se fazem presentes em Criciúma? Estudar numa universidade pública possui algumas “vantagens” que são apresentadas pelo T13. O compromisso social dos professores e sua autonomia é colocado pelo entrevistado como aspecto positivo das instituições educacionais públicas: Às vezes, nós professores, que trabalhamos em escolas públicas, matriculamos nossos filhos em escolas privadas. A vantagem dos alunos que estudam na escola pública é que seus profissionais têm mais compromisso social do que aqueles que trabalham numa instituição privada. Numa instituição pública tu tens mais liberdade para desenvolver o trabalho. Isso pode inclusive produzir algum resultado diferente, mas acredito que as diferenças não sejam tão grandes. O nosso público, na maioria das vezes, são alunos trabalhadores. (grifo nosso) Além da questão econômica, para a T5 a flexibilidade de tempo permite que o estudante concilie trabalho, estudo, cuidado da casa e também assumir um outro trabalho. No relato aponta também a intensificação do trabalho das estudantes, pois ao flexibilizarem os tempos-espaços para realizarem sua formação profissional acabam assumindo outros compromissos que podem comprometer a qualidade de seu aprendizado, principalmente quando o curso é na modalidade EAD. Essa modalidade de ensino requer que o sujeito, ainda que de modo flexibilizado, estude autonomamente: 17 A questão de pagamento também interfere porque a UDESC é pública. Eu analiso que o fator motivador principal é que o curso é uma vez por semana, porque eles trabalham. Esses outros dias eles disponibilizam para ficar em casa, cuidar da casa ou para trabalhar em outra escola, sempre tem outra atividade. (grifo nosso) Para a T6 a expansão da educação superior na modalidade EAD deve focalizar bem o público a que se destina para que não haja prejuízo da qualidade e a perda dos objetivos estabelecidos. Para a entrevistada, o curso de Pedagogia da UDESC, na modalidade EAD, deveria ser ofertado apenas para os professores que já estão atuando profissionalmente, caracterizando a chamada capacitação em serviço: Primeiramente no meu entendimento o curso de Pedagogia a distância vem atender uma demanda de profissionais efetivos que não possuem curso superior, novamente por conta de uma lei, a LDB. Esse pessoal efetivo deveria ter curso superior até 2006. Ele vem para atender uma demanda específica e aí, na leitura que eu faço, ele se expandiu para além dos limites, tomou outra proporção. Então acho que com isso se perdeu um pouco do objetivo do curso. (grifo nosso) Focalizar bem o público a que se destina o curso na modalidade EAD é fundamental para que as experiências que cada estudante construiu possam ser utilizadas como ponto de partida para a construção do conhecimento. Diferencia a produção das alunas que não possuem experiência daquelas que já atuam na docência. Contudo, para a T6, o esforço individual minimiza a diferença de rendimento escolar: As alunas que tenho têm uma história, já têm anos de experiências, elas têm muito mais facilidade de aprender os módulos. As que não possuem essa experiência de sala de aula “se quebram”, mas elas estudam. As que eu tenho na minha turma pelo menos são esforçadas, são as que mais me procuram, são as que mais buscam materiais porque elas precisam dar conta e chegar até onde as outras estão. Por falta de experiência, em alguns trabalhos, elas têm dificuldades. Às vezes a produção é até melhor de quem atua, justamente pelo esforço, dedicação e pela vontade que elas têm de aprender. Mas, de modo geral elas têm mais dificuldades, mas acabam meio que se superando pela força de vontade. (grifo nosso) A T6 ressalta ainda a importância da motivação e do compromisso do estudante para estudar. As dificuldades do processo ensino-aprendizagem são atenuadas quando há esforço por parte do estudante, mesmo para aqueles que não podem fazer uma universidade presencial. A convivência profissional com colegas e familiares que cursaram Pedagogia na UDESC a distância contribuiu para que a T11 se identifique com essa modalidade de ensino: 18 Acho que dá bastante acesso porque atinge muita gente que não poderia estar lá todos os dias na universidade presencial, oportuniza também as pessoas que não têm acesso mesmo pela distância física. Acredito muito na EAD, não sei se porque presenciei muito as dificuldades e o empenho da minha irmã em fazer UDESC. Ela não podia estar lá na universidade presencial, mas se empenhou tanto. Também acompanhei uma professora que trabalhava na minha escola que estava o tempo todo lendo, buscando. Aquilo me animava tanto e me fez acreditar muito na universidade a distância. (grifo nosso) Todavia, a melhoria da qualidade de ensino passa também pela qualidade da estrutura física da universidade, no caso do curso de Pedagogia, na modalidade EAD da UDESC, pela qualidade do pólo situado no município de Criciúma. A T12 destaca em seu depoimento a necessidade de ter um campus com toda estrutura necessária, tornando a UDESC mais presente no município, para os estudantes e tutores: Eu acho que podia estar mais presente se tivesse um campus com uma estrutura melhor. Tem encontro uma vez por semana, mas aonde vai ser? Em qualquer lugar emprestado? Teria que montar esse campus então. Acho que devia centralizar também, montar um grupo de trabalho aqui, uma equipe de assessoria para o aluno que tratasse de questões administrativas e pedagógicas. Com tantas alunas, acho que justificaria uma estrutura melhor para o ensino superior. (grifo nosso) Para a T7, a falta de recursos tecnológicos no pólo de Criciúma e a metodologia adotada pela UDESC que se materializa no estudo do caderno pedagógico, nos encontros tutoriais e aulas presenciais; dificulta a consolidação do projeto pedagógico, uma vez que o aprendizado autônomo realizado virtualmente acontece timidamente: Eu aponto várias críticas do nosso pólo, as alunas quase não têm acesso à internet. Acho que o sistema virtual seria de suma importância para esse aprendizado autônomo que se propõe. Acho que só os cadernos, encontros tutorais e aulas presenciais, parece que ainda não garante a proposta num todo. (grifo nosso) O conjunto de dados apresentados até então demonstram a diversidade de olhares que podem se constituir para a expansão da educação superior na modalidade EAD. A mercantilização da educação, a ampliação da educação superior sem um acompanhamento mais efetivo, a falta de recursos (humanos, tecnológicos, físicos) e mesmo um campus são apontados como aspectos que podem comprometer a expansão da educação superior na modalidade EAD com qualidade. Todavía, os entrevistados destacam que o ensino presencial também poderia ter flexibilizado um pouco mais os espaços-tempos de aprendizagem. Enfatizam a dificuldade de fazer comparações entre o presencial e a EAD por atenderem públicos diferentes, a ampliação da oferta de vagas desconsiderando os objetivos iniciais do projeto pedagógico 19 que seria realizar a formação em serviço. Outros aspectos abordados pelos entrevistados, como a educação pública e privada na modalidade EAD, a intensificação do trabalho dos tutores e estudantes e a necessidade do comprometimento desses estudantes com o seu aprendizado nos desafiam a continuar investigando como se materializam os projetos pedagógicos em EAD. Portanto, os tutores manifestam as dificuldades de expandir a educação superior no Brasil sem as condições necessárias ao bom funcionamento e qualidade das universidades. Considerações finais O artigo mostrou a diversidade de percepções construídas por tutores em exercício num curso de graduação na modalidade EAD acerca da expansão da educação superior. Um dos aspectos que chama atenção é a preocupação dos tutores com a possibilidade de mercantilização da educação superior potencializada pela EAD. A falta de estrutura física, a intensificação do trabalho dos tutores e o baixo nível de comprometimento dos estudantes são ingredientes que minimizam a qualidade de ensino e fortalecem as práticas de mercantilização da educação. Contudo, não podemos deixar de destacar que a modalidade EAD amplia consideravelmente as possibilidades de acesso da população à educação superior, sobretudo, daquelas que não dispõe de tempo para freqüentar cursos presenciais. Além disso, a modalidade EAD facilita a fixação da população mais jovem nas suas cidades de origem uma vez que não precisam deslocar-se para os grandes centros, em busca da educação superior. Referências ANUÁRIO BRASILEIRO ESTATÍSTICO DE EDUCAÇÃO ABERTA E A DISTÂNCIA: ABRAEAD 2005. São Paulo: Instituto Monitor, 2005. CHAUÍ, Marilena. A universidade pública sob nova perspectiva. Poços de Caldas, 26 Reunião da ANPED, 2003. CUNHA, Maria Isabel. Tendências investigativas na formação de professores. XX Reunião anual da ANPED. Sessão Especial. FRIGOTTO, Gaudêncio. A educação e a crise do capitalismo real. São Paulo: Cortez, 1995. 20 GENTILI, Pablo; FRIGOTTO, Gaudêncio (Orgs.). A cidadania negada: políticas de exclusão na educação e no trabalho. São Paulo: Cortez, 2001. GENTILI, Pablo (Org.) Universidades na penumbra: neoliberalismo e reestruturação universitária. São Paulo: Cortez, 2001 LAVAL, Christian. A escola não é uma empresa: o neo-liberalismo em ataque ao ensino público. Londrina: Editora Planta. 2004. MAUÉS, Olgaíses Cabral. Reformas internacionais da educação e formação de professores. In: Cadernos de pesquisa. N. 118, p. 89-117, março/2003. MORAES, Maria Célia Marcondes de (Org.). Iluminismos às avessas: produção de conhecimento e as políticas de formação de professores. Rio de Janeiro, DP&A, 2003. VIANNEY, João; TORRES, Patrícia; SILVA, Elizabeth. A universidade virtual no Brasil. Tubarão: UNISUL, 2003. Sumário 21 III CONGRESSO INTERNACIONAL DE EDUCAÇÃO UNIBAVE “Educar na e para a diversidade” Orleans, 06, 07 e 08 de novembro de 2008 DO LIMBO À MESA O GARFO E SEU LUGAR NA HISTÓRIA DA CULTURA ALIMENTAR Maurício Rafael 1 Centro Universitário Barriga Verde - UNIBAVE TC 1G4 Resumo: Este artigo apresenta e discute o papel do garfo como utensílio doméstico de degustação de alimentos, presente na história da alimentação. À medida que o homem evoluiu modificaram-se também seus hábitos alimentares, bem como as ferramentas utilizadas para sua nutrição, fazendo com que a história da cultura alimentar e da sociedade se entrelacem. Do homem das cavernas até o contemporâneo, a necessidade de alimentar-se é um dos seus traços mais marcantes. Não apenas por se tratar da sobrevivência, mas também por esta ser indispensável a uma qualidade de vida satisfatória. Percebe-se nos talheres, em especial no garfo, a importância de sua funcionalidade seja para a alimentação, ou no preparo destes, e como este utensílio se transformou num paradigma de sofisticação dos hábitos alimentares. A proposta deste estudo é pesquisar sua história e evolução através dos tempos e compreender como a partir de um simples objeto pode-se abranger e aprender a evolução da sociedade; seus costumes, tradições, paradigmas – que ao longo do tempo foram quebrados ou reconstruídos; dependendo das necessidades ou intenções de quem as põem em voga. Palavras-chave: Garfo. Talher. História alimentar. Museu. Imigração. Etiqueta social. INTRODUÇÃO [...] toda a existência humana decorre do binômio estômago e sexo. A fome e o amor governam o mundo. [...] O estômago é contemporâneo, funcional ao primeiro momento extra-uterino. Acompanha a vida, mantendo-a na sua permanência fisiológica. O sexo pode ser adiado, transferido sublimado em outras atividades absorventes e compensadoras. O estômago não. É dominador, imperioso, inadiável. [Friedrich Schiller] 2 1 Acadêmico do 5º semestre do curso de Bacharelado em Museologia, do Centro Universitário Barriga Verde – UNIBAVE, de Orleans/SC. Estagiário da Fundação Catarinense de Cultura, no departamento de Patrimônio Cultural, em Florianópolis/SC. E-mail: [email protected]. 2 SCHILLER, Friedrich apud CASCUDO, Luís da Câmara. História da Alimentação do Brasil. São Paulo: Universidade de São Paulo, 1983, p. 12. III CONGRESSO INTERNACIONAL DE EDUCAÇÃO: EDUCAR NA E PARA A DIVERSIDADE ORLEANS, 06, 07 E 08 DE NOVEMBRO DE 2008 PP. 22-32 A história da alimentação é tema de diversos trabalhos de pesquisas, impulsionando um diálogo interdisciplinar e fazendo com que comecem a surgir publicações cada vez mais voltadas para o estudo da evolução e do comportamento humano. Muitos trabalhos acadêmicos abrangem processos históricos com enfoque cultural, social, econômico, nutricional, tecnológico, ou antropológico, buscando a memória gustativa, possibilitando articulações entre a História, Museologia, Pedagogia, Antropologia e outras disciplinas. Há, hoje, um interesse pela história da nutrição, fazendo com que a gastronomia saia da cozinha e passe a ser objeto de estudo com a devida atenção ao simbólico, às representações e às diversas formas de socialização. Acredita-se que na Pré-História o homem teria iniciado a consumir alimentos provenientes apenas dos locais em que habitava. Assim, naquela época, sua dieta continha basicamente raízes e frutos. Depois desta fase, o homem passou a consumir carne crua. A descoberta do fogo trouxe os assados e cozidos. Entre os séculos XIV e XV não havia distinção entre faca de caça e a de mesa. Todas eram pontiagudas e serviam para espetar os pedaços de carne nas travessas. O garfo para a culinária, representa o que a perspectiva é para a pintura renascentista. Significa a sofisticação do cardápio, fim das “bárbaras” tradições gastronômicas. Quanto ao tema da etiqueta e das boas maneiras à mesa, Margaret Visser (1998) 3, explicita que “o homem transforma o consumo do alimento, que é uma necessidade biológica, numa necessidade cultural, usando o ato de comer como um acesso para relacionamentos sociais”. Na cozinha, prevaleceu a arte de elaborar os alimentos e de lhes dar sabor, prazer gustativo e sentido. Nela, há a intimidade familiar, as relações afetivas, simbólicas, estéticas e econômicas. Em seu interior, aparecem as relações entre homens e mulheres, de gerações, e a distribuição das atividades que traduzem uma relação de um espaço rico em relações sociais, num ritual mais amplo do que apenas o ato de alimentar-se. Reconhece-se no garfo, um utensílio de grande importância de sua funcionalidade seja para a alimentação, ou no preparo destes. Mas pouco se sabe sobre a cronologia deste talher. Dentro desse contexto, este artigo apresenta uma análise histórica e museológica acerca do garfo encontrado no Museu da Imigração Conde D´Eu, em Orleans/SC, datado 3 VISSER, Margaret. O Ritual do Jantar. São Paulo: Campus, 1998, p.143. 23 aproximadamente da década de 1940 e pertencente a Ignez de Bona Sartor Macari, já falecida, então moradora da localidade de Belvedere em Urussanga/SC e filha de imigrantes italianos vindos da Europa. Para tanto, utilizou-se uma revisão teórica, abordando os aspectos históricos da alimentação e do surgimento dos talheres na nutrição. Na pesquisa exploratória foram utilizados relatos de duas entrevistas realizadas por este acadêmico, livros, artigos e fontes textuais retirados da internet, sobre o assunto mencionado, a fim de dar sustentação à base teórica deste trabalho. GARFO – DE SÍMBOLO DO PECADO A SÍMBOLO DA COMENSALIDADE [...] o comportamento alimentar do homem distingue-se do dos animais não apenas pela cozinha – ligada, em maior ou menor grau a uma dietética e as prescrições religiosas -, mas também pela comensalidade e pela função social das refeições. [Jean-Louis Flandrin] 4 O homem no seu processo evolutivo, começou a variar o cardápio alimentar e logo que descobriu o fogo progrediu para o consumo de alimentos cozidos. Mas, cansado de se sujar tanto e ter tanta dificuldade em comer a carne de outros animais, inventou-se os talheres. A cultura deste utensílio e a facilidade do seu uso foi se disseminando por todo o Ocidente e assim o homem passou a comer dentro de pratos e a cortar com faca. A faca que conhecemos hoje provavelmente surgiu na Idade do Bronze, (a partir de 3300 a.C). Assim, surgiram as facas de cozinha, a utilizada para comer; e para a caça. A colher surge também neste período. “A palavra colher, cuchara (espanhol), ou cuillère (francesa), tem sua origem no latim, que por sua vez tem origem na palavra grega, koklias, ou concha” (FILHO). 5 O garfo foi último dos três talheres a ser inventado. Sua etimologia é proveniente do latim graphiu, que significa “garra” (COBRA) 6. Ele só apareceu mais onipresente na Itália, durante o século XV, na renascença italiana, “onde as boas maneiras à mesa ficaram 4 FLANDRIN, Jean-Louis; MONTANARI, Massimo. História da Alimentação. 3 ed. São Paulo: Estação Liberdade, 1998, p.32. 5 FILHO, Moacyr Mallemont Rebello. A História da Colher. Disponível <www.mallemont.redel.com.br/historia/colher.htm>. Acesso em: 28 de maio de 2008. 6 COBRA, Rubem Queiroz. Os Pratos e os Talheres. Disponível <www.cobra.pages.nom.br/bmp-mesatalheres.html>. Acesso em: 28 de maio de 2008. 24 em: em mais refinadas e exigiam o uso de utensílios que evitassem que as mãos ficassem sujas durante as refeições” (FLANDRIN) 7. A partir da Renascença houve uma crescente especialização dos equipamentos de cozinha e conseqüentemente a individualização dos utensílios de mesa em especial os talheres. Ewald Kislinger 8, afirma que o garfo descende do espeto e surgiu com dois dentes. As pessoas o usavam para segurar o alimento que precisavam cortar; ou, então, para fisgar a comida na travessa e conduzir ao prato. Só mais tarde surgiria o terceiro dente. O hábito de tirar a comida do prato e levar à boca com o garfo também se firmaria depois de muito tempo. Os religiosos europeus diziam que sua forma de tridente lembrava o “forcado” com o qual o diabo aparece na sua iconografia clássica. Criticavam igualmente a função do garfo, “pois o alimento, era uma dádiva de Deus, e devia ser levado à boca diretamente pelas mãos do homem, sem a intermediação de utensílios” (FLANDRIN) 9 A ETIQUETA DESCOBRE O GARFO [...] gastronomia é um instrumento poderoso na investigação da história do homem sobre a terra. Alimentar-se é uma das necessidades que nunca o abandona, do nascimento à morte. É natural, portanto, que grandes momentos da história tenham se desenrolado à mesa. Através das disposições dos lugares, dos rituais de limpeza antes das refeições, das comidas festivas, do modo de servir e de se portar, pode-se reconstruir com precisão a mobilidade de uma sociedade, no que se refere a poder político, econômico ou de gênero (patriarcal ou matriarcal). [...] a mesa é, sem dúvida, um lugar curioso, onde todos estão armados e perigosamente próximos um do outro. [Margaret Visser] 10 Com o descobrimento da América no final do século XV, onde se amplia a gama de alimentos da Europa; o garfo começa a despertar maiores interesses. Em 1565, o rei Felipe II da Espanha enviou batata americana ao papa Pio IV para combater reumatismo. Assim raízes encontradas em abundância na América, como a cenoura, foram enviadas para o Velho Continente. Estes alimentos eram saboreados com maior praticidade devido ao uso do garfo, que com seus espetos afiados prendia o alimento para corte. 7 FRANCO, Ariovaldo. De Caçador a Gourmet: Uma História da Gastronomia. 3. ed. São Paulo: SENAC, São Paulo, p. 25. 8 KISLINGER, Ewald in FLANDRIN, Jean-Louis; MONTANARI, Massimo (orgs). Op. Cit., p.326. 9 FLANDRIN, Jean-Louis; MONTANARI, Massimo (orgs). História da Alimentação. 3 ed. São Paulo: Estação Liberdade, 1998, p.384. 10 VISSER, Margaret. O Ritual do Jantar. São Paulo: Campus, 1998, p.95. 25 Registros indicam que o talher completo só se popularizou no restante da Europa no século XVII. Isso ocorreu graças à revolução dos napolitanos, ou melhor, dos fios do espaguete, que acrescentou o quarto dente ao garfo, facilitando o ato de enrolar os fios do macarrão no talher. Afinal, durante muito tempo os napolitanos comeram o espaguete com as mãos. Não havia outro jeito. O garfo tinha apenas três dentes, não sendo prático para degustação do macarrão. No decorrer dos séculos os nobres foram se acostumando com a apresentação e etiqueta à mesa. Na verdade, o preconceito só desapareceria depois da Revolução Francesa, sendo difundida ao extremo pela burguesia que trouxe os costumes da nobreza decapitada e mais adiante usada também pelo povo em geral, que sempre teve o anseio de ser considerado nobre. “[...] banquete torna-se, assim, o sinal, da identidade do grupo que se reúne em torno de uma mesa [...] mas lembremo-nos de que a mesa funciona não apenas como agente de agregação, mas também, de separação e de marginalização [...] o banquete é, portanto, não apenas o espaço por excelência onde se expressam as identidades, mas também, o da mudança social [...]”(GIAMMELLARO) 11 NASCE A COZINHA BRASILEIRA, E O GARFO PARTICIPA DESSA MISCIGENAÇÃO Da África vieram ao Brasil a partir do século XVI, milhares de escravos trazidos pelos portugueses para o trabalho forçado. Esses africanos e os portugueses com suas famílias iam se misturando aos indígenas formando, desta maneira, o povo brasileiro. Nascia também desta mescla a cozinha brasileira, miscigenação das culinárias indígena e portuguesa e depois sofrendo influência também da culinária africana. Quanto ao papel da cozinha portuguesa na formação da culinária tupiniquim, diz Gilberto Freire: “A base lusitana da cozinha brasileira é comum às demais cozinhas lusotropicais – a oriental, a africana, a ameríndia –, condicionando diferentes expressões de simbioses nesse setor” (FREIRE ) 12 11 GIAMMELLARO, Antonella in FLANDRIN, Jean-Louis; MONTANARI, Massimo (orgs). História da Alimentação. 3 ed. São Paulo: Estação Liberdade, 1998, p.92 12 FREIRE, Gilberto apud FRANCO, Ariovaldo. De Caçador a Gourmet: Uma História da Gastronomia. 3. ed. SENAC. São Paulo, 2004, p.35. 26 Os escravos, não podiam escolher quanto nem o que comer, por isso adaptavamse de acordo com aquilo que lhes era oferecido como sustento. Com a farinha de mandioca adicionada ao caldo fervente descobriram o pirão. Depois, buscando aumentar a porção que lhes era destinada, desenvolveram o pirão massapê que ganhou este nome por causa da coloração que a pimenta malagueta dava à mistura. Em nenhum destes relatos, registrou-se o uso do garfo como talher. A preferência continuava sendo a colher. Até que em 1808, o cenário político-social no Brasil sofria profundas transformações: “[...] temendo a invasão de Napoleão a Portugal, o Príncipe D. João fugiu para o Brasil com uma caravana de aproximadamente quinze mil pessoas. Isso motivou com que muitos ingredientes de Portugal viessem ao Brasil para servir à corte como agradasse. Junto com esta caravana de nobres também vieram os hábitos e utensílios sofisticados para a alimentação [...]” (CASCUDO ) 13 Depois da proibição do tráfico de escravos, já em 1888, começou-se a incentivar a vinda de europeus para trabalhar nos cafezais e, desta forma, outros povos com seus hábitos e costumes começaram a influenciar a cozinha brasileira. Os italianos foram campeões nessa contribuição à culinária com os molhos, com as sopas como o minestrone, com as polentas, nhoques, panetones, e risotos, que aqui se popularizaram e sofreram variações. A ARTE DA MEMÓRIA GASTRONÔMICA NO SUL DE SANTA CATARINA – O GARFO COMO COADJUVANTE Na região sul de Santa Catarina, houve uma predominância de imigrantes italianos, (o que não impediu a presença de alemães, poloneses e letos) que se estabeleceram a princípio na colônia de Azambuja em 1877 e iniciaram a interiorização para outras localidades: “[...] estes colonos que acham-se na Colônia vieram do Desterro até Morrinhos em vapores. De Morrinhos a Azambuja foram a pé, e suas bagagens em carros puxados a boi [...] vieram migrando para Urussanga, Criciúma, Nova Veneza e Araranguá; já em 1880 [...]” (DALL´ALBA ) 14 O avanço da colonização e por conseqüência, a derrubada de árvores fez com que os “imigrantes defrontassem com os índios Botocudos, popularmente conhecidos como bugres (no interior do sul de Santa Catarina) e os Guaranis da nação Carijó no 13 CASCUDO, Luís da Câmara Cascudo. História da Alimentação no Brasil. Global. São Paulo, 2004, p. 287 14 DALL´ALBA, João Leonir. Pioneiros nas Terras dos Condes. 2 ed. Orleans, 2003, p.53. 27 litoral”.(DALL´ALBA) 15. Mesmo com uma relação conflituosa, (com muitos casos de mortes entre os dois lados), os primeiros habitantes desta terra influenciaram na alimentação dos invasores. As índias praticavam o cultivo de mandioca, cará, milho, jerimum, amendoim e mamão, amplamente utilizado pelos brasileiros (CASCUDO) 16 Com o progresso dos colonos, estes passaram a ter uma alimentação mais elaborada por isso, abatiam os animais e aproveitavam boa quantidade da carne de porco para fazer salame, e o restante conservavam cozida na banha. No café da manhã, não faltava a polenta sapecada na chapa, salame, queijo, ovos fritos, pão com mel, acompanhado de uma taça de vinho. O café só era servido aos domingos ou quando chegava alguma visita. No almoço, a sopa de feijão (minestra) com massa, arroz, batata inglesa e condimentos. Também variavam com carne de porco ao molho, polenta, queijo, salame, pão com mistura, salada verde, e vinho. Aos domingos preparavam a sopa de galinha recheada, macarronada e saladas. Os doces também faziam parte da alimentação dos colonos italianos, como, o pudim, sagu, biscoitos de massa e os bolos. Na janta, o colono tomava a sopa, sobra do almoço, pois as mulheres preparam sempre bastante comida durante ao meio-dia, para requentar a noite, também regado com vinho para os adultos e leite para as crianças. 17 Segundo depoimento de Victória Raizecky Rafael, filha de imigrantes europeus que aqui no Brasil fixaram residência na localidade de Vila Nova, município de Içara/SC, o uso do garfo era quase nulo. Conforme sua fala: “[...] a gente ficava o dia todo na roça, trabalhando [...] as oito horas quem ficava em casa, minha mãe ou minhas irmãs, fazia o almoço. [...] a gente só comia de colher, não usava nem garfo e nem faca [...] dava muito trabalho [...] a gente não comia comida muito dura e garfo só se usava quando tinha visita importante lá em casa, faca não se usava... nós éramos mais acostumado com colher, e até hoje é assim [...]” 18 É interessante perceber em seu relato, o cardápio das refeições, que se assemelha com as refeições dos italianos e até dos negros: “[...] em casa tinha pão, tinha o cavaquinho, sopa de macarrão, até uma farofa de ovo, com farinha e açúcar, que a gente comia junto com o café 15 Idem, p. 168. CASCUDO, Luís da Câmara Cascudo. História da Alimentação no Brasil. Global. São Paulo, 2004, p. 329. 17 CASCUDO, Luís da Câmara Cascudo. História da Alimentação no Brasil. Global. São Paulo, 2004, p. 412 18 Victória Raizeck Rafael, 80 anos. Entrevista concedida ao autor em 29/06/2008. 16 28 [...] a nossa comida era feita no fogão a lenha [...] nós botávamos o feijão para cozinhar num gancho em cima desse fogão, e se era polenta, a gente cozinhava na brasa e fazia do lado [...] a gente matava porco, fazia salame, pendurava perto da fumaça , tudo produzido em casa... milho, feijão, arroz[...]” 19 Curioso também é maneira com eram feitas a limpezas dos talheres naquela época, para impedir a oxidação destes utensílios, geralmente compostos de ferro, material barato e mais usado antes da utilização do aço-inoxidável: “[...] as colheres, o garfo... a gente pra ariar, tinha que fazer com uma areinha que tinha do lado da estrada. A gente juntava e ariava porque as colheres enferrujavam por serem de ferro [...] e a nossa panela de fazer polenta também era de ferro. Depois que eu me casei, começou a aparecer garfo, faca de aço, aí ficou mais fácil pra limpar [...]20. Atualmente, reproduções dos muitos modelos de garfos existentes fazem parte do acervo de vários museus, como o Museu da Imigração Conde D´Eu, em Orleans/SC, no qual foi realizada a pesquisa inicial do objeto escolhido. Talheres pertencentes a Ignez de Bona Sartor Macari, natural da localidade de Belvedere em Urussanga/SC, e doados para a instituição por sua neta, Fabiana Just Cataneo, quando esta atrabalhava na instituição. [...] eu doei, não lembro bem, se foram três ou quatro garfos. Faz uns três anos mais ou menos, e a doação aconteceu pelo fato de quando eu e outros colegas fomos montar uma exposição na Casa de Pedra, organizando a mesa, a gente se deparou com um problema que foi a falta de garfos no acervo do museu [...] 21 Pelo que se observou, e a partir dos dois depoimentos colhidos, estas peças deveriam ser usadas somente em ocasiões especiais, como casamentos, visitas; pois na região era mais comum o uso de garfos, facas e colheres de formatos mais simples. Costume este muito aplicado até hoje em famílias do interior, onde os utensílios mais bonitos ficam guardados para serem usadas em ocasiões ilustres. DISCUSSÃO DOS RESULTADOS É notório como a história e a evolução do garfo (assim como a da faca e da colher), está atrelada com a evolução da etiqueta social alimentar, simbolizando uma cultura 19 Idem. Victória Raizeck Rafael, 80 anos. Entrevista concedida ao autor em 29/06/2008. 21 Fabiana Justi Catâneo, 30 anos. Entrevista concedida ao autor em 30/05/2008. 20 29 de estratificação social, separando a aristocracia das pessoas menos abastadas. O que não difere muito atualmente, pois para o uso destes utensílios, exige-se um padrão de manipulação, o que certamente não está ao alcance das classes menos favorecidas economicamente. O uso do talher estava (e está) ligado aos hábitos corporais, que são apenas uma das expressões da civilização, das “boas maneiras” propagadas pelo colonizador europeu, da polidez, do urbano, do civilizado, do educado. Um ideal da classe média burguesa e da aristocracia em toda a Europa, representando a vontade da sociedade, como uma qualidade específica do comportamento humano, o refinamento de boas maneiras sociais. O garfo que foi desenvolvido com o simples objetivo de segurar alimentos e facilitar o preparo gastronômico e a alimentação em si derivou-se ao longo do tempo em vários utensílios (espeto, garfo para peixe, garfo para carne...), que dificultara ou facilitara – dependendo do ponto de vista – o manuseio destes pela população; e servindo até de objeto de status social. Na região sul de Santa Catarina, isto não se difere, tendo em vista que este objeto teve sua difusão com a chegada do representante da família real brasileira (Conde D´Eu), num momento em que coincidia com a chegada dos imigrantes europeus que perpetuaram o uso dos talheres na região, que ao contrário dos habitantes nativos destas terras, os índios Botocudos, usavam apenas as mãos para se alimentarem. Mas o importante a ressaltar neste estudo, e já citado na introdução, é de como a partir de um simples objeto pode-se abranger a evolução da sociedade, seus costumes, tradições, paradigmas – e que ao longo do tempo foram quebrados ou reconstruídos; dependendo das necessidades ou intenções de quem as põem em voga. Portanto, concordo com Chagas 22 na sua pontuação sobre a importância da pesquisa como função básica dos museus: “[...] os museus também são casas de comunicação e de investigação [...] um museu só se completa quando desenvolve essas funções básicas [...] por isso insisto em dizer que os museus são casas de pesquisa [... faz parte da identidade dos museus [...]”. Como “guardiões de objetos”, os museus têm a importância não só de salvaguardar, mas de incitar a pesquisa destas peças, afim de que se possa compreender melhor um acontecimento, uma época, ou até desmistificar paradigmas estabelecidos sobre algo que a falta de um aprofundamento de estudos permita distorções e variações duvidosas. 22 CHAGAS, Mário in GRANATO, Marcus; SANTOS, Cláudia Penha. MAST Colloquia vol.7 – Museu: Instituição de Pesquisa. Rio de Janeiro, 2005. 30 Nas entrevistas realizadas também é perceptível com as lembranças, tanto gustativas, quanto emocionais vêm à tona com a simples invocação de um objeto que denota a lembrança de uma prática familiar e social. E essas mesmas lembranças são indicadores para o entendimento de uma realidade que pode estar distante, tanto fisicamente quanto temporalmente. Os hábitos alimentares de grupos sociais, práticas estas distantes ou recentes que podem vir a constituírem-se em tradições culinárias, fazem com que o indivíduo se considere inserido num contexto sociocultural que lhe outorga uma identidade, reafirmada pela memória gustativa. REFERÊNCIAS CABRAL, Oswaldo Rodrigues. História de Santa Catarina. Curitiba: Grafipar, 1970. CASCUDO, Luís da Câmara Cascudo. História da Alimentação no Brasil. São Paulo: Global, 2004. CATÂNEO, Fabiana Just. Entrevista realizada em 30/05/2008. COBRA, Rubem Queiroz. Os Pratos e os Talheres. 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Sumário 32 III CONGRESSO INTERNACIONAL DE EDUCAÇÃO UNIBAVE “Educar na e para a diversidade” Orleans, 06, 07 e 08 de novembro de 2008 APOIO EDUCACIONAL À INCLUSÃO DO ACADÊMICO COM NECESSIDADE ESPECIAL NO ENSINO SUPERIOR Roberto Pacheco Márcia V. M. Nunes Sara dos Santos Reis UNISUL – [email protected] TC 3C4 Resumo: Este artigo é um estudo retrospectivo sobre a organização do apoio à inclusão do acadêmico com necessidade especial realizado pelo Programa de Promoção da Acessibilidade da Universidade do Sul de Santa Catarina, em Tubarão, SC. Institucionalizado em 2005, esse programa atua nos eixos de acessibilidade atitudinal, arquitetônica, comunicacional, metodológica, instrumental e programática. Atualmente acompanha 35 acadêmicos com necessidades especiais (deficiência física, auditiva, visual, intelectual, conduta típica e transtornos neurológicos). O apoio à inclusão destes acadêmicos envolve a identificação e o acolhimento, avaliação das barreiras e adaptações curriculares, atendimento educacional especializado, atividades informativas e formativas em toda a universidade. Palavras-chave: Inclusão. Acessibilidade. Necessidade especial. Deficiência. Ensino Superior. Introdução A partir do trabalho desenvolvido pelo curso de Habilitação em Educação Especial da Faculdade de Pedagogia 1 e seu respectivo Laboratório, entre os anos de 2002 e 2004, verificou-se na Universidade do Sul de Santa Catarina, na cidade de Tubarão, a presença de acadêmicos com necessidades especiais que não tinham seus direitos educacionais assistidos. Com base nessa demanda, começou a ser criado o Programa de Promoção da Acessibilidade, a partir do seguinte problema: como criar uma rede de apoio institucional à inclusão do acadêmico com necessidade especial? Nossa experiência no campo da educação especial e da saúde permitia compreender que, para garantir a inclusão, não bastavam ações isoladas, centralizadas no acadêmico III CONGRESSO INTERNACIONAL DE EDUCAÇÃO: EDUCAR NA E PARA A DIVERSIDADE ORLEANS, 06, 07 E 08 DE NOVEMBRO DE 2008 PP. 33-43 com necessidade especial, descontextualizadas da história política e administrativa da universidade. Nesse sentido, o Programa estabeleceu como objetivo criar uma cultura inclusivista no âmbito universitário. Para isso, precisava desenvolver ações sistemáticas com os diversos setores e atores institucionais, atingindo macro e micro estruturas institucionais. Porém, como iniciar esse processo? Os principais desafios eram o desconhecimento sobre a prevalência dos acadêmicos com necessidades especiais e as barreiras enfrentadas por eles, a ausência de recursos, a invisibilidade do tema no âmbito universitário e a carência teórica e científica na política e na legislação acerca da inclusão no ensino superior. Nesse contexto, o primeiro passo foi avaliar a prevalência de alunos com deficiência e as barreiras institucionais. O segundo, garantir a legitimidade do programa dentro da universidade. O terceiro, estruturar um fluxograma de ações prioritárias. E, por fim, o quarto passo, estabelecer uma metodologia e uma rotina de trabalho para o apoio educacional ao aluno com necessidade especial. A relevância da inclusão educacional transcende às exigências legais e sociais, como a necessidade de garantir dignidade, conhecimento e formação para o trabalho. Desta forma, a inclusão educacional da pessoa com necessidade especial deve ser compreendida como um importante exercício para começarmos aprender a conviver com a diversidade, lutando pela igualdade de oportunidades e, conseqüentemente, por um futuro mais humano e justo. 1 Considerações teóricas, metodológicas e resultados 1.1 Necessidade especial e deficiência no Brasil Pessoa com necessidade especial é aquela que apresenta, em caráter permanente ou temporário, alguma deficiência física, sensorial, cognitiva, múltipla, condutas típicas ou altas habilidades, necessitando de recursos especializados para desenvolver plenamente o seu potencial e/ou superar ou minimizar suas dificuldades (BRASIL, 1994). Desta forma, necessidade especial engloba as diferentes formas de deficiência, porém não se limita a elas. Assim, pode-se dizer que a deficiência é uma necessidade especial, mas nem toda necessidade especial é uma deficiência. Segundo a Organização Mundial da Saúde – OMS (2001), deficiência é uma condição relacionada com a restrição ou perda das funções ou da estrutura anatômica, fisiológica ou psicológica do corpo 1 Esta habilitação foi extinta. 34 humano. O Decreto Federal 5296, de 2 de dezembro de 2004, destaca que deficiência corresponde a uma limitação ou incapacidade para o desempenho de atividades nas seguintes categorias: a) Deficiência física: alteração parcial ou completa de um ou mais seguimentos do corpo humano, de forma a comprometer o funcionamento da produção física (exceto deformidades estéticas); b) Deficiência auditiva: perda da capacidade de escutar os sons, bilateral, total ou parcial, acima de 40dB, comprovada por audiograma; c) Deficiência visual: envolve a cegueira, em que a acuidade visual é igual ou inferior a 0,05 no melhor olho, após correção óptica; e a baixa visão, em que a acuidade visual fica entre 0,3 e 0,05 no melhor olho, após correção óptica; d) Deficiência mental (intelectual): funcionamento intelectual significativamente inferior à média, com início antes dos 18 anos de idade, associado a dificuldades em duas ou mais condutas adaptativas, ou seja, comunicação, cuidado pessoal, habilidades sociais, utilização dos recursos da comunidade, habilidades acadêmicas, segurança, saúde, lazer e trabalho; e) Deficiência múltipla: associação de duas ou mais deficiências citadas anteriormente. Estas deficiências englobam diferentes formas clínicas e especificidades que, conseqüentemente, geram diferentes necessidades individuais. Assim, por exemplo, uma deficiência física do tipo paraplegia (perda dos movimentos das pernas) envolve características e necessidades totalmente diferentes de uma amputação de membros superiores. Da mesma forma uma deficiência auditiva neurossensorial (por lesão na cóclea e/ou nervo vestíbulo-coclear) é diferente de uma deficiência auditiva do tipo central (por lesão ou disfunção em áreas neurológicas responsáveis pelo processamento auditivo). No Brasil, em 2000, tínhamos uma população de 14,5% de pessoas com deficiência. Desta população, a maior parte (47, 2%) estava no grupo etário entre 30 e 59 anos de idade (IBGE - Censo Demográfico, 2000). Em relação à escolaridade média, a pessoa com deficiência estudava em torno de um ano a menos que a pessoa sem deficiência, sendo que 21,6% nunca freqüentaram escolas. Em 2000, Santa Catarina tinha 14,1% de pessoas com deficiência, constituindo-se, assim, no décimo sétimo estado brasileiro com maior prevalência de pessoas com deficiência. Além das deficiências, existem outras necessidades especiais que, muitas vezes, demandam atenção e mudanças 35 institucionais por parte da universidade. Entre elas, temos a conduta típica, ou seja, “manifestações comportamentais típicas de portadores de síndromes e quadros psicológicos, neurológicos ou psiquiátricos que ocasionam atrasos no desenvolvimento da pessoa e prejuízos no relacionamento social, em grau que requeira atendimento educacional especializado”(BRASIL, 1994). 1.2 Acessibilidade e inclusão educacional no Brasil A exclusão social e a luta pelo direito à dignidade da pessoa com deficiência são movimentos antagônicos que fazem parte da história da humanidade desde a antiguidade. Historicamente alguns movimentos sociais e políticos do século XX foram fundamentais para o aprofundamento da discussão sobre o direito à acessibilidade e inclusão social e educacional da pessoa com necessidades especiais, entre eles a Declaração dos direitos das pessoas deficientes (1975), resolução aprovada pela Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas - ONU, quando se estabeleceu que as pessoas com e sem deficiência deveriam ter os mesmos direitos; Declaração de Salamanca (1994), evento realizado na Espanha, que discutiu e definiu diretrizes para a promoção de uma educação para todos; Convenção de Guatemala (1999), ação Interamericana para a eliminação de todas as formas de discriminação contra as pessoas com deficiência; Carta para o Terceiro Milênio (1999), encontro realizado em Londres, solicitando que governos e sociedades se mobilizassem para defender os direitos da pessoa com deficiência e a Declaração Internacional de Montreal (2001), congresso realizado no Canadá, que defendeu a inclusão social como a essência do desenvolvimento social sustentável. Atualmente, a inclusão no ensino superior é orientada basicamente pela Portaria nº 3.284, de 7 de novembro de 2003, e pelo Decreto Federal 5.296, de 2 de dezembro de 2004. O primeiro documento estabelece requisitos de acessibilidade para instruir os processos de autorização e reconhecimento de cursos e de credenciamento de instituições, orientando as instituições de ensino superior a promover, sobretudo, acessibilidade arquitetônica, produção de recursos e de materiais adequados e flexibilização curricular para os acadêmicos com deficiência física, visual e auditiva, ficando de fora outras deficiências e necessidades especiais. O segundo, define acessibilidade como a possibilidade de a pessoa com deficiência e/ou com mobilidade reduzida utilizar, com segurança e autonomia, total ou assistida, os espaços, mobiliários e equipamentos urbanos, das edificações, dos serviços de transporte e dos dispositivos, sistemas e meios de 36 comunicação e informação. Em seu Art. 24, define que as escolas, de qualquer nível, etapa, modalidade e natureza, proporcionem aos acadêmicos com deficiência ou mobilidade reduzida, condições de acesso e utilização de todos os seus ambientes e compartimentos, bem como coloquem à disposição de professores e funcionários as ajudas técnicas necessárias para garantir ao acadêmico com necessidade especial o acesso às atividades escolares e administrativas em condições de igualdade em relação aos demais acadêmicos. Para isso, é necessário eliminar as barreiras, ou seja, os entraves ou obstáculos que limitam ou impedem o acesso, a liberdade de movimentação, a circulação com segurança e a possibilidade de as pessoas se comunicarem ou terem acesso à informação (Brasil, Decreto 5.296/2004). Desta forma, a eliminação das barreiras seria uma forma de apoio à inclusão social e educacional da pessoa com necessidade especial. Alguns documentos legais na área da educação especial para o ensino básico são aplicados para o planejamento da inclusão no ensino superior, como as diretrizes nacionais de educação especial na educação básica (2001) e a atual política nacional de educação especial na perspectiva inclusiva (2007). No que diz respeito à inclusão no ensino superior, deve-se compreender que incluir não significa apenas aceitar a diferença ou fazer pequenos ajustes curriculares, mas se transformar para se ajustar à diversidade. [...] o processo de inclusão tem uma amplitude que vai além da inserção de alunos considerados especiais na classe regular, e de adaptações pontuais na estrutura curricular. Inclusão implica em um envolvimento de toda a escola e de seus gestores, um redimensionamento de seu projeto político pedagógico, e, sobretudo, do compromisso político de uma re-estruturação das prioridades do sistema escolar (municipal, estadual, federal ou privado) do qual a escola faz parte, para que ela tenha as condições materiais e humanas necessárias para empreender essa transformação (GLAT, 2003, p. 33). Moreira (2005) destaca que as dificuldades para a universidade pública brasileira efetivar uma educação inclusiva e democrática está, em parte, associada à sua história exclusivista. Desta forma, a universidade precisa ampliar o significado da sua função social e garantir o direito à educação e à igualdade de oportunidades àqueles que tradicionalmente não puderam fazer parte desse cotidiano escolar. Em 2005, 11.999 brasileiros com necessidades especiais estavam matriculados em algum curso superior, 10.500 tinham algum tipo de deficiência, sendo 3.948 física, 3.418 visual, 2.428 auditiva, 515 múltipla e 225 mental (MEC/INEP - Censo Superior, 2005). Esses dados demonstram o aumento do ingresso de pessoas com deficiência no ensino superior e a tendência desta realidade ser cada vez mais comum na universidade brasileira. Porém, faltam dados 37 científicos sobre as barreiras, políticas e as estratégias educacionais estabelecidas pelas universidades para esse novo paradigma. 1.3 Metodologia A inclusão da pessoa com necessidade especial na Universidade do Sul de Santa Catarina, em Tubarão, começou a ser discutida com maior ênfase a partir de 2002, com a identificação de alguns alunos com necessidades especiais que não estavam tendo seus direitos garantidos. Como resultado dessas discussões, em 2004 começou a ser estruturado o Programa de Promoção da Acessibilidade. A metodologia utilizada para estruturar esse programa e, conseqüentemente, a rede de apoio à inclusão do acadêmico com necessidade especial, envolveu: pesquisa sobre a prevalência de alunos com necessidades especiais, através de entrevistas com as coordenações de cursos; identificação das barreiras institucionais, através de entrevistas com os alunos com necessidades especiais e seus professores, e observação direta e indireta do campus, com base na NBR 9050, da Associação Brasileira de Normas Técnicas; elaboração e apresentação à direção da universidade do projeto para criação do Programa como um serviço institucional, visando a garantir a captação de recursos para o apoio à inclusão dos acadêmicos com deficiência; criação de uma metodologia sistemática de trabalho capaz de garantir a efetivação de ações para a promoção da acessibilidade em seus diferentes eixos (atitudinal, arquitetônica, comunicacional, metodológica, instrumental e programática), com base, sobretudo, no projeto Escola Viva: garantindo o acesso de todos os alunos à escola (2000), Portaria 3.284 de 2003, Decreto Federal 5.296 de 2004 e na política nacional de educação especial na perspectiva inclusiva (2007). 1.4 Resultados As principais barreiras institucionais identificadas no início do nosso trabalho, em 2004, foram: a) Arquitetônicas – o campus universitário, sobretudo, em relação à área externa e às construções mais antigas, não apresentava, em vários pontos, rampas de acesso, vagas exclusivas nos estacionamentos, banheiros adaptados, pisos regulares e adequação dos materiais e utensílios em salas e corredores (carteiras, cadeiras, bebedouros, lixeiras, extintores de incêndio, entre outros); b) Comunicacionais – inadequação no acesso às informações e poluição visual; 38 c) Metodológicas e instrumentais – ausência de recursos, materiais e estratégias de ensino adequadas em sala de aula; d) Atitudinais – diversas manifestações de preconceito e atitudes de menos valia em relação aos acadêmicos com deficiência. Para melhorar as condições de acessibilidade e inclusão, os acadêmicos com necessidades especiais e alguns de seus professores sugeriram: adotar ações para auxiliar o aluno com deficiência em suas dificuldades; melhorar as condições arquitetônicas do campus e desenvolver um trabalho de formação com alunos, funcionários e professores. Nesse sentido, verificou-se que a inclusão está diretamente relacionada com a criação de uma rede de apoio, envolvendo pesquisa, ensino e extensão, sendo necessário o adequado planejamento do espaço físico, dos serviços e do processo de ensino. Com base nesses dados, elaboramos um projeto visando a atuar nos diferentes eixos de acessibilidade (atitudinal, arquitetônica, comunicacional, metodológica, instrumental e programática), com objetivo de criar uma rede de apoio à inclusão do acadêmico com necessidade especial, estimulando a cultura inclusivista no âmbito da universidade. Tal projeto foi institucionalizado em julho de 2005 através do Fórum Sul Brasileiro sobre cidadania: acessibilidade - direito à locomoção digna. Após a institucionalização, o Programa começou a fazer parte da Gerência de Ensino, Pesquisa e Extensão (Gepex) da universidade. Atualmente, o Programa funciona estrategicamente na biblioteca e conta com uma equipe composta por três profissionais, um estagiário e voluntários. Em relação à atual metodologia e rotina de trabalho para o apoio à inclusão do acadêmico com necessidade especial, atuamos nos seguintes níveis: a) Processo de identificação e acolhimento do acadêmico com deficiência – no início de cada semestre, o Programa acompanha a matrícula de calouros e veteranos2 e faz contato com as coordenações de curso para verificar o ingresso ou a saída de alunos com deficiência ou situações de mobilidade reduzida. b) Avaliação das barreiras e adaptações de grande e de pequeno porte 3 – após a identificação de acadêmicos com necessidades especiais, o Programa realiza a avaliação das principais dificuldades encontradas e das necessidades educacionais específicas para cada caso. Também são realizadas, durante cada semestre, 2 Foi inserido, na ficha de matrícula, um campo para declaração de deficiência. Todo aluno que declara ter alguma deficiência é apresentado ao Programa. 3 Ver Projeto Escola Viva – Garantindo o acesso de todos os alunos à escola (Brasília, MEC/SEE, 2000). 39 observações diretas e indiretas de vários setores da universidade para avaliação das condições de acessibilidade arquitetônica e comunicacional. c) Processo de informação e de formação humana e profissional – são desenvolvidas em cada semestre várias atividades informativas/formativas, como palestras, mini-cursos e oficinas com diferentes setores e atores da instituição, conforme necessidades e prioridades identificadas. Por exemplo, ao identificarmos que estavam sendo depositados vários materiais nos banheiros adaptados, desenvolvemos uma oficina com a equipe da limpeza. Também participamos e desenvolvemos campanhas de conscientização sobre os direitos sociais da pessoa com deficiência. d) Atendimento Educacional Especializado – esse atendimento é individual e ocorre nos turnos em que o acadêmico não tem aula. O atendimento compõe orientação para o estudo e para a vida acadêmica, monitoria de conteúdo através do projeto “aluno tutor”(projeto em que um acadêmico acompanha e auxilia nos conteúdos em que o aluno com necessidade especial está encontrando dificuldade 4), orientação familiar, entre outros. Atualmente o Programa tem cadastrado trinta e cinco alunos com necessidades, especiais, sendo um com deficiência mental; um com conduta típica (Síndrome de Asperger); cinco com baixa visão; seis com surdez; dezesseis com deficiência física (amputação, hemiplegia, paraplegia, má formação congênita e paralisia cerebral); e seis com doenças neurológico-psiquiátricas que causam alguma limitação física. Destes, todos necessitaram de algum tipo de adaptação curricular de grande ou de pequeno porte, e cinco são atendidos semanalmente no atendimento educacional especializado. Temos conseguido conquistas no plano espacial, ou seja, melhorias e reformas arquitetônicas de pontos inacessíveis; no plano programático, como a implantação das diretrizes institucionais para acessibilidade e a inclusão do eixo acessibilidade no novo Plano Diretor Físico da Instituição (que está projetando a ampliação da universidade para as próximas décadas); e no plano pedagógico, como o trabalho de formação continuada com diversos atores institucionais e adaptações curriculares para o ensino em sala de aula com alguns acadêmicos. 4 O aluno tutor deve ter bom desempenho acadêmico e ser da mesma sala, curso ou área do conhecimento do aluno com deficiência. 40 Considerações finais O apoio à inclusão do acadêmico com necessidade especial no ensino superior requer ações de extensão, ensino e pesquisa, envolvendo os diferentes setores e atores institucionais. Nesse sentido, o foco tem de ser a instituição e não o acadêmico em si, ou seja, é necessário reavaliar e modificar conceitos, discursos, normas e práticas institucionais, e não apenas prestar atenção educacional especializada ao acadêmico, embora esta atenção seja importante em relação à promoção de igualdade de oportunidades para acesso ao conhecimento. As barreiras institucionais verificadas entre 2005 (período de institucionalização do Programa) e 2008 são, direta ou indiretamente, geradas e/ou sustentadas pela desinformação, ingenuidade, invisibilidade e preconceito. Dito de outra forma, a barreira existe porque alguns atores institucionais não têm informação sobre o que é e como fazer acessibilidade, refletindo tanto um desconhecimento tanto dos direitos da pessoa com deficiência, quanto das normas técnicas para a promoção da acessibilidade; desenvolvem ações para a promoção da acessibilidade, sem preocupação teórica e técnica, como, por exemplo, fazem rampas fora das normas técnicas e em locais não prioritários para a instituição; não reconhecem a necessidade da acessibilidade como algo legítimo na universidade, ou seja, as pessoas com deficiência são invisíveis para esses atores; são contrários ao conceito de acessibilidade, deixando transparecer em discursos e atitudes que não devem existir medidas específicas e/ou diferenciadas para a pessoa com deficiência dentro da universidade. Diante dessa realidade, são necessárias ações gradativas e sistemáticas nos ambientes físicos e seus compartimentos, nos serviços e na prática pedagógica, garantindo que a pessoa com necessidade especial possa acessar e utilizar autônoma e plenamente a universidade. Referências BRASIL. Secretaria de Educação Especial. Política Nacional de Educação Especial. Livro 1. Brasília: SEESP, 1994. ________. Senado Federal. Decreto n° 5.296/2004 – regulamenta as Leis n° 10.048/2000 e Lei n° 10.098/2000. Brasília: Senado Federal, 2005. ________. Senado Federal. Lei nº 9.394/96 - Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília: Senado Federal, 2004. 41 ________. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Demográfico 2000. Brasília: IBGE, 2000. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/. Acesso em: 05 set. 2008. ________. Ministério da Educação e Cultura. Censo Superior 2005. Brasília: MEC/INEP, 2005. 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Sumário 43 III CONGRESSO INTERNACIONAL DE EDUCAÇÃO UNIBAVE “Educar na e para a diversidade” Orleans, 06, 07 e 08 de novembro de 2008 FILOSOFAR PARA EDUCAR NA E PARA DIVERSIDADE Rafael Uliano UNIFEBE – [email protected] TC 1E3 Resumo: O Ensino de Filosofia nas escolas, bem como o “saber pelo saber” vem sendo desprezado com o passar do tempo. A falta de criatividade por parte dos docentes, ou seja, a falta do uso da prática ligada à teoria no ensino de Filosofia na diversidade de público apresentada atualmente, pode ser a causa de tanto desinteresse pela arte do pensar lógico, sistemático, concatenado. Pensar é uma atividade do intelecto humano, dessa forma, todos em pleno gozo de juízo mental, podem desfrutar da arte do saber. Filosofar é um deleite, haja vista que não prioriza um aspecto, mas analisa crítica e racionalmente os princípios fundamentais de todo universo. Palavras-chave: Ensino de Filosofia. Reflexão Filosófica. Logicidade. Diversidade. 1 Introdução Neste trabalho, querem-se abordar as questões intrínsecas ao modelo de ensino, adotado hoje por grande parte dos educadores. Essa abordagem, de início, se dá com o intuito de buscar novos modelos de educação para um melhor aprendizado por parte da diversidade discente, haja vista que o paradigma que hoje se dispõe, em grande parte, possui fundamentos no modelo tradicional de educação, que por vezes até excluí. A partir de uma nova experiência de ensino pretende-se despertar na consciência dos alunos e dos professores de outras áreas, a importância do estudo de Filosofia, de modo que o aluno esteja apto a organizar suas idéias de maneira sistemática, lógica e concatenada, aplicando objetividade no seu modo de filosofar. Com o auxílio de filmes, trabalhos em campo, uso dos meios de comunicação para prática e análise de textos de cunho filosófico, exposições com aplicação do método da III CONGRESSO INTERNACIONAL DE EDUCAÇÃO: EDUCAR NA E PARA A DIVERSIDADE ORLEANS, 06, 07 E 08 DE NOVEMBRO DE 2008 PP. 44-51 maiêutica 1 – pretende-se que os alunos percam o constrangimento de expressar-se em público, mesmo aqueles com alguma deficiência, de modo que a disciplina de Filosofia seja um atrativo para todos. Justifica-se a idéia deste trabalho, pela importância de despertar um “novo” entusiasmo nos alunos e professores, para o estudo de Filosofia. Observada muitas vezes como a disciplina que não tem prestígio, que não reprova aluno, que não é cobrada no vestibular, que é coisa de “iluminado”, a Filosofia vem passando por um processo de desencantamento. A idéia de propor a prática, intimamente ligada aos elementos teóricos da Filosofia, o “saber pelo saber”, também faz parte do conjunto de novidades, se assim pode-se dizer, que se busca com a aplicação posterior deste trabalho de inclusão (agora da disciplina). O objetivo é que com a Filosofia se possa também educar na e para diversidade e não apenas para um grupo seleto de admiradores da beleza do pensar. Dentro de uma nova perspectiva do ensino de Filosofia, pretende-se despertar nos alunos e professores das diversas áreas da educação, a grande importância da reflexão filosófica. Deseja-se que os discentes estejam aptos a organizarem suas idéias de maneira sistemática e lógica, dando objetividade ao seu modo de filosofar e dizendo não ao senso comum, aos pré-conceitos, aos pré-juízos, aos fatos e às idéias da experiência cotidiana, ao estabelecido, lançando sempre uma interrogação sobre o que são as coisas, as idéias, os fatos, as situações, os comportamentos, os valores. 2 Ensino de Filosofia O Ensino de Filosofia nas escolas, como já é sabido por muitos, passa por dificuldades ainda hoje. Trata-se de um reflexo dos anos em que fora censurado pela ditadura militar no Brasil (1964-1984). O que se pode observar hoje é um desinteresse pela disciplina. Esta é tida, por muitos, como a ideal para os que cultivam o ócio. Antes de qualquer coisa, é importante ressaltar que a Filosofia possui papel formativo diante do ser humano. Cai-se muitas vezes no tecnicismo, quando se vê a escola como lugar de puro ensino e aprendizagem, ou seja, profissionalizante. Entretanto, que qualificação técnica, profissionalização haverá, se não houver simultaneamente formação? 1 Criada por Sócrates no século IV a.C., a maiêutica é o momento do "parto" intelectual da procura da verdade no interior do homem. 45 Segundo Severino (2004, p. 15), tal formação, “é o amadurecimento, o desenvolvimento dos estudantes como pessoas humanas. Quando nós nos damos conta do sentido de nossa existência, quando tomamos consciência do que viemos fazer no planeta, do porque nós vivemos”. A escola precisa sempre estar cumprindo uma tarefa com foco duplo, ou seja, desenvolver a inteligência do aluno e ao mesmo tempo sua subjetividade, no âmbito das questões éticas, sociais, mesmo que essas se apresentem num amplo campo de diversidade. Não basta a integridade física, biológica, o bom funcionamento orgânico, as forças instintivas para uma adequada condução da vida humana. Sem a vivência subjetiva, continuamos como qualquer outro ser vivo puramente natural, regido por leis pré-determinadas [...], sem possibilidades de escolhas, sem flexibilidade no comportamento (SEVERINO, 2004, p. 15). A Filosofia colaborará muito com os alunos, ajudando-os a situar-se dentro da perspectiva de um mundo competitivo e globalizado que se vivencia na contemporaneidade. Formar cidadãos críticos é tarefa dessa disciplina. Eis por que não se pode haver formação das pessoas, sem que haja o exercício filosófico. [...] os conhecimentos científicos não podem expressar uma razão para nossas escolhas existenciais [não são capazes de nos proporcionar formação suficiente sobre os valores da dignidade humana, da cidadania], para formarmos nossa escala valorativa, para nos sensibilizar à dignidade da vida humana. É preciso recorrer a modalidade do conhecimento filosófico que é onde desenvolvemos nossa visão mais abrangente do sentido da coisas e da vida, nos permite buscar, [...], a significação de nossa existência, e o lugar de cada coisa nela (SEVERINO, 2004, p. 17). Diante da realidade exposta e da diversidade de pessoas que estão nos bancos escolares, poder-se-ia perguntar se não seria a religião um caminho mais certo, de modo a dispensar a reflexão filosófica? Severino responde essa questão, assinalando que: A formação humana, tal qual deve ser realizada no processo educacional, é naturalmente laica, é antropológica, de tal modo que conceitos e valores aceitos pela mediação fé não podem substituir os conceitos e valores construídos filosoficamente (2004, p. 17). 46 Essa posição, com certeza não impede que se tenham escolas de clara opção religiosa. Entretanto, a opção parte de seus mantenedores e talvez colaboradores, e não dos alunos e de seus pais. Da mesma forma como a religião não é a maneira mais viável para se incutir essa visão crítica do mundo, assim também não o é, a ideologia política, o cultivo da afetividade... Cabe, neste caso, à Filosofia a justificativa da existência, a compreensão dos fatos, acontecimentos, ou seja, a função de situar estes fatos, no conjunto dos vários aspectos que circundam a existência humana. Segundo Horn (2004), a Filosofia é necessária para o exercício da cidadania, portanto o ensino desta é imprescindível. Cabe aos professores da disciplina de Filosofia, aplicar a teoria à prática, de modo que os alunos possam assimilar o conteúdo, mediante este processo organizacional da metodologia de ensino. “A escola educa mais pela forma como organiza o processo de ensino do que pelos conteúdos ideológicos que veicula através desse processo” (MARTINS, 1998, p. 17). 3 Reflexão Filosófica Acerca da Reflexão Filosófica, faz-se importante ressaltar que “uma simples pergunta contém, silenciosamente, várias crenças não questionadas por nós” (CHAUÍ, 1995, p. 9). A partir disso, a Reflexão Filosófica aparece como sendo um retorno da consciência sobre si mesma, a fim de conhecer, racionalmente, a si própria. Entretanto, como o ser humano não é somente um ser pensante, racional, mas um ser que se relaciona com os outros seres humanos e com a realidade diversa que o circunda, a Reflexão Filosófica acontece através de perguntas que buscam motivos, razões, causas, sentido, finalidade. Trata-se de perguntas sobre a essência, a significação e a origem de todas as coisas. O filósofo é aquele que toma distância da vida cotidiana e de si mesmo, passando a indagar racionalmente o que são as crenças e os sentidos que alimentam, silenciosamente, a existência, no desejo de conhecer porque se crê no que se crê; porque se sente o que se sente; o que são crenças; o que são sentimentos? (CHAUÍ, 1995). Com a Reflexão Filosófica, chega-se: “a decisão de não aceitar como óbvias e evidentes as coisas, as idéias, os fatos, as situações, os valores, os comportamentos de nossa existência cotidiana; jamais 47 aceitá-los sem antes havê-los investigado e compreendido” (CHAUÍ, 1995, p. 12) Refletindo-se filosoficamente, se estará dizendo, ao mesmo tempo, não ao senso comum, aos pré-conceitos, aos fatos e às idéias da experiência do dia-a-dia, ao estabelecido; e perguntando-se sobre o que são as coisas, as idéias, as situações, os valores, o que é o ser humano? Levar em consideração estes dois lados da atitude filosófica significa que se está pensando criticamente. É pelo fato de acontecer uma volta do pensamento sobre si mesmo, que acontece a Reflexão Filosófica. Diante da Reflexão Filosófica, pode-se dizer que todas as pessoas, que gozam de juízo, são filósofas, pelo fato de que “todo aquele que deseja saber, deseja ser filósofo” (RUBIN, 2002, p. 12). A sede pelo saber, aparece desde a infância, quando uma criança pergunta: o que é isto? Esse questionamento pode ser tido como a semente da Filosofia, na consciência do ser humano. Os grandes filósofos, desde sempre disseram que se nasce filósofo e naturalmente se é filósofo. Através do desejo de “descomplicar” a Filosofia, se estará buscando alcançar resultados valiosos na educação, desde o ensino fundamental ao superior. A sociedade num todo, não pode perder a confiança de conseguir satisfazer o desejo de conhecer cada vez mais, o amor à sabedoria, o saber pelo saber. O pensador Jacques Maritain, em seu livro Sete lições sobre o ser, escreveu que “o professor é o inimigo um da Filosofia”, ou seja, este geralmente é desprovido de compreensão e metodologia adequadas, conseguindo criar nos alunos aversão à Filosofia, a esta arte do pensar. 4 Logicidade É importante frisar que a lógica é uma ciência de caráter matemático, entretanto fortemente ligada à Filosofia. Tendo em vista que o pensamento é a manifestação do conhecimento, e que o conhecimento busca a verdade, é preciso estabelecer algumas regras para que essa meta possa ser atingida. A lógica é o ramo da Filosofia que cuida das regras do bem pensar, do refletir corretamente, sendo um importante instrumento do raciocinar. A questão da logicidade, como se pode perceber, provém do contato direto com a lógica, que se apresenta subdividida em lógica formal, lógica material, lógica matemática, lógica de predicados, lógica de vários valores, lógica filosófica... A reflexão acerca do conceito de logicidade, parte da idéia principal do conceito da lógica filosófica, que é 48 utilizada como instrumento, pela Filosofia, para garantir a validade da argumentação. Segundo Aranha (1993), a lógica, e por conseqüência a logicidade é uma disciplina propedêutica, ou seja, preparatória da Filosofia, que permitirá uma reflexão filosoficamente rigorosa. Confirmando essa idéia do método sistemático e rigoroso da Filosofia, Chauí (1995) expõe que a Filosofia trabalha com enunciados precisos e rigorosos, buscando entre eles encadeamentos lógicos, operando com conceitos ou idéias obtidas por procedimentos de demonstração e prova, exigindo uma fundamentação racional do que é enunciado e pensado. O conhecimento filosófico é um trabalho intelectual. É sistemático pois não se contenta em obter respostas para as questões colocadas, mas exige que as próprias questões sejam válidas e, suas respostas sejam verdadeiras, estejam relacionadas entre si, esclarecendo umas às outras, podendo serem provadas e demonstradas racionalmente. Com isso, não se pode julgar diferente, a Filosofia é indispensável para o ser humano. Considerações finais A arte de filosofar, apesar de ser uma atividade do intelecto humano, está ao alcance de qualquer pessoa portadora de sã consciência. Desse modo, a Filosofia pode e deve ser aplicada nos vários meios aonde chega a semente da educação. Filosofia não é coisa de iluminado e sim de quem quer iluminar. Sendo a Lógica propedêutica da Filosofia, e esta mãe de todas as ciências, a logicidade é indispensável também na educação, haja vista que, a Filosofia colabora diretamente num salto qualitativo de ensino na e para diversidade. Toda educação gira em torno do pensar. Sendo assim, não se educa sem a Filosofia, que pode ser aplicada através de diversos meios pedagógicos disponíveis. A Filosofia é importante também, pelo fato de não ser um manual de instruções, mas sim uma alavanca para o compreender a realidade que circunda o ser humano. Pode não ter sucesso a inclusão da Filosofia nos diversos campos de ensino? Evidentemente. Entretanto um dos princípios que permeiam a educação é o fato de que “quem vence sem riscos sobe no pódio sem louvor” (CURY, 2007, p. 29). Educar na e para diversidade, apesar de parecer utopia é, com o auxilio da Filosofia, abraçar quando todos rejeitam; animar quando todos condenam; prevenir quando todos esperam para apontar os erros. Educar é uma tarefa intelectual, por isso a Filosofia não pode nem se quer ser pouco utilizada, deve sim ser aplicada. 49 Qualquer educador deve dar o melhor de si na educação, mas deve estar convicto de que não são eles que fabricam a personalidade dos alunos, apenas a influenciam. Se esta for baseada na arte do pensar e não apenas no receber pronto, com certeza se estará proporcionando campo fértil para o crescimento intelectual do ser humano. A Filosofia fundamenta o pensamento. Sem a reflexão filosófica, os fatos são aceitos muitas vezes sem o crivo da racionalidade, estendendo-se muitas vezes argumentos baseados no senso comum. Muitas idéias dadas por Popper, Kuhn, Lakatos podem ser utilizadas para a construção de novos modelos metodológicos, de modo a romper paradigmas ultrapassados. Todavia qual é o conhecimento que os educadores possuem desses e tantos outros baluartes? Com raras exceções, se conhece vida e obras. É hora de abrir as portas e janelas da educação para que circulem novos ares. Referências CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. 5 ed. São Paulo: Ática 1995. CURY, Augusto. Maria, a maior educadora da História. São Paulo: Planeta 2007. HORN, Geraldo Balduino. O ensino da Filosofia nas escolas públicas do Paraná: um olhar sobre a realidade local. In: ROMANOWSKI, Joana Paulin et al. Conhecimento local e conhecimento universal: práticas sociais: aulas, saberes e políticas. v. 4 . Curitiba: Champagnat, 2004. p. 21-29. MARTINS, Pura Lúcia Oliver. A didática e as contradições da prática. Campinas: Papirus, 1998. RUBIN, Achylle. Também você é filósofo. Santa Maria: Pallotti, 2002. SEVERINO, Antônio J. A Filosofia como Elemento Cultural e seu Papel Formativo: da Necessidade da Filosofia na Escola. In: ROMANOWSKI, Joana Paulin et al. Conhecimento local e conhecimento universal: práticas sociais: aulas, saberes e políticas. v. 4 . Curitiba: Champagnat, 2004. p. 13-20. Sumário 50 III CONGRESSO INTERNACIONAL DE EDUCAÇÃO UNIBAVE “Educar na e para a diversidade” Orleans, 06, 07 e 08 de novembro de 2008 MUSEU DA FREGUESIA DE MIRIM: UM SUPORTE PARA O ENCONTRO E A PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO CULTURAL João Paulo Corrêa 1 Centro Universitário Barriga Verde - Unibave TC 1G4 Resumo: Documentação museal é um tipo de trabalho que articula a necessidade de um rigor científico à necessidade de prestar um serviço público, se consolidando em uma prática de preservação da memória e garantia da continuidade de um serviço de pesquisa de patrimônio. Neste artigo apresentam-se resultados do desenvolvimento do Projeto de Bolsa Pesquisa “Museu da Freguesia de Mirim”, concedido na instituição UNIBAVE, mediante participação no Artigo 170 da Constituição do Estado de Santa Catarina. Tendo como objetivo criar a documentação museológica de todo o acervo que se encontra no Museu da Freguesia de Mirim, o qual foi devidamente catalogado e inventariado, servindo inclusive para posteriores pesquisas. Para tanto, o processo se amparou em estudos sobre museu de Marlene Suano, além de trabalhos de inventário e documentação de Cecília Londres, bem como em estudos de normatização catalográfica do Thesaurus sobre acervo museológico. Mediante o delineamento teórico dos referidos autores e a prática efetuada, defendemos a importância da documentação como fonte de salvaguarda do patrimônio para os museus de pequeno porte, para a sua sustentabilidade como instituição museal e inserção da comunidade que a cerca. Palavras-chave: Museu. Documentação. Salvaguarda. Comunidade. Introdução [...] o museu batalhou arduamente para deixar de ser um armazém de objetos e transformar-se em gerenciador de cultura. E é sabido, afinal, que o museu será tão sólido quanto seja a pesquisa científica que nele se processa (SUANO, 1986, p. 74). O Museu da Freguesia de Mirim, localizado cerca de 95 km ao sul de Florianópolis, no Estado de Santa Catarina/Brasil, possui em seu acervo 62 objetos que retratam a história 1 João Paulo Corrêa – Acadêmico de Museologia do UNIBAVE, bolsista na do Prof. Msc. Maurício da Silva Selau – UNIBAVE – Orleans – SC.. Bolsa Pesquisa, sob a orientação III CONGRESSO INTERNACIONAL DE EDUCAÇÃO: EDUCAR NA E PARA A DIVERSIDADE ORLEANS, 06, 07 E 08 DE NOVEMBRO DE 2008 PP. 52-61 da própria comunidade. Entre elas, se encontram no museu objetos de uso doméstico, cotidiano, artesanato, agricultura, pesca, comércio, carpintaria e religião local. Vale ressaltar que as denominações usadas para identificação dos objetivos são embasadas na normatização para catalogação de peças e objetos inserida em “Thesaurus para acervo museológico” do Ministério da Cultura que define as tipologias do uso original da peça como objeto em uso e não como objeto musealizado. O Museu da Freguesia de Mirim é um exemplo de instituição que se preocupa com a preservação dos referenciais da cultura e da história da população que ajudou a construir a sociedade e que hoje compõem o espaço geográfico do Distrito de Mirim, município de Imbituba, Santa Catarina. Por meio das atividades do projeto garantimos a salvaguarda dos objetos representativos da história e memória desta população, permitindo as gerações presentes e futuras um encontro permanente com o seu patrimônio cultural, evitando uma possível perda destes suportes de memória. [...] a história dos museus está indissoluvelmente ligada à dialética entre o homem e os objetos que o cercam, por ele mesmo criado ou pela natureza, bem como à compreensão de que o desaparecimento ou a perda desses referenciais seria prejudicial para uma reflexão sobre a sua própria existência (ALMEIDA, 2006, s. p.). O inventário do acervo do Museu da Freguesia de Mirim, como fonte de preservação é bastante pertinente, pois a maioria das instituições de pequeno porte se preocupa somente com a comunicação e a salvaguarda material do seu acervo, esquecendo da salvaguarda documental. A conseqüência disso será vista mais tarde, com a perda dessas valiosas informações para a sociedade que a cerca, pois a memória dos que vivem esse cotidiano, justamente com o objeto, adormece e acaba no esquecimento e com o passar dos anos some literalmente. Os objetos fazem um link para essa memória adormecida, mas somente para os que viveram o uso e os costumes destes, mas mesmo assim sem esses objetos a memória é nula, por isso a importância destes como fonte de salvaguarda da memória. [...] essas lembranças durante tanto tempo confiadas ao silêncio e transmitidas de uma geração a outra oralmente, e não através de publicações, permanecem vivas. O longo silencio sobre o passado, longe de conduzir ao esquecimento, é a resistência que uma sociedade civil impotente opõe ao excesso de discursos oficiais. Ao mesmo tempo, ela transmite cuidadosamente as lembranças dissidentes nas redes familiares e 53 de amizade, esperando a hora da verdade e da redistribuição das cartas políticas e ideológicas [...] (POLLAK, 1989, p. 5). Quando as memórias não são tratadas e documentadas, elas correm o risco de se perder, ou pior, serem alteradas ao serem passadas de geração para geração, ou até mesmo entre as redes sociais, ideológica ou políticas, pois elas se moldam ao ideal e costumes de cada época, perdendo assim a fonte de pesquisa e a veracidade dos fatos. A instituição museal da Freguesia de Mirim, através da documentação, garantiu a proteção no que tange ao registro das peças e a conservação do suporte da memória e identidade desta população. 1 Museo templo, museu fórum Museus são lugares de memória de um povo, o museu teve origem na Grécia antiga com o nome de mouseion, ou casa das musas. Era uma mistura de templo e instituição de pesquisa voltado para as artes humanas, o estudo do comportamento e as questões filosóficas que a cercam. Na Grécia, o mouseion, ou casa das musas, era uma mistura de templo e instituição de pesquisa, voltado sobre tudo para o saber filosófico. As musas, na mitologia grega, eram as filhas que Zeus gerara como Mnemosine, a divindade da memória. As musas, donas de memória absoluta, imaginação criativa e presciência, com suas danças e narrativas, ajudavam os homens a esquecer a ansiedade e a tristeza. (SUANO, 1986, p. 10), Ainda de acordo com Suano, o mouseion era um local privilegiado, onde a mente repousava e onde o pensamento profundo e criativo era liberto dos problemas e aflições do cotidiano, sendo sua mente voltada para se dedicar completamente para as artes e o estudo da ciência. As obras de arte expostas no mouseion, existiam para agradar as divindades e não para serem contempladas pelo homem como obra de arte. Outro importante templo de salvaguarda da memória, mas particularmente neste caso da memória escrita, seria a Biblioteca de Alexandria, que formava um grande mouseion, e ao contrário do mouseion das musas, Alexandria era voltado para o saber enciclopédico. 54 A Biblioteca de Alexandria, considerada a primeira do mundo e descrita como "o grande templo da sabedoria", surgiu em 331 e 330 a.C. e dispunha de uma estrutura física com dez grandes salas e quartos separados para a consulta. Quando foi inaugurada por Ptolomeu Sóter, general de Alexandre, o Grande, biblioteca mantinha um programa de captação de acervo pelo qual todo navio que chegasse ao porto de Alexandria era obrigado a entregar quaisquer rolos de papiro que possuísse a Biblioteca (SOUZA, 2005, p. 6). Os museus hoje em dia são, ou pelo menos deveriam ser um espelho no qual a população se reconhece e contempla sua memória. De acordo com o ICOM - Conselho Internacional de Museus (1986), os museus são instituições permanentes, sem fins lucrativos, a serviço da sociedade e do seu desenvolvimento, aberta ao público que adquirem, conservam, divulgam e expõem, para fins de estudo, de educação e prazer, os testemunhos materiais e imateriais dos povos e seus ambientes. Ainda de acordo com o ICOM, os museus asseguram a proteção, a documentação e a promoção do patrimônio natural e cultural da humanidade. Apesar dos preconceitos existentes que vinculam essas instituições com as coisas “velhas” e “sem vida”, há também um grande questionamento sobre o papel real que podem desempenhar no âmbito das sociedades onde estão inseridas (BRUNO, 1997, p. 37). A instituição museu vem ao encontro da realidade que a população vivencia, servindo de instrumento de entendimento do passado com base no presente. A realidade do nosso cotidiano, entre outros, são temas com os quais o museu passa a refletir e se torna símbolo que caracteriza a sociedade que a cerca. 1.1 Museu da Freguesia de Mirim O Museu da Freguesia de Mirim pertencente à Sociedade Cultural da Freguesia de Mirim, localizado no distrito de Mirim, na cidade de Imbituba, Santa Catarina, uma comunidade de origem Luso Açoriana por colonização de povoamento tipicamente agrária e pesqueira, vinda na segunda metade do século XVIII através do Porto de Laguna e fixando-se neste local que naqueles tempos pertencia a Laguna. No Distrito de Mirim, a exemplo de outras áreas de colonização açoriana, impera a tradição da Festa do Divino Espírito Santo; 55 nossa arquitetura é marcada pela igreja virada para a lagoa, com uma pracinha à frente e as casas em torno desta, tradição de origens lusa. O projeto implantado na comunidade de Mirim, consistiu na junção da instituição museal com a comunidade, rica na arte da memória e do saber fazer. A documentação da história e da memória da população local se resume hoje nos registros da memória de seus habitantes mais antigos e do acervo, já inventariado e catalogado sob a guarda do Museu, sendo este a única forma de salvaguardar esse patrimônio. O Museu da Freguesia de Mirim foi erguido a partir da vontade da comunidade e da Sociedade Cultural da Freguesia de Mirim, sua atual mantenedora, que com muito esforço e ajuda do comércio local conseguiram instituir o museu. A vontade de manter os vínculos com a nossa origem e a salvaguarda de nosso precioso bem material, os objetos em depósito no museu, e nossa imaterialidade, fizeram e fazem de nosso museu algo inédito em nossa região, pois foi construído com e pela sociedade que o rodeia. Nosso público é principalmente a comunidade que o rodeia, pois é na vida destas pessoas que o museu se baseia sendo muito forte a ligação dos objetos com os doadores. Isso é sentido nas visitas e nos relatos dos tempos passados que circundam o objeto doado, O museu vira ator e ferramenta do desenvolvimento cultural, social e econômico de um grupo determinado. O funcionamento de Novo Museu é baseado na participação ativa dos membros da comunidade (SOARES, 2003, p. 2). O Museu da Freguesia de Mirim, com seu trabalho de documentação para a salvaguarda da memória eleva a auto-estima de nosso povo para uma construção de cidadania. É um instrumento de desenvolvimento social e cultural de nossa região, pois destaca-se por seu caráter museal desenvolvido com base na salvaguarda, na pesquisa e na comunicação. 1.2 A delimitação do estudo Para proteger e conservar essa coleção, que não se compõe somente de objetos, mas também de histórias, em abril de 2007 o acadêmico João Paulo Corrêa do curso de bacharelado em Museologia foi contemplado com o projeto “Museu da Freguesia de Mirim”, para obtenção de Bolsa Pesquisa do artigo 170 da constituição do Estado de Santa Catarina, 56 conforme edital n° 002/2007 do UNIBAVE, com orientação do professor Msc. Maurício da Silva Selau. O referido projeto consistiu em realizar o tratamento técnico do acervo do Museu, garantindo a sua proteção no que tange ao registro e a documentação das peças, sua conservação e salvaguarda como suporte da memória e identidade desta população. As peças passaram por uma limpeza mecânica para garantir os cuidados mínimos de conservação e para que pudéssemos fazer o inventário. Tivemos a orientação da museóloga Angela Paiva, que passou os procedimentos básicos para a conservação da mesma. Com uma trincha macia limpamos os objetos de papel e logo após foi inserido um papel alcalino entre as folhas para estabilizar a oxidação do papel. Nos objetos de madeira, metal e porcelana, também foi utilizado a limpeza mecânica com uma trincha e para a limpeza mais detalhada, foi utilizado algodão com água destilada. Figura 01: Limpeza mecânica de um livro pertencente ao acervo Freguesia do Mirim Após a limpeza dos objetos houve a separação conforme a tipologia de uso e o Thesaurus para acervo museológico (1987), criando assim a divisão de Educação e Laser, Religiosidade, Artes e Ofícios e Usos Domésticos. A marcação das peças obedeceu ao sistema de numeração corrida alfanumérica com 4 dígitos, ficando assim: MFM 0001; as letras iniciais do museu, MFM, e o numero correspondente ao objeto. De acordo com Londres a documentação é um tipo de trabalho que cruza a necessidade de um rigor científico e a necessidade de prestar um serviço público, ou seja, para 57 um leigo a documentação é somente um item desnecessário a mais para a função de um museu, mas na verdade ele é um trabalho de preservação da memória e garantia da continuidade de um serviço de pesquisa de patrimônio. [...] a documentação museológica, enquanto resgate de uma informação do objeto museal, teve como suporte determinados elementos retirados dos métodos e técnicas da biblioteconomia, que foram adequados aos objetivos relacionados com a questão do estudo do objeto, sua documentação de controle e segurança, objetivando informações para um discurso museológico (NASCIMENTO, 1998, p. 88). De acordo com Nascimento (1998), quando um objeto é doado pela comunidade para o museu, ele possui significância plena da cultura e adota um caráter de qualidade única de valor inestimável para essa sociedade, mesmo não sendo um objeto raro, ele é parte integrante da vida desta comunidade. Tendo esses fatos apontados, o projeto salvaguardou o que mais tem de precioso em nossa comunidade, a memória e os mais raros objetos que por meio de doação chegaram a nossa instituição. 1.3 Discussão dos resultados Em nosso projeto foram documentados 62 objetos em caráter de doação ao Museu da Freguesia de Mirim, dos quais todos foram feitos um levantamento documental de relevância museológica para a sua salvaguarda. Antes de o projeto ser colocado em prática, a expografia foi feita ao leu, sem critérios de organização e planejamento prévio, o resultado disso era uma comunicação truncada e sem riqueza pedagógica. Ao término da documentação, já com os dados em mãos, organizamos uma exposição para prestigiar os resultados obtidos e apresentar para a comunidade o trabalho que eles ajudaram a construir e mostrar um pouco da sua origem e seus costumes, ela foi organizada de acordo com os resultados do projeto de pesquisa, pois somente com uma boa base documental poderíamos fazer a comunicação expográfica desejada, e a comunidade merecia isso. Com a ajuda do comércio local e a Sociedade Cultural da Freguesia de Mirim, desenhamos uma expografia nova para o local e confeccionamos mobiliário expositivo novo. O contentamento nos olhos dos visitantes e a aprovação do projeto foi a alavanca para novas 58 iniciativas, como o estudo detalhado que vai ser feito em cima dos resultados obtidos neste projeto. Figura 02: Expografia do MFM anterior ao desenvolvimento projeto Figura 03: Expografia atualizada do MFM Na figura 02, da antiga expografia, podemos reparar uma série de objetos fora de lugar e sem contexto. O circuito expositivo era feito aleatoriamente, não seguindo uma cronologia ou concordância nos objetos, pois ainda não se tinha um profissional ou acadêmico na frente das discussões e da pesquisa, ela foi concebida pela comunidade conforme a sua idéia de museu, ou seja, ainda impera o museu “gabinete de curiosidades”. 59 O contraponto a expografia anterior podemos observar na figura 03. A nova roupagem museológica do Museu da Freguesia de Mirim, embasada em pesquisa e a conceitos museológicos, feitos pelo acadêmico com seu orientador. A disposição dos objetos segue a divisão do Thesaurus para acervos museológicos (1987) e segue uma ordem dos usos e costumes do cotidiano histórico da comunidade de Mirim. O mobiliário foi todo refeito para atender as necessidades existentes, mas com flexibilidade para acomodar novas expografias e atender nossas necessidades. Com isso conseguimos dar destaque aos nossos objetos e conseqüentemente nossa história. Para a comunidade, nosso trabalho teve caráter de valorização da memória e as pessoas se sentiram representadas na nova expografia. Considerações finais A comunidade de Mirim apóia o Museu da Freguesia de Mirim e vê nele uma instituição preocupada em manter as origens de sua história. Demonstramos através de nossas ações, a confiança necessária para que os co-autores desta história sintam que seus bens estão sendo cuidados de forma sistemática, e que a memória deste povo vai ficar muito bem guardada, e não somente na memória dos seus moradores, mas também na forma da pesquisa documental, na salvaguarda dos objetos e na apresentação e comunicação da nova expografia. Este projeto de documentação dos bens culturais materiais, vai servir de apoio aos museus de pequeno porte a respeito da documentação de seu acervo. Esperamos que os mesmos percebam a documentação do acervo como uma das etapas para se tornar uma instituição organizada. E com os seus dados organizados, possam dar início a sua pesquisa museológica, aprofundando o conhecimento sobre o acervo e a sociedade que o produziu. Com os resultados obtidos no projeto, vamos suprir as informações básicas para as necessidades museais de uma pesquisa museológica mais detalhada, pois é com ela que vamos assumir nosso papel museal de salvaguarda permanente de nosso patrimônio, sendo esse o passo seguinte para a nossa instituição. Referências 60 MINISTÉRIO DA CULTURA. Caderno de Diretrizes Museológicas. Rio de Janeiro: Ed. IPHAN, 2006. CATEL. Pierre. Museu de Artes e Ofícios, Belo Horizonte: afinal, como nascem os museus? 2005. 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Sumário 61 III CONGRESSO INTERNACIONAL DE EDUCAÇÃO UNIBAVE “Educar na e para a diversidade” Orleans, 06, 07 e 08 de novembro de 2008 CONCEITOS NORTEADORES DA AÇÃO DOCENTE DOS PROFESSORES DO CURSO DE ADMINISTRAÇÃO DA UNESC: CONTINUAM TRADICIONAL OU FORMAÇÃO NA E PARA A DIVERSIDADE Vanilda Maria Antunes Berti UNESC - [email protected] TC 1F4 Resumo: O presente estudo teve como objetivo principal conhecer as concepções pedagógicas que marcaram o processo de ensino e aprendizagem das turmas de 1975 e 2005 do curso de graduação em Administração da FUCRI/UNESC. A amostra contou com 20 docentes, sendo 10 docentes de cada ano em análise. Utilizou-se um estudo qualitativo/quantitativo, com uma abordagem descritivocomparativa, a qual permitiu analisar os aspectos implícitos ao desenvolvimento das práticas de ensino, bem como, descrever com fidelidade os fatos e fenômenos nela inseridos. O instrumento de pesquisa foi uma entrevista estruturada, permitindo estabelecer os dados em categorias acerca dos conceitos de professor, educação e ação pedagógica. Verificou-se que tanto na instalação do curso (1975) quanto na sua consolidação (2005), o discurso pedagógico quase não mudou: Continuam tradicional, aulas utilizando metodologias individuais, de cunho tecnicista. Nesse sentido, a compreensão da evolução do conhecimento em termos conceituais possibilitará que os docentes tenham condições de explicar, justificar e reconhecer a urgência de modificar sua prática, atendendo assim, a proposta do Curso de Administração que é formar profissionais qualificados e capacitados nos aspectos técnicos, humanísticos e éticos. Palavras-chave: Ensino superior. Concepções pedagógicas. Avaliação. Conceitos norteadores da ação docente dos professores do curso de Administração da UNESC O presente trabalho é parte de uma investigação maior que deu origem a uma dissertação de mestrado. Nesta oportunidade temos como objetivo apresentar os conceitos norteadores de Educação, Professor e Abordagem pedagógica que nortearam a ação docente dos professores do curso de Administração da UNESC, nós períodos de criação do curso (1975) e consolidação (2005). Os conceitos norteadores são importantes na medida em que confere às atitudes docentes um caráter de práxis, dirigindo as ações formativas para um perfil de profissional que esteja diretamente ligado ao paradigma ao qual se filia o docente, formando um III CONGRESSO INTERNACIONAL DE EDUCAÇÃO: EDUCAR NA E PARA A DIVERSIDADE ORLEANS, 06, 07 E 08 DE NOVEMBRO DE 2008 PP. 62-75 profissional que comunga e dissemina as idéias do formador. Para Vygotsky (1998) os conceitos podem ser científicos e cotidianos, sendo que os primeiros são mediados e não se adquire sem a escola e as ações decorrentes enquanto que os conceitos cotidianos são adquiridos diretamente da experiência pessoal, de senso comum e apresentam como pontos fracos a incapacidade de resistir a uma análise severa de seus atributos. São os conceitos que fundamentam as práticas pedagógicas adotadas no processo ensino-aprendizagem, bem como, o processo de avaliação e a metodologia que orientam um Projeto Político Pedagógico (PPP), utilizado para o enriquecimento do curso no seu processo de desenvolvimento. O curso de Administração deve primar, segundo seus instrumentos legais pela formação de indivíduos para a condução da sociedade, elementos estes centrais no processo de desenvolvimento sócio-econômico, sendo os agentes catalisadores deste processo. Assim, não basta que os conteúdos sejam bem ensinados, é preciso que tenham significação humana e social, e, sobretudo, estar em consonância com as Diretrizes Nacionais. Com os seus 30 anos de existência (1975-2005), o curso de Administração da UNESC esteve embasado em um processo pedagógico sujeito a alterações, quer seja pelas novas dinâmicas das relações de trabalho ou pelos próprios ordenamentos legais. Com efeito, este estudo se propõe a produzir um conhecimento das turmas iniciadas no ano de 1975 e das turmas finalistas do ano de 2005, sobre as concepções pedagógicas que fundamentaram antes e continuam a fundamentar o desenvolvimento do curso, com base em conceitos de Educação, Docência e Ação docente. Metodologia do estudo Para tanto utilizamos a pesquisa quali-quantitativa, julgada mais apropriada para a situação, pois, como salienta Leopardi (2001, p.137): Quando se utiliza de dados e análises quantitativos e qualitativos, se o problema sugere necessidade de ambos e, neste caso, parte dele será esclarecido na perspectiva quantitativa, enquanto a outra parte na perspectiva qualitativa. Quanto ao método quantitativo, sua relevância nesta pesquisa, deu-se devido à descrição numérica das opiniões da população estudada. 63 Realizamos também uma abordagem comparativa, que conforme Lakatos e Marconi (1994) permitem analisar dados concretos, deduzindo dos mesmos os elementos constantes, abstratos e gerais. Esta abordagem, segundo Gil (1994), é muito utilizada em pesquisas no campo das ciências sociais, possibilitando comparar e ressaltar diferenças e similaridades, consistindo em levantar os dados e informações embasadas em bibliografia especializada sobre conceitos teóricos e em documentos que relatam um caso específico. Ainda assim, o presente estudo necessitou da utilização da abordagem descritivocomparativa, que segundo Triviños (1987), permite analisar os aspectos implícitos ao desenvolvimento das práticas de ensino. A abordagem descritiva é praticada quando o que se pretende buscar é o conhecimento de determinadas informações e por ser um método capaz de descrever com exatidão os fatos e fenômenos de determinada realidade. A população pesquisada foi constituída por docentes do curso de graduação de Administração da FUCRI/UNESC dos anos de 1975 e 2005, dos primeiros e segundos semestres. A amostra selecionada foi composta por 20 (vinte) professores, sendo 10 do ano de 1975 e 10 do ano de 2005, totalizando 20 sujeitos pesquisados, independente dos semestres, para não haver dissonância na coleta dos dados. Esta amostra foi considerada suficiente para representar o total dos sujeitos, pois contemplaram docentes e discentes dos anos pesquisados, possibilitando uma generalização dos dados obtidos com as entrevistas, validando a interpretação dos mesmos. Na definição dos docentes e discentes entrevistados fez-se uso da variedade que, segundo Turato (2003) é um processo de seleção de sujeitos escolhidos segundo o arbítrio e interesse científico do pesquisador, facilidade de localização e disponibilidade.. Como instrumento de pesquisa foi utilizado uma entrevista estruturada com o estabelecimento de categorias, uma vez que Lüdke e André (1986, p. 48), afirmam: “o primeiro passo nessa análise é a construção de um conjunto de categorias descritivas” para a organização dos dados, estabelecidas no esteio da entrevista. Em função disso escolhemos as categorias de docência, professor e ação pedagógica. A esse respeito temos o comentário de Minayo (2000, p.70): As categorias são empregadas para se estabelecer classificações. Neste sentido, trabalhar com elas significa agrupar elementos, idéias ou expressões em torno de um conceito capaz de abranger tudo isso. Esse tipo de 64 procedimento, de um modo geral, pode ser utilizado em qualquer tipo de análise em pesquisa qualitativa. Já a entrevista, segundo Gil (1994, p.113), representa uma: [...] técnica em que o investigador se apresenta frente ao investigado e lhe formula perguntas, com o objetivo de obtenção dos dados que interessam à investigação. [...] forma de diálogo assimétrico, em que uma das partes busca coletar dados e a outra se apresenta como fonte de informação. No ato da entrevista, foi apresentado um Termo de Consentimento Informativo, que todos assinaram e permitiram a divulgação dos dados obtidos a partir da mesma. Análise e interpretação de Dados Os dados qualitativos foram analisados criteriosamente, destacando os de relevância ao estudo proposto, dando ênfase às categorias estabelecidas. Na transcrição dos dados houve a preocupação em não se limitar ao teor explícito nas entrevistas, pois de acordo com Minayo, (2000, p. 76) “[...] devemos tentar desvendar o conteúdo subjacente ao que está sendo manifesto”. Neste sentido, procurou-se estabelecer articulações entre os dados obtidos e a fundamentação teórica, respondendo ao problema de pesquisa, tendo como base os objetivos propostos (MINAYO, 2000). Para uma visualização detalhada dos questionamentos propostos aos docentes do curso e das turmas em estudo, foi elaborado um quadro de apresentação das respostas por categorias, que serão apresentadas para estudo e analise. Pontuamos nesta comunicação alguns aspectos considerados significativos em algumas categorias, a partir do marco teórico desenvolvido para esta pesquisa.A análise documental do PPP do curso de administração possibilitou nortear os dados principais desta pesquisa, metodologia da pesquisa e avaliação, considerados marcos decisivos para este estudo. Categoria 01 - Perfil dos docentes de 1975/2005 A pesquisa junto aos docentes de 1975 foi marcada pela presença exclusiva do sexo masculino, em um total de dez docentes. Dos pesquisados de 1975, todos apresentaram 65 especialização, sendo que um deles chegou a cursar mestrado na FGV, porém, como não apresentou a dissertação, ficou sem direito ao título. Quanto à formação pedagógica, todos receberam curso em Magistério pela UFSC (curso especial para formados em ciências aplicadas), entretanto, na época não havia processo de educação continuada formal e obrigatória aos docentes da instituição em estudo. Os docentes entrevistados de 2005, decorrente da inserção da mulher no mercado de trabalho, tendo em vista as mudanças culturais, sociais políticas e econômicas, pois, passados 30 (trinta) anos do curso na Instituição; encontramos (04) quatro mulheres e (06) seis homens Os quais apresentaram títulos acadêmicos diferenciados, 02 (dois) doutores, 03 (três) mestres e 05 (cinco) especialistas. Quanto à formação pedagógica e participação na formação continuada, oferecidas pela própria instituição (UNESC), todos participaram, totalizando uma amostra de 10 (dez) sujeitos entrevistados. Diante destes dados é possível afirmar que os docentes de 1975 e 2005 eram titulados conforme estabelecido pela legislação para exercerem suas funções acadêmicas dentro do curso de administração. Importante considerar que no ano de 1975 não era obrigatório o percentual de 30% de mestres e/ou doutores no quadro docente. Categoria 2. Conceito de Educação para os docentes de 1975/2005 Apresenta-se a tabela-síntese dos conceitos emitidos pelos docentes a acerca de Educação: Tabela 1: Conceito de Educação pelos docentes de 1975/2005 Categorias Docentes 1975 Conceito Educação Processo crescimento pessoal (física moral e intelectual) Processo de interação professor x aluno Relevantes entre as funções do governo Outras Freq. 2 Docentes 2005 Conceito Educação Freq. Processo de crescimento pessoal 5 e social Troca de conhecimento 2 2 2 Capacidade de executar tarefas 1 técnicas e humanas Transmissão de conhecimento 2 3 66 TOTAL 10 TOTAL 10 Fonte: Dados da Pesquisa O conhecimento é uma ferramenta com a intencionalidade de dar um sentido orientador para a existência humana. Nele está envolvida a educação, a qual, segundo Severino (2002, p.14): [...] deve ser entendida como prática simultânea da técnica e da política, atravessada por uma intencionalidade teórica, fecundada pela significação simbólica, mediando à integração dos sujeitos educados nesse tríplice universo das mediações existenciais: no universo do trabalho, da produção material, das relações econômicas; no universo das mediações institucionais da vida social, lugar das relações políticas, esfera do poder; no universo da cultura simbólica, lugar da experiência da identidade subjetiva, esfera das relações intencionais. Tendo em vista o que se pode dizer do “ideário” acima, a realidade demonstrou ser distinta. Na década de 1970, Santa Catarina encontrava-se, segundo Goularti Filho (2007), em uma retomada do desenvolvimento industrial, ocasionando a necessidade de administradores para gerir a comunidade empresarial do Estado. Neste sentido, nota-se a relação do conhecimento com o universo social. Levando em consideração esta realidade, a educação segundo as falas dos entrevistados, deve estar presente no seu contexto histórico-cultural, independente da época. Em resposta ao conceito de educação pode-se citar um dos entrevistados (docente) de 1975 que diz: [...] A educação para mim é a base de tudo na vida da gente, o ser humano se tem educação, ele tem um prosseguimento na vida, se ele não tem educação [...] não tem muita perspectiva de vida.” Porém, a década de 1975 é marcada pelo tradicionalismo e o tecnicismo, devido à necessidade de técnicos para o desenvolvimento industrial do país. Neste momento Libâneo (1994, p. 20) comenta, “[...] o professor se vê pressionado pela pedagogia oficial que prega a racionalidade e a produtividade do sistema e do seu trabalho, isto é, ênfase nos meios (tecnicismo) [...]. Pillotto e Schramm (2001) esclarecem que a tendência tradicional é marcada pela concepção do homem em sua essência. Tem a finalidade em dar expressão à sua própria natureza. A pedagogia tradicional preocupa-se com a universalização do conhecimento, o treino intensivo, a repetição e a memorização. 67 A concepção tecnicista fundamentou-se no positivismo, propondo uma ação pedagógica inspirada nos princípios da racionalidade, da eficiência, da eficácia e da produtividade. O principal papel da escola era treinar os alunos, funcionários como modeladora do comportamento humano e o professor nesta tendência, se caracterizam como um mero transmissor e reprodutor do conhecimento, portanto o aluno, nesta tendência, é um mero espectador frente à realidade objetiva. A aprendizagem do aluno decorre dos estímulos e reforços que recebe – componentes imprescindíveis para que este aprenda (SAVIANI, 1994b). Categoria 3. Conceito de Professor emitidos pelos docentes de 1975/2005 Tabela 2: Conceito de Professor emitido por docentes de 1975/2005 Principais Categorias Docentes 1975 Ser professor/educador Facilitador/ orientador conhecimento Dar-se e dedicar-se ao próximo Freq. do 4 3 TOTAL 10 Freq. Mediador, comprometimento 5 com a formação cidadã Transmissão de conhecimentos, 5 agente formador de pessoas 3 Transmitir autoconhecimento Docentes 2005 Ser professor/educador TOTAL 10 Fonte: Dados da Pesquisa A prática docente, para Cunha (1992), se expressa de forma intencional ou implícita, tendo suas concepções sobre ensinar e aprender, de acordo com a visão de mundo, de sociedade e de ciência; estando essencialmente vinculada às formas de organização e distribuição do conhecimento em uma determinada sociedade. É ainda uma prática social complexa que combina conhecimentos, habilidades, atitudes, expectativas e visões de mundo condicionadas pelas diferentes histórias de vida dos professores, os quais se influenciam, também, pela cultura das instituições. Na universidade, essa atividade situa-se no âmbito de uma instituição singular que se constituem por processos de diferenciação e convergências, relações formais e informais que 68 se produzem no cotidiano. Nesse ambiente, os professores exercem a prática docente divididos entre os princípios da autonomia acadêmica, a lealdade à instituição a qual trabalham os princípios das suas disciplinas, os objetivos da instituição e as exigências da sociedade. Este processo, ainda segundo Cunha (1992), envolve múltiplos saberes e escolhas determinadas pela formação, área disciplinar, experiências pessoais e subjetividade dos professores e expressam, ainda que de forma não intencional, a sua concepção pedagógica. Pode-se então afirmar que a prática docente forja a identidade da experiência educativa. Ao se analisar os quadros acima se notam que os conceitos da maioria dos entrevistados de 1975 e 2005, estão vinculados à concepção tradicional e tecnicista, quando os mesmos citam: “transmite conhecimentos”, “transmitir autoconhecimento”, “segundo pai ou mãe”, “aquele que ensina”, “transmite conhecimentos”, “aquele que ensina”. Neste sentido Gadotti, (2000, p.21) afirma que ser professor: [...] é viver intensamente o seu tempo, com consciência e sensibilidade. Não se pode imaginar um futuro para a humanidade sem professor. Eles não só transformam a informação em conhecimento e em consciência crítica, mas também formam pessoas. Eles fazem fluir o saber, porque constroem sentido para a vida dos seres humanos e para a humanidade, e buscam, numa visão emancipadora, um mundo mais humanizado, mais produtivo e mais saudável para a coletividade. Por isso eles são imprescindíveis. Nesta descrição do que deva ser o professor do século XXI, não tem mais espaço para professores donos de um saber, mas só aquele que tenham a humildade de serem também eles aprendizes e a única diferença que os separa de seus alunos é que eles professores são profissionais do ensino e por isso comprometidos com o aprender e o ensinar. Diante dessa afirmação, Gadotti (2000) esclarece que as ações do professor estão impregnadas no seu processo ensino-aprendizagem; seu relacionamento com os alunos, deriva da relação que ele tem com a sociedade e com a sua cultura. Neste sentido Abreu e Masetto (1990, p. 115) afirmam: [...] é o modo de agir do professor em sala de aula, mais do que suas características de personalidade, que colabora para uma adequada aprendizagem dos alunos. O modo de agir do professor em sala de aula fundamenta-se numa determinada concepção do papel do professor, que por sua vez reflete valores e padrões da sociedade. 69 O processo ensino aprendizagem, para os professores, requer uma capacitação constante, ou educação continuada, para poder estar atento às mudanças constantes do mundo ao qual está inserido. Vale notar que os movimentos sociais, culturais e políticos são as oportunidades de crescimento e interação do educando com o meio. Entretanto, essa reflexão e transformação somente são alcançadas com a participação ativa do educando no processo ensinoaprendizagem, constituindo-se como um meio de formação do aluno, porém mesmo assim, segundo Mizukami (1986, p.31); “[...] nenhuma instituição de ensino superior, por mais eficiente que seja a prática pedagógica dos profissionais que nela atuam e por mais articulados e consistentes que sejam seus currículos, pode fornecer a formação completa e definitiva.” O resultado da pesquisa junto aos docentes de 1975 aponta: “agente a ser mudado”, “condição de sobreviver na vida”, “aprendizado constante”, “busca de diploma”, “aluno de nível superior era algo inatingível (1970)”, “havia necessidade de técnicos na época” e apenas uma resposta que diz que o aluno deve “ser interativo”. Este período foi marcado pela prioridade à formação da mão-de-obra para atender à indústria, às reformas do sistema de ensino universitário. O objetivo da educação era a preparação de mão-de-obra para o cotidiano das indústrias. Neste aspecto salienta Saviani, (1994, p.51) a pedagogia tecnicista buscou “planejar a educação de modo a dotá-la de uma organização racional capaz de minimizar as interferências subjetivas que pudessem por em risco sua eficiência”. Destacam-se neste momento, os componentes planejamento e controle, para assegurar a produtividade do processo. Este contexto mostra a realidade da época, a qual se destinava o processo de ensino aprendizagem à formação de profissionais, porém, destaca-se ainda a influência da tendência tradicional. Entretanto, em 2005, apresenta: “busca conhecimento”, “querer estudar”, “aprender”, “buscar conhecimento e se aperfeiçoar”, “o professor aprende com o aluno”, “participa com sua experiência na sala de aula”; a constância das palavras ‘aprender’, ‘conhecimento’, indica a preocupação de ambos (docentes e discentes), sobre a importância da educação, sendo que, a importância da interação professor-aluno nesta construção não é destacada. Para tanto, Libâneo (2002), destaca a importância da educação que é um processo de desenvolvimento, onde o ser humano se transforma continuadamente, sendo que a educação atua na configuração desse indivíduo de acordo com as suas condições internas. 70 Cabe ressaltar a expressão “lutador”; tendo em vista que a maioria dos discentes da FUCRI/UNESC trabalharem no período diurno e estudarem no período noturno, retrato da situação dos alunos entrevistados, tanto de 1975 como de 2005. Categoria 4. Abordagem Pedagógica para os docentes de 1975/2005 Tabela 3: Conceitos de Abordagem Pedagógica emitido pelos docentes de 1975/2005 Principais Categorias Docentes 1975 Abordagem Pedagógica (o que é/o que era) Desenvolvimento de técnicas educadores e filósofos Metodologia para ensinar Freq. por 1 Freq. Forma de conduzir o processo 7 de ensinar e aprender Linha a ser seguida através da 1 tendência do curso, com a realidade do aluno e da época. Outro 2 4 Linha atualmente adotada nas escolas 2 modernas como diferencial Outros 3 TOTAL Docentes 2005 Abordagem Pedagógica (o que é/o que era) 10 TOTAL 10 Fonte: Dados da Pesquisa As tendências pedagógicas, segundo Saviani (1994a) acompanham posturas políticofilosóficas da sociedade, onde o homem pauta o desenvolvimento e interação com o meio em que vive e na produção de conhecimento. Dessa forma, as diversas concepções sobre a educação, do homem, são os reflexos de diferentes compreensões do mundo. A prática docente expressa, de forma intencional ou implícita, as concepções sobre ensinar e aprender, aliadas às visões de mundo, de sociedade e de ciência; vinculadas com as formas de organização e distribuição do conhecimento de uma determinada sociedade (MIZUKAMI, 1986). Portanto, diante das respostas a esta questão da pesquisa, verifica-se que a maioria dos entrevistados do ano de 1975 não apresentou com clareza o conceito ou idéia sobre abordagem pedagógica. Os docentes do curso de administração não tinham conhecimento sobre o assunto ou o curso não tinha uma linha definida acerca de uma tendência ou abordagem para sua prática de ensino-aprendizagem. Pois, ao afirmarem: “não havia 71 concepção pedagógica”, “não se falava em tendências pedagógicas”, trazem implícito nas respostas que o curso não discutia esse assunto com seu corpo docente e, consequentemente, não era adotada uma tendência pedagógica, mesmo assim era praticada implicitamente, conforme verificado em respostas a outros itens, a tendência tradicional e a tecnicista. Entretanto, o mesmo não acontece com a maioria dos docentes de 2005, que com clareza definiram tendência ou abordagem como: “caminhos que norteiam e condizem às diretrizes que se deseja”, “processo de ensino que se propõe a fazer”, “linha a ser seguida através da tendência do curso, com a realidade do aluno e da época”. Constatou-se durante as entrevistas que o curso de administração do ano de 2005 ainda não havia definido a tendência pedagógica, assunto este que veio a fazer parte do curso após a instalação do PPP, o qual se encontrava em construção. Essa afirmação está presente na fala de alguns docentes quando dizem: “Não. Não deixava claro isso ai.”; outro ainda diz: “o curso de administração, em 2005, não dizia sua concepção pedagógica, eu sei que o curso de administração, tem o seu processo político pedagógico, na verdade ele é norteado pelo PPP da UNESC, mas ele, isso nunca foi motivo de uma pauta ou preocupação do corpo docente esses pressupostos”. Quanto ao conhecimento das abordagens pedagógicas aos entrevistados, nota-se que tanto em 1975 como 2005, existe um vago conceito sobre as abordagens. Encontramos as seguintes falas: “[...] não lembro, não era discutido”; “nunca ouvi falar”; “comportamento tradicional”; “botar em prática o que aprendia”. Essas afirmações vêm constatar que o curso em estudo não direcionava a uma tendência ou abordagem pedagógica, como visto anteriormente. Porém, estão implícitas no seu interior as abordagens vigentes da época, como já mencionado, a tendência tradicional e tecnicista. Cunha (1998) elucida que muitas vezes a universidade, pressionada pelas exigências de mudanças, convive com contradições e tensões as quais vão gerando novos espaços, onde se podem observar experiências inovadoras, sendo “o professor elemento fundamental que pode favorecer a mudança, pela sua condição de dar direção à prática pedagógica que desenvolve” (CUNHA, 1998, p.33). Conclusão A Universidade é um local privilegiado para a construção do conhecimento, possibilitando à comunidade acadêmica aprendizagens diferenciadas, onde a pesquisa está 72 inserida no ensino revertendo, na maioria das vezes, em mudanças e benefícios para a sociedade. É preciso entender a educação como processo que objetiva o desenvolvimento pleno das potencialidades do ser humano, privilegiando a formação de sujeitos autônomos, intelectualmente críticos e criativos, possibilitando o direito de exercer sua liberdade, perseguir seus ideais de felicidade individual e social, construindo referenciais éticos pautados na cooperação, no respeito e na solidariedade, refletindo em uma sociedade mais justa e digna. Essas razões são fortes o suficiente para fundamentar a convicção de que o processo educacional é mais amplo que o simples fato de informar, pois deverá ser voltado para a formação integral do ser humano, permitindo o aperfeiçoamento profissional e o desempenho da cidadania. Os sujeitos envolvidos, bem como as relações vivenciadas, consistem em uma dinâmica de troca, onde as teorias buscam explicar e aprimorar as práticas utilizadas. Diante desse contexto, o curso de administração da FUCRI/UNESC, em seus 30 (trinta) anos de existência (1975-2005), vivenciou momentos históricos na comunidade regional, tendo seu inicio marcado por um período de avanço econômico e se consolidando no decorrer dos anos, apresentando na atualidade um número considerável de acadêmicos advindos da sociedade do entorno da UNESC. Verifica-se que, mesmo passados 30 anos, a prática docente quase não mudou: é tradicional, tecnicista e quase sem envolvimento com a formação humana e complementar do aluno. As questões que envolvem o docente e sua práxis não são ainda discutidas em profundidade que permita uma práxis esclarecida e ditadas por ações norteadas pela por teorias pedagógicas da formação docente. Estas constatações contribuíram para responder a problemática proposta para o estudo, que indagava acerca das concepções pedagógicas que estiveram presentes na origem e consolidação do curso de graduação em Administração da FUCRI/UNESC (1975/2005). Os pressupostos teóricos e históricos estudados e analisados tiveram a contribuição valiosa de Andrade e Amboni (2004) e como suporte às teorias, a presença de Mizukami (1986), Saviani (1994a), e Libâneo (1994), contribuindo consideravelmente na identificação e compreensão das abordagens presentes no contexto do curso de Administração pesquisado. Acreditamos que este estudo cumpriu o seu o propósito em identificar as concepções pedagógicas que marcaram o processo de ensino e aprendizagem das turmas iniciadas em 73 1975 e finalizadas em 2005 do curso de graduação em Administração, permitindo identificar as abordagens pedagógicas, as influências e os significados nas relações do processo ensinoaprendizagem do curso em questão. 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Sumário 75 III CONGRESSO INTERNACIONAL DE EDUCAÇÃO UNIBAVE “Educar na e para a diversidade” Orleans, 06, 07 e 08 de novembro de 2008 IMPLICAÇÕES CULTURAIS EM ACERVOS MUSEOLÓGICOS: A HISTÓRIA DOS COLONIZADORES NA CONSTITUIÇÃO DE SEUS OBJETOS DE USO FAMILIAR Ana Claudia Roecker1 Resumo: Como outros objetos de uso familiar, a cama surge com a necessidade de conforto do homem, passando ao longo dos séculos pelas mais diversas mudanças, resultando nas características da atualidade. Presente em todos os tipos de sociedade, em espaços privados ou públicos, suas características se diversificam de acordo com o contexto geográfico e histórico, as quais se preservam em espaços como Museu Histórico Municipal de Santa Rosa de Lima, no qual a cama ganha sentido ao manter vivos aspectos da história construída pelo homem. Durante sua evolução, se transformou em um objeto carregado de signos e de memórias representativas do ser humano. Tecendo considerações acerca do valor do acervo museológico como alternativa de preservação da cultura dos colonizadores, este artigo evidencia os resultados de uma pesquisa histórica, cujo objetivo consistiu em analisar a percepção de sujeitos que vivenciaram o processo de transformação do objeto cama no decorrer da história, atribuindo sentido às diferentes formas de criação e utilização. Palavras-chave: Museu. Objeto. Pesquisa. História. Conhecimento. Introdução Os museus atualmente mostram-se como uma ferramenta positiva na preservação do patrimônio cultural. Ao longo da história da humanidade o homem sempre esteve em constante mudança, deixando para trás grande parte da sua historia que afortunadamente se preserva atualmente em diferentes museus. O presente artigo tem como objetivo mostrar os resultados da pesquisa museológica sobre a constituição do objeto cama como representação cultural, evidenciando a memória e os signos de um objeto de museu. Esperamos que por meio deste artigo a real importância da pesquisa museológica, a partir dos objetos de museu, seja ressaltada, evidenciando a história 1 Ana Claudia Roecker acadêmica da 5ª fase do curso de Bacharelado em Museologia do Centro Universitário Barriga Verde – UNIBAVE. e-mail: [email protected] III CONGRESSO INTERNACIONAL DE EDUCAÇÃO: EDUCAR NA E PARA A DIVERSIDADE ORLEANS, 06, 07 E 08 DE NOVEMBRO DE 2008 PP. 76-83 contada pelos acervos museológicos carregados de memória, significados e relevância histórica. 1 A preservação cultural no acervo museológico Os museus de forma bastante homogênea são reconhecidos por parte da população como local de coisas velhas, coisas do passado, ou depósito de objetos. A sociedade, em parte, não consegue ver o museu como um espaço de memória e história. Contudo, seu valor pode ser ressignificado pela pesquisa que permite o conhecimento da história que se expressa no patrimônio que disponibiliza . Conforme Chagas (2005) a pesquisa é uma função básica do museu, num processo de busca por conhecimento, onde os significados e valores falam muito mais que o objeto por si só. A pesquisa dá vida ao museu, faz com que ele transforme-se em um lugar de conhecimento. Um objeto do museu pode ganhar outros significados a partir do processo de pesquisa. Cada tábua, cada prego tem uma história a ser contada. Em cada pluma da pena que forma a coberta, ou em cada flor de marcela que é colhida para formar um travesseiro. A pesquisa consegue ir muito além da forma ou da utilidade que um objeto possui, com seus resultados a maneira de expor pode mudar, despertando uma nova maneira de ver o objeto, ele passa a ser muito mais que uma “cama”, pois adquire valor. Os museus funcionam como casas de preservação, mas o que eles preservam vai além das coisas. Se, por um lado, eles preservam as coisas; por outro, eles utilizam as coisas como preservadas com determinados objetivos (CHAGAS, 2005, p.59). O objeto no processo de pesquisa possibilita trazer para o conhecimento da sociedade as técnicas, e o saber fazer, o conhecimento é passado de pai para filho, técnicas utilizadas no passado recente, são esquecidas no advento da modernidade e da industrialização. A pesquisa museológica permite um olhar diferenciado para o objeto do museu, esse processo vem ao encontro da necessidade de adquirir informações e torná-las públicas em forma de conhecimento. A pesquisa museológica consegue trazer para a atualidade formas de conhecimento a partir do objeto, debruçando-se sobre o mesmo e aprofundando a pesquisa para o foco desejado. O objeto musealizado passa a ser questionado, 77 buscando uma maneira que possibilite obter a maior quantidade de informações. Esse processo é enriquecido quando se torna possível o diálogo entre o pesquisador, o doador, ou de uma pessoa próxima ao contexto do objeto doado. A referida pesquisa teve como objetivo buscar dados e informações sobre a cama como objeto de museu e como parte da história de um povo. Fazendo referência ao cotidiano dos colonos da cidade de Santa Rosa de Lima no final do séc. XIX e inicio do séc. XX, a cama como objeto de pesquisa nos possibilita conhecer o contexto familiar, de um determinado tempo, período e espaço, fazendo relação com crenças, costumes e tradições. Esse processo trás para a atualidade memórias que durante um determinado período permaneciam estagnadas. O processo de pesquisa utilizou-se do método histórico, que conforme Marconi e Lakatos (2004) parte do princípio de que as atuais formas de vida social, as instituições e os costumes têm origem no passado, sendo importante pesquisar suas raízes para compreender sua natureza e função. Esse método possibilita uma pesquisa mais aprofundada sobre o objeto e o contexto que o cerca. A metodologia qualitativa preocupa-se em analisar e interpretar aspectos mais profundos, descrevendo a complexidade do comportamento humano. Fornece analise mais detalhada sobre as investigações, hábitos, atitudes, tendências de comportamento etc (MARCONI; LAKATOS, 2004, p. 269). A abordagem qualitativa e o método histórico aliados resultaram em uma abordagem bastante ampla e profunda, dessa forma possibilitam um diálogo entre o pesquisador e objeto. O contato entre pesquisador, doador e pessoas que de alguma forma tiveram contato com o objeto proporcionam ao pesquisador a oportunidade de aprofundar ainda mais a sua pesquisa, obter informações mais seguras e enriquecer sua pesquisa. O processo de pesquisa do objeto, iniciou-se com a necessidade de uma maior comunicação entre objeto e museu, atribuindo valores e informações, características importantes e únicas na formação de conhecimento. Essa necessidade impulsionou a realização de um trabalho de pesquisa voltado ao objeto. Dentro dessa abordagem, o método histórico e a abordagem qualitativa fortaleceram a pesquisa oral em um questionário pré-definido e aberto aos entrevistados. Esse modelo de questionário permite um contato mais próximo entre pesquisador e 78 entrevistado e consegue dar espaço para possíveis discussões. Após esse processo podemos observar os seguintes resultados. Assim como o ser humano, um objeto do museu em hipótese alguma é livre de significados. A ele os mais variados pontos de vista podem ser direcionados. Sobre ele diferentes culturas podem discursar e argumentar, mas somente a pesquisa museológica pode contribuir com informações verídicas. A realização do processo de pesquisa museológica sobre a cama resultou em estudo sobre o objeto. 2. A história dos colonizadores representada no objeto cama Desde o inicio dos tempos o homem esteve em busca de maneiras (ou condições) que facilitassem sua vida. Descobrindo o fogo, técnicas de caça, busca por abrigo em cavernas e grutas. Todos esses aspectos acabaram por facilitar seu modo de vida e incentivavam novas descobertas. A cama tem sua origem no inicio dos tempos, naquele período tinha uma forma muito rudimentar, resumia-se a um amontoado de folhas que servia como uma proteção entre o homem e o solo. Isso permitia o maior aquecimento e conforto. Este foi o princípio da cama na existência humana. Durante a noite ou o dia, enquanto as pessoas repousavam o corpo sempre permanecia em contato com o solo. Esse contato diário acarretava uma série de problemas de saúde. Apresentava-se então a necessidade de elevar a cama, como uma maneira de proteger o corpo de bactérias, doenças e frio. A cama passa a possuir pernas que lhes dava sustentação, cabeceira, suporte para pés e estrado. Nas antigas civilizações do Egito e da Assíria a cama já era um mobiliário muito comum, possuíam formas bastante distintas com adornos e incrustações preciosas. Na Idade Média as camas passam a ter formas mais retas e simples, além de serem utilizada para dormir, descansar, sentar-se, ler, praticar sexo ela também era utilizada como um local para fazer as refeições. A partir de século XIII as camas voltam a ser ornamentadas com pinturas, incrustações e em relevo, mostrando muito luxo e sofisticação. No final de século XIX o Brasil passa a ser colonizado por imigrantes vindos da Europa, a maior parte dessa população teve como destino o sul do país. Santa Catarina (Brasil) foi um dos estados que recebeu muitas famílias vindas da Europa. 79 Conforme Ricken (2008) a região de Santa Rosa de Lima passou a ser colonizado por volta do ano de 1900, muitas famílias de descendência italiana e alemã se fixaram no território. Quando os primeiros colonos chegaram ao território não traziam sua família, deixavam a mulher e os filhos menores em casas de parentes e amigos e seguiam a viagem pela conquista das suas terras. Geralmente o colono não ia sozinho, partia com ele os filhos maiores que fossem capazes de manobrar o machado e alguns vizinhos que ajudavam na busca por território. O inicio da vida era muito difícil, pois chegavam a um território desconhecido, coberto por mata nativa e habitado por tribos indígenas. Iniciavam o povoamento abrindo clareiras na mata e construindo um barraco que servia para repousarem durante a noite e para guardar os alimentos. As derrubadas eram feitas inicialmente na margem dos rios e após a queima da mata plantavam milho. Enquanto o milho crescia era preparada a madeira para a construção da casa. Após a colheita buscavam a mulher, os filhos, a criação e os pertences. As casas da região eram simples, mas bastante espaçosas para a época, isso devido as famílias serem numerosas. Era difícil pra fazer as casas, tirava o alinhamento do mato, se ajudava com umas pessoas para carregar pra fora. E as taubinhas era tudo serrado a braço. Buscava telha com cargueiro lá no Rio Fortuna, onde tinha uma olaria, outros rachavam taubinhas e usavam para cobrir as casas. Aprendi a serrar com meu avó que já era velho, foi ele que me ensinou. (Daniel Roecker, agricultor e filho de imigrante alemães). As casas eram compostas por uma grande sala e vários quartos de dormir. A cozinha geralmente possuía duas salas, a cozinha propriamente dita, e o refeitório, tendo ainda um quarto para guardar mantimentos e comidas. Um fogão a lenha, uma mesa, bancos e uns poucos instrumentos domésticos guardados em um único armário formavam o cenário. O quarto era composto por uma cama de casal bastante alta, um baú e um cabide, que era suficiente para acomodar todos os pertences. No contexto desse período o baú era objeto sempre presente, na maioria das casas juntamente com a cama ajudava a compor o ambiente do quarto. Em todas as casas existiam mais de um, os mais bonitos e trabalhados eram usados para guardar roupas e calçados. 80 [...] naquela época o baú era o guarda-roupa, nós tinham um par de sapatos, e uma ou duas mudas de roupa, cabia tudo dentro de um baú eu e minha irmã dividíamos o quarto e também o baú. A gente ganhava uma roupa no natal, as vezes na páscoa e o primeiro sapato a gente ganhava quando fazia a primeira comunhão [...] (Rosalina Luctemberg agricultora e descendente de imigrante alemães). Existiam baús mais simples, usados para guardar alimentos como: farinha de mandioca, arroz, farinha de milho e outros mantimentos usados para a alimentação. A utilização de baú para a guarda de alimentos fazia-se necessária por uma questão de higiene, evitando o contato de roedores e insetos com os alimentos. As camas eram altas, no fundo tinham uma camada de palha, sobre ela um colchão feito de marcela ou de flores de taboa. Na cabeceira se acomodavam os travesseiros de penas ou marcela. A coberta era de pena, usada tanto no inverno como verão. A própria família é que recolhia os materiais e também produzia as cobertas, travesseiros e colchões que eram usados pelos membros da família. Nesse contexto novamente a cama é um objeto presente, de maneira mais simples, mas com a mesma finalidade das camas que surgiram muitos anos antes. A mesma dificuldade que os colonos encontraram para construção de suas casas, permanecia quando procuravam por mobiliário. A grande distância entre as comunidades, o difícil acesso, a falta de marceneiros e até mesmo condições econômicas para o pagamento dos mesmos fazia com que os próprios colonos produzissem os móveis. Derrubavam e serravam a madeira, quando não eram eles mesmos que produziam, levavam até um conhecido que entendesse um pouco e este os fazia. Esse fator fez com que a maior parte dos moveis daquele período fossem simples. Meu pai tinha uma casa de tijolo à vista e a cozinha era de madeira. Os móveis eram muito poucos, as camas eram feitas de tábuas simples, enchia um saco de palha de milho e colocava dentro, e ficava bem fofinho. Tinha uma mesa alguns bancos, sofá ninguém conhecia. (Rosalina Luctemberg, agricultora e descendente de imigrante alemães). 81 A cama sempre foi um móvel presente no cotidiano da sociedade bem como dos colonos da região. Algumas possuindo características simples e outras com mais requinte e sofisticação. Esse objeto consegue mostrar o modo de vida de um povo, seus costumes e tradições. Informações relacionadas à economia, religião e convívio familiar. Ao ouvirmos falar em cama sempre nos vem em mente o descanso, o sossego e o prazer. Mas a cama consegue ir muito além de seu valor de uso, por trás de um objeto muito simples existem muitas histórias, angústias que podem estar escondidas. Essa memória esta impregnada nos objetos e espaços dos museus, surgindo do passado por meio da pesquisa museológica. Considerações finais A cama sempre foi um móvel presente no cotidiano das famílias da cidade de Santa Rosa de Lima, diferenciado suas características em função do poder aquisitivo das famílias. Esse objeto fez parte da vida familiar, em momentos de alegria, representados pelo nascimento de uma criança que é símbolo de vida, mas também de dor e sofrimento com a morte e períodos de enfermidade de pessoas da família. Um elo de amizade proporcionou a construção da cama, em um período onde a falta de mão-de-obra especializada resultava na ajuda mutua dos membros da comunidade. Ajuda que se caracterizava tanto na construção de móveis, casas, igrejas e espaços comunitários. A composição das roupas de cama partia dos membros da família, a mãe costurava as capas dos travesseiros e das cobertas. Os filhos ajudavam na colheita das flores de marcela que compunham os travesseiros. As penas que formavam a coberta, e as palhas de milho que preenchiam o colchão também era resultado do trabalho coletivo. Essas características representavam o cotidiano de maior parte das famílias da região, que com o seu trabalho e poucas condições financeiras proporcionavam o mínimo de conforto possível. Na história da sociedade os objetos sempre tiveram seu espaço, de alguma forma eles sempre foram representativos para o homem. Mas a possibilidade de buscar novas informações sobre eles, representa para o homem algo ainda melhor, 82 pois novas descobertas sobre um determinado objeto podem contribuir e mudar a história que até um determinado espaço de tempo era considerado verdade. A história nunca permanece estagnada no tempo, novos signos sempre são agregados a ela. Referências DUBY, G.; ARIÈS, P. História da Vida Privada: da Revolução Francesa a Primeira Guerra. Vol. 4 São Paulo: Companhia das Letras, 2003. 476 p. GRANATO, M.; SANTOS,C.P. MAST Colloquia. Vol.7 Rio de Janeiro: Museu de Astronomia e Ciência Afins, 2005.100 p. MARCONI, A. M.; LAKATOS. M.E. Metodologia Científica. Vol.4. São Paulo, 2004. 305 p. WIEMES, A. Rio Santo Antonio: Minha Vida Meu Povo. Vol.1. Santa Rosa de Lima, 2002. 248 p. RICKEN. D.T; RICKEN.I. Rio Fortuna Resgatando as Origens, Cultivando Valores, Alicerçando o Futuro. Vol. 1. Rio Fortuna, 2008. 426 p. Sumário 83 III CONGRESSO INTERNACIONAL DE EDUCAÇÃO UNIBAVE “Educar na e para a diversidade” Orleans, 06, 07 e 08 de novembro de 2008 A EDUCAÇÃO ESCOLAR E A CULTURA DOS INSTRUMENTOS DISCIPLINARES Caroline Martello 1 Resumo: A carteira escolar como instrumento disciplinar começa a ser utilizada na Região do Alto Vale do Rio do Peixe em meados de 1930, quando se instala dois colégios na região. Dessa forma, nos seus variados instrumentos, a educação escolar em Caçador marcou uma época de progresso. O Museu Histórico e Antropológico da Região do Contestado no seu papel de salvaguarda e comunicação expõe objetos dessa história como uma das carteiras escolares duplas utilizadas, formando um espaço para a pesquisa museológica. Diante das perspectivas que a carteira representa para o contexto educacional, este artigo tece considerações sobre a cultura disciplinar implícita em seu uso, configurando uma análise da realidade mediante os recursos criados no decorrer da história educativa. Palavras Chaves: Cultura disciplinar. Educação. Carteira Escolar. Pesquisa Museológica. Introdução “A vida só é possível se reinventada” (Cecília Benevides de Carvalho Meirelles) O presente artigo aborda a carteira escolar como objeto de pesquisa museológica, a qual incorpora o surgimento do primeiro núcleo escolar na região, mais precisamente na cidade de Caçador, região meio-oeste do Estado de Santa Catarina. A constituição do referido núcleo viabilizou-se na década de 30 a instalação efetiva de dois ginásios na cidade, assim a migração de crianças e jovens do interior para o centro interessados em uma educação escolar torna-se freqüente, logo Caçador vira pólo em educação. 1 Caroline Martello, acadêmica da 5ª fase de Bacharelado em Museologia pela Fundação Educacional Barriga Verde. e-mail: [email protected] III CONGRESSO INTERNACIONAL DE EDUCAÇÃO: EDUCAR NA E PARA A DIVERSIDADE ORLEANS, 06, 07 E 08 DE NOVEMBRO DE 2008 PP.84-92 Para tanto, métodos e normas eram criados e seguidos dentro das instituições educacionais para que Caçador cada vez mais crescesse em torno da educação. O mobiliário, por exemplo, era disposto dentro de uma reforma escolar do ano 1911 que seguia um designer tosco e desconfortável, ainda que se buscasse por meio da estruturação da escola a eficácia e qualidade. A organização da “escola moderna” apoiava-se nos itens seguintes: Prédio Escolar, Mobília Escolar, Material Escolar, Livros Didáticos, Disciplina, Ensino e Programa. O ordenamento adequado de todos eles garantiria uma escola primária eficaz e de qualidade. (NOBREGA, p. 02) Tentando entender aspectos da vida educacional do município, na pesquisa optou-se pela análise do uso da carteira escolar pelas alunas do Ginásio Nossa Senhora Aparecida, inaugurado em 1936, e que hoje se encontra exposta no Museu Histórico e Antropológico da Região do Contestado. A referida carteira foi escolhida dentre tantos objetos para ser fonte de pesquisa e relatos por ser um objeto significativo para a contextualização do período histórico e de suas repercussões nas organizações sociais. A pesquisa justifica-se pela significação histórica escondida atrás de símbolos, neste caso a carteira, que representa traços culturais remontando formas de vidas e fornecendo mediante a pesquisa museológica, subsídios imprescindíveis para a compreensão da organização social e, em decorrência, da organização educacional. Engana-se quem pensa que a pesquisa museológica é a que alimenta a ficha técnica. Não é. Mas é nela, na ficha, e na base de dados, que nasce a pesquisa museológica. Porque essa pesquisa parte do objeto catalogado para ampliar o conhecimento sobre a sua inserção no mundo. Por meio dela passamos a observar cada objeto por seus múltiplos aspectos. (REIS, 1993, p. 01) Para tal pesquisa foi utilizado o método histórico, com abordagem qualitativa através da técnica de entrevista oral. Partindo do princípio de que as atuais formas de vida social, as instituições e os costumes têm origem no passado, é importante pesquisar suas raízes, para compreender sua natureza e função. Assim, o método histórico consiste em investigar acontecimentos, processos e instituições do passado para verificar sua influência na sociedade de hoje, pois as instituições alcançaram sua forma atual por meio de alterações de suas partes componentes, ao longo do tempo, influenciadas pelo contexto cultural particular de cada época. 85 Seu estudo para uma melhor compreensão do papel que atualmente desempenham na sociedade, deve remontar aos períodos de sua formação e de sua modificação (LAKATOS; MARCONI, 2004, p. 91) O mesmo objeto visto por pessoas diferentes, em épocas e espaços diferentes, gerará sempre interpretações diferentes. Essa leitura dos objetos estará sempre ligada ao ambiente dos museus, instituição que tem como função conservar e estudar os produtos materiais e imateriais do saber humano. A Educação no Vale do Rio do Peixe e no Estado Os fatos históricos comprovam que o Vale do Rio do Peixe foi um dos mais prejudicados com os reflexos da Guerra do Contestado 2. Só a partir de 1928 (quase 12 anos após o final do conflito) é que se sente a necessidade de uma alfabetização na região, a partir disso instala-se na cidade de Caçador a primeira escola da região meio-oeste do estado de Santa Catarina, o conhecido “Colégio Aurora”, ficando a responsabilidade para dois imigrantes italianos: Dante Mosconi e sua esposa Albina Mosconi. Em São Paulo, o casal começou o aprendizado da língua portuguesa, mas não conseguiu entrosamento com a colônia italiana local (THOMÉ, 1993). Decidiu partir e a escolha recaiu no Rio Grande do Sul, seguindo os dois para a cidade de Sarandi. No ano de 1924, resolveram se mudar para Passo Fundo, onde Albina lecionou Matemática e Francês no colégio dos Irmãos Maristas, enquanto Dante trabalhava em projetos e construções, inclusive no Departamento de Engenharia da Prefeitura Municipal. Naquele tempo, a Companhia Estrada de Ferro São Paulo - Rio Grande e diversas empresas particulares estavam colonizando as terras desocupadas pelo 2 A Guerra do Contestado foi um conflito armado entre a população cabocla e os representantes do poder estadual e federal brasileiro travado entre outubro de 1912 a agosto de 1916, numa região rica em erva-mate e madeira pretendida pelos Estados do Paraná e Santa Catarina. A Guerra do Contestado teve origem em conflitos sociais, frutos de desmandos, em especial no tocante à regularização da posse de terras por parte dos caboclos. Representando, ao mesmo tempo, a insatisfação da população com sua situação material, o conflito era permeado pelo fanatismo religioso, expresso pelo messianismo e pela crença, por parte dos caboclos revoltados, de que se tratava de uma guerra santa. 86 governo devido a construção da ferrovia e ainda iniciava-se a formação de diversos povoados junto a algumas estações ao longo do Vale do Rio do Peixe pelos operários da estrada. No antigo território do Contestado estavam se instalando centenas de famílias de imigrantes e seus descendentes, na maioria egressos das colônias velhas do Rio Grande do Sul. Num dia qualquer do ano de 1928, aportou na estação ferroviária o cidadão Dante Mosconi, vindo de Passo Fundo para conhecer melhor esta região, atraído pelas maravilhas a ele contadas por Leônidas Coelho de Souza numa viagem de trem, “que o convenceu a ficar em Caçador, onde se lutava ativamente para a criação do Município, no lugar de grande futuro, com população crescente em ritmo acelerado, mas absolutamente carente de escolas, médicos, paróquia, etc., assim como de homens de espírito de grandes iniciativas para promover o seu progresso” (THOMÉ Nilson, 1993). Depois de uma longa conversa, surge a possibilidade da fixação de Dante Mosconi em Caçador, onde poderia desenvolver suas atividades na construção civil, adicionada ao vasto e promissor campo de trabalho para sua esposa no magistério. Já em 1934, Caçador alcançou sua emancipação política, tornando-se referência em educação no oeste do estado, colonos do interior migravam para o centro atrás de estudo digno para seus filhos e “muitas famílias do Rio Grande do Sul buscavam o futuro no Vale do Rio do Peixe” (THOMÉ Nilson, 1993). Logo a necessidade de criar um internato não foi dispensada. E para somar a educação na época através dos padres da Paróquia São Francisco de Assis foi contactada a congregação das irmãs de São José, com sede em Curitiba – Paraná, para instalarem na cidade um outro estabelecimento educacional, desta forma em 1936 é inaugurado o Ginásio Nossa Senhora Aparecida. Regulamentação educacional No início da República, São Paulo dá início a um processo de modernização de sua instrução pública primária que repercutiria em outros estados brasileiros (TANURI, 1970). Esta reorganização da escola primária pressupunha a uniformização e seriação dos conteúdos, distribuídos 87 racionalmente no tempo de curso, e uma homogeneização dos grupos de alunos de modo que em cada grupo todos estivessem dentro de um mesmo grau de desenvolvimento escolar e sujeitos ao ensino simultâneo. E ainda, a adoção de determinado método de ensino – lastreado em certa concepção de conhecimento, de homem, de sociedade: liberal e positivista – chamado “método intuitivo” ou “lição de coisas”. No Brasil, inicialmente em São Paulo, deu-se este tipo de organização escolar graduada que foi nomeada Grupo Escolar, expressando o processo pelo qual foram criadas: reunião ou agrupamento de escolas primárias preexistentes em determinada localidade, sob novo prédio. (SOUZA, 1998) A Reforma Escolar no Estado de Santa Catarina elaborada no governo de Vidal Ramos em 1911 e inspecionada no estado de Santa Catarina por Orestes de Oliveira Guimarães, foi sentida na construção dos dois Ginásios que surgiam em Caçador nos anos 30. A primeira delas foi à separação de gêneros a partir da quarta série: No primário, no ensino primário da época, que era de primeira a quarta série de hoje, ali era junto, depois os meninos não podiam mais estudar no Colégio Nossa Senhora Aparecida, então os meninos iam para o Colégio Aurora Marista e as meninas ficavam no Aparecida, daí elas seguiam após o primário, veja bem como é, tinha o primário de uma a quarta série e tinha o ginásio (THOMÉ, entrevistado). Outra novidade incorporada à estrutura do prédio, mas que, como as demais, tinham um fim pedagógico, foram os quadros negros. Em 1909, Guimarães assim se referia a eles: Foram construídos quadros negros corridos nas paredes de todas as classes. Este último melhoramento é um dos melhores introduzidos, pois facilita muitíssimo o ensino de todas as matérias, principalmente aqueles que dependerem do processo tabulário (GUIMARÃES, 1909, p.15). Não obstante a isso, a introdução da carteira escolar dupla era encarada como forma disciplinadora e punitiva aos alunos que de alguma forma ultrapassassem os limites estabelecidos pelo professor. Essas carteiras eram usadas, lá ainda, dentro de uma determinação que eu não consegui encontrar o regulamento original, mas que determinava que os alunos devessem sentar em duplas, dois a dois, por isso que as carteiras não eram individuais, eram para dois alunos. (THOMÉ, entrevistado). 88 Pesquisa museológica - a carteira escolar Vivemos no “tempo dos objetos”. No passado, não muito distante, havia uma perenidade que hoje não se vê: os objetos viam o nascimento e a morte de gerações humanas. Atualmente, são os homens que assistem ao início e ao fim dos objetos (RAMOS, 2004, p. 67) É nesse contexto que os museus entram como espaços que ancoram determinados significados e valores, tanto valores de exposição, quanto de valores de culto, como diria Walter Benjamin. Nos museus esses significados são partilhados por um conjunto maior de pessoas. E é através da pesquisa museológica que o museu e o objeto dialogam. E esse dialogo resulta em uma interação com o visitante. Os museus também são casas de comunicação e de investigação. Em meu entendimento um museu só se completa quando desenvolve essas funções básicas. Assim, como estou tentando deixar claro, considero a pesquisa como uma das funções do museu. Estou ciente de que em alguns casos essa função não esta presente ou, na melhor das hipóteses, esta “relegada para um segundo ou terceiro plano”. (CHAGAS, 2005, p. 59) Desta forma para chegar ao resultado deste artigo a entrevista oral foi utilizada de maneira a aproximar o objeto de seu contexto. A história oral preocupa-se com o que é importante e significativo para a compreensão de determinada sociedade. Esse levantamento, realizado por meio mecânicos ou manuais, tem como finalidade preservar as fontes pessoais, obtendo dados que podem preencher lacunas em documentos escritos, registrando, inclusive, a linguagem, os sotaques, as inflexões, até mesmo as entonações dos entrevistados. Tudo o que se pode coletar sobre o passado de certos indivíduos, suas opiniões e maneiras de pensar e agir, procurando captar principalmente dados desconhecidos (MARCONI; LAKATOS, 2005, p. 61) A carteira escolar em suas diferentes faces trouxe a compreensão de uma determinada época, participou da vida de diferentes pessoas, carregando em si histórias de felicidade, educação, sofrimento e disciplina. Pois é, a carteira escolar especificadamente estava dentro de uma sala de aula, então você imagine que numa sala de aula que na época era uma base de trinta, quarenta alunos, né?! De 1936, isso 89 funcionou até 1970, digamos trinta e cinco anos, trinta e cinco turmas de entorno a quarenta á cinqüenta alunos cada uma. Quantas pessoas do ano inteiro sentaram obtendo a instrução, a educação, a parte familiar, era muito interessante, era uma educação rígida. (THOMÉ, entrevistado). De outra maneira o uso desta carteira, levava intencionalmente ou não a exclusão das crianças com alguma deficiência motora, ou até mesmo de aprendizagem. O professor instruído para tal ação, fazia com que o aluno mais desobediente senta-se ao lado do que tinha mais dificuldades de aprendizagem, criando uma ação constrangedora para ambos os alunos. Seu designer desconfortável – com tábuas intercaladas e as costas de um servindo com mesa para o de trás, era para muitas crianças a forma mais bela do contato com um novo mundo, com seu futuro e com uma vida próspera. De maneira geral esta carteira de imbuia remonta um cenário, de pleno desenvolvimento econômico da região através das madeireiras que se instalavam cada vez com mais freqüência pela grande quantidade de mata existente por ali. Famílias se deslocavam de diversos lugares, atrás de melhores condições de vida depois de um dos mais sangrentos conflitos que aconteceu na região oeste. A população se vê salva e acolhida pelas instituições educacionais que surgiam. Em 1970, o Colégio Nossa Senhora Aparecida sofre uma mudança administrativa e a Fundação Educacional do Alto Vale do Rio do Peixe, atual Universidade do Contestado assume a sua administração e reformulam novas práticas de ensino, descartando o que era utilizado pelas irmãs, inclusive as carteiras que foram preservadas por um antigo aluno que relata: [...] por que nem o colégio aurora preservo, nem ninguém tem dessas carteiras e seu pudesse eu teria preservado mais, não deu tempo hábil de eu pegar tudo que precisava. E depois se levo muita coisa embora para Curitiba também, quando as irmãs foram elas levaram junto... (THOMÉ, Nilson, entrevistado). Considerações finais A vinda de algumas irmãs da Sociedade Beneficente CaritativaCongregação das Irmãs de São José para a administração do Ginásio Nossa 90 Senhora Aparecida, trouxe novos conceitos e novas formas de disciplinas para as meninas que pretendiam estudar nesse colégio. A carteira escolar era mais um instrumento educacional utilizado de forma disciplinadora e comportamental. A mesma funcionava com a caneta bico de pena, com o nanquim, com o papel, porém assume fundamental importância quanto a caracterização de uma vida escolar promissora, como foi a de Caçador. Concluindo este artigo percebe-se a gama de informações que se pode relatar através da pesquisa do objeto. Visitar museu proporciona milhares de sensações, mas a mais preciosa é quando descobrimos a nossa verdadeira história. Essa história que reflete na memória das diferentes pessoas e que se vê exposta nos museus pode ser dita como uma grande “vitrine de memórias”. Referências LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Marina Andrade. Metodologia Cientifica. 4. ed. São Paulo : Atlas, 2004. RAMOS, Francisco Regis Lopes. A Danação do Objeto: o museu no ensino de história. Chapecó : Argos, 2004. GRANATO, M; SANTOS, C. P. MAST Colloquia. v. 7, Rio de Janeiro: Museu de Astronomia e Ciência Afins, 2005.100 p. TANURI, L. M. Contribuição Para o Estudo da Escola Normal no Brasil. Centro Regional de Pesquisas Educacionais – CRPEP: São Paulo, 1970. THOMÉ, Nilson. História da Instituição Escolar “Colégio Aurora”, de Caçador (SC). Disponível em: http://www.cdr.unc.br/PG/layoutNovo/edicoes/numeroquinze/ColegioAurora.pdf. Acesso em: 15 jul. 2008. _____________. A Nacionalização do Ensino no Contestado, Centro-Oeste de Santa Catarina, na primeira metade do século XX. Disponível em: http://www.histedbr.fae.unicamp.br/navegando/artigos_frames/artigo_087.html. Acesso em: 16 jul 2008. NÓBREGA, de Paulo. Orestes Guimarães e as questões educacionais de sua época: da Direção do Colégio Municipal de Joinville à Reforma do Ensino Catarinense de 1911. Disponível em: http://www.anped.org.br/reunioes/24/P0291926962769.DOC. Acesso em: 16 jul. 2008. 91 REIS, Claudia Barbosa. A pesquisa museológica no museu casa Rui Barbosa. Disponível em: http://www.casaruibarbosa.gov.br/dados/DOC/artigos/oz/FCRB_ClaudiaBarbosaReis_A_pesquias_museologica_no_museu_casa_de_Rui Barbosa.pdf. Acesso em: 16 jul. 2008. Sumário 92 III CONGRESSO INTERNACIONAL DE EDUCAÇÃO UNIBAVE “Educar na e para a diversidade” Orleans, 06, 07 e 08 de novembro de 2008 A UTILIDADE DA SERRA CIRCULAR DURANTE O CICLO DA MADEIRA: UM OLHAR SOBRE O PATRIMÔNIO CULTURAL E AMBIENTAL Eráclito Pereira 1 TC 1G4 Resumo: A madeira figura, por sua importância econômica, como uma das principais matériasprimas para o comércio mundial. Sua influência no progresso da humanidade é das mais evidentes. Foi usada pelos povos antigos sob formas ainda primitivas. O advento das ferramentas aumentou as possibilidades de emprego e diferenciou os usos da madeira. O desenvolvimento da terra, da flora e da fauna e da humanidade é fonte de imensa fascinação e este artigo está em posição de aprofundar o conhecimento acerca deste tema. A cidade de Bom Jardim da Serra viveu o que hoje é denominado “O Ciclo da Madeira”, com a implantação de várias madeireiras para explorar a riqueza de nossa terra. Os rastros positivos e negativos dessas atividades estão preservados nos Museus da região onde houve o extrativismo da madeira e, principalmente na memória daqueles que vivenciaram esse período. Socializar este conhecimento para o público é construir, ampliar e ao mesmo tempo qualificar o olhar frente aos equipamentos histórico-culturais que nos cercam. Palavras-chave: Memória. Educação. Serra Circular. Patrimônio Cultural e Ambiental. Introdução Não fale em necessidades! Reduza a natureza às necessidades naturais e o homem não passa de um animal. Entende que precisamos de algo mais para continuar vivendo? Shakespeare 2 1 Bacharelando em Museologia / Centro Universitário Barriga Verde – UNIBAVE, Orleans - SC. Professor da Rede Estadual de Ensino de Bom Jardim da Serra - SC. Secretário do Centro Acadêmico Livre de Museologia Pe. “João Leonir Dall’Alba” – Unibave, Orleans – SC. ([email protected]) 2 SHAKESPEARE, Rei Lear, Séc. XVII Apud COELHO, Teixeira. Dicionário Crítico de Política Cultural: Cultura e Imaginário. São Paulo: Iluminuras, 1997, pág.14. III CONGRESSO INTERNACIONAL DE EDUCAÇÃO: EDUCAR NA E PARA A DIVERSIDADE ORLEANS, 06, 07 E 08 DE NOVEMBRO DE 2008 PP. 93-101 O meio ambiente, a partir de um ponto de vista humanista, compreende a natureza e todas as modificações nela introduzidas pelo homem. Assim, essa mesma visão nos permite separar o meio, transformando em dois: o natural e o cultural. A cultura, segundo o conceito antropológico é o elemento que identifica as sociedades humanas, ainda que a não consiga existir isolada do mundo natural. Dessa forma dizemos que cultura e ambiente são elementos indissociáveis, portadores de ampla diversidade. “A história é a estampa de um povo. Seu desaparecimento esta para sua gente assim como o ar está para a raça humana” (MACARI) 3. Com efeito, o que consideramos patrimônio ambiental-natural e cultural, é elemento fundamental da cultura e principalmente da civilização dos povos, ou seja, uma vez que o desaparecimento deste esteja ameaçado, toda a sociedade a qual ele pertence também estará ameaçada. Considerando que o homem é um ser histórico, e que vive em processo, é possível dizer que ele cria um conceito mediador no qual ele dialoga com o meio, garantindo desta forma a sua inserção sócio-cultural no tempo e espaço. 1 A utilização da madeira na construção de instrumentos de uso diário A utilização de madeira na construção não é nenhuma novidade. Desde a antiguidade ela é utilizada seja de uma maneira funcional (estrutura, cobertura, etc), seja de maneira decorativa. A madeira foi um dos primeiros materiais utilizados pelo homem na construção de habitações e equipamentos de transporte. As técnicas de utilização da madeira, bem como de sua extração, nos reportam a Grécia Antiga, quando na escultura surgem os primeiros kouros 4 em madeira. 3 Rivaldo Antonio Macari, Deputado Estadual, in Bom Jardim da Serra – Um pouco de sua história – CARVALHO, Eliane Zandonadi de; GAMBA FILHO, Raulino. Florianópolis: Paralelo 27, 1992, Prefácio. 4 Kouros do Grego – Homem Jovem. 94 Da mesma forma contextualizamos aí o surgimento do Museion - morada das musas. Templo onde as oferendas de adoradores formavam coleções. Apareceu no Egito dos Ptolomeu, teve seus objetos confinados em grandes gabinetes, galerias e pinacotecas, para depois abandonar a sua estrutura antiga, e tornar-se patrimônio coletivo dos povos (GIRUADY; BOUILHET 5) À antiguidade também é reportada a técnica de flexionar madeiras, inicialmente cestos de varas e posteriormente a construção de barcos. Sim, de madeira foram os primeiros barcos, carros, trenós; as primeiras armas, arcos e flechas. O que mudou com o tempo foram as técnicas de construção com madeira, seu melhoramento em relação à resistência ao tempo e a forma que este material é utilizado na arquitetura e não só na arquitetura, também na fabricação dos diversos artefatos: mobiliário, estruturas, arquitetura de interiores, artesanatos, etc. Muita coisa hoje em dia que é feita com madeira tem a mesma resistência de uma estrutura construída com outro material. Faz-se necessário a preservação constante da história da criação dos objetos de madeira. Para tal utilizamo-nos dos Museus, como espaços que não só preservam, mas que também contribuem com ações culturais e educativas, cujo objetivo é possibilitar aprendizagens. Antes de tudo, é necessário lembrar que vivemos sempre em um processo histórico, o qual por vezes, estará presente apenas na memória dos que sobrevivem. Uma vez que os Museus são ambientes educacionais, e de aprendizado mútuo, precisam viver realmente processos históricos dinâmicos, pois a memória viva de um povo é a garantia da inserção do ser humano no mundo. Os Museus por sua vez redimensionam-se em diferentes contextos, e momentos históricos, e assim sendo reajustam a sua linguagem didática pedagógica de forma que a comunicação se dê de forma visual, ou seja, por meio de objetos, que reacendem a memória já mencionada, agora voltada à preservação do patrimônio cultural e ambiental. 5 GIRUADY, Danièle; BOUILHET Henry - Le Musée et La Vie – Tradução de Jeanne France Filiatre Ferreira da Silva, Instituto Estadual do Livro, ED. UFMG, 1977, pág. 7. 95 2 Bom Jardim da Serra e o ciclo da madeira (1948 – 1987) Bom Jardim da Serra tem suas origens no início do século XVIII, época em que os tropeiros do sul do país, principalmente do Rio Grande do Sul, viajavam para o Estado de São Paulo com a finalidade de levar suas mercadorias, para vendê-las ou trocá-las, e trazer itens não existentes em suas regiões de origem. Geralmente levavam charque, couro, queijo, sebo, pinhão, gado, cavalos, suínos e muares, e traziam de volta tecidos, sal, farinha de mandioca, açúcar, arroz, querosene, munições e armas. A maior parte dessa região era primitivamente coberta por imensas florestas nativas, onde, além da imbuia, do cedro, da canela, da erva mate, predominavam os belos e majestosos pinheiros, tão típicos das paisagens sulinas do Brasil. E nesse cenário natural habitavam, já há mais de 4.000 anos, povos que viviam da caça, da pesca e do pinhão. Depois deles, surgiram os índios das tribos Kaingang e Xokleng, ou os “bugres”, como vieram a ser chamados pelos brancos que desbravaram a região, e dos quais restam hoje apenas alguns poucos, vivendo em reservas indígenas. Os “caboclos”, que ainda se encontram por toda parte, mostram, na cor queimada de suas peles, o “sangue” miscigenado dos primitivos habitantes deste lugar. Com a grande procura por madeira, e possuindo a região de Bom Jardim da Serra grandes áreas de araucária nativa, a partir de 1949 e até por volta de 1967, houve um afluxo muito grande de madeireiras que aqui montaram suas serrarias, retirando milhares de metros cúbicos de madeira por dia. Durante esse período criou-se um grande número de empregos e o comércio da cidade cresceu enormemente, impulsionado pelo volume de dinheiro que circulava em todos os setores. Alguns madeireiros que se dedicavam à extração da araucária, nas décadas de 40 e 50, instalaram um cabo aéreo, semelhante a um elevador nas proximidades da Serra do Rio do Rastro para descerem toda a produção e estas eram transportadas para o seu destino, geralmente Porto Alegre. Entretanto, como toda extração não controlada, nesse espaço de tempo praticamente extinguiu-se as matas de araucária natural, passando os campos a serem simplesmente áreas descampadas. 96 As serrarias, como sempre, são nômades, e assim que a madeira escasseou, foram-se embora, deixando um vasto número de desempregados, e o comércio à beira da falência (muitos faliram mesmo). Com a volúpia do ganho imediato, os proprietários de terras não se preocuparam em replantar as áreas desmatadas e também não investiram no comércio local, preferindo a aquisição de bens móveis ou mesmo outras propriedades. Com isso o comércio local definhou e hoje é um simples arremedo daquele de outrora. 2.1 A serra circular como instrumento de mudança cultural e ambiental Segundo Willinston (1976) 6 os egípcios 6000 anos a.C. já utilizavam serras de bronze para serrar madeira e os romanos com a utilização de ferro desenvolveram uma serra alternativa manual ou, eventualmente movida por roda d’ água. Muitas dificuldades foram encontradas até que novas técnicas foram desenvolvidas para facilitar o extrativismo. Com o advento das máquinas de serrar ficou mais fácil a derrubada de pinheiros. Não se usava mais um traçador – serrote utilizado por duas pessoas uma de cada lado – para extrair a madeira das matas de araucária, mas sim peças motorizadas. A primeira patente para uma serra circular foi concedida em 1777 na Inglaterra. Nas serras circulares o elemento de corte é uma folha circular ou disco, dentado em sua periferia, aplicando sobre um eixo que gira a uma velocidade variável; ao girar, os dentes penetram na madeira e a cortam. Por serem de fácil operação, eram as mais usadas no processamento da madeira. Quando utilizadas como serras principais eram propícias apenas para pequenas toras. As serras circulares múltiplas dispunham de mais de dois discos de serra, o que permitia as mesmas a execução de quantos cortes fossem necessários simultaneamente. Possuem ainda um conjunto de discos móveis que permitem a mudança de bitolas com rapidez. Durante o Ciclo da Madeira na cidade de Bom Jardim da Serra, as serras circulares eram fabricadas e exportadas por empresas paranaenses e gaúchas. As serras circulares tinham as funções de refilar e modular a madeira. Hoje podemos contemplá-las no Museu Histórico Municipal de São Joaquim – Espaço “Assis Chateaubriand”, 6 WILLINSTON, E. M. Lumber Manufacturing: The Design and Operation of Sawmills and Planer Mills. San Francisco - Editora Miller Freeman Publications, 1976. 512p. 97 bem como nos demais Museus da região. E não somente serras circulares, mas outras tantas peças doadas ao Museu de São Joaquim pelo Sr. Gilberto Grillo, que fizeram parte deste processo histórico denominado “Ciclo da Madeira”, e que são um “prato cheio”, para o desenvolvimento de possíveis ações culturais e educativas. 3 Considerações finais Paxinã As idéias diversas encontram-se; as múltiplas faces de um mundo aparentemente conhecido que os “entraves de meus olhos” não quiseram ver nas mudanças da vida. A dança do saber observar o “outro olhar”, que à distância também não tem de mim notícias: práticas diferentes intergrupais... Necessidade urgente de aproximar esses “tesouros” de seus construtores. A humanidade agradecerá com essa vontade desmedida de aproximar a produção cultural de um Estado em um espaço comum formando um musical de múltiplas diferenças. O canto do Paxinã é minha alma e renasce a cada vez que sou lançado a desafios como esse... Recolher pedaços da vida e costurá-los com lágrimas, alegria e satisfação. Rinaldo Barbosa Sanches 7 2002 – (Citado por Maria Célia Teixeira Moura Santos, In Encontros Museológicos – reflexões sobre a museologia, a educação e o museu – Minc/IPHAN/DEMU - 2008 p.173). Preservar a natureza intocada implicaria a morte dos seres humanos porque isto impediria até a coleta e a caça, e não haveria como alimentar a humanidade. Não houve! Ali havia muita discussão sim, mas poucas replantaram acho que eles acharam que era antieconômico, e não havia um retorno na região. Aqui teve duas firmas que plantaram: Foi a Batistela e a Gaúcha, mas não deram continuidade. 7 Coordenador da Unidade de Ação Comunitária do Museu Sacaca 98 Sérgio Ramos Melo 8 - (Referindo-se as empresas madeireiras que não se preocuparam em replantar as matas araucárias – Entrevista concedida em 27 de maio de 2008). Com efeito, o ato de preservar o meio ambiente natural e cultural é torná-los imprescindíveis para a manutenção do equilíbrio ambiental, e conseqüentemente, identificadores ou não da história da sociedade humana e da cultura deste mesmo grupo social. Tem muitos pontos que houve uma recuperação né. Não houve mais queimadas naqueles pontos onde foi destruído pelas queimadas. Onde houve destruição a própria natureza recuperou. Sérgio Ramos Melo - (Referindo-se as “matas” de araucárias ainda existentes em Bom Jardim da Serra – Entrevista concedida em 27 de maio de 2008). O patrimônio ambiental é a garantia de sobrevivência física da humanidade e o patrimônio cultural é a garantia de sobrevivência social dos povos. Busca-se uma nova visão de museu, busca-se um espaço aberto, capaz de permitir experimentações amplas, como ações educativas onde o sujeito possa criar, construir e representar novos conhecimentos (Pantaleão 9) Assim, se faz necessária uma intervenção na qual, a partir de um olhar museológico onde será possível por meio de ações educativas fazer com que não apenas alunos, mas também o público do museu reconheça os benefícios e os malefícios que o extrativismo proporcionou ao meio ambiente. 8 Funcionário Aposentado da Gaúcha Madeireira Ltda. – Ocupava o Cargo de Contador, na cidade de Bom Jardim da Serra – SC. 9 - PANTALEÃO, Margarida Brandina – in Museu e ação pedagógica; uma parceria de sucesso Artigo Publicado na Revista Museu – 2006. 99 Através destas ações a instituição museológica proporcionará o acontecimento do Fato Museau: Relação Homem – Objeto e assim será possível conscientizar a comunidade de que o museu é ao mesmo tempo, um vínculo de expressão popular (história oral) e também uma instituição capaz de preservar a memória de um povo e de estimular processos de aprendizagens. Referencias SHAKESPEARE, Rei Lear, Séc. XVII Apud COELHO, Teixeira. Dicionário Crítico de Política Cultural: Cultura e Imaginário. São Paulo: Iluminuras, 1997, pág.14. WILLINSTON, E. M. Lumber Manufacturing: The Design and Operation of Sawmills and Planer Mills. San Francisco - Editora Miller Freeman Publications, 1976. pág. 512. GIRUADY, Danièle; BOUILHET Henry - Le Musée et La Vie – Tradução de Jeanne France Filiatre Ferreira da Silva, Instituto Estadual do Livro, ED. UFMG, 1977, pág. 7. SANTOS, Maria Célia Teixeira Moura. Encontros Museológicos – reflexões sobre a museologia, a educação e o museu. Rio de Janeiro: Minc/IPHAN/DEMU, 2008, pág. 256. CARVALHO, Eliane Zandonadi de; GAMBA FILHO, Raulino. Bom Jardim da Serra – Um pouco de sua história. Florianópolis: Paralelo 27, 1992. Prefácio. PANTALEÃO, Margarida Brandina – in Museu e ação pedagógica; uma parceria de sucesso Artigo Publicado na Revista Museu – 2006. Fonte oral Sérgio Ramos Melo – Funcionário Aposentado da Gaúcha Madeireira Ltda. Ocupava o Cargo de Contador, na cidade de Bom Jardim da Serra – SC. (Entrevista concedida em 27 de maio de 2008). 100 Sumário 101 III CONGRESSO INTERNACIONAL DE EDUCAÇÃO UNIBAVE “Educar na e para a diversidade” Orleans, 06, 07 e 08 de novembro de 2008 ARTEFATO DA CULTURA AÇORIANA: PÃO-POR-DEUS Lenaide Gonçalves Innocente UNIBAVE – [email protected] TC 1G3 Resumo: Este artigo analisa o gênero Pão por Deus (Pão-de-Deus) que é produzido nas comunidades açorianas, na costa sul de Santa Catarina. Objetiva-se investigar a historicidade do gênero “PÃOPOR-DEUS” que circulava e/ou circula, nas comunidades de origem açoriana, no litoral sul de Santa Catarina. Além de investigar de que forma se processava a interação dos envolvidos no ato comunicativo e como era a estrutura textual, foram feitas entrevistas com membros da comunidade açoriana, a fim de investigar como a interação entre os participantes se efetuava durante o agir comunicativo. Foram coletadas doze amostras do gênero em estudo e com o material coletado processou-se a análise com base nos procedimentos propostos em Motta-Roth (2005b, p. 192) com "foco no texto e contexto". Palavras-chave: Gênero Pão-por-Deus. Interação. Comunidade 1 Introdução O ser humano é um ser social, e como tal, necessita comunicar-se com o outro, estabelecer relações sociáveis e para isso utiliza-se das linguagens, sejam elas orais, escritas, gestuais ou simbólicas. A escrita, assim como a fala, aparece nestas relações a todo instante, dando origem aos gêneros textuais. Por isso, desde a década de oitenta o estado de Santa Catarina, com a sua Proposta Curricular construtivista (1988), e na década seguinte, com a Nova Proposta Curricular (1998) com uma abordagem sociointeracionista, propõe um trabalho com gêneros (textuais ou discursivos) no ensino da Língua Portuguesa. Isso não é diferente nos PCNs de Língua Portuguesa (1998), no que diz respeito a gênero, pois, esse documento sugere um estudo analítico de gênero e ainda propõe que o estudo da língua tenha-o “como objeto de ensino”, a III CONGRESSO INTERNACIONAL DE EDUCAÇÃO: EDUCAR NA E PARA A DIVERSIDADE ORLEANS, 06, 07 E 08 DE NOVEMBRO DE 2008 PP. 102-111 fim de possibilitar aos alunos a produção adequada dos gêneros que circulam na sociedade. (BRASIL, 1998, p. 48). Diante do exposto, este artigo tem como objetivo levantar a historicidade do gênero “PÃO-POR-DEUS” que circulava nas comunidades de origem açoriana, no litoral sul de Santa Catarina. Além de investigar de que forma se processava a interação dos envolvidos no ato comunicativo e como era a estrutura textual. A presente pesquisa se caracteriza como um estudo qualitativo. Teve como campo de estudo os municípios de Imbituba, Garopaba e Imaruí. Os dados foram coletados por meio de entrevistas semi-estruturadas, no período de setembro a outubro de 2007. Os sujeitos da pesquisa foram moradores dos municípios citados, entre 45 anos a 90 anos. Foi estabelecido o aspecto ético do consentimento para as entrevistas, conservando-se a fidedignidade das falas. Durante a pesquisa obteve-se uma amostra do gênero em estudo, composta por doze exemplares. Com o material coletado, os dados foram analisados com base nos procedimentos propostos por Motta-Roth (2005b, p. 192) com “foco no texto e contexto”. 2 Conceito de gêneros textuais De acordo com Bonini (2002, p.12), no período pré-cristão, já havia uma preocupação entre os gregos de que o texto tivesse uma forma identificável. Aristóteles em seu livro: A arte retórica dá testemunhos das discussões sobre a caracterização do discurso. De lá para cá o que chegou até nós foi um conjunto de fórmulas de composição dos textos, todas voltadas às possibilidades de convencimento. Ainda do mesmo autor: Os antigos retóricos tinham como preocupação central. O desenvolvimento da capacidade de argumentar e, para isso, como componente de técnicas didáticas, desenvolveram uma descrição de partes convencionais do discurso. Deve ser levado em conta que, neste período e nos posteriores até o século XX. Não havia uma definição bastante técnica sobre o que venha a ser um texto. (BONINI, 2002, p. 12). De acordo com Bonini (2002), esse modo de estudo da identidade dos textos, seguindo a visão clássica, tentava construir princípios que possibilitassem classificar todos os gêneros textuais existentes. O mesmo autor lembra que Bakhtin, em meados do século XX, aponta uma segunda concepção, de que os textos adquirem identidades específicas. 103 Toda a reflexão de Bakhtin sobre a linguagem centra-se em uma noção de diálogo. O dialogismo, tomado como um princípio fundamental da linguagem, pressupõe que o esforço na construção de uma ação linguageira é compartilhado pelos interatores envolvidos, não havendo assim um receptor passivo. (BONINI, 2002, p. 14). Então, texto é uma ação que deve considerar os aspectos da interação e as condições sócio-históricas da produção da linguagem. Bonini (op.cit. p. 15) ainda afirma, que foi a partir da década de 80 que os debates em torno das questões de gênero possibilitaram o surgimento de várias abordagens teóricas. “Dentre muitas destaco: o modelo sócio-retórico de Swales (1990; 1992); e o configuracionista de Adam (1987 – 1992)”. De acordo com Swales (1990), “O conceito de gênero, por sua vez, diz respeito à forma e ao conteúdo característicos de um texto, aos propósitos comunicativos que encerra e ao seu percurso social. (citado por BONINI, 2002, p. 62) Sendo assim, toda comunicação envolvendo interlocutores conhecedores das convenções da linguagem utilizada apresenta-se sob alguma forma de gênero textual. 2.1 Gênero: “artefatos culturais” construídos nas relações humanas Motta-Roth (2002, p. 80) afirma que o gênero “(...) pressupõe uma forma, conteúdo e função específicos” e “propósito” (SWALES, 1990) que origina-se “a partir da experiência humana em uma dada cultura” 1 (MOTTA-ROTH, idem. ibid.); ou, nas palavras de Marcuschi (2005, p. 30), gênero são “artefatos culturais construídos historicamente pelo ser humano”. Como artefatos culturais, os gêneros nem sempre sobrevivem às mudanças sócio culturais, que ocorrem no mundo. Há vários gêneros que fizeram história em um dado contexto e, hoje, não circulam mais na sociedade, perderam seus propósito e sua funções comunicativas. A partir do momento que ocorre essa perda de propósito, o gênero perde seu valor cultural, e, é extinto de uma comunidade discursiva. A linguagem se constitui como gênero, segundo Meurer (2002, p. 11), no momento em que serve de “materialidade textual e une determinada interação humana”. Esta interação tem tempo e espaço determinado. 1 “Cultura’, portanto é um sistema, um conjunto de processos sociais, que são dinâmicos e sujeitos a mudanças, pois não são fixos dentro de padrões sociais econômicos ou nacionais”. (MOTTA- ROTH e HEBERLE, 2005, p. 185). 104 O gênero, nesta linha, é um evento comunicativo, como define Swales (1990) ou, como enfoca Bakhtin (2003) “enunciados (orais ou escritos) concretos e únicos, proferidos pelos integrantes desse ou daquele campo de atividade humana” (citado por INNOCENTE, 2005, p. 17). Neste sentido as ações de linguagem movem uma dada comunidade ou contexto discursivo que se constituem em gêneros textuais, que podem “ser reconhecidos por sua capacidade de se evidenciar em eventos comunicativos recorrentes (...)” (MOTTA-ROTH, 2002, p. 78). Segundo Motta-Roth (id., p. 78) estes dois fatores, estabilidade e capacidade de ocorrência, contribuem para a “convencionalidade” do gênero. A partir do momento em que não há ocorrência do gênero, pela comunidade discursiva, o gênero tende a se extinguir. Depois dessas considerações todas, é inegável admitir que os textos, dos mais variados gêneros, que circulam na sociedade podem constituir sim um objeto relevante no estudo da língua materna. Com isso torna mais prazeroso o ato de ler e a produção textual com os gêneros textuais ampliam a competência comunicativa de quem o usufrui. Pois, sabese que é nos textos que se encontram as várias manifestações lingüísticas que o falante necessita para atingir o maior objetivo da língua: conseguir dominá-la e saber empregá-la adequadamente nas diversas situações de comunicação, exercendo assim, seu direito de cidadão . 3 Discutindo os dados Seguindo os passos delineados na metodologia, a entrevista versou sobre vários aspectos, tais como origem, propósito, conteúdo e forma. A partir dos dados, passou-se à análise da amostra, que será ilustrada por comentários dos entrevistados, bem como, as informações que se obteve através da literatura específica sobre o gênero e das amostras coletadas. 3.1 Conhecendo um artefato cultural dos açorianos Um artefato cultural torna-se um gênero textual na medida que nasce em um “contexto da situação recorrente”, conforme lembra Motta-Roth (2005, p. 190). Neste sentido, recorrendo à bibliografia pesquisada, o pão-por-Deus foi um gênero que mediava as relações de amizade, de amor entre os descendentes açorianos, habitantes do litoral sul catarinense. 105 Conforme Volpato (2005), “o pão-por-Deus é uma forma artística folclórica (...), uma contribuição cultural trazida pelos imigrantes açorianos.” Percebe-se que este gênero foi flexível ao migrar dos Açores para o nosso litoral. Lá o pedido de pão-por-Deus acontecia sempre nos dois primeiros dias do mês de novembro, aqui, ocorre no dia primeiro de outubro (VOLPATO, 2005). Há uma certa flexibilidade quando concebemos os gêneros como “formas culturais e cognitivas de ação social corporificada de modo especial na linguagem”. (MARCUSCHI, 2005, p. 18, grifo do autor). Eles não são estáticos, mas dinâmicos, dependendo do contexto cultural que passam a mediar. Outra mudança ocorrida de uma cultura para outra é quanto aos usuários deste gênero. Na ilha dos Açores e arquipélagos da Madeira quem pedia pão e/ou guloseimas eram as crianças. Aqui, conforme Cabral, os usuários têm qualquer idade e “o objeto do pedido qualquer outra coisa, até mesmo amor...” (citado por VOLPATO, 2005). O gênero pão-porDeus, entre os anos 1940 a 1960, era “o “centro” das dimensões comunicativas da vida social” (id., p. 68) das comunidades de origem açorianas do Sul do Estado de Santa Catarina. Ao questionar-se sobre o formato do gênero em questão, um dos entrevistados respondeu que quem pedia ou mandava pão-por-Deus os fazia de coração, ou seja, era um ato feito com sentimentos gerados por laços familiares, de amor ou amizade. Ainda acrescentou que conforme o coração (cor, tamanho, desenhos, acessórios), “saberíamos a grande amizade que nos unia ou o grande amor.” Outro entrevistado acrescentou que “só ao ver o coração, sabíamos se era de um enamorado, pretendente ou não” Fica claro com tais declarações que o gênero influenciava, exercia uma força na comunidade discursiva conforme lembra Bazerman (2005, p. 102). Diante do exposto, observa-se que o “suporte” neste gênero é um fator determinante para as relações estabelecidas entre seus usuários, confirmando o postulado de Bazerma, que diz que ao começar utilizar o gênero o usuário: [...] começará a pensar de maneira ativa, produzindo enunciados pertencentes aquela forma de vida, e também adotará todos os sentimentos, esperanças, incertezas e ansiedades relacionadas ao ato de tornar-se uma presença visível naquele mundo, participantes das atividades disponíveis. (id., p. 102) O gênero na comunidade discursiva de origem se processava de forma oral com “cantorias infantis simples ou solicitações simples”. (CABRAL, citado por VOLPATO, 2005). Aqui, conforme entrevista, as pessoas faziam as solicitações via escrita, apenas quando havia laços muito estreitos de amizade ou familiar entre elas é que o pedido se processava 106 através da língua falada. Ou conforme entrevista: “Primeiro eu chegava até a pessoa fazia um versinho com o nome dela e pedia (de boca mesmo). Esperava uma semana, se ela não correspondesse eu fazia o coração e mandava pedir novamente”. (Moradora de Imbituba , 76 anos) 2. O mais usado era o gênero escrito em um suporte 3 feito em formato de coração, vejamos no modelo a seguir: Fonte: www.rosanevolpatto.trd.br/paopordeus.html Ou conforme o que narram os entrevistados: “Eu fazia um coração com as bordas todas furadinhas, com agulha de costura, ficava lindo. Depois escrevia a quadrinha e enfeitava com flores, guardava num envelope e mandava por alguém de minha confiança.” ( Moradora de Imbituba, 72 anos). Outro entrevistado confirma: “O pão-por-Deus tinha formato de coração. O coração era rendado e no papel de seda, colorido. Dentro tinha quadrinhas amorosas que mandavam para os namorados, padrinhos.” (moradora de Imbituba, 65 anos) O pão-por-Deus tem um formato padronizado, mostrado anteriormente. E na escrita, estrutura-se com uma estrofe de quatro versos (quadra ou quadrinha). Cada suporte comportava uma estrofe. Era escrito em primeira pessoa do singular. Às vezes, o autor dava pistas sobre sua identidade. Vejamos: “Minha mãe é cantadeira/De um grande terno de Reis/Vou mandar um pãopor-Deus/Para a família de vocês.” A rima aparece sempre no segundo e quarto verso, ilustra-se a seguir: “Lá vai meu coração/Meu querido visitar/Vai pedir o pão-por-Deus/Perdoe o amigo, incomodar.” Percebe-se claramente a tipificação do suporte, no entanto, este detalhe não o torna fixo, há uma variedade deles, e esta variedade surge com a criatividade do povo que constrói e reconstrói os mais variados tipos de suporte. Este gênero era escrito “em lindos papéis rendilhados, coloridos, em forma de coração, ou de acordo com a sensibilidade artística de cada um.” (VOLPATO, op. cit). Portanto, os gêneros não podem ser classificados, conforme lembrou Marcuschi (op. cit. p. 18) “de maneira rígida. Devem ser vistos na relação com as práticas sociais, os 2 3 Foi preservada a variação lingüística dos participantes. “É uma superfície física com formato que suporta, fixa e mostra um texto.” (MARCUSCHI, 2003, p. 6) 107 aspectos sociais, os interesses, (...) e no interior da cultura.” Procura-se analisar esses aspectos na próxima seção. 3.2 Práticas sociais mediadas Com o resultado da observação das amostras, percebe-se que várias práticas sociais eram mediadas por este gênero, que tinha estabelecido, como propósito principal, a troca de presentes. Observe: “Lá vai meu coração/Que agora não posso ir/Neste rendilhado papel/Pão-por-Deus mando pedir.” Nesta relação estabelecida constata-se, claramente, o que afirma Bazerman (2005, p. 566) quando nos diz que o “gênero fornece um meio para que os indivíduos possam orientar-se e realizar situações de modo reconhecível, com conseqüências reconhecíveis (...)”. Essas situações passam a mediar várias práticas sociais no interior de uma dada comunidade. Uma vez que, um dos membros da comunidade enviava o pão-por-Deus, passava a ser candidato a receber um presente, ou outro pão-por-Deus em forma de agradecimento, ou ainda, em resposta do enviado até o dia do natal. Esta relação é construída em uma dialógica, pois, é interessante ressaltar, que este retorno era certo, a comunidade açoriana havia estabelecido a obrigatoriedade de retribuir tal pedido. A retribuição era uma forma de agradecimento; de cumprir a promessa. Isto se evidencia em cada entrevista. Vejamos: “Eu recebi um pão-por-Deus de um senhor, meu vizinho, e ele veio a falecer. Fiquei muito preocupada. Como pagar o pão-por-Deus? Então minha mãe me mandou acender uma vela pro defunto... Fiquei tranqüila”(Moradora de Garopaba). A pessoa quando recebia o pão-por-Deus era cometida de emoções e ansiedade. Emoção porque foi lembrado, era querido ou amado de outrem. Por outro lado, ansioso em saber quem lhe enviou o pedido e como entregar o presente solicitado. Embora houvesse pistas no texto sobre o autor, este, normalmente, não se identificava, caberia a quem recebesse descobrir o emitente. Se não fosse descoberto, o autor enviava outro pão-por-Deus se identificando. Com estas atividades constata-se como “os gêneros moldam as intenções, os motivos, as expectativas, a atenção, a percepção, o afeto e o quadro interpretativo.” (BAZERMAN, 2005, p.102) Os participantes dessa atividade cultural estavam temporariamente (de outubro a dezembro) implicados naquele pedido efetuado pelo pão-por-Deus. Essa atividade dentro da comunidade açoriana aumentava os laços afetivos entre os usuários. Segundo os 108 entrevistados, tornava-se uma obrigação retribuir o pedido com um presente. E as pessoas não podiam recusar o pedido. “Era falta de moral, de ética” disseram alguns, ou, “sem educação”, responderam outros. Piazza (1956) nos diz que “É, entretanto, necessário frisar que há uma certa obrigatoriedade no atendimento do pedido de pão-por-Deus, sob pena de Divino Castigo, visto não se dever negar aquilo que é solicitado em nome de Deus, como afirma o povo”. Outra função do gênero e a mais evidente é a relação de dois corações apaixonados ou enamorados, dos 12 textos analisados apenas três não tratam este tema, como mostra o exemplo a seguir: “Lá vai meu coração/No carro do tio Silvério/Vai encontrar com Renato/O meu amor eterno.” Outro propósito é lembrar a pessoa amada que ela(e) não foi esquecida: “Lá vai meu pão-por-Deus/Nas asas de uma andorinha/Vai pedir o pão-por-Deus/A minha amada Belinha.” Os usuários do gênero também aproveitam a oportunidade para declarar amizade: “Eu mandei pão-por-Deus/Na asa de um passarinho/É pelo seu jeito de olhar/Pra mim com muito carinho.” Outra função que se percebe é a preservação dos valores religiosos com evocação aos Santos e a Deus: “Mandei pedir aos Santos/Para os Santos pedir a Deus/Mando pedir meu amor/Que mande meu pão-por-Deus” Além de firmar uma amizade: “Lá vai meu coração/Meu querido visitar/Vai pedir o pãopor-Deus/Perdoe o amigo, incomodar”. E preservar a tradição: “Eu mando este pão-por-Deus/Me lembrei da tradição/Está gravado o teu nome/No fundo do meu coração.” Como nos lembra Bazerman (2005, p.21), “nesta seqüência de eventos, muitos textos são produzidos. Considerações finais No processo de desenvolvimento social vivenciado pelos seres humanos, percebese que a linguagem, tanto escrita como oral, foi fundamental para a concretização e continuação deste desenvolvimento. Constatou-se durante a análise que o gênero pão-por-Deus mediava várias práticas sociais das comunidades açorianas. Como vimos, no decorrer do trabalho, a comunicação acontece, quando os indivíduos envolvidos no discurso estão inseridos num mesmo grupo social e compartilham da real situação em discurso. Se analisássemos o gênero apenas em seu 109 formato, estático, não conseguiríamos decifrar quais interações humanas ocorriam em nossa sociedade mediada por este gênero. E percebemos que é a partir da “experiência humana”, que surgem e sobrevivem na história e na cultura os gêneros textuais carregados de significados, que o contexto cultural lhe confere. O pão-por-Deus, enquanto evento comunicativo, perdeu seu valor sociocultural 4 na região dos descendentes açorianos. Não tem relevância para as novas gerações. Porque os propósitos na sociedade atual são outros, isto é, a Internet (salas de bate-papo, MSN, entre outros) ocuparam o lugar deste gênero. É importante frisar que este trabalho pode servir de proposta pedagógica, para outros trabalhos, utilizando-se de outros gêneros que circulam ou, circulavam na sociedade. O importante é levar o aluno a compreender e analisar os vários gêneros produzidos pelas várias práticas sociais. Além de observar e analisar os aspectos contextuais em que os interlocutores estão envolvidos. Assim, professor e aluno “(...) aprendem a identificar valores e ideologias” e (re)descobrem sua cultura (TICKS, 2006, p. 185). 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Gênero Textuais: Reflexões e Ensino, Palmas e União da Vitória, PR: Kaygangue, 2005. 4 Maiores informações em Hemais e Rodrigues (2005) 110 MEURER, J. L. & MOTTA-ROTH, D. Introdução. In: MEURER, J. L. & MOTTA-ROTH, D. (Orgs.) Gêneros textuais e práticas discursivas: Subsídios para o ensino da linguagem. Bauru, SP: EDUSC, 2002, p. 09-14. MOTTA-ROTH, D. Questões de metodologia em análise de gênero. In: KARWOSKI, A. M.; GAYDECZKA, B.S; BRITO K. S. (org.). Gênero Textuais: Reflexões e Ensino, Palmas e União da Vitória, PR: Kaygangue, 2005. p. 79-202. _______________ e HERBELE, V. M. O conceito de “estrutura potencial do gênero” de Ruqayia Hasan. In: MEURER, J. L.; BONINI, A.; MOTTA-ROTH, D. (Orgs.). GÊNEROS: teorias, métodos e debates. São Paulo: Parábola Editorial, 2005b, p. 12-45. _______________ A construção social do gênero resenha acadêmica. In: MEURER, J. L. & MOTTA-ROTH, D. (Orgs.) Gêneros textuais e práticas discursivas: Subsídios para o ensino da linguagem. Bauru, SP: EDUSC, 2002, p. 77-109. PIAZZA, V. F. Boletim catarinense de folclore, ano VI, nº 22, Florianópolis, janeiro de 1956. Disponível em: http://jangadabrasil.com.br/outubro38/cn38100a.htm. Acessado em 04 de abril de 2006. SANTA CATARINA, Secretaria de Estado da Educação e do Desporto. Proposta Curricular de Santa Catarina: Educação Infantil, Ensino Fundamental e Médio. Florianópolis: COGEN, 1998. SWALES J. M. Genre analysis: English in academc and research settings. New York: Cambridge University Press, 1990. __________Re-thinking genre: another look at discourse community effects. In: Rethinking Genre Colloquiun. Carleton University, 1992. TICKS, L. K. O livro didático de língua inglesa sob a perspectiva de análise de gênero. In: MOTTA-ROTH; D., BARROS; N. C. & RICHTER, M.G. (Org.). Linguagem Cultura e Sociedade. Universidade Federal de Santa Maria, Centro de Artes e Letras, Programa de PósGraduação em Letras, 2006. VOLPATO, Rosana. Pão-por-Deus. 2005. Disponível em: www.rosanevolpatto.trd.br. Acesso em: 30 de abr. 2006. Sumário 111 III CONGRESSO INTERNACIONAL DE EDUCAÇÃO UNIBAVE “Educar na e para a diversidade” Orleans, 06, 07 e 08 de novembro de 2008 A MODERNIDADE APORTA EM ITAJAÍ: INOVAÇÃO TECNOLÓGICA E REGISTROS DA CULTURA EM MUTAÇÃO Marco Antonio Figueiredo Ballester Junior1 Resumo: O presente trabalho é fruto de pesquisa sobre a peça M.H.I. 021/0018 – Máquina Fotográfica, do Museu Histórico de Itajaí, unidade cultural da Fundação Genésio Miranda Lins. O objetivo é traçar uma linha entre a peça, sua função social e a construção histórica da tipologia, além de analisar sua utilização no contexto de um espaço museológico, verificando sua relevância na construção identitária aliada aos contextos históricos imbricados durante sua criação e trajetória de uso. Nessa direção, analisa-se a peça “máquina fotográfica” nas suas facetas que vão desde o período conhecido como Revolução Industrial até o fluxo migratório europeu do Vale do Rio Itajaí-Açu. Palavras-chave: História. Museologia. Tecnologia. Constituição identitária. A pesquisa A presente pesquisa tem o intuito de construir uma leitura do surgimento, uso e intervenções sociais da peça M.H.I. 021/0018 – Máquina Fotográfica, sua influencia no mundo e seus reflexos na cidade de Itajaí/SC. Para tanto, na pesquisa foi utilizado o método histórico, considerando que “[...] do princípio de que as atuais formas de vida social, as instituições e os costumes têm origem no passado, é importante pesquisar suas raízes, para compreender sua natureza e função.” (MARKONI; LAKATOS, 2004, p. 30). Tendo como análise o ponto de partida a cidade de Itajaí, mas como essa localidade foi influenciada por fatores externos na sua gênese, além dos os registros 1 Marco Antonio Figueiredo Ballester Junior, acadêmico da 5ª fase do curso de Bacharelado em Museologia do UNIBAVE. Endereço eletrônico: [email protected] III CONGRESSO INTERNACIONAL DE EDUCAÇÃO: EDUCAR NA E PARA A DIVERSIDADE ORLEANS, 06, 07 E 08 DE NOVEMBRO DE 2008 PP. 112-121 tridimensionais deixados nos seus espaços de memória, como no caso especifico do Museu Histórico de Itajaí, a pesquisa insere as interpretações que esse local construiu sobre seu acervo, especificamente sobre o objeto estudado. A cidade A cidade de Itajaí, localizada no litoral norte do Estado de Santa Catarina, em sua privilegiada posição geográfica, juntamente com as facilidades de atracação e do porto protegido, favorece o contato com outras localidades no mundo. A constituição do que seria o território Itajaí, possibilitou o encontro de diversas culturas que passam pelo seu cais, principalmente com a leva de imigrantes que adentraram o Vale do Rio Itajaí-Açu no final do século XIX e que trouxeram contribuições primorosas na constituição de seu núcleo urbano, desde novidades vindas de outras localidades, bem como serviços que antes eram somente oferecidos em grandes centros do Velho Continente. O mundo muda Desde o final do século XVIII a Europa passava por modificações na sua estrutura política e econômica, impulsionadas pelo processo de industrialização das cidades conhecido como Revolução Industrial. O advento de novas tecnologias para o processo produtivo europeu rompeu com o modo de produção agrário e artesanal que existia naquele continente. Em decorrência, países como Grã Bretanha, Alemanha, França e Itália investem de forma maciça nesse novo modo de produção, principalmente em novas tecnologias. Várias foram as inovações nesse período, desde maquinários até a sistemas econômicos. A história que se conhecia naquele momento iniciava um processo de aceleramento 2 (NORA, 1984). O impacto que as pessoas receberam foi do 2 Entende-se aqui aceleramento, o processo histórico até antes conhecido muda e fatos e acontecimentos que se efetuariam em um determinado espaço para análise, tornam-se mais dinâmicos diante do contexto que anteriormente era analisado. 113 assombro, mas ao mesmo tempo ficavam maravilhadas com o “progresso” da ciência. A burguesia, por sua vez, se vê triunfante, vivendo ao mesmo tempo a experiência da locomoção de grandes levas migratórias devido às péssimas condições de vida que esse processo suscitou para as classes menos abastadas. A Revolução Industrial, nas suas diversas faces, foi um período que possibilitou o aparecimento de novas tecnologias que nos acompanham até hoje. Uma das inúmeras invenções criadas nos séculos XVIII e XIX foi a reprodução de imagens de forma mecânica, bem como,o processo brutal de desapropriação dos meios de produção dos antigos artesãos e o surgimento de categorias ou classes antagônicas que são dependentes e ao mesmo tempo se rivalizam, construindo estruturas sociais e redes de poder. A construção de máquinas fotográficas representou um dos subprodutos desse período. Uma das empresas pioneiras desse processo foi a Thornton-Pickard, companhia formada em 1888, auge da industrialização inglesa. Lançou dois modelos, Jubileu e Rubi. A referida empresa desenvolveu o primeiro modelo como obturador, sistema que proporciona controle da luz no interior do aparelho. Devido a diversos problemas internos da empresa e o crescimento técnico-científico nessa área, a Thornton-Pickard foi ultrapassada em 1940 pela recente criada Kodak3, com máquinas menores e com maior agilidade de revelação dos negativos. A engrenagem no maquinário A Máquina Fotográfica foi o instrumento que registrou o período de grandes transformações com cenas do cotidiano daquela época. Com isso, muda-se a observação das cenas do real, a arte (até então a única forma de registro visual), reordenando “o desejo de idealizar as aparências, o repúdio ao feio, conforme os cânones da pintura oficial convergem igualmente para o ordenamento do retrato foto” (DUBY; ARIÈS, 2003, p. 426). 3 Museum of Science & Industry. Thornton-Pickard Manufacturing Company. 2008. Disponível em: http://www.mosi.org.uk/media/611566/thorntonpickard%20manufacturing%20company%20(large%20 print).rtf – acesso em 28 jun. 2008. 114 Nesse âmbito, esse instrumento, filho de uma época, serviu para a criação de diversos imaginários. Sua patente foi oficializada em 1839 por Jacques Mandé Daguerre, configurando a técnica de “fixar em uma placa de metal, após um quarto de hora de exposição um retrato único” (DUBY; ARIÈS, 2003 p. 425). Com isso, a Revolução Industrial alterou as práticas sociais, econômicas e culturais do homem. Ela “inventou” um método de se auto-registrar. Após o anúncio da técnica, o governo francês adquire a referida patente, transformando-a em domínio público. Portanto, a produção de imagens de forma mecânica torna-se popularizado, a sociedade começa ancorar sua lembrança na fotografia, lembrando que anteriormente o sistema de memória social se procedia por meio de relatos ou escritos e nunca de maneira iconográfica. A máquina fotográfica possibilitou, por meio de seu produto, a foto, uma tentativa de democratização. Pela primeira vez, parte da população tem a possibilidade de representar e preservar a imagem de seus entes (DUBY; ARIÈS, 2003, p. 426). A memória familiar começa operar de forma diferente, suas referências para esse processo mudam, sendo que o simbolismo de visualizar outra pessoa tende a canalizar sentimentos antes meramente orgânicos para condições psicológicas. A máquina fotográfica proporciona dessa forma a modificação de processos e conexões anteriormente biológicas para construção de imaginários individuais. O aparelho de Estado em busca de um aparelho de imaginário No Brasil, a inserção de máquinas fotográficas ocorreu no período histórico nacional conhecido como II Império. Desde a sua coroação em 1843, o imperador buscou diversas formas de modernização do país, estimulando o uso de tecnologias tais como o telégrafo e a instalação de ferrovias. Mas o estado - conhecido como “Império do Brasil” - por ser jovem necessitava de reconhecimento interno, ficando demonstrado nos diversos conflitos registrados durante o Período Regencial. Para isso, o uso de imagens que demonstrassem a “modernidade” no país, “a foto serviu como instrumento de formulação de uma “imagem oficial, ligada ao Imperador...” (TRINDADE; 115 TRINDADE; GARCIA, s. d., p. 02). Com isso, aliado a inserção de outras tecnologias, o governo tentava demonstrar que acompanhava os novos avanços da ciência. Nessa busca de legitimação a máquina fotográfica auxiliou também para a divulgação de imagens das elites imperiais. A colocação do Imperador como grande responsável pelo crescimento e criação do processo civilizatório no Brasil foi a lógica do movimento de propaganda interna. O resultado foi a propagação para a população que o país seria um referencial no Novo Mundo. Assim, o produto desse aparelho, a fotografia, proporcionou a construção de uma “imagem” oficial das elites, juntamente com a propaganda diretamente associada a “D. Pedro II, mecenas das artes e ciências, que já tinha sido responsável pela chegada do daguerrótipo ao Brasil” (TRINDADE; TRINDADE; GARCIA, s. d., p. 04). Aliado a essa imagem idealizada e construída do Imperador, foi também, durante esse período que aconteceram grandes migrações vindas do continente europeu. Esse processo foi incentivado devido a problemas citados anteriormente na Europa, bem como, a substituição de mão-de-obra escrava africana, que cada vez mais estava dificultada pelas inúmeras legislações que restringiam e proibiam a prática do tráfico negreiro. Nesse processo, a migração advinda do continente europeu vem ao encontro de idéias que passavam a ser defendidas no séc. XIX, substituindo a intencionalidade migratória pela função a ocupação do território. As novidades antigas do Velho Mundo No contexto exposto, o Brasil recebeu um grande contingente de imigrantes europeus, sendo que a maior quantidade foi deslocada ao Sul do país, os atuais Estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Em Santa Catarina, as levas migratórias se deram principalmente das etnias alemã e italiana, regiões como o sul e norte catarinense foram os principais núcleos coloniais. O Vale do Itajaí-Açu, região estratégica para ocupação e exploração foi primeiramente ocupado por alemães e logo após por italianos. O ponto de encontro para a chegada dessas correntes migratórias no vale foi a Vila do Santíssimo Sacramento de Ithajay, hoje atual município de Itajaí. Nem todas as pessoas foram 116 para as terras a elas destinadas, grupos de alemães e italianos ficaram na Vila para ponto de referência de venda de produtos produzidos no Vale do Itajaí para Moreira (1998). Essa leva de pessoas que optou em residir no pequeno centro urbano da cidade começou a operacionalizar em formato de casas comerciais a compra e venda de produtos que tinham destino o exterior e as colônias que estavam a ser instaladas. Profissionais liberais, artesãos, trabalhadores portuários (nesse caso afro-descendentes alforriados) circulavam nas ruas da cidade. Serviços que anteriormente só eram vistos no Velho Continente também começaram a ser oferecidos, dentre eles os chamados “Foto Artísticos”. Um dos primeiros do ramo foi José Hindelmeyer. Dados históricos desse primeiro fotógrafo na cidade e seu ateliê são atualmente praticamente desconhecidos, a única fonte que se remete a esse profissional é uma máquina, fotográfica de tripé, que hoje se encontra no Museu Histórico de Itajaí. O mesmo artefato pertenceu a Geraldo Von Hacke, que perdurou como sua propriedade até 1945. Nesse ano, Roland Schneider adquire a referida aparelhagem e torna-se um dos fotógrafos que permeou as memórias da cidade. Além de jogador e técnico de futebol, atuando em clubes da cidade (no caso o Almirante Barroso e o Clube Tiradentes), foi exímio fotógrafo e seu ateliê estava bem localizado em ponto estratégico do centro histórico da cidade (nos eixos das ruas Hercílio Luz e Lauro Müller). Em sua memória encontram-se alguns registros dessa época: Ah! Na fotografia trabalhei muito, bem na esquina da Catarinense eu tinha foto [...] eu tinha foto naquele tempo, eu trabalhei 42 anos de fotografia ai na praça, em frente a Catarinense, no lado dela agora tem uma loja bonita, lá naquele tempo uma casinha velha, lá eu trabalhei 42 anos [...]. Nesse espaço onde estava localizado o ateliê, a máquina fotográfica foi utilizada desde os finais do século XIX, período que foi de grande fluxo migratório na cidade, até 1982. Através do olho desse fotógrafo muitas imagens de casamentos realizados na Igreja Imaculada Conceição, localizada na mesma Praça do Edifício Catarinense, foram feitas juntamente com eventos religiosos. 117 Leituras museológicas A partir de 1982, com a abertura do Museu Histórico de Itajaí, a referida máquina foi doada àquela instituição adotando o número M.H.I. 021/0018, ficando na categoria (021) de artistas e artesãos. O que se pode analisar que a profissão era mais um ofício artesanal que profissional. Essa leitura é feita a partir de sua categorização como peça que adentra um museu. O processo de musealização consiste em que o objeto tridimensional é despido de seu valor de face e ganha outros significados. Isso fica caracterizado quando a peça em si entra em exposição, no caso da máquina fotográfica em questão, encontrando-se na seção do Museu Histórico de Itajaí de economia e progresso tecnológico, desde 1982 até 2004. Atualmente a peça está no setor de reserva técnica, sendo que a mesma foi retirada de exposição devido à mudança da expografia do museu em 2005, onde era contemplado mais a memória de determinado segmento social da cidade do que o “progresso tecnológico” que a mesma retratava. Analisando a peça dentro da lógica que “Um museu, seja ele qual for, só pode ser produzido e reconhecido como tal, quando está inserido numa codificação social compartilhada, quando faz parte de uma experiência comum.” (CHAGAS, 2005 p. 57). Ou seja, a peça em questão não foi interpretada como meio social ou entendida como imaginário de uma sociedade. Em ambos os casos, foi observada dentro de uma lógica inicial tecnicista (progresso tecnológico) e pós 2004 de representações sociais de um grupo (atual exposição intitulada Casa Museu). Um exemplo registrado a seguir, explicita as questões de uso do objeto e sua transformação em acervo museológico: Gilberto Freyre – o exemplo pode ser esclarecedor – no início dos anos vinte, em viagem pela Europa, foi recebido na casa de Léon Kobrin, escritor israelita que se exprimia em iídche. Ao oferecer-lhe uma xícara de chá, servindo à moda russa, Kobrin lhe disse: “desta xícara que vamos servi-lo, muitas vezes bebeu chá, aqui mesmo, Léon Trotski”. Relembrando o acontecimento, Gilberto Freyre comentou: “Tive emoção fácil de ser compreendida; afinal entre os grandes homens de ação do nosso tempo, quem é maior do que Trotski? Interessa compreender que naquele momento o jovem Freyre, por meio da xícara, conectou-se a um outro tempo, a um personagem, a uma imagem que não estava ali. Aquela xícara foi investida de uma 118 determinada potência aurática como diria Walter Benjamin, e por esse caminho Freyre fez uma conexão com Trotski. Observa-se, no entanto, que essa potência aurática não está depositada na xícara como propriedade intrínseca ou como valor inerente ao objeto. A potência aurática da xícara resulta de um caldo de experiência social, posto que Gilberto Freyre não soubesse quem era Léon Trotski, a experiência não faria sentido. (CHAGAS, 2005 p. 58). Por esse viés, a peça M.H.I. 021/0018 em ambos os casos foi interpretada sem uma análise da sua relevância diante a sociedade. Ou seja, um objeto que suscitou duas interpretações que não aquela de sua origem e sua funcionalidade. A sua valorização só ocorreu com uma exposição temporária que aconteceu no mesmo Museu Histórico de Itajaí. A mostra intitulada “Noivas de Maio” foi alusiva à comemoração ao Dia 18 de Maio, também conhecido como Dia Internacional dos Museus, nesse período os museus do mundo fazem mostras e ações que remetam a sociedade a esses espaços de memória. A referida exposição reproduziu um ateliê fotográfico, com fotos de diversas noivas em épocas distintas, onde, existiam máquinas fotográficas de modelos variados e dentre elas a Máquina Fotográfica (M.H.I. 021/0018), ou seja, a cenografia construída naquele contexto a peça foi apenas um elo entre a profissão ou artesão fotógrafo e sua proposta de reproduzir imaginários, que foi demonstrado nas ações educativas sobre as temáticas namoro e relações sociais. Considerações Finais Observando o processo de construção tecnológica de um artefato produzido para reprodução e registro de imagens, a visibilidade que esse artefato traduziu durante o século XIX e XX, bem como sua importância para a sociedade foi fundamental para criação de novas formas de entendimento de uma determinada sociedade, bem como o registro dela. Em Itajaí, a construção de imaginários e seu uso diante outros locais no mundo deparou-se com similaridades. Analisando como a peça foi musealizada foi reparado as diversas interpretações que uma peça pode tomar, bem como o uso dela para um determinado conceito expositivo ou informacional. 119 A principal observação dessa análise é que uma peça pode ter diversos significados. Mas a pesquisa sobre ela pode desvendar qual o caminho a ser tomado no acervo para sua comunicação, observando sua trajetória social, seu contexto cultural e econômico. Esses dados para a interpretação do objeto em questão são fundamentais nas exposições. Dentro dos três exemplos tomados diante da máquina fotográfica, sua primeira exposição de forma longa (1982 a 2004) constatou-se que a pesquisa foi voltada para a peça por si só e não para o contexto social. Na retirada dela de exposição no ano de 2005, deparou-se com o desinteresse dos visitantes que chegou ao ponto de não contemplá-la na exposição. A última exposição, realizada no ano de 2008, fortaleceu-se contextualização de seu uso e as representações que ela tomou diante da cenografia construída e, mesmo que a peça não ter sido o maior destaque, foi considerada a mola propulsora para a mesma. Diante do exposto fica perceptível que o uso de acervos museológicos para fins de pesquisa não termina em si ou para si, mas são pontes para o contato de um determinado contexto social, servindo para discutir qual é a função daquela peça e seu papel educativo para a comunidade. Referências d`ÁVILA, Edison. Pequena História de Itajaí. Itajaí: Fundação Genésio Miranda Lins, 1981. 160 p. 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Vol. 1 A República. Paris: Gallimard, 1984. TRINDADE. D. F.; TRINDADE. L dos S. P.; GARCIA. L. F. dos S. P. s/data. Disponível em: http://www.oswaldocruz.br/download/artigos/social3.pdf – acesso em 04/07/2008. Sumário 121 III CONGRESSO INTERNACIONAL DE EDUCAÇÃO UNIBAVE “Educar na e para a diversidade” Orleans, 06, 07 e 08 de novembro de 2008 A MODA COMO REPRESENTAÇÃO IDENTITÁRIA DAS MULHERES NO INÍCIO DO SÉCULO XX EM ORLEANS: O CASO DO ESPARTILHO Ricardo Alberton Fernandes 1 TC 1G4 RESUMO: Ao longo da história, o uso do espartilho tem sido difundido nas mais variadas culturas. Confeccionado de diferentes materiais e transformado em objeto de desejo feminino na busca pelos padrões de beleza de cada época, serviu como um referencial para a construção da identidade social das mulheres adeptas do lingerie. Devido à rigidez com que era utilizado e aos empecilhos que impingia as mulheres, o espartilho passou a ser um obstáculo ao trabalho doméstico, tornando-se um diferenciador de classes. Tecendo considerações acerca de seu uso, este artigo objetiva além de registrar uma breve revisão teórica a respeito da história do espartilho e da formação do município de Orleans na região sul catarinense, analisar o objeto de estudo no contexto dos acontecimentos sócio-econômicos e culturais do município. Por este motivo, analisar o espartilho encontrado no Museu da Imigração Conde D´Eu, em Orleans/SC, foi uma forma de verificar a importância desta vestuária feminina na formação identitária da mulher na sociedade orleanense entre 1900 e 1910. Palavras-chave: Espartilho. Moda. Identidade. Museu. Mulher. Iimigração. Introdução A filosofia “sofrer para ser bela” sempre esteve muito presente no universo feminino desde os mais remotos tempos. Adaptar-se a um padrão estético pré-estabelecido por uma determinada sociedade é motivo pela qual as mulheres vêm se submetendo, ao longo da história, as mais bizarras e exaustivas técnicas para se tornarem belas e atraentes. Mais do que uma peça de roupa íntima da mulher ocidental, associada ao erotismo, repressão e dor, o espartilho moldou o corpo feminino de acordo com a história de cada período. Mesmo causando sérios problemas à saúde o espartilho, em determinados momentos da história, foi considerado pela sociedade aristocrática um sinal de superioridade, já que era um obstáculo ao trabalho. 1 Acadêmico do 5º semestre do curso de Bacharelado em Museologia, do Centro Universitário Barriga Verde – UNIBAVE, de Orleans/SC. E-mail: [email protected] III CONGRESSO INTERNACIONAL DE EDUCAÇÃO: EDUCAR NA E PARA A DIVERSIDADE ORLEANS, 06, 07 E 08 DE NOVEMBRO DE 2008 PP. 122-132 No inicio do século XX, após a chegada dos imigrantes europeus ao Brasil, decorrente de uma massiva campanha migratória que impulsionou a colonização do território nacional, a agricultura era à base da economia das colônias do sul do estado de Santa Catarina. Independente da localização que ocupavam, no campo ou na cidade, os hábitos e os costumes dos imigrantes moldava-se a realidade sócio-econômica da época, da região e de suas novas condições de vida na colônia. Muitos eram os aspectos que diferenciavam as classes sociais e trabalhistas, em especial as das mulheres. Entre outros, o espartilho, que viria a ser um obstáculo ao trabalho feminino devido a forma rígida com que a peça era utilizada, dificultaria a execução de serviços pesados. Dessa forma o uso da peça era destinado a mulheres de determinadas classes sociais mais abastadas e que não precisassem fazer uso do serviço braçal tão comum à época. Dentro deste contexto, o presente trabalho propõe-se a analisar o espartilho encontrado no Museu da Imigração Conde D´Eu, em Orleans/SC, datado da primeira década do século XX e pertencente a Hermelina Minatti Pfutzenreuter, eminente cidadã filha de imigrantes alemães vindos da Europa em busca de oportunidades de trabalho, afim de verificar a importância desta vestuária feminina na formação identitária da mulher na sociedade orleanense entre 1900 e 1910. Para tanto, utilizou-se uma revisão teórica, abordando brevemente os aspectos históricos que circundam o surgimento do espartilho no guarda roupa feminino e o desenvolvimento sócio-econômico e cultural do município de Orleans após o processo de colonização das terras que se iniciou no final do século XIX. Na pesquisa exploratória foram utilizados livros, artigos e materiais retirados da internet, sobre o assunto mencionado, a fim de dar sustentação à base teórica deste trabalho. Para alcançar um entendimento maior a respeito da influência do espartilho na formação identitária da mulher na sociedade orleanense entre 1900 e 1910, foi realizada uma entrevista oral com Orlinda Cascaes Pfutzenreuter, nora de Hermelina Minatti Pfutzenreuter. 123 1 Espartilho - a história no contexto da moda A história do lingerie começa por volta de 2000 a.C, na cidade de Creta na Grécia Antiga, período em que as mulheres usavam um corpete simples sustentando a base do busto, projetando os seios nus, moda inspirada na imagem da mitológica Deusa com Serpente, considerada ideal de beleza feminino da época. Após uma longa trajetória através da história da humanidade, conquistando adeptas nas mais variadas culturas e adquirindo diferentes aspectos em cada região, é na Idade Média que essa peça íntima viria ascender significativamente no guarda-roupa feminino. Evoluindo na sua forma, confeccionado em diferentes materiais e recebendo várias denominações durante seu processo de evolução, o lingerie com o passar do tempo tornouse cada vez mais rígido e pesado, até o surgimento do espartilho propriamente dito. Entretanto, foi somente no final da Idade Média, durante o ducado de Borgonha que as mulheres nobres passaram a usar um largo cinto sob o busto que, além de sustentar os seios, faziam com que eles parecessem mais volumosos, e aproximando-se cada vez mais dos modelos de espartilho que dominariam o universo da moda feminina. Nenhuma outra época exaltou tanto a beleza feminina como o Renascimento, um período de sensualidade e erotismo, onde durante quase todo o século XV a atenção da estética feminina estava voltada para os seios. A partir deste momento, o vestuário torna-se tão rígido quanto a época. Do século XV ao século XVI o corpete pespontado que dava ao busto o aspecto de um cone era amarrado com uma haste (lâmina de madeira, marfim, madre pérola, prata ou osso de peru para os menos abastados) encaixada no próprio tecido. Essas hastes eram muitas vezes trabalhadas com gravuras e inscrições, pois de acordo com os costumes da época, podiam ser retirados e exibidos em sociedade depois de um lauto jantar. Personagens marcantes da aristocracia européia elevaram o espartilho a peça fundamental no guarda-roupa das damas da sociedade da época. Mulheres de grande expressão política e social tornaram o espartilho famoso no mundo todo. A aristocracia espanhola, inglesa e francesa, por exemplo, considerava o espartilho um sinal de superioridade, afinal, tratava-se de um obstáculo ao trabalho. Apesar de causar sérios danos à saúde (se muito apertado pode impedir os movimento e atrapalhar na respiração), ele era uma “necessidade” para se distinguir do povo. 124 Mesmo extremamente difundido e enraizado nos costumes femininos estes corpetes começaram a causar polêmica entre os médicos esclarecidos da época, pois comprimiam órgãos internos, causando entrelaçamento de costelas e até a morte. A repressão dos tecidos e dos órgãos era tão brutal que podia provocar um aborto. E ainda que não levasse ao óbito, o espartilho era responsável também por diversos distúrbios respiratórios, circulatórios e do sistema digestivo. O objetivo do espartilho era pressionar a barriga para dentro, estufar os seios para cima e empurrar os quadris para trás. Ficava difícil respirar. Os movimentos se tornavam restritos. Algumas mulheres não conseguiam se sentar ou subir escadas. Não eram raros os casos de grávidas que, com o uso do espartilho, abortavam. O artefato causava também problemas respiratórios e digestivos [VELLOSO E SANCHES] 2. A rigidez da peça e o rigor que exigia das mulheres começou a fazer do espartilho um grande inimigo da saúde feminina. Para dar forma a tão invejada silhueta, a peça era confeccionada em diferentes materiais, de madeira a ferro, desde que alcançassem o objetivo esperado. Depois de um longo tempo de sacrifício em nome da beleza, somente no século XVIII é que as mulheres começaram a respirar, literalmente, um pouco mais aliviadas. As hastes de madeira e de metal que sustentavam a peça foram substituídas pelas barbatanas de baleia. Os decotes aumentaram e os corseletes passaram a ser confeccionados para comprimir a base do busto, deixando os seios em evidência. Também foi nesta época que os corseletes ganharam sofisticação. As peças começaram a ser trabalhadas com bordados, laços e tecidos adamscados. Contudo, o alívio só chegou definitivamente a partir de 1770, junto com as idéias iluministas que culminaram com a revolução francesa, onde houve uma espécie de cruzada anti-espartilho. Médicos, escritores, filósofos e mulheres esclarecidas da época militavam contra os corseletes. A Revolução Francesa sacudiu a sociedade européia. As roupas voltaram a ser mais simples e práticas, levando a moda a outras camadas da sociedade. Pela primeira vez em séculos, as mulheres deixaram de usar suas crinolinas (uma armação feita de arcos de aço para moldar a forma das saias) e seus espartilhos. A moda era das transparências e os seios eram sustentados por um coroinho de tecido. 2 VELLOSO, Beatriz; SANCHES, Mariana. Por que elas querem ser tão magras? Época, edição nº 432 , 28/08/06. Disponível em: <http://www.patriciagalvao.org.br/novo2/Epocamagra.htm> Acesso em 16 de julho de 2008. 125 Entretanto a idéia de que o corpo deveria ficar firme era muito forte e com isso os espartilhos voltaram a ser usados. Vários modelos surgiram acompanhando a moda do momento tanto para as vestimentas como para os padrões físicos da época. A peça ajudava as raparigas, na adolescência, a transformar a silhueta. Revistas de moda da época publicavam artigos aconselhando a como tirar melhor proveito do espartilho. Mesmo com o passar do tempo e com significativas transformações, o sofrimento e o desconforto sempre caminharam juntos com a ditadura do espartilho. Alguns anos foram necessários para que algumas mulheres deixassem de se submeter às torturas físicas impingidas pelo lingerie. Com o início da industrialização era possível fabricar modelos mais baratos, expandindo o uso da peça para outras camadas da população menos favorecidas economicamente. Em 1840 foram utilizados cordões elásticos que facilitava as mulheres se vestirem e se despirem sozinhas. Contudo, para Perrot (1991) 3, jamais o corpo feminino havia sido tão escondido como entre 1830 e 1914 e o espartilho continuava resistindo às violentas ofensivas empreendidas contra ele pelo corpo médico. Mesmo com os avanços tecnológicos e com atenções das comunidades médicas para os danos causados pelo uso excessivo do espartilho, no final do século XIX algumas peças eram ainda tão apertadas que as mulheres não conseguiam mais se abaixar. É então que, a partir do século XX, as mulheres começaram a exigir novos modelos, que correspondessem melhor aos seus anseios. Seu modo de vida havia mudado e uma classe média de mulheres que trabalhava começou a surgir, além da popularização da prática de esportes. A mulher continuava a usar o espartilho, porém ele estava menor e mais flexível, permitindo movimentos mais livres e postura reta. Durante os anos de guerra os espartilhos foram gradativamente sendo substituídos por cintas. Os seios, porém, precisavam de algum suporte, já que o espartilho também servia para erguê-los. Neste contexto, um acessório que já havia aparecido em anúncios publicitários de langerie a partir do fim do século XIX, mas que ainda não havia conquistado todas as mulheres, passou a ser fundamental – o sutiã. A moda, entretanto, voltou a adotar a silhueta marcada em 1940, trazendo de volta os espartilhos, porém mais leves. Só que desta vez, a Segunda Guerra Mundial tratou de 3 PERROT, Michel (Org.). História da vida privada, 4: da revolução Francesa à Primeira Guerra; tradução Denise Botman, partes 1 e 2; Bernardo Joffily, partes 3 e 4. São Paulo: Companhia das Letras, 1991. 126 tirá-los de cena. Somente em 1947, com o “New Look” de Christian Dior, que valorizava as formas do busto e a cintura fina, os espartilhos voltaram a ser usados. O costureiro resgatou o uso do corset ao lançar a coleção chamada Linha 8, inspirada nas formas de uma ampulheta, mas foi somente nos anos 80 que a peça deixou de ser usada apenas por baixo para virar roupa propriamente dita, quando a criadora francesa Chantal Thomaz lançou uma coleção com espartilhos a mostra. A ousadia de Chantal foi seguida por vários mestres da alta costura. Criado há três mil anos, para deleite de homens e mulheres, o espartilho já saiu e voltou à moda várias vezes, seguindo diferentes tendências. Ameaçando seu retorno desde os anos 80, só agora o rei dos lingeries voltou para o trono e para as ruas. O espartilho aparece mais confortável e menos escondido nas passarelas dos grandes desfiles de moda. Não somente ao vestuário feminino o espartilho ficou restrito, mas também aos acessórios como sapatos, chaveiros, jóias, bolsas e até mesmo em algum mobiliário pode-se perceber a influência da peça marcando presença. Todavia o espartilho ganhou grande expressão no campo da sexualidade. A peça criada apenas com o intuito de acentuar as formas femininas permeia, nos dias de hoje, o imaginário sexual coletivo de homens e mulheres do mundo todo. Fetiche masoquista e símbolo da mulher dominadora e sexualizada do século XXI, o espartilho reina quase que absoluto nas prateleiras de lojas especializadas (sex shop) e divide com demais acessórios do gênero as mais variadas fantasias sexuais. 2 Orleans – a moda e a identidade social da mulher no início do século XX Por ocasião do casamento de Suas Altezas Imperiais, a Princesa Isabel e o Conde d´Eu, ocorrido em 15 de outubro de 1864, foi determinado pelo Imperador Dom Pedro II e pela Imperatriz Teresa Cristina um dote de terras cuja macro localização seria estabelecida por ato assinado em 17 de outubro de 1870, fixando em 98 léguas a serem escolhidas nos estados de Santa Catarina e Sergipe. Em vista a descoberta de carvão mineral no sul do estado catarinense, foi formada uma comissão para selecionar e demarcar uma gleba de terras destinada a implantar uma colônia na região. Uma equipe de engenheiros e agrimensores foi encaminhada para examinar as áreas alternativas na região do vale do Rio Araranguá e no Vale do Rio Tubarão. 127 Escolhido o território, em 1882 é criada a Colônia Grão-Pará na região do Vale do Rio Tubarão a fim de promover a ocupação das terras com colonos imigrantes e nacionais. Iniciada a distribuição das terras primeiramente aos imigrantes italianos e posteriormente aos imigrantes alemães, letos e poloneses, a colônia desenvolveu-se paralelamente à construção da estrada de ferro para atender principalmente a região carbonífera. A escolha do local e do nome da região que viria se desenvolver o município de Orleans foi realizada, então, por ocasião da visita de Sua Alteza, o Conde d´Eu, numa viagem especial a fim de implantar a sede da colônia Grão Pará às margens da estrada de ferro e do Rio Tubarão. O nome foi uma homenagem a sua própria família de nobres franceses. A escolha do nome e de sua localização determinou a tomada de grandes providências, já em 1885, com a abertura de ruas, venda dos primeiros lotes e construção da Capela nas imediações da estrada de ferro. No inicio do século XX, após o processo migratório iniciado no final da segunda metade do século XIX, a agricultura ainda era a base da economia das colônias do sul do estado. Contudo, Orleans, sede de despacho da produção colonial pela estrada de ferro e caminho por onde ingressariam os imigrantes em toda a colônia, contava com a instalação das primeiras indústrias e casas comerciais. (LOTIN, 1998). 4 Reflexos naturais de uma região em pleno desenvolvimento, Orleans despontava num crescente processo de urbanização, recebendo influências externas no campo dos acontecimentos sócio-econômicos e culturais. Devido ao significativo processo de desenvolvimento iniciado neste período e pela forma como os imigrantes europeus se fixavam na região (de acordo com a localização), sendo na área rural ou urbana, era iniciado o processo de construção da identidade sócioeconômica e cultural da cidade. A identidade cultural do povo orleanense teve origem nos seus fundadores de etnia portuguesa, dita brasileira, formada pelos primeiros moradores da cidade, antes mesmo da contribuição dos imigrantes de outras etnias, à medida que vinham morar na cidade. Foram os portugueses e brasileiros, que, por sua formação e conhecimentos necessários aos cargos que vinham aqui exercer, deram os primeiros passos para o desenvolvimento cultural de Orleans. Eram escrivães, professores, médicos, padres, comerciantes, guarda livros, tipógrafos, farmacêuticos, vendedores, escriturários e funcionários do governo nos correios, 4 LOTTIN, Jucely. Orleans 2000: história e desenvolvimento. Florianópolis: Elbert, 1998. 228 p. 128 coletorias, prefeitura e outras instituições. Pessoas cuja vivência cultural adquirida em suas cidades de origem (Tubarão, Laguna, Florianópolis, e até algumas do Rio de Janeiro) acrescentavam novos hábitos aos conhecimentos básicos da população urbana de Orleans. Os hábitos e costumes eram moldados também de acordo com as atividades econômicas desenvolvidas pelos imigrantes no município. Na área rural, a participação de todos os membros da família, inclusive as mulheres, era muito importante para o rendimento do trabalho árduo desempenhado no campo no cultivo das plantações e na criação dos animais domésticos. Na cidade, área urbana, com os homens dedicando-se ao comércio local e a instalação das primeiras indústrias, as mulheres ficavam destinadas ao serviço doméstico e a criação dos filhos. Contudo, Lottin (1998) 5 já aponta no início do século XX para a mulher desenvolvendo significativas funções no mercado de trabalho, destacando-se nas áreas pedagógicas ou ajudando o marido nos negócios da família. Frente a esses apectos e referente à condição das mulheres na comunidade orleanenses do início do século XX, é possível destacar alguns modismos que moldavam o comportamento feminino e regiam a construção de sua identidade social na época. Entre eles, o espartilho, objeto de análise deste trabalho, serviu em determinados momentos para identificar a posição ocupada por certas mulheres na sociedade. Confeccionado em materiais simples, ainda que o espartilho refletisse a origem humilde das mulheres imigrantes da época, firmava sua posição social em relação às atividades econômicas da família. Dentro deste contexto o espartilho podia diferenciar as mulheres de acordo com sua posição na sociedade e designar sua classe social devido a certas imposições que a peça empunha a elas. Orlinda Cascaes Pfutzenreuter, cidadã orleanense, através de uma entrevista oral realizada para dar maior sustentabilidade a pesquisa do objeto de estudo deste trabalho, ressalta a condição elitizada a que estava submetido o uso do espartilho. Viúva de um dos filhos de Hermelina M. Pfutzenreuter ao qual pertence o espartilho encontrado no Museu da Imigração Conde D´Eu, em Orleans/SC, lembra que sua mãe também usava o lingerie antes da chegada do primeiro herdeiro e que na condição de filha e esposa de comerciantes, dispunha de uma sorte de comodidades típicas das famílias abastadas da sociedade. Das histórias contadas pela mãe, Orlinda relata que a peça era usada somente em ocasiões especiais em que, auxiliada por empregadas, era vestida com certo rigor uma vez 5 LOTTIN, Jucely. Orleans 2000: história e desenvolvimento. Florianópolis: Elbert, 1998. 228 p. 129 que a cintura fortemente marcada traduzia o padrão de beleza e elegância para as mulheres da época. O ato de vestir-se para essas determinadas ocasiões especiais tomava certo tempo das mulheres da sociedade. Com horas de antecedência iniciava-se o processo cujos cuidados se alongavam pelo dia todo. Uma vez com o espartilho, evitavam-se quaisquer tipos de alimentação. E mesmo depois de retirado, era preciso aproximadamente uma hora para que as mulheres voltassem a relaxar o corpo, devido as dores que a peça provocava pelo excesso e rigor do uso. Neste período, as novidades da moda chegavam a cidade pelas mãos dos mascates e caixeiros viajantes. Através da estrada de ferro Tereza Cristina, esses comerciantes traziam das mais variadas regiões do estado e do país suas roupas, tecidos, acessórios em geral e demais produtos pra serem comercializados. Algumas peças, como no caso do espartilho, podiam às vezes ser encontrados, também, nos armazéns de secos e molhados da cidade. Contudo, como reflexo dos acontecimentos ocorridos pelo mundo a fora, o declínio da ditadura do espartilho, intimamente ligado a Primeira Grande Guerra Mundial, levou a escassez da peça no mercado de consumo e a queda da demanda pelo produto. Com homens mais ocupados, lutando na frente de batalha, as mulheres foram convocadas a assumir os trabalhos nos campos, nas cidades e nas fábricas. O trabalho operário exigia espartilhos menores, mais confortáveis e simples. Além disso, a burguesia não contava mais com a criadagem de outrora, o que fez com que as damas optassem por modelos de corpetes mais simples e fáceis de vestir. Considerações finais Em diferentes épocas e em diferentes sociedades o espartilho sempre teve o mesmo objetivo, realçar os atributos físicos de suas damas acentuando-lhes a silhueta tornando-as mais sensuais. Desde muito longe na história com o início da civilização ocidental na Grécia Antiga até os dias atuais, os espartilhos fazem a cabeça da maioria das mulheres. Entretanto, o espartilho no contexto histórico da moda, possibilita uma análise mais profunda, além de sua mera função utilitária. Os hábitos e costumes que o fizeram sobreviver às mudanças de comportamento na sociedade e o mantiveram presente no guarda roupa feminino, suscitam reflexões a respeito do papel da mulher e da construção de sua identidade social. 130 A forma rude com que o lingerie era confeccionado e a maneira rígida como era utilizado tornou-o um empecilho ao trabalho. Mesmo com o passar dos anos e com os avanços tecnológicos que sofisticaram o espartilho, suavizando seu uso, a peça sempre esteve restrita a uma parcela mais favorecida da população. Assim como em diferentes momentos da história e em diversas partes do mundo, às mulheres brasileiras também tiveram limitações impingidas pelo uso do lingerie frente a ditadura da moda. Mais precisamente, no contexto das mulheres orleanenses, no sul do estado de Santa Catarina, entre as décadas de 1900 e 1910, o espartilho aparece como obstáculo ás atividades domésticas. Não somente por dificultar o trabalho, mas também, devido a maneira custosa com que tinham acesso a peça, o espartilho era considerado um luxo para poucas mulheres abastadas e influentes da época. O espartilho de Hermelina Minatti Pfutzenreuter encontrado no Museu da Imigração Conde d’Eu, reflete a condição elitizada de algumas mulheres neste período. Cidadã orleanense, filha de imigrantes alemães vindos da Europa em busca de oportunidades de trabalho por volta do final do século XIX, casou-se com Otto Pfutzenreuter, também de origem alemã e singular visão comercial que viera a desenvolver com o passar dos anos várias atividades comerciais, sócio-políticos e culturais no município de Orleans. Na entrevista com Orlinda C. Pfutzenreuter foi possível perceber nos seus relatos que sua mãe, contemporânea de Hermelina M. Pfutzenreuter, era esposa de um próspero comerciante, além de contar também com o auxílio de empregadas que executavam os serviços domésticos. Popularizado pela globalização e difundido nas mais variadas culturas, o espartilho sempre será uma peça do guarda roupa feminino de uso singular. Impingido em nome da beleza e abolido em prol da liberdade de expressão da nova mulher que nasceria nos anos vindouros do século XX, ainda que tenha tido um início tortuoso e submetido durante anos as mulheres ao sacrifício pela moda, o espartilho chegou ao seu apogeu com ares de rei, tendo sempre o seu espaço reservado no guarda-roupa feminino e na imaginação dos homens. Referências 131 CAPRI, Paula. Espartilhos. São Paulo, 2007. Disponível em: <http://manequim.abril.com.br/desafiodamoda>. Acesso em 16 de julho de 2008. CIMNET, Carolina. Três mil anos de espartilho e fetiche. São Paulo, 2006. Disponível em: <http.www.terra.com.br/diversão/interface/espartilho.htm>. Acesso em 16 de julho de 2008. DALL’ALBA, João Leonir. Pioneiro nas terras dos condes. –2.ed..- Orleans: Gráfica do Lelo, 2003. 208 p.:il.; 20 cm. GARCIA, Claudia. História dos Espartilhos. São Paulo, 2006. Disponível em: <http://almanaque.folha.uol.com.br/espartilho_historia.htm>. Acesso em 16 de julho de 2008 LOTTIN, Jucely. Orleans 2000: história e desenvolvimento. Florianópolis: Elbert, 1998. 228 p. PERROT, Michel (Org.). História da vida privada, 4: da revolução Francesa à Primeira Guerra; tradução Denise Botman, partes 1 e 2; Bernardo Joffily, partes 3 e 4. São Paulo: Companhia das Letras, 1991. VELLOSO, Beatriz e SANCHES, Mariana. Por que elas querem ser tão magras? Época, edição nº 432 , 28/08/06. Disponível em: http://www.patriciagalvao.org.br/novo2/Epocamagra.htm> Acesso em 16 de julho de 2008. ______________. Espartilho. Encicoplédia Virtual Livre Wikipédia. São Paulo, 2006. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/espartilho. Acesso em 16 de julho de 2008. . Sumário 132 III CONGRESSO INTERNACIONAL DE EDUCAÇÃO UNIBAVE “Educar na e para a diversidade” Orleans, 06, 07 e 08 de novembro de 2008 SAPATO ARTESANAL: O OLHAR MUSEOLÓGICO SOBRE A CULTURA DE PRODUÇÃO E USO Valdete Baggio Crocetta 1 RESUMO: Desde os primórdios, o homem vem procurando formas de produzir condições para qualificar sua vida, iniciando pela criação de pequenos artefatos para conseguir alimento e também para proteger-se contra os animais e as intempéries da natureza, como o frio ou rugosidade e aspereza do solo, adversidades resolvidas, por exemplo, com a criação do calçado. Tal criação, rudimentar no início, se aprimorou cada vez mais, chegando atualmente a uma multiplicidade de opções que se adaptam à cultura de cada local e em decorrência a modificam conforme das inovações se faz uso. Tomando como base esse processo evolutivo, a pesquisa sistematizada neste artigo teve por pretensão analisar que aspectos delinearam a produção do calçado no início do século XX e sua influência na cultura de Orleans (Brasil). Para tanto, utilizou-se do método exploratório e a abordagem qualitativa. Espera-se que as reflexões resultantes deste estudo possam contribuir para avançar no entendimento sobre as produções humanas, ressaltando que ao mesmo objeto podem ser atribuídos valores distintos, os quais são convencionados culturalmente pelas condições estabelecidas em cada sociedade. Palavras-chave: Produção Artesanal. Valorização Cultural. Calçado. Acervo Museológico. Introdução Muito antes das primeiras civilizações aprimorarem significativamente suas condições produtivas, o homem já utilizava algum artefato para proteger seus pés, como o couro, a madeira e até mesmo os tecidos. Na produção dos artefatos com couro, por exemplo, o material era secado ao sol e untado com graxa feita a partir de produto animal. A fabricação era muito simples: 1 Acadêmica do Curso de Museologia do Centro Univesitário Barriga Verde – UNIBAVE – Orleans (Brasil). e-mail: [email protected]. III CONGRESSO INTERNACIONAL DE EDUCAÇÃO: EDUCAR NA E PARA A DIVERSIDADE ORLEANS, 06, 07 E 08 DE NOVEMBRO DE 2008 PP. 133-144 cortava-se o couro de um tamanho apropriado ao pé, fixando-o por meio de tiras vegetais ou animais. Assim, no princípio era apenas um pedaço de couro atado aos pés, mas gradativamente o processo produtivo foi aprimorado, fazendo surgir modos cada vez mais inovadores de produzir esse e outros artefatos. A evolução das técnicas usadas na manufatura do calçado é observada neste estudo, começando pela antigüidade, passando do artesanato para a industrialização e chegando aos dias atuais. A ênfase é dada, contudo, ao calçado artesanal produzido em Orleans (Brasil) no século XX e o contexto social a qual está inserido este objeto 2. Para viabilizar a pesquisa optou-se pelo método exploratório e abordagem qualitativa, utilizando-se da técnica de história oral com uso de entrevista semi-estruturada, tendo três pessoas como participantes que vivenciaram este período. Esteja passeando ou trabalhando, o calçado é hoje essencial como complemento do vestuário de qualquer cidadão. Considerando essa perspectiva, este trabalho pretende ressaltar que valores distintos podem ser atribuídos ao mesmo objeto dependendo do contexto em que dele se faz uso. 1 A produção artesanal Historicamente, o artesão responde pelo processo inicial de transformação da matériaprima em produto aprimorado. Mas antes da fase de transformação, o artesão é responsável pela seleção da matéria-prima a ser utilizada e pela concepção ou projeto do produto a ser executado. A partir do século XI, o artesanato ficou concentrado em espaços conhecidos como oficinas, local em que geralmente um pequeno grupo de aprendizes vivia com o mestre-artesão, detentor de todo o conhecimento técnico. Este oferecia, em troca de mão-de-obra barata e fiel, conhecimento, vestimentas e comida. Criaram-se as Corporações de Ofício, organizações que os mestres de cada cidade ou região formavam a fim de defender seus interesses. Com a Revolução Industrial, teóricos do século XIX e artistas criticavam a desvalorização do artesanato pela mecanização, considerando que o artesão tinha uma maior liberdade por possuir os meios de produção e pelo alto grau de satisfação e identificação com o produto. 2 Trata-se de um sapato fechado produzido artesanalmente. Pertence ao acervo do Museu da Imigração Conde D’Eu de Orleans-S.C. 134 Na tentativa de lidar com as contradições da Revolução Industrial, William Morris funda o grupo de Artes e Ofícios na segunda metade do século XIX, tentando valorizar o trabalho artesanal e se opondo à mecanização. Segundo Mantoux (1991) o artesanato antes da Revolução Industrial era a tarefa mais importante. Havia mestres, oficiais e aprendizes, numa hierarquia que indicava o domínio que cada artesão tinha do seu fazer. Havia artes ou ofícios, maiores e menores, mas a sapataria era sim, uma arte. Nos 200 anos transcorridos entre o final do século XVII e o final do século XIX, popularizou-se a distinção entre “artista” e “artesão” e também se especificou o “cientista”. A arte passou a ser concebida como o conjunto dos bens “espirituais” nos quais a forma predomina sobre a função e o belo sobre o útil. A ela se atribuiu uma pretensa autonomia, associada à noção de uma produção com certa gratuidade de propósito, e definiu-se a idéia do gênio criador, produtor de peças únicas, não-repetíveis. Já o artesanato ficou como o domínio dos objetos com sentido prático e feitos em série. O termo “artesão” se tornou cada vez mais especializado para defenir o trabalho manual que, embora habilidoso, não se propõe a propósitos intelectuais ou criativos. Foi, pois, a estética moderna que circunscreveu o artesanato. A ciência também se separou das artes, as quais deixaram de ser liberais para se tornarem belas (CANCLINI, 2003). Apesar de ser uma atividade antiga, felizmente os artesões conseguem mantê-la de certa forma atualizada. Atualmente o artesanato tem a seu favor várias técnicas, produtos e materiais que possibilitam mais agilidade ao artesão, sem deixar de lado a faceta tradicional do ofício. 1.1 A história e evolução do calçado É interessante observar as modificações sofridas pelos calçados, desde a pré-história até atualidade. A maioria dos povos como os sumérios, egípcios e hindus andavam preferencialmente descalços, criando desta forma uma proteção natural aos pés. Alguns, contudo, enrolavam algum tipo de couro animal para uma maior proteção. Através de inscrições egípcias, chinesas e de civilizações emergentes da época, percebeuse que os sapatos estavam sempre presentes. Conforme afirma Dorfles (2003) existem evidências de que a história do sapato começa a partir de 10.000 a. C., ou seja, no final do período paleolítico (pinturas desta época em cavernas na Espanha e no sul da França fazem referência ao calçado). 135 As sandálias dos egípcios eram feitas de palha, papiro ou de fibra de palmeira. Sabe-se que apenas os nobres da época possuíam sandálias. Mesmo um Faraó como Tutancâmon usava calçados como sandálias e sapatos de couro simples (apesar dos enfeites de ouro). Os primeiros sapatos macios foram introduzidos na Mesopotâmia por montanheses da fronteira que invadiram o vale e o material utilizado era o couro cru. Os coturnos eram símbolos de alta posição social. Na Grécia o tipo de calçado mais conhecido era a sandália, que era usada principalmente pelos ricos. Dentro de casa os gregos raramente usavam sapatos, mas os mais pobres também andavam descalços nas ruas. Foram os gregos que lançaram a diferença entre pé esquerdo e pé direito, foi uma grande inovação para a época, fazendo muito sucesso. Da mesma forma que por algum tempo, quem determinava a classe social foi os saltos, os vermelhos eram das classes privilegiadas, com ornamentos em ouro. Foi com Eduardo III que surgiu a moda dos bicos compridos, que o rei limitou a duas polegadas, depois com Ricardo II aumentaram para 18 polegadas, ou seja, 45 centímetros. Em Roma o calçado indicava a classe social. Os cônsules usavam sapato branco, os senadores sapatos marrons presos por quatro fitas pretas de couro atadas por dois nós e o calçado tradicional das legiões era a bota de cano curto que descobria os dedos. A padronização da numeração é de origem inglesa. O rei Eduardo (1272-1307) foi quem uniformizou as medidas. A primeira referência conhecida da manufatura do calçado na Inglaterra é de 1642 quando Thomas Pendleton forneceu 4.000 pares de sapatos e 600 pares de botas para o exército. As campanhas militares desta época iniciaram uma demanda substancial por botas e sapatos. O salto alto, como conhecemos hoje, apareceu primeiro no pé de um homem: o vaidoso Rei Sol, Luís XIV, que imperou na França de 1643 a 1715. Por se achar muito baixo, mandou fazer calçados de saltos pintados com miniaturas, pedras e fitas. A corte, em decorrëncia, adotou o modelo (BARROS). Em meados do século XIX começam a surgir às máquinas para auxiliar na confecção dos calçados, mas só com a máquina de costura o sapato passou a ser mais acessível. Mas é a partir do século XX que grandes mudanças começam a acontecer nos calçados e eles começam a ser fabricados em massa. A partir da década de 40 que nas indústrias de calçados começa a acontecer 136 a troca do couro pela borracha e pelos materiais sintéticos principalmente nos calçados femininos e infantis (FRANCASTEL, 1963). Estamos em 1900 e o progresso bate à porta, a moda ganha vez e voz. Nos pés predomina o estilo boneca. Bicos arredondados, botões e laços fazem parte da moda. Saltos grossos e baixos, enfeites com pele de animais, uso de duas cores e texturas diferentes era a grande pedida. Em 1920 já passa ser a vez dos sapatos bicolores de salto alto com abertura no calcanhar, que se tornariam um clássico da moda. Saltos altíssimos em formatos variados viram coqueluche. Os sapatos se tornam, então, objetos de desejo de homens e mulheres. Os anos 30 foram marcados pela escassez do couro, o que obrigou a indústria de calçados a adotar outros materiais. O cinema e a reconstrução da Europa no pós-guerra movimentam a indústria da moda. Os sapatos dos anos 40 tinham bico redondo e plataforma de madeira revestida com couro de vaca. Sapatos de salto tipo agulha são a tônica dos anos 50. Bicos finos alongados conferem uma dose extra de feminilidade aos calçados. A moda reinventa o modo de revestir os pés de homens e mulheres, e as novas formas e desenhos conquistam os pés mundiais. Os anos 60 trouxeram uma grande abundância de estilos. Sapatos baixos e de bico arredondado fizeram a cabeça e os pés dos homens. Surge o mocassim, calçado preferido pelos estudantes norte-americanos e europeus. Aparecem as botas longas e justas. Os anos 70 pediam sapatos com motivos folclóricos e étnicos. Cor, verniz, brilho, saltos grossos, plataformas e bicos redondos completam a fase. Logo no começo da década de 80, o sapato ganhou vida própria. A indústria se desenvolveu e um único estilo já não é mais aceito, usa-se de tudo. O tênis ganha força e vitalidade, tornando-se um grande curinga. No começo eles possuíam sola de borracha, eram feitos de lona e amarrados com cadarço. Essa combinação os deixava leve. Gradativamente, o tênis foi sendo incorporado ao vestuário do dia-a-dia. Esse processo foi longo e continua ocorrendo. A partir dos anos 90, nada se cria e tudo se transforma. Nos pés, o resgate dos anos 50 e 70 se faz presente. Exotismo, futurismo e uma pitada de audácia são os principais ingredientes do calçado da moda ( FRANCASTEL). 137 A tecnologia avança e, com isso, a indústria de calçados se aperfeiçoa, criando modelos e materiais cada vez mais admiráveis. Surgem as campanhas publicitárias milionárias que apostam no sapato como arma de sedução e sucesso. 2 O calçado no contexto histórico de Orleans no século XX Com a pretensão de conhecer a realidade histórica mais próxima, o estudo desenvolvido nesta pesquisa se construiu a partir do objeto do Museu da Imigração Conde D”Eu de OrleansSanta Catarina (Brasil) (registro 12-134). Trata-se de um sapato fechado, modelo infantil, de couro de boi, na cor preta. Foi produzido artesanalmente pelo comerciante e artesão Rodolpho Dalsasso e doado ao museu em 2004, por seu neto, Paulo Afonso Dalsasso. Após a pesquisa do objeto, utilizou-se do método exploratório, optando-se em desenvolver e apropriar-se da técnica de história oral, por meio de entrevistas. A pesquisa exploratória envolveu pessoas que tiveram experiências praticas com o problema pesquisado. Para melhor entendimento foram entrevistadas pessoas que tivessem alguma ligação com o objeto pesquisado. Sendo eles: Paulo Afonso Dalsasso, funcionário do museu e neto do artesão citado acima; Acari Bússulo, sapateiro aposentado e João F. Geremias, ex-caixeiro viajante e pioneiro na indústria calçadista de Orleans. Utilizou-se para as entrevistas, um roteiro semi-dirigido, através de um pré agendamento com o entrevistado. O estudo possibilitou tecer reflexões sobre vários ângulos da construção do saber sobre o objeto de pesquisa, de modo a perceber que no acervo dos museus existe um vasto potencial de informação histórica e cultural. Para contextualizar o objetivo é importante referenciar Orleans e sua trajetória histórica. O atual município vivia por volta de 1900 num período sem eletricidade, com poucas casas comerciais e os transportes dependiam dos carros de boi e carroças em estradas precárias. A maioria das casas era feita de barro. O comércio, a indústria e outros serviços foram atividades que nasceram com a chegada da população imigrante. A compra e o conserto de calçados deram início ao comércio. Rodolfo e Augusto Westphal, Domenico Pizzolatti e Francisco Hustad foram 138 os pioneiros nas atividades de sapataria e selaria. Esses registros são de 1896 e se referem a atividades que atravessaram o século com duração por muitos anos. De 1910 a 1950 tiveram grande atuação as charqueadas 3 e o então já município de Orleans tornou-se grande exportador de carne de gado e couros, abatendo tropas vindas da serra, motivo de atração de novos comerciantes e industriais. Em 1927 funcionava juntamente com a Casa Verani a Sapataria Verani, depois vieram as lojas de calçados mais especializadas e a do Sr. Rodolpho Dalsasso foi uma das primeiras (DALL’ ALBA, 1986) Em entrevista com o Sr. Paulo Afonso Dalsasso, funcionário do Museu da Imigração Conde D’Eu de Orleans se constatou que o sapato era usado exclusivamente para passeio e os colonos mais abastados e do sexo masculino eram os clientes mais freqüentes. As mulheres da cidade, principalmente, usavam sapatos abertos, provenientes de outras fábricas ou dos caixeiros viajantes. O sapato era feito por encomenda, media-se o pé da pessoa com um cordão, depois era moldado nas fôrmas de madeira, já prontas pelo próprio artesão no formato do pé e com o uso do alargador, outra peça em madeira que dividida ao meio possibilitava sua abertura conforme o formato do pé do cliente, [...] normalmente ficava um pouco apertado, aí tinha uma ferramenta que enfiava dentro do sapato e atarraxava até abrir o couro. Ficava às vezes um dia com aquela tarraxa dentro e de vez em quando tinha que dar uma apertadinha. Atarraxava mais, aí ia alargando o couro e aí quando o indivíduo vinha, testava. Ta bom, não ta bom, ficava mais um dia na tarraxa, bota mais um pouco de pressão e até ela ir abrindo e ficar confortável. 4 O material usado para a fabricação era o couro do boi, produzido no curtume Pizzolatti (existe ainda hoje, só que desativado), que já saía pronto: uma parte era destinada para o sapato e outra mais grossa, a interna, para a sola. Como nesta época não tinha cola, a fixação da sola era feita com pequenos pregos de madeira molhada, também artesanal. 3 Charqueada é o nome que os brasileiros dão, no estado do Rio Grande do Sul, à área da propriedade rural em que era produzido o charque (onde se "charqueia" a carne} : uma quantidade de galpões cobertos, onde a carne salgada era exposta para o processo de desidratação. Fonte: Alvarino da Fontoura Marques - Episódios do Ciclo do Charque 4 Trecho da entrevista com Paulo Afonso Dalsasso. Orleans-SC, 26 de maio de 2008 139 Na obra Colonos e Mineiros (Dall’Allba, 1986, p. 154) são registradas algumas abordagens, por meio de declarações diretas, conseguidas em entrevistas. Entre elas com a senhora Cláudia Santana, a qual afirmou que “Andava-se descalço. Aos domingos, sapatos para ir aos bailes. Mas ao entrar na sala tirava-se o sapato e colocava-se embaixo do banco, onde a mãe sentava e tomava conta.” Por outro lado, o senhor Pedro José Novalski, nascido em 1905 não chegou a conhecer calçado. D. Lidína Oening Borget, explica: Nos pés usavam as chamadas botinas e sapatos abertos. Só tinha um par, cada pessoa. Mesmo tendo sapato, quando iam à missa nos domingos, iam descalços, ou com um chinelinho. Calçavam sapatos só quando estavam perto da igreja, pois era muito cansativo andar todo aquele trajeto a pé, com os sapatos que eram muito pesados. Henrique Baggio comenta: “Não se usava calçados nos pés. Só gente de mais posses usava tamancos”. E Maria de Lourdes Dimon conta que: “Só aos 13 anos é que ganhavam o primeiro sapato.” Por meio destas declarações diretas, levantadas na década de 70, em geral os entrevistados eram já anciãos, nascidos em fins do século XIX ou início do século XX, foram obtidas informações de extrema relevância para situar o objeto no contexto histórico. Do conjunto das respostas é que se pode compreender melhor como era a vida desse povo. Uma fase difícil, com poucas estradas, escassos meios de subsistência, comércio precário, sem energia elétrica e as benesses mais simples da civilização moderna. Lembrando sempre que Orleans teve contato com culturas diversas e diferenciadas. Hoje os meios de comunicação unificam gestos, costumes, maneiras de viver, sentir. Naqueles tempos, vivia-se isolado, cada um revivendo a cultura do seu país de origem. Os tamancos também eram bastante comercializados, eram feitos artesanalmente de madeira especial, bem mole e leve, como: a canela sebo, canela nosara, caxeteiro, uma madeira que impedia a penetração de umidade e frio nos pés e que não gastava com facilidade. Eram fabricados em Urussanga – Santa Catarina. Trabalhava-se muito durante a noite na confecção dos tamancos, faziam em média 5 pares cada vez, que durante o dia eram vendidos para armazéns nos municípios vizinhos como Orleans. Conforme entrevistas as sapatarias passaram a vender outros tipos de calçados provenientes das fábricas. Uma destas fábricas pertenceu ao Sr.João Frontino Geremias, ex-caixeiro viajante e pioneiro na indústria calçadista desta cidade. Conta ele: 140 Iniciei a J. F. Geremias, em 1969, com oito funcionários chegando a quatrocentos. Produzia 70.000 mil pares de sapatos por mês para o mercado externo e 15.000 para o interno. Naquel período surgiram mais cinco fábricas, uma delas a MONZA, especializada em tênis. Como a maior parte da produção destinava-se ao mercado externo, em 1987, todas foram afetadas pela desvalorização da moeda estrangeira acarretando, conseqüentemente, em mudanças de atividades no setor industrial. 5 Atualmente Orleans possui várias sapatarias, atendendo a um variado público consumidor. Outro entrevistado, Acari Bússulo, ex-sapateiro, trabalha hoje com conserto de calçados nesta cidade: [...] eu em 1967 a 1983 eu parei de trabalhar. Trabalhei na firma de construção de asfalto empresa Betta de construções. Aí tive 16 anos fora daqui, aí voltei a trabalhar na fábrica de calçados J G que era do meu cunhado, o Geremias, aí me aposentei, fiquei um tempo parado, aí resolvi colocar isso aqui. 6 Além desses resultados, as entrevistas acrescentaram informações importantes sobre os aspectos que delinearam o período em que o objeto foi produzido, bem como o saber fazer da época. Para apresentar uma sistematização conclusiva dos resultados cita-se a fala de José Mauro Matheus Loureiro: 7 Como tantos saberes e discursos recentes criados para darem conta de fenômenos específicos, a Museologia possui um solo teórico ainda pouco cristalizado e em permanente mudança. Desse modo, tem a possibilidade de reunir e organizar diferentes lógicas e esferas do conhecimento dispondo-a a serviço de objetivos comuns. Neste ponto, residiria a sua grande riqueza. CONSIDERÇÕES FINAIS Ao se observar a trajetória das técnicas utilizadas desde a pré-histórica, quando o homem inicia sua criação de artefatos para caça e para sua própria proteção, até as mais variadas técnicas e materiais de 5 Trecho da entrevista com João Frontino Geremias, em Içara-SC, 21 de janeiro de 2008. Trecho da entrevista com Acari Bússulo em Orleans-SC, 25 de maio de 2008. 7 LOUREIRO, José Mauro Matheus. Formado em museologia pela UNIRIO/1980, mestre e doutor em Ciência da Informação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro(UFRJ). 6 141 fabricação para a confecção do calçado utilizado atualmente, pode-se considerar que o calçado passou, então, por várias mudanças de valores. Como assinalado anteriormente, esta pesquisa pretendeu ressaltar não apenas o sistema de produção, bem como a população a ser atingida, o material a ser empregado, consistindo no fato de que o artesão dominava toda a técnica, ficando a cargo dele a venda ou troca do produto fabricado artesanalmente. A indústria hoje, diferentemente, todo esse processo está subdividido em diversas etapas e cada pessoa se encarrega de algumas poucas atividades, no que concerne à fabricação do calçado, perdendo de vista o domínio das atividades como um todo. A pessoa que curte o couro só executa esta atividade e repassa esta matéria prima para o fabricante de calçado que irá processar o material para depois ser vendido no comércio aos usuários. Deste modo, o contato entre a atividade de curtição do couro e seu usuário final é distanciado em virtude da divisão do trabalho, provinda da Revolução Industrial. Nesse processo, o que se nota é que o fabricante do calçado nunca pôde deixar de ser criativo para se sobressair perante seus concorrentes. Também deve ser ressaltado o fato dos funcionários das fábricas não terem mais controle de todo o processo da fabricação e comercialização, ocorrendo uma subdivisão do processo em várias etapas com atividades distintas, comandando toda essa produção, desde a criação passando pela manufatura até chegar às mãos dos consumidores: objetivo final. A evolução continua mais rápida que antes, devido à alta concorrência e as facilidades provenientes da informatização das empresas e setores comerciais, juntamente com a globalização que chega até os mercados mais longínquos, podendo desta maneira produzir calçados para usuários dos mais diversos lugares e classes sociais. Atualmente a oferta de modelos de calçados tem crescido, assim como de vários itens do nosso vestuário. Esta oferta de produtos responde a uma necessidade da moda em ser mais democrática, onde fazer moda significa produzir de maneira mais individual. Indo nesta direção, as tendências de moda, que são frutos do resultado medido pelos formadores de opinião em relação às possibilidades numa determinada estação, apresentam cada vez mais opções. O sapato do século XXI é fruto do design. Em futuro bem próximo possivelmente poderemos encontrar um calçado exato para cada pé e personalidade, e se não o encontrarmos poderemos solicitá-lo e ele será fabricado em escala industrial, mas de maneira personalizada. Poderemos escolher os componentes que me melhor nos convier e poderemos participar da ação de personalizá-los. As tendências do futuro devem revelar, ainda forte influência do estilo do passado, bem como o modo de produção artesanal que hoje atinge com exclusividade uma minoria da elite social. 142 Deste modo a pesquisa a partir de um objeto, torna possível, saber ler, interpretar e compreender o contexto em que este está inserido. Assim sendo, pode-se perceber vários aspectos que delinearam a produção de calçados no século XX, entre eles que houve na localidade de Orleans uma divisão de classe social: comerciantes, industriais, produtores rurais bem sucedidos, os que usavam sapatos... E a classe dos que andavam descalços. Além disto, pode-se avaliar as várias possibilidades de abordagens deste assunto, a partir da pesquisa do objeto. Referências BARROS, F.; NAHUM, P. Sapatos _ Crônica de um Tempo 1900-1991. São Paulo: Francal _ Feiras e Empreendimentos, 1991. CANCLINI, Nestor García. Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. 4 ed. São Paulo: Edusp, 2003. CARRASCO, J. M. Estilismo e Modelagem. Técnica do Calçado. Vol. 1. s.l.: José Maria Carrasco, s.d. _________. Engenharia do Produto. Sistemas de Fabricação. Vol. 2. s.l.: José Maria Carrasco, s.d. DORFLES, G. A Moda da Moda. São Paulo: Martins Fontes, 2003. DALL’ALBA, João Leonir. Colonos e Mineiros no Grande Orleans. Florianópolis: IOESC,1986.408p. ___________ Pioneiros nas Terras dos Condes. Orleans:Gráfica do Lelo, 2003. 208p. ___________ Imigração Italiana em Santa Catarina. Documentário: EDUCS, 1983. 182p. FERREIRA, Vieira. Azambuja (Pedras Grandes) e Urussanga. Orleans: Gráfica do Lelo Ltda, 2001. FRANCASTEL, P. 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Disponivel em: http://www.unimar.br/publicações/assentamentos. Acesso em: 12 jul. 2008. Sumário 144 III CONGRESSO INTERNACIONAL DE EDUCAÇÃO UNIBAVE “Educar na e para a diversidade” Orleans, 06, 07 e 08 de novembro de 2008 QUALIFICAÇÃO DE DOCENTES DAS SÉRIES INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL PARA A INCLUSÃO DE ALUNOS COM DEFICIÊNCIA Carla Coan UNIBAVE - [email protected] TC 1C2 Resumo: A inclusão de alunos com deficiência no contexto escolar regular é o fenômeno que vem dinamizando as discussões da educação nos limiares da Sociedade da Informação. Diante das possibilidades e das necessidades que movimentam o cenário educativo em função dessas discussões, o objetivo deste estudo é analisar a qualificação de professores das séries iniciais do Ensino Fundamental para a inclusão de alunos com deficiência. Para tanto, utilizou-se uma pesquisa exploratório-descritiva viabilizada mediante a aplicação de uma entrevista semiestruturada, por se entender que essa técnica favorece a visão mais ampla sobre o assunto pesquisado. Espera-se que os resultados deste estudo contribuam para aprofundar os conhecimentos sobre uma realidade em construção, expressando a perspectiva daqueles que atualmente estão diretamente vinculados ao exercício da inclusão. Palavras-chave: Inclusão. Deficiência. Qualificação do professor. Introdução O presente estudo aborda a temática da inclusão como foco principal por ocasião da inserção, no ensino público, das políticas de educação inclusiva criadas pelo MEC e por outros órgãos nacionais e internacionais, visando identificar como está a qualificação do profissional docente para acolher alunos com deficiência diante de propostas desafiadoras de inclusão. Assim, os objetivos concentram-se na análise, identificação e observação do processo de qualificação de professores, visando saber, entre outras questões, se os mesmos sentem-se preparados para acolher alunos deficientes e se consideram a inclusão relevante. III CONGRESSO INTERNACIONAL DE EDUCAÇÃO: EDUCAR NA E PARA A DIVERSIDADE ORLEANS, 06, 07 E 08 DE NOVEMBRO DE 2008 PP. 145-153 A inclusão de alunos com deficiências e o contexto escolar Na realidade escolar são cada vez mais acentuadas as reflexões sobre a necessidade de tornar realidade processos de inclusão. Nessa direção, o próprio avanço do mundo da tecnologia, os avanços da medicina e das próprias teorias educativas estão influenciando os meios educacionais a reconhecerem as pessoas com deficiência como seres sociais, ou seja, cidadãos com direitos para desenvolver suas potencialidades. Contudo, é somente nos últimos anos que a idéia de incluir efetivamente está atingindo um nível de discussão mais profundo. Esse fato pode ser observado no teor das regulamentações que delimitam as políticas inclusivas, como no caso da Lei nº 9394 - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, a qual define que deve ser oportunizada aos alunos com deficiência a freqüência na escola de ensino regular. Na efetivação das deliberações legais um fato que chama a atenção é se realmente tem acontecido um processo formativo que possibilite aos professores acolher esses alunos. Não se defende com isso que o processo delimitado pela legislação seja interrompido ou invalidado. Contudo, é importante que se atente para as necessidades que decorrem desse processo. Assim, está claro que no novo milênio a educação deve ser para todos, sendo que é extremamente relevante que todos sejam incluídos no ensino escolar. Para tanto, é indispensável que a todos sejam dadas as condições para que na prática os resultados esperados se efetivem e, para isso, é fundamental a preparação do professor e sua busca permanente por qualificar seu trabalho. O que se espera deste novo milênio para a educação são novas perspectivas, principalmente em relação ao mito de duas “educações”: “Uma regular e outra especial”. Sobre este prisma, “tem-se esperança de que algo ocorra”, pois “a esperança traz, como ”tempero” da expectativa, a fé, a crença, a confiança de que acontecerá o que se deseja” (CARVALHO, 2002, p. 14). Diante disso, é importante destacar, segundo Goffredo (1999), que o processo de educação especial é uma questão nova e que recentemente está tendo um grande avanço. E é imprescindível entender como as pessoas com deficiência têm o direito à inclusão, pois, até então, elas não puderam estar próximas dessa realidade. Por isso, a necessidade de se elaborar propostas permeadas por procedimentos didáticos específicos e adequados às condições desses alunos que agora formam as equipes inseridas nas escolas regulares. Essas propostas 146 devem ser projetadas por professores do ensino regular com os professores do ensino especial, para troca de experiências e conhecimentos. Para essa mesma autora, o comportamento da pessoa deficiente é decorrente do processo ensino/aprendizagem oferecido até então, ou seja, a estima negativa perante o deficiente só tende a obter um conceito negativo diante das dificuldades encontradas. A escola deve enfrentar isso e, conseqüentemente, modificar essa realidade ainda existente. Quanto mais a estima estiver positiva, maior será o rendimento no processo de desenvolvimento/aprendizagem. E para quebrar a visão negativa que o ensino regular enfrenta, a mesma autora alerta para a seguinte questão: se a escola existe em função do aluno, para que esse possa se apropriar de conhecimentos, habilidades, técnicas; por que a maioria das escolas não é assim? [...] Os alunos deficientes, por serem diferentes são discriminados, porque a escola impõe uma regra de que todos devem ter um único modo de ser, padronizado. E isso faz com que “essas crianças com carência social e cultural são vistas como incapazes de aprender e avançar dentro de uma escola acabada e perfeita, que se julga imune a qualquer avaliação.” (GOFFREDO, 1999, p. 49). É preciso um olhar mais profundo sobre as condições de existências das pessoas com deficiência para que não se negue as especificidades de suas necessidades. Buscando a homogeneidade, é escamoteado que crianças diferentes criadas em contextos diferentes, expostas a realidade diferente, desenvolvem, conseqüentemente, habilidades e conhecimentos diferentes. Embora a diferença não signifique a capacidade de uns para aprender e a incapacidade de outros, sua existência aponta a necessidade de que o trabalho escolar possa incorporar a heterogeneidade que constitui o real, sendo construído a partir destas diferenças, que o tornam mais rico e dinâmico. (ESTEBAN, 1992, p. 80 apud BRASIL, 1999, p. 49). Uma escola para ser inclusiva precisa estar preparada para acolher e trabalhar com alunos que precisam de atenção especial, atendendo necessidades para o desenvolvimento das suas potencialidades. Para uma escola se tornar inclusiva precisa do todo o apoio da sociedade, da participação de todos e não somente dos professores, pois um professor que tem uma atitude inclusiva precisa ter os meios para inserir o aluno com necessidades especiais na escola regular, fazendo com que este se sinta bem junto com seus colegas (VARGAS, 2003). Assim, por um lado está a estrutura que deve ser disponibilizada ao professor, por outro, sue compromisso e o conhecimento para tornar real a inclusão. Para Atack (2001, p. 35) “um professor é alguém que ajuda os outros a aprender”. Por isso, o mesmo autor oferece sugestões para que o professor tenha um bom desempenho: 147 o professor competente deve ser um bom observador, ou seja, aquele que olha, acompanha. Sabe-se que essa técnica é a mais simples para o professor, mas é a mais complicada de cumprir, pois o mesmo, ao olhar seus alunos, deve observar tudo do que necessitam e cumprir as necessidades ali observadas. um bom profissional é ser um provedor, é aquele que providencia todo o material adequado, para poder ter um bom rendimento em sala de aula. ser um facilitador também é importante, pois é no papel de facilitar as ações dos deficientes que o professor deve atuar. Por exemplo, uma pessoa com deficiência física, o profissional deve facilitar para que este aluno consiga produzir suprindo suas necessidades. ser um grande ouvinte e interessado. A criança que está num meio escolar deve ser muito encorajada, deve receber elogios para continuar se desenvolvendo seu potencial. É uma técnica de grande valia para motivar os alunos deficientes. Estas observações citadas por Atack são fundamentais para o processo de inclusão que não pode ser concebida como uma prática isolada, mas um trabalho no qual toda comunidade escolar se sinta de alguma forma comprometida. Para tanto, o processo de inclusão vem quebrar alguns paradigmas que a sociedade impôs. Paradigmas esses derivados de diferentes dimensões. Ou seja, o modelo de escola oferecido é aquele forçado pelo modelo econômico, político, social e cultural que precisa ser superado para dar lugar a uma nova dinâmica educativa. [...] o acesso e permanência na escola, desta maioria, podem significar a oportunidade de trabalhar ou desmistificar as contradições que constituem, determinam e condicionam a produção da natureza, das relações históricosociais até a subjetividade e individualidade que caracteriza cada um dos seres vivos (SANTA CATARINA, 2001 p. 9). Portanto, as premissas inclusivas são imprescindíveis para delimitar um novo horizonte de inserção das pessoas com deficiência. Contudo, vivenciamos um processo no qual várias bases de sustentabilidade devem ser implantadas, como a formação dos professores e todos os demais aspectos que contribuam para a efetiva inclusão. Metodologia No desenvolvimento da pesquisa, optou-se pelo método exploratório-descritivo. De acordo com Galliano (1986, p. 06), “o método é um conjunto de etapas, ordenadamente 148 dispostas a serem vencidas na investigação da verdade, no estudo de uma ciência ou para alcançar determinados fins”. A pesquisa exploratória é descrita por como sendo a pesquisa que melhor pode definir o objetivo principal da investigação, tendo uma maior familiaridade com o problema pesquisado. O método descritivo é definido como “a descrição das características de determinada população ou fenômeno ou, então, o estabelecimento de relações entre variáveis” (GIL, 2002, p. 42). Na escolha da abordagem optou-se inicialmente pela qualitativa, que de acordo com Lakatos (2004, p. 269), “[...] preocupa-se em analisar e interpretar aspectos mais profundos, descrevendo a complexidade do comportamento humano. Fornece análise mais detalhada sobre as investigações, hábitos, atitudes, tendências de comportamento etc.” Contudo, em parte das questões aplicadas seguiu-se a perspectiva quantitativa. A abordagem quantitativa, também denominada por metodólogos internacionais como paradigma quantitativo, tem entre os pressupostos básicos a “busca pela objetividade mediante o desenvolvimento de técnicas que situem os dados à margem dos significados, interpretações e valores da sociedade e dos investigadores” (CARDONA, 2002, p. 29). A referida abordagem “pretende tomar a medida exata dos fenômenos humanos e do que os explica. [...] Conseqüentemente, deve escolher com precisão o que será medido e apenas conservar o que é mensurável de modo preciso” (LAVILLE; DIONNE, 1999, p. 43). A junção das duas abordagens foi possível em função de que algumas questões suscitavam respostas objetivas. Na seleção da técnica optou-se pela entrevista semi-estruturada, pois é a que permite um controle mais efetivo “... quando o entrevistador tem liberdade para desenvolver cada situação em qualquer direção que considere adequada. É uma forma de poder explorar mais amplamente a questão”. (LAKATOS, 2004, p.279). Para Rauen (2002, p. 125) “... a entrevista é uma forma de interação verbal não convencional. A relação entrevistador e entrevistado é singularizada, porque é orientada por determinado fim e delimitada por uma área temática”. Segundo Oliveira (1997), a coleta de dados é uma atividade cansativa e ocupa muito tempo do pesquisar, muito mais do que se espera. Assim, ele considera que o pesquisador tenha muita paciência, perseverança e um esforço pessoal significativo para um cuidadoso registro de dados e de um bom preparo anterior. Em função disso, as entrevistas foram 149 gravadas e estão armazenadas num banco de dados confidencial. Com isso, todos os dados apresentados por este relatório são questões relatadas pelos profissionais. Apresentação dos resultados Como o estudo objetivou coletar informações acerca da qualificação do professor para a inclusão, nos resultados apresentados a seguir foram selecionados os mais significativos. Para facilitar uma visão geral da situação que contorna a realidade dos entrevistados, optou-se dar mais ênfase a dados quantitativos, pois os mesmos permitem que se tenha um panorama de questões que precisam ser superadas ou estimuladas para que a inclusão seja definitivamente efetivada. 1. Você possui que tipo de formação? 100 % responderam que são pós-graduados 2. Dentre todos estes estudos, você fez algum curso direcionado à deficiência? 33% responderam que têm vários cursos na área 33% responderam que não têm curso na área 33% responderam que tiveram poucos cursos 3. Você, diante de toda a sua formação, considera-se apto para receber alunos com deficiências? Por que? 67% responderam que não 33% responderam que sim Os professores que responderam que não se sentem aptos para trabalhar com alunos com deficiências justificaram suas respostas afirmando ter pouco conhecimento da área e, portanto, não se sentem qualificados para trabalhar adequadamente com a situação. 4. Como será para você trabalhar em sala de aula com alunos com diferenças cognitivas? 67% responderam que trabalhariam somente com professor auxiliar 33% responderam que criariam atividades diversificadas 5. Quais os objetivos da inclusão? 33% responderam que a socialização 33% disseram que é por preconceito 33% disseram que é socializar, mas para esconder os preconceitos que existem 6. Considera adequado incluir os alunos com deficiência no ensino regular? Por quê? 33% responderam que não 150 33% responderam que sim 33% responderam que talvez 7. Entre os objetivos da inclusão o mais importante pode ser considerado a fato de estimular a superação do preconceito? 100% disseram que sim Para os participantes a idéia de incluir alunos com deficiência no ensino regular partiu da idéia de buscar alternativas para superar os preconceitos, sendo que em uma escola inclusiva poderiam ser trabalhados aspectos como acolhimento, respeito e valorização. 8. Agora é lei, você professora terá que estar preparada para receber alunos com deficiência. Mesmo que já tenha estudado para isso, considera importante se aperfeiçoar mais, ou seja, fazer novos cursos específicos para trabalhar com estes alunos? Por quê? 100% disseram que sim A unanimidade das respostas se deve ao fato de que os professores ainda se percebem pouco preparados, afirmando que os conhecimentos sobre a deficiência têm avançado e que uma formação continuada poderia ajudá-los a dinamizar o processo de inclusão, além de que se sentiriam valorizados por saber que existem políticas que se voltam para as necessidades dos profissionais que buscam a inclusão. 9. O que você sugere para que melhore a qualidade de ensino na escola pública, no tocante ao processo de inclusão? 33% responderam que o governo deve valorizar mais 67% responderam que se deve preparar mais os professores Considerações finais Por meio deste estudo pode-se perceber como o processo de qualificação dos docentes do ensino público está bastante debilitado, mesmo que exista uma preocupação com a inclusão de alunos com deficiência no ensino regular. Por isso é emergente a necessidade de uma maior qualificação para poder receber alunos com deficiência. Ao entrevistar os profissionais, observou-se que demonstram interesse para aprofundar seus conhecimentos e querem maiores informações, pois sem qualificação têm dificuldades de ministrar aulas de maneira proveitosa para todos os alunos. Diante disso segue algumas sugestões: 151 Os professores devem procurar novas especializações na área de inclusão; Os professores devem obter mais informação a respeito do processo de inclusão. O professor, independente o governo, precisa estar aberto ao processo de inclusão; A escola precisa apoiar e ajudar os seus profissionais com cursos para que possam receber todos os alunos, independente de sua necessidade. Nas políticas publicas a formação docente para a inclusão deve ser uma prioridade. A partir deste estudo, observa-se que os professores na sua grande maioria não se encontram satisfeitos com o processo de inclusão. Isso faz com que eles se sintam desmotivados, desanimados e preocupados com o ensino que oferecem. Além de considerar todas os aspectos implícitos nas respostas dos professores é preciso estimulá-los para que percebam que incluir é algo muito importante na vida de uma pessoa com deficiência e ninguém melhor que o professor, apoiado por formação e recursos, para potencializar as possibilidades de aprendizagem das pessoas com deficiência. Referências ATACK, Sally M. Atividades artística para deficientes. Campinas SP: Papirus, 2001. BRASIL. Secretaria de educação especial. Educação especial: tendências atuais. Brasília: SED, 1999. CARDONA, María Cristina. Introducción a los métodos de investigación en educación. Madri: EOS, 2002. CARVALHO, Rosita Edler. Removendo barreiras para a aprendizagem: educação inclusiva. Porto Alegre: Mediação, 2002. CARVALHO, Ereice Natália Soares. Deficiência mental. Brasília, Secretaria de educação especial, 1997. GALLIANO, Guilherme. O Método científico. 1. ed. São Paulo: Harbra, 1986. GIL, Antonio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 4. ed. 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