Título: Escuta dicótica em indivíduos com gagueira: efeito do tipo de tarefa,
estímulo e demanda cognitiva.
Autores: Pascoinelli AT; Juste FS; Andrade CR; Schochat E; Murphy CFB
Introdução: Desde a década de 60, pesquisas têm demonstrado que, em testes de escuta dicótica
verbal, indivíduos destros apresentam preferência ou dominância pelos estímulos apresentados à orelha
direita, como consequência da especialização hemisférica à esquerda para a linguagem e da
preponderância das vias contralaterais auditivas em situações de escuta dicótica 1,2. Já em indivíduos
com gagueira, pesquisas demonstraram padrões de respostas variados e atípicos, para os mesmos
testes de escuta dicótica verbal, em termos de lateralidade3-10. Alguns estudos demonstraram ausência
ou menor de vantagem da orelha direita na situação de atenção livre3-6, enquanto outros não
encontraram diferenças entre o padrão de lateralização para este grupo e grupo controle 7-12. Diferenças
metodológicas entre os estudos como parâmetros dos estímulos utilizados, tipo de tarefa e perfil dos
participantes são citadas como justificativas para os resultados contraditórios 6-7.
Palavras chave: escuta dicótica, gagueira, processamento auditivo.
Objetivo: Comparar o desempenho de indivíduos gagos e grupo controle em testes de escuta dicótica
verbal, a partir de diferentes paradigmas como “tipo de estímulo (dígitos x sílabas)”, “tipo de tarefa
(atenção livre x direcionada)” e “demanda cognitiva (número de pares apresentados)”, observando-se
sempre as diferenças de desempenhos entre as orelhas.
Método: O estudo foi aprovado pela Comissão de Ética para Análise de Projetos de Pesquisa do Hospital
das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP), sob o protocolo de
Pesquisa n° 210 /15. Participaram da pesquisa: grupo controle, composto por indivíduos fluentes (n=20;
média de idade = 32,5) e grupo de indivíduos com gagueira desenvolvimental persistente (n=16; média
de idade= 32,3). O grupo de indivíduos com gagueira foi encaminhado pelo Laboratório de Investigação
Fonoaudiológica da Fluência, Funções da Face e Disfagia da FMUSP. O grupo controle foi composto
por indivíduos sem queixas ou históricos de alterações de linguagem, aprendizado, queixas neurológicas,
cognitivas, auditivas ou de processamento auditivo. Ambos os grupos foram pareados em relação à
idade. Primeiramente, realizou-se anamnese, para investigação dos critérios de inclusão e,
posteriormentea audiometria. Confirmado o enquadramento nos critérios de inclusão e o resultado dentro
do esperado na audiometria, aplicou-se uma série de testes dicóticos: Dicótico de Dígitos 13 e Dicótico
Consoante Vogal14-15 e duas novas versões desenvolvidas especialmente para esta pesquisa. Nestas
versões, desenvolvidas por meio do programa SoundForge 9.0, os testes originais foram adaptados por
meio da inserção de um terceiro par de dígitos ou sílaba para investigação do “efeito demanda cognitiva”.
Cada um dos 4 testes foi aplicados em três diferentes condições: “escuta livre”, “atenção à direita” e
“atenção à esquerda”. Assim, considerando todas as situações e tipos de estímulos e tarefas, totalizouse 12 testes, aplicados em ordem aleatória entre os indivíduos para evitar “efeito cansaço”. Utilizou-se
ANOVA com dois fatores e nível de significância p<0.05 para análise dos dados.
Resultados: Na condição “atenção livre”, grupos apresentaram mesmo padrão de respostas [F(1.287)=
0.59, p=0.44], com preferência significante à orelha direita [(F(1.287) = 134,97, p=0.000], independente
do tipo de estímulo [F(1.287)= 0.00 p = 0.99] ou demanda cognitiva [(F(1.287)= 0.305, p= 0.58]. Na
condição “atenção à direita”, grupos apresentaram pontuação semelhante [(F (1.143) = 0.493, p =
0,484)], com melhor desempenho para testes envolvendo dígitos [(F(1.143)= 346,0, p = 0.00] e 2 pares
[(F(1.143) = 11,0, p = 0,001]. Já para atenção à esquerda, houve, pela primeira vez, efeito “de grupo”
[F(1.143)= 4,16; p= 0.043], com grupo estudo apresentando maior dificuldade para direcionar a atenção
à orelha esquerda. Também houve efeito “tipo de estímulo” [F(1.143)= 575,0; p =
0.00], com maior pontuação para dígitos, independente do grupo.
Conclusão: Contrariamente à hipótese inicial em que indivíduos gagos apresentariam padrão atípico
em relação à dominância hemisférica para linguagem 3-4, resultados obtidos nas situações de atenção
livre e atenção direcionada à direita sugerem que grupo estudo possui o mesmo padrão de lateralização
hemisférica para linguagem de grupo controle, já que ambos apresentaram preferência à orelha direita
e pontuações semelhantes, independente do tipo de estímulo ou demanda cognitiva. Apesar de ambos
os grupos, de uma maneira geral, apresentarem a mesma vantagem da orelha direita, alguns
participantes do grupo estudo apresentaram vantagem para orelha esquerda. Rosenfield & Goodglass 16
sugerem que o grau de severidade dos indivíduos gagos possa estar relacionado a esse comportamento.
Já para a situação de atenção direcionada à esquerda, houve, pela primeira vez, efeito de grupo, isto é;
grupo estudo apresentando maior dificuldade para direcionar a atenção à orelha
esquerda quando comparado ao grupo controle. De acordo com modelo teórico de Hugdhal 17-18,
direcionar a atenção à orelha esquerda em testes dicóticos verbais representa uma tarefa desafiadora
do ponto de vista cognitivo. Isto porque, nesta situação, deve haver necessariamente o envolvimento de
funções executivas para que o indivíduo consiga focar a atenção à orelha que fisiologicamente não seria
a sua orelha preferencial. Assim, o desempenho relacionado a esta orelha passa a ser um índex cognitivo
(“top-down”), se comparado ao índex sensorial (“bottom-up”), representado pela orelha direita. Desta
forma, inicialmente, os resultados da presente pesquisa sugerem que indivíduos gagos apresentaram
dificuldade nesta tarefa específica, se comparados ao grupo controle, por conta de alterações
relacionadas às funções executivas. Estudos anteriores já demonstraram desempenho pobre de adultos
gagos em tarefas de memória operacional/ funções executivas, o que fortaleceria esta
hipótese19-20. A segunda hipótese é a de que este resultado demonstre uma dificuldade maior de
indivíduos gagos em relação às habilidades auditivas de separação binaural e transferência
interhemiférica, que frequentemente encontram-se alteradas em indivíduos com alteração de
processamento auditivo. Talvez, de uma maneira geral, haja um tempo demasiadamente maior de
transmissão da informação auditiva verbal para indivíduos gagos, se comparado ao grupo controle; este
tempo levaria a um fraco desempenho mais especificamente à orelha esquerda, uma vez que, neste
caso, a informação percorre um longo caminho ao ser transportada do hemisfério direito para seu
processamento no hemisfério esquerdo, através do corpo caloso1-2. Neste caso, os resultados sugeririam
que indivíduos gagos apresentam prejuízo relacionado ao processamento da informação auditiva, e não
especificamente em funções executivas como sugerido na hipótese anterior. No momento, nova
pesquisa já está sendo conduzida com o intuito de se estudar, de forma mais aprofundada, estas duas
hipóteses relacionadas ao fraco desempenho na orelha esquerda.
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