7° Congresso de Pós-Graduação
PERFIL OCUPACIONAL DOS INDIVÍDUOS COM DISFUNÇÕES MUSCULOESQUELÉTICAS NA
REGIÃO DE PIRACICABA-SP
Autor(es)
JULIA RAQUEL NEGRI
Co-Autor(es)
MARIA IMACULADA DE LIMA MONTEBELO
ROSANA MACHER TEODORI
Orientador(es)
ROSANA MACHER TEODORI
1. Introdução
As desordens musculoesqueléticas relacionadas ao trabalho (DMRT), denominadas de Lesão por Esforço Repetitivo (LER) ou
Distúrbio Osteomuscular Relacionado ao Trabalho (DORT), tem sido consideradas um significativo problema de saúde nos Estados
Unidos, constituindo o maior componente de gastos com lesões e doenças relacionadas ao trabalho (WATERS, 2004). O custo anual
associado com diagnóstico e cuidados aos portadores de trauma musculoesquelético é da ordem de dezenas de bilhões de dólares
(GATCHEL, 2004).
Segundo o National Research Council Institute of Medicine – EUA (2001), aproximadamente um milhão de pessoas se afasta do
trabalho nos Estados Unidos para tratamento de DMRT a cada ano. O impacto na economia do país é estimado em 54 bilhões de
dólares/ano.
No Brasil, os dados epidemiológicos existentes não refletem a totalidade dos trabalhadores. Os dados se referem apenas aos
trabalhadores do mercado formal, que representam menos de 50% da população economicamente ativa. Apesar disso, a incidência de
LER/DORT é alta, o que confere à mesma um caráter epidêmico (ARAÚJO et al., 1998; BRASIL, 2001).
As LER/DORT ocorrem gradualmente, evoluem de forma crônica e frequentemente não são tratadas (YASSI, 1997). A dor se torna
progressivamente mais intensa, culminando com perda funcional. Tanto a dor quanto a inatividade podem persistir por muitos anos e,
em alguns casos, se tornar intratáveis (KEOGH et al., 2000).
Esse distúrbio pode ser observado em indivíduos nas diferentes atividades ocupacionais (digitadores, operadores de máquinas, atletas,
dançarinos, músicos, donas de casa, entre outros), sendo sua incidência variável de acordo com a atividade e entre indivíduos que
executam uma mesma atividade (EGRI, 1999).
Mulheres são mais frequentemente acometidas nos membros superiores por realizarem atividades profissionais que os sobrecarregam
(BARTON et al., 1992). Entretanto, queixas de dor lombar crônica relacionadas ao trabalho são mais comuns em homens, devido ao
exercício de atividades ocupacionais que exigem maior esforço físico (MILLER; TOPLISS, 1988).
Quanto à idade, Kivi (1984) aponta que apesar da variação de acordo com a atividade profissional, não há aumento crescente de
LER/DORT na faixa etária mais elevada, quando comparado com jovens que exerçam a mesma profissão.
O maior sintoma é a dor, associada à queixa de parestesia, edema, perda da força muscular e/ou diminuição do controle dos
movimentos (CHIAVEGATO FILHO; PEREIRA JR, 2004).
A compreensão das alterações causadas pelas LER/DORT, as atividades ocupacionais nas quais há maior incidência dessas lesões, as
características dos trabalhadores e das atividades ocupacionais, é fundamental para se estabelecer estratégias de informação e
prevenção.
Este estudo avaliou o perfil ocupacional dos trabalhadores que apresentam DMRT registrados e acompanhados pelo Centro de
Referência à Saúde do Trabalhador (CEREST–Piracicaba), visando conhecer os dados de identificação, escolaridade, tratamentos
realizados, dados ocupacionais e a principal queixa dos mesmos.
Os dados deverão subsidiar discussões sobre estratégias para prevenção desses distúrbios e melhora da qualidade de vida dos
trabalhadores.
2. Objetivos
Avaliar o perfil ocupacional dos trabalhadores que apresentam disfunções musculoesqueléticas, em acompanhamento pelo Centro de
Referência à Saúde do Trabalhador, na região de Piracicaba.
3. Desenvolvimento
Tratou-se de estudo observacional transversal, abrangendo o período de 1997 a 2007, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da
UNIMEP (protocolo nº 56/08), envolvendo trabalhadores de ambos os gêneros, cadastrados e em acompanhamento pelo Centro de
Referência à Saúde do Trabalhador (CEREST) do município de Piracicaba-SP.
Foi estimado, com o uso do Epi Info, o número mínimo para o tamanho da amostra (n = 745), com base na estimativa da proporção
esperada 0.50 para o desenvolvimento de DMRT obtida no estudo de Blyth et al. (2001) e considerando-se um intervalo de 95%, com
erro bilateral de 3% e N = 2464, como população de atendimentos.
Foram coletados dados dos prontuários de 1002 indivíduos com diagnóstico de LER/DORT, atestado pelos médicos responsáveis pelo
CEREST–Piracicaba.
Os critérios de inclusão foram: estar cadastrado e ter sido submetido à avaliação por médico do trabalho vinculado ao CEREST. Os
critérios de exclusão foram: mudança de cidade de residência; desistência do tratamento ou falecimento do trabalhador.
Os dados coletados incluíram: local de residência; gênero; idade; estado civil; forma de encaminhamento ao CEREST; grau de
instrução; tempo na empresa e na função; tratamentos realizados e dados da história clínica.
Para estudo da associação entre a ocorrência de queixa principal e variáveis categorizadas, utilizou-se o teste qui-quadrado de
associação de Pearson. Para comparação das médias das variáveis quantitativas com distribuição normal e homocedasticidade entre as
variâncias das categorias (idade e tempo na função) foi utilizado o teste de comparação de médias Anova-F e, quando houve
diferença, realizou-se o teste de Bonferroni para identificação das categorias que diferiram entre si. Para as variáveis que
apresentaram distribuição assimétrica foi utilizado o teste de Kruskal Wallis. As análises foram processadas com uso do SPSS 13.0,
considerando-se o nível de significância de 5%.
4. Resultado e Discussão
Dentre os prontuários analisados, 97,4% dos indivíduos residem em Piracicaba e 2,1% em cidades da região. Em 0,5% dos
prontuários não havia informação sobre o local de residência. A porcentagem mais elevada de indivíduos residentes em Piracicaba se
deve, provavelmente, ao fato de o município dispor de um Centro de Referência à Saúde do Trabalhador.
A idade média dos indivíduos foi de 38,86 (±9,44 anos), sendo 69,2% mulheres e 30,8% homens.
Chiavegato Filho e Pereira Jr (2004) destacam que os DMRT atingem o trabalhador no auge de sua produtividade e experiência
profissional, sendo a maior incidência na faixa etária entre 30 e 40 anos, como observado neste estudo.
A maior incidência de DMRT em mulheres também foi apontada por Hunt e Annandale (1999), que destacaram sua dupla jornada: no
trabalho e nas atividades domésticas, aumentando a exposição a fatores de risco para o desenvolvimento de tais distúrbios.
Strazdins e Bammer (2004), em estudo envolvendo 737 trabalhadoras do Serviço Público Australiano, atribuem a diferença na
severidade dos sintomas entre homens e mulheres aos fatores de risco a que as mulheres estão expostas no trabalho em nas tarefas
domésticas, envolvendo especialmente os membros superiores. Destacam que fatores como o sedentarismo, rotina de trabalho
repetitiva e responsabilidade pelo trabalho doméstico maior que a do homem, podem explicar as diferenças entre os gêneros para as
desordens musculoesqueléticas.
O grau de instrução dos indivíduos não foi registrado em 23,9% dos prontuários, sendo que 37,8% contavam com ensino fundamental
incompleto, 16,3% com ensino fundamental completo, 15,9% com ensino médio completo, 3,2% com ensino médio incompleto, 1,2%
com ensino superior completo, 0,5% com ensino superior incompleto e 1,3% eram analfabetos. Entretanto, não houve associação
significativa entre o grau de instrução e a queixa principal.
Para o estado civil, apesar dessa informação não ter constado em 47.9% dos prontuários, 29,1% dos indivíduos da amostra eram
casados, 12,2% solteiros, 5,3% separados, 3,4% declararam “outro” estado civil e 2,1% eram viúvos. Observou-se associação entre o
estado civil e a queixa principal (p<0,001). Sendo a amostra composta, em sua maioria, por mulheres e sendo o estado civil “casado”
o mais frequente, a relação com o gênero feminino e a exposição a fatores de risco é novamente reforçada.
O tempo mínimo na empresa foi de um mês e o máximo de 360 meses, com mediana de 33 meses; enquanto o tempo na função variou
de 1 a 516 meses, com mediana de 65 meses. Barr (2006) aponta a existência de uma relação dose-resposta no que se refere à
exposição a movimentos repetitivos, destacando que a exposição cumulativa a tarefas repetitivas e/ou que envolvam força pode
desencadear resposta tecidual e comportamental compatível com DMRT. Assim, o fato de 50% da amostra apresentar até 65 meses na
função sugere exposição prolongada a fatores de risco para o desenvolvimento de desordens musculoesqueléticas.
Quanto à queixa principal, a dor foi relatada em 100% dos casos, sendo 55,6% no membro superior; 17,8% no membro superior e
coluna vertebral; 12,8% na coluna vertebral; 5,3% no membro inferior e coluna vertebral; 4,4% no membro superior, inferior e coluna
vertebral; 2,5% no membro inferior e 1,7% no membro superior e inferior.
A análise de associação revelou que a dor prevaleceu no gênero feminino, nas regiões: membro superior (74,9%), membro superior e
coluna vertebral (81,5%), membro superior, inferior e coluna vertebral (70,5%), membro superior e inferior (82,4%). No gênero
masculino predominou a dor no membro inferior (60,0%), membro inferior e coluna vertebral (67,9%). A dor na coluna vertebral,
isoladamente, incidiu de forma semelhante em homens (53,9%) e mulheres (46,1%).
Miller e Topliss (1988) citam que as queixas de dor lombar crônica relacionadas ao trabalho são mais comuns em homens, devido ao
exercício de atividades ocupacionais que exigem maior esforço físico. Essa tendência foi também observada neste estudo, porém não
houve diferença significativa entre os gêneros.
Kivi (1984) revela que os membros superiores estão envolvidos em 93% dos casos, especialmente os antebraços (63%). Para Yassi
(1997), as desordens da porção superior do corpo compreendem uma extensa variação de sintomas e condições clínicas que ocorrem
gradualmente, tem curso crônico e, frequentemente, não são tratadas. Segundo Keogh et al. (2000), a dor, principal sinal clínico, se
torna progressivamente severa, ocorrendo perda de função, que pode persistir por muitos anos e, em alguns casos, tornar-se intratável.
Neste estudo, a dor no membro superior esteve presente em 79,5% da amostra, ratificando o predomínio deste local de dor nas
DMRT.
Quanto aos encaminhamentos dos pacientes com suspeita de LER/DORT ao CEREST-Piracicaba, 26,4% são encaminhados por
médicos do Programa de Saúde da Família (PSF); 14,4% por médico da rede pública e 28% por outros médicos, cujas especialidades
não foram explicitadas nos prontuários. Nota-se que quase 70% dos indivíduos da amostra foram motivados a procurar ajuda médica
em função dos sintomas, o que sugere a gravidade das limitações impostas pela LER/DORT.
O tratamento fisioterapêutico é realizado por 77,3% da amostra, estando essa variável associada à queixa principal (p<0,001),
enquanto o tratamento medicamentoso é realizado por 84,4%, estando também associado à queixa principal (p=0,001).
A dor foi relatada como queixa principal na totalidade da amostra. A maioria das síndromes de dor relacionadas à atividade
ocupacional envolve o comprometimento de nervos (compressão) e reações inflamatórias nos tendões (HAGBERG et al., 1995). Isso
poderia explicar a associação entre o uso de medicamentos e a queixa principal, observada neste estudo. Além disso, o tratamento
fisioterapêutico utiliza diversos recursos (cinesioterapêuticos, eletrotermofototerapêuticos, hidroterapêuticos, entre outros) para
melhora da dor, redução da inflamação e relaxamento dos músculos da região comprometida, contribuindo para o alívio e controle da
dor, o que justifica a associação entre queixa principal e adesão ao tratamento fisioterapêutico.
5. Considerações Finais
Os trabalhadores com DMRT em acompanhamento pelo Centro de Referência à Saúde do Trabalhador, na região de Piracicaba são,
na grande maioria, residentes em Piracicaba, do gênero feminino, se encontram na idade produtiva (30 a 40 anos) e apresentam graus
de instrução variável, predominando o ensino fundamental. Dos que informaram o estado civil, a maioria é casado. O tempo mediano
na empresa foi de 33 meses e na função foi de 65 meses.
A queixa principal foi dor nos membros superiores, associada ao gênero feminino.
O encaminhamento dos pacientes ao CEREST é feito, predominantemente, por médicos (do PSF, da Rede Pública e de outras
especialidades) e os tratamentos predominantes são o medicamentoso e o fisioterapêutico.
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