AS INEVITÁVEIS CONSEQUÊNCIAS DO CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO SOBRE O CARÁTER DOS INDIVÍDUOS Jane Meyre Silva Costa Maiara Lopes da Silva RESUMO: O presente trabalho buscou compreender os efeitos do atual capitalismo flexível e suas formas de repercussão sobre a vida dos trabalhadores na modernidade, principalmente no que toca o caráter dos sujeitos. Desse modo, foi mister recorrer de forma mais central à obra “A corrosão do caráter: as consequências pessoais do trabalho no novo capitalismo” de Richard Sennett, que levanta reflexão e questionamentos acerca das novas formas capitalistas de opressão, sobre as constantes reinvenções das instituições e de como os indivíduos estão conseguindo sobreviver em meio ao caos. Fazendo-se necessária também uma interlocução com Max Weber – já que Sennett segue por essa linha weberiana de metodologia compreensiva –, com Karl Marx, Ricardo Antunes – que aborda a centralidade do trabalho, – e com a autora Sara Granemann que incrementa o diálogo abordando trabalho e sociabilidade, numa perspectiva marxista, que cabe muito bem à discussão. Palavras-chave: Capitalismo Flexível. Caráter. Trabalho. ABSTRACT: This study sought to understand the effects of the current flexible capitalism and its forms of impact on the lives of workers in modernity, especially as regards the character of the subject. Thus, it behooved to make a more central to the book "The Corrosion of Character: the personal consequences of work in the new capitalism" by Richard Sennett, reflection and raising questions about the new capitalist forms of oppression on the constant reinvention of the institutions and how individuals are managing to survive amid the chaos. Doing it is also necessary for a dialogue with Max Weber - as Sennett follows this line of Weber's comprehensive approach - and the author Sara Granemann that enhances dialogue addressing work and sociability, a Marxist perspective, but that does not avoid the discussion. Key-words: Flexible Capitalism. Character. Work. Assistente Social e Mestra em Políticas Públicas pela Universidade Estadual do Ceará (UECE). [email protected] Dicente do curso de Serviço Social da Faculdade Cearense [email protected] 2 SUMÁRIO: 1. Introdução 2. OS TRAÇOS DA FLEXIBILIDADE MAIS DESCONCERTANTES SOBRE O CARÁTER PESSOAL 3. A ÉTICA DO TRABALHO NA NOVA ORDEM 4. AS RESULTANTES DO CAPITAL A CURTO PRAZO SOBRE A VIDA DOS SUJEITOS 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. INTRODUÇÃO O diálogo dos autores supracitados enfatiza a flexibilidade do hodierno capitalismo, que se expressa no acometimento às rígidas formas burocráticas, e também aos males da rotina cega e truculenta. No novo semblante assumido pelo sistema, os trabalhadores devem ser hábeis, estar abertos a modificações a curto prazo, aventurar-se ininterruptamente e depender cada vez menos de leis e normas formais. A sensação experimentada pelo trabalhador, consoante afirma Sennett (2010), é a esperança de que o movimento traga “um algo mais” a sua vida. Mas isso, não através de uma escolha calculada e racional, apenas meramente intuitiva, no alento de ter tentado. A ênfase no regime flexível está resignificando o trabalho e seus processos, como também os termos empregados para ele. Conveniente acentuar que, conforme a autora Granemann (2009), trabalho e emprego não podem ser reduzidos a mesma coisa, embora evidentemente relacionados em sua natureza. Contudo, trabalho é criação, é mola propulsora da civilização e fonte de realização das potencialidades da natureza social do homem1. O emprego transmuta essa ação laborativa humana em atividade que produz uma sociabilidade alienada, mercantilizada e lucrativa para nas relações capitalistas. E é dessa atividade de relações alienadas que trata este texto. 1 Interessante salientar a definição de Trabalho de acordo com a Teoria Social Crítica, haja vista que Granemann segue por uma dimensão marxista, a qual define que, antes de tudo, trabalho é um processo de que participam o homem e a natureza, processo em que o ser humano, com sua própria ação, impulsiona, regula e controla seu intercâmbio material com a natureza. [...] Atuando assim sobre a natureza externa e modificando-a, ao mesmo tempo modifica sua própria natureza. [...] Pressupomos o trabalho sob forma exclusivamente humana... (MARX, 2004, p. 211). 3 2. OS TRAÇOS DA FLEXIBILIDADE MAIS DESCONCERTANTES SOBRE O CARÁTER PESSOAL O sentido da palavra flexibilidade origina-se da observação de que, embora a árvore se dobrasse ao vento, seus galhos sempre voltavam à posição normal. Flexibilidade designa essa capacidade de ceder e recuperar-se, o teste e a regeneração de sua forma. Em expectativas visionárias, o comportamento humano flexível deve ter a mesma força tênsil: ser ajustável a circunstâncias inconstantes, mas não quebrado por elas. O discurso é que o comportamento flexível gera emancipação pessoal; o estar aberto à mudança, ser adaptável, como qualidades de caráter necessárias para a ação independente – o ser humano livre porque apto à mudança. Quando na verdade, o capital flexível limitou a estrada linear, pendendo repentinamente os empregados de um tipo de trabalho para outro. A flexibilidade hoje traz de volta o sentido antiquado da expressão job2, na qual, figurativamente falando, as pessoas fazem parte de blocos que são conduzidos de um lado para o outro, no seguimento de uma vida inteira. É imensamente característico que a flexibilidade ocasione ansiedade, pois as pessoas não fazem ideia se os riscos sofridos serão recompensados, ou que caminhos devem seguir. Norteando-se apenas pelas conquistas materiais que atribuem sensação de estar vivo, e de acordo com Weber (2008), o homem encarando o dinheiro como uma finalidade última em sua vida, como se nada mais importasse. Discursa-se que, atacando a rotina da burocracia ortodoxa e enfatizando o risco, a flexibilidade pode facultar as pessoas maior liberdade para modelar suas vidas. Quando na verdade, a nova ordem dita novos controles para regular os processos de trabalho 3, em vez de simplesmente exterminar regras pretéritas. Contudo, esses recentes controles são difíceis de compreender, visto que, mediante um conflito, a atenção do indivíduo foca mais em circunstâncias imediatas que numa perspectiva de futuro. É o que a psicologia social chama 2 Sennett (2010) aponta que Job, assim como a palavra flexibilidade que já teve sua origem explanada neste texto, é uma expressão inglesa do século quatorze, que refere- se à serviço ou emprego, mas que também queria dizer, que parte de alguma coisa podia ser transportada numa carroça de um lado para o outro. Atualmente, o trabalho flexibilizado traz de volta esse sentido arcano muito característico à vida dos trabalhadores contemporâneos 3 Conforme Marx (2004) o processo de trabalho é uma condição natural eterna da vida humana, sendo comum a todas as suas formas sociais. Mas quando o processo de trabalho ocorre como processo de consumo da força de trabalho pelo capitalista, o trabalhador trabalha sob o controle do capitalista, a quem pertence seu trabalho. Cuidando o capitalista para que apliquem-se adequadamente os meios de produção, sem desperdício de matériaprima e poupando-se o instrumental de trabalho 4 de „dissonância cognitiva‟4. O capitalismo atual é um sistema de poder como uma incógnita, visto que, conforme Sennett (2010), para decifrar sua lógica mais arraigada, não bastam destreza e desembaraço. Vistas da perspectiva do passado todas essas mudanças devem atordoar e, dessa forma, operacionalmente, tudo é claro; emocionalmente, nada é legível. As aptidões pessoais do caráter do trabalhador também parecem mais complicadas de definir, e, conforme Sennett (2010), a massa parece não ser digna de ser humanidade, importando assim o quanto as pessoas apenas se destacam umas das outras. Envolvem-se aqui questões como o consumismo exacerbado; o individualismo; a competitividade, dentre várias outras obsessões. O trabalho não tem conhecimento prático, não se depreende o que se está fazendo, sendo a busca de uma finalidade uma aspiração naturalmente humana e social, como bem aponta Antunes (2000): [...] Por meio do trabalho, da contínua realização de necessidades, da busca da produção e reprodução da vida societal, a consciência do ser social deixa de ser epifenômeno, como a consciência animal que, no limite, permanece no universo da reprodução biológica. A consciência humana deixa, então, de ser uma mera adaptação ao meio ambiente e configura-se como uma atividade autogovernada. [...] O lado ativo e produtivo do ser social „torna-se pela primeira vez ele mesmo visível através do pôr teleológico presente no processo de trabalho... (ANTUNES, 2000, p. 138). A narrativa do capital a curto prazo denota que as pessoas não têm como saber o que está por vir; vítimas de uma total desídia, à deriva não só nos empregos e formas de trabalho, mas também emocionalmente. Não podendo sua vida servir de trilha nem para seus filhos porque simplesmente, não há senso de desenvolvimento de seu caráter pessoal e da evolução de seus ideais. A incerteza pretende ser regular e a corrosão do caráter, inevitável e irremediável. Visto que, não havendo mais longo prazo afrouxam-se os laços de confiança e o compromisso tão elementares nas relações sociais. Parafraseando Weber (2008), em tempo algum, nenhum país vivenciou da mesma forma que o Ocidente moderno, a mais completa e absoluta dependência, desde as condições políticas até as condições econômicas. 4 Dissonância cognitiva são esquemas de referencias conflitantes. A luta conflitante desperta a „atenção focal‟ – que significa simplesmente que assinalamos o problema como precisando de atenção focal imediata. O tempo parece parar, tornando a pessoa prisioneira do presente, conforme Sennett (2010). 5 3. A ÉTICA DO TRABALHO NA NOVA ORDEM As superficialidades da sociedade moderna são desonrosas, tendo como principal circunstância a desorganização do tempo, e como Sennett (2010) aponta, o tempo resta como único recurso gratuito para os que estão à margem da sociedade. A seta que traçava direções, despedaçara-se; não tem curso numa economia política continuadamente replanejada, que abomina a rotina, e que é de curto prazo. As pessoas sentem a ausência de relações humanas constantes, respeito próprio e objetivos duráveis. A ética do trabalho afirma o uso autodisciplinado de nosso tempo e o valor da satisfação protelada. Batalhar e esperar, sendo o adiamento da satisfação uma atividade eminentemente autodestrutiva. A moderna ética do trabalho concentra-se no trabalho de equipe5, exaltando a sensibilidade aos outros; intimando qualidades afáveis, como ser um bom ouvinte cooperativo, mas acima de tudo, o trabalho em equipe enfatiza a adaptabilidade às circunstâncias. O trabalho de equipe é a ética de trabalho que se aplica a uma economia política flexível; é a pratica de grupo da superficialidade infamante. O trabalho em equipe representa as relações humanas como uma farsa. O líder da equipe tem o papel apenas de facilitar soluções entre o grupo e mediar entre cliente e equipe, fingindo estar do lado de todos e contra ninguém, já que a pressão dos próprios colegas faz surgir um resultado que deveria ser fruto do trabalho do antigo chefe. Tal ausência de liberdade, conforme Sennett, “deixa livres os que estão no controle para mudar, adaptar, reorganizar, sem ter de justificar-se ou a seus atos.” Essa equipe é a estampa de um grupo de pessoas reunidas mais para desempenhar uma ocupação especifica imediata que para conservarem-se juntas. Uma cooperação6 com a isolada e exclusiva finalidade de alcançar objetivos capitalistas, conforme Marx (2004): 5 Trabalho de equipe faz parte do discurso neoliberal, que só tem uma única finalidade dentro do sistema capitalista, e é o que Marx define como cooperação, sendo a forma de trabalho em que muitos trabalham juntos, de acordo com um plano, no mesmo processo de produção ou em processos de produção diferentes, mas conexos. [...] O objeto de trabalho percorre, assim, o mesmo espaço em menos tempo. [...] É que o trabalhador coletivo tem olhos e mãos em todas as direções e possui, dentro de certo limite, o dom da ubiqüidade. Concluem-se ao mesmo tempo diversas partes do produto que estão separadas no espaço. [...] a simples existência de um certo número de cooperadores permite repartir as diferentes operações entre os diferentes trabalhadores, de modo a serem executados simultaneamente, encurtando-se assim o tempo de trabalho necessário para a conclusão de todas as tarefas. 6 Marx diz que sendo pessoas independentes, os trabalhadores são indivíduos isolados que entram em relação com o capital, mas não entre si. Sua cooperação só começa no processo de trabalho, mas, depois de entrar neste, deixam de pertencer a si mesmos. Incorporam-se então ao capital. Quando cooperam, ao serem membros de um organismo que trabalha, representam apenas uma forma especial de existência do capital. Por isso a força 6 [...] A transformação que torna cooperativo o processo de trabalho é a primeira que esse processo experimenta realmente ao subordinar-se ao capital. Essa transformação se opera naturalmente. Seu pressuposto, o emprego simultâneo de numerosos assalariados no mesmo processo de trabalho, constitui o ponto de partida da produção capitalista. Esse ponto de partida marca a existência do próprio capital. Se o modo de produção capitalista se apresenta como necessidade histórica de transformar o processo de trabalho num processo social, essa forma social do processo de trabalho se revela um método empregado pelo capital para ampliar a força produtiva do trabalho e daí tirar mais lucro. (MARX, 2004, p. 388). A arte de fingir na equipe de trabalho: um teatro profundo que impõe aos indivíduos a manipulação de suas próprias aparências e comportamentos costumeiros para com os outros, são como máscaras de cooperação de um ator. Os jogadores bem-sucedidos nos grupos extraordinariamemte se comportam em particular da mesma forma que quando sabem que estão sendo vigiados. Visa-se estabelecer a feição simpática do empregado com sorrisos cativantes. Se tal treinamento de recursos humanos é apenas uma encenação, trata-se, porém, de uma questão singela de sobrevivência. Já o poder, que não está evidente, mas está presente nas cenas superficiais de trabalho de equipe, aparenta que a autoridade está ausente, ou melhor, que não existe mais, e assim a pressão dos colegas uns sobre os outros faz o trabalho do administrador. Essa suposta ausência de autoridade deixa livre os que estão no controle para alterar, ajustar, reconfeccionar, sem ter de fundamentar seus atos. Como se a mudança fosse o agente responsável e não uma pessoa. Portanto, o jogo de poder sem autoridade gerando um novo tipo de caráter. 4. AS RESULTANTES DO CAPITAL A CURTO PRAZO SOBRE A VIDA DOS SUJEITOS. O adiamento, a autonegação no presente inexorável; as recompensas prometidas que em tempo algum chegarão. Neste sentido, Sennett alude: O homem motivado não se encaixa nas velhas imagens católicas dos vícios da riqueza, como a gula ou a luxúria; é intensamente competitivo, mas não pode gozar do que ganha. A história de sua vida torna-se interminável busca de reconhecimento dos outros e da autoestima. [...]. Tudo no presente é tratado como instrumento para um destino final; nada no momento importa por si mesmo... (SENNETT, 2010 p. 126). produtiva que o trabalhador desenvolve como trabalhador social é a produtividade do capital... (MARX, 2004, p. 386) 7 Há tempos o fracasso não é mais a perspectiva dos apenas muito pobres ou desprivilegiados; tornou-se mais conhecido como um fato corriqueiro nas vidas das pessoas em geral. Veiculando catástrofes súbitas que nos primeiros tempos do capitalismo ficavam muito mais concernentes às massas da classe trabalhadora. Estar sempre dando um novo início, ter de nos atestar todos dos dias, estar continuamente exposto ao risco pode assim erodir nosso senso de caráter. E as instituições moldam os esforços do indivíduo para mudar sua vida. Mas o perigoso risco é só uma questão de atravessar de uma condição para outra, já que o simples caos não pode, por si só, ser companheiro de quem corre risco. Além do que, arriscar-se abrange mais que meros ensejos, oportunidades e adaptação, e a pessoa que se apresenta tem de ser atraente para ter lugar nesse jogo. O regime flexível parece gerar um arcabouço de caráter constantemente em regeneração, não sendo possível invocar nenhuma narrativa óbvia, dentro do capitalismo flexível, que explique os fracassos e as desgraças, só o que se lamenta é que não importa que destino tomemos, estamos fadados a este. É uma querela à despeito do caráter que sofre um desafio absoluto no capitalismo da modernidade. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS O capitalismo da atual época possui uma dimensão de mudança para além do que se refere ao mercado global e às novas tecnologias, mas principalmente no tocante às maneiras de organizar o tempo, sobretudo o tempo de trabalho que não engloba mais o “longo prazo”. Mediante isto as organizações se reconfiguraram de um estilo piramidal para do tipo rede, que permite mais facilmente as reduções do quadro de pessoal, a ilegibilidade do processo de trabalho e, decorrente disso, a sobrecarga administrativa dos trabalhadores, conhecida como polivalência. A desburocratização é um artifício mistificador e a dominação do alto consegue ser, ao mesmo tempo, mais devastadora e desconforme. Dessa forma, a flexibilidade agudiza as desigualdades, que já são bem gritantes nesta sociedade contemporânea. Transposto para a área familiar tudo isso significa mudar, não se dedicar e a nada renunciar; representando o fim do sentimento de lealdade [mútua]. Os valores éticos também se remodelam nessa sociedade alienada, pautada no dispêndio e a individualidade. Àqueles 8 que não trabalham, independentemente dos motivos, são considerados parasitas sociais passíveis de submissão. O capital flexível contrapõe-se a rotina que poderia embrutecer o espírito do homem, tornando-o estúpido, ignorante e escravo do tempo como na época do regime fordista. Mas o que Sennett coloca é que a velha rotina fordista, com toda a sua rigidez, podia até degradar, mas também proteger (proteção social; seguridade) o ser. Podia até decompor o trabalho, já que o trabalhador especializado não conhecia todo o processo do trabalho que realizava, mas podia também conduzir uma vida, por permitir que os indivíduos fossem os próprios autores de suas vidas e que percebessem perspectivas adiante7. A mudança flexível intenciona reinventar decisiva e irrevogavelmente todas as instituições, para que o presente se torne descontinuado com o passado; a transitoriedade permeando tudo O risco está para além da sorte e das meras oportunidades, e imposto perante a flexibilidade implica abrir mão do passado e habitar-se a desordem – vivendo no limite. O risco se torna uma necessidade cotidiana enfrentada pelas massas, caindo na abstração do normal e comum. A teoria é que rejuvenescemos nossas energias correndo riscos, e nos recarregamos continuamente, mas na realidade as pessoas são tratadas como madeira morta, especialmente as de meia-idade, pois a experiência que acumularam é tida como de pouco valor, limitante e disfuncional ao novo sistema. De acordo com Sennett (2010), o período de produtividade da vida do trabalhador está sendo comprimido para bem menos que a sua vida biológica suporta, atores estes que estão deixando o palco muito antes de estarem física ou mentalmente incapazes. No capitalismo flexível, a desorientação envolve caminhar para a incerteza, pois sabese que estamos contra alguma coisa, mas não a favor exatamente de que. Como se 7 Nem a obra de Sennett buscou enaltecer as formas anteriores do capitalismo, muito menos o presente texto que naquele se inspirou. Portanto, faz-se mister um pequeno esclarecimento a nível de considerações finais, que vai clarear a compreensão do leitor. Conforme Sennett (2010) ao traçar este quadro, tenho plena consciência de que ele pode correr o risco, apesar de todas as reservas, de parecer uma comparação entre o antes, que era melhor, e o agora, que é pior. Nenhum de nós poderia desejar o retorno da segurança (...) ou da geração dos padeiros gregos. Em perspectiva era claustrofóbica; seus termos de auto-organização, rígidos. Numa visão de longo prazo, embora a conquista de segurança pessoal servisse a uma profunda necessidade prática e psicológica no capitalismo moderno, essa conquista custava um alto preço. Uma debilitante política de antiguidade e direito por tempo de serviço governava os trabalhadores sindicalizados [...]; continuar esse estado mental hoje seria uma receita de autodestruição nos atuais mercados e redes flexíveis. O problema que enfrentamos é como organizar as histórias de nossas vidas agora, num capitalismo que nos deixa à deriva. O dilema de como organizar uma narrativa de vida é em parte esclarecido sondando-se como, no capitalismo de hoje, as pessoas enfrentam o futuro. (p. 140). 9 sobrevivêssemos ao vendaval, vivendo em um tempo cedido, que a qualquer instante, poderlhe-ia ser tomado, fincando na memória como um sentimento de traição. Conforme coloca Sennett (2010), a ansiedade das pessoas em relação ao tempo está atrelada ao novo capitalismo, acabando com sua autoestima, dissolvendo famílias, fragmentando comunidades, alterando os próprios locais de trabalho. 8 Enfim, o capitalismo por si só já irradia indiferença, falta de confiança e lealdade, mas agora submerso na flexibilidade contemporânea descarta qualquer sensação de norte ou de sentido, nos assemelhando aos bárbaros, que não compreendiam qualquer laço social, por não reconhecerem as narrativas como sendo partilhadas entre seres humanos. 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: ANTUNES, Ricardo. Os sentidos do trabalho: Ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho – Capítulos I, II e VIII. – 3 ed – São Paulo: Boitempo, 2000. GRANEMANN, Sara. O processo de produção e reprodução social: trabalho e sociabilidade. IN: Serviço social: direitos sociais e competências profissionais. – Brasília: CFESS/ABEPS, 2009. MARX, Karl. O Capital. Livro I, Capítulos VII e XI. – 22 ed. – Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004. SENNETT, Richard. A corrosão do caráter: as consequências pessoais do trabalho no novo capitalismo. – 15 ed – Rio de Janeiro: Record, 2010. WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. – 2 ed – São Paulo : Cengage Learning, 2008. 8 Uma apreensão, que nada mais é, conforme Sennett (2010), do que uma ansiedade sobre o que pode acontecer diante do risco constante, que aumenta na mesma proporção das experiências adquiridas que já não servem para o presente vivido, pondo em risco todo o senso de valor pessoal.