U
m dos principais problemas que o sector das pescas enfrenta a nível global
é o facto de existirem demasiados navios
a pescar demasiado pouco peixe. Este problema não afecta só a Europa. Já em 1992,
a FAO estimava que a capacidade total da
frota pesqueira mundial correspondia a cerca do dobro da capacidade necessária para
obter um rendimento máximo sustentável
dos oceanos a longo prazo. Estudos idênticos realizados ao nível da UE concluíram
que muitas frotas europeias podem exercer
uma pressão de pesca duas a três vezes
superior ao nível sustentável.
Todos os anos, a Comissão elabora um
relatório sobre o progresso alcançado
pelos Estados-Membros «no sentido de
assegurarem um equilíbrio entre a capacidade das suas frotas e as possibilidades de pesca». Este relatório é baseado
nos relatórios elaborados pelos EstadosMembros, em conjunto com dados recolhidos através do registo da frota de pesca
comunitária.
A frota comunitária é gerida através de
um sistema conhecido como regime de
«entrada/saída», que estabelece alguns
princípios simples destinados a assegurar
que a capacidade da frota em tonelagem
não pode exceder o nível de 1 de Janeiro
de 2003 (ou, para os Estados-Membros
que aderiram à UE em Maio de 2004,
o nível registado nessa data).
Este limite da capacidade da frota em
termos nominais é complementado pela
obrigação imposta aos Estados-Membros
no sentido de adaptarem a capacidade
das respectivas frotas aos recursos que
lhes são atribuídos. Esta adaptação deve
ter em conta os progressos tecnológicos,
através dos quais uma mesma tonelagem
equivale a uma maior potência de pesca
ao longo do tempo.
Nos seus recentes relatórios, a Comissão
concluiu que, embora a capacidade da
frota comunitária esteja a diminuir, a redução é demasiado lenta (em média, uma
redução anual de 2 % a 3 % nos últimos
15 anos) para exercer um impacto significativo sobre a pressão da pesca e, desse
modo, mitigar o estado deficitário de
muitas unidades populacionais de peixe
comunitárias, em especial as unidades
demersais. Estima-se que o progresso
tecnológico contribua para um aumento
anual de cerca de 2 % a 4 %, anulando
assim qualquer redução nominal.
© Lionel Flageul
Tal como todos os outros aspectos relacionados com a pesca, a sustentabilidade ecológica, social e económica são indissociáveis.
A sobrecapacidade não é um problema
exclusivo das unidades populacionais de peixe, afecta também os pescadores. Exacerba
a concorrência em várias pescarias, ao ponto
de tornar praticamente impossível viver da
pesca. Enquanto a frota não for reduzida para
níveis mais sustentáveis, alguns pescadores
estarão sempre tentados a contornar regras,
exceder quotas e subdeclarar capturas, para
apenas poderem sobreviver.
Manter dentro dos limites?
C APÍTULO 8
Uma frota para o futuro
19
Os subsídios e outras formas de ajuda têm
muitas vezes um efeito prejudicial, mantendo a capacidade pesqueira em níveis
superiores aos justificados do ponto de vista económico e ecológico. Sob o pretexto
de prestar auxílio a comunidades necessitadas, os programas mal concebidos podem
levar à criação de empresas que poderão
nunca ser viáveis ou apenas transpor a pressão da pesca de uma pescaria para outra, ou
seja, transferir o problema sem o resolver.
A frota europeia deve ser adaptada aos
nossos recursos marinhos. Essa reestruturação foi uma das prioridades da PCP durante
muitos anos e a recente e dramática escalada do preço do petróleo (cerca de 240 %
desde 2002 em alguns Estados-Membros)
apenas reforçou a necessidade de intervir
urgentemente. No entanto, qualquer reestruturação efectuada no âmbito da PCP
é agora responsabilidade dos EstadosMembros e dos operadores envolvidos: os
Estados-Membros são responsáveis pela
definição dos programas de abate de navios
e os operadores são responsáveis pelo
abate de acordo com os programas. As instituições europeias não detêm poderes unilaterais para reduzir as frotas nacionais.
Assim, para realizar verdadeiros progressos
na melhoraria da sustentabilidade das
pescarias a longo prazo, será necessário um
verdadeiro compromisso entre as autoridades nacionais e as partes interessadas
com vista à criação de uma frota europeia
economicamente mais rentável e ecologicamente mais sustentável.
O regulamento de base de 2002 introduziu
um conjunto de regras importantes destinadas a garantir uma melhor adequação
da capacidade da frota de pesca aos recursos e, em especial, para impedir qualquer
expansão da frota comunitária:
os Estados-Membros devem implementar medidas no sentido de adaptar
a capacidade das suas frotas com vista
a obter um equilíbrio entre a capacidade
das frotas e as suas possibilidades de
pesca;
não é permitida a utilização de dinheiros
públicos para criar novas capacidades
ou «modernizar» os navios, no sentido
de transformá-los em máquinas de
pesca mais eficazes;
também não é permitida a utilização
de dinheiros públicos para «exportar»
a sobrecapacidade para países terceiros;
não é permitida a introdução de
novas capacidades na frota através
da utilização de dinheiros privados,
excepto se for retirada uma capacidade
idêntica, também através da utilização
de dinheiros privados; e
20
a capacidade retirada através da
utilização de dinheiros públicos
(programas de abate) não pode ser
substituída (*).
Estas alterações foram imediatamente
incorporadas nos instrumentos financeiros
disponíveis para apoiar a política comunitária das pescas. O Instrumento Financeiro de
Orientação das Pescas (IFOP), que esteve
em vigor até ao final de 2006, foi alterado
em conformidade. O Fundo Europeu das
Pescas (FEP), em funcionamento desde 1 de
Janeiro de 2007, foi concebido de raiz para
apoiar uma adaptação da frota verdadeiramente adequada ao actual nível de recursos. Em Julho de 2008, o Conselho adoptou
diversas derrogações temporárias à regulamentação do FEP, de modo a facilitar aos
Estados-Membros o acompanhamento do
processo de reestruturação da frota em resposta à «crise dos combustíveis» que estava
a afectar o sector. Entre essas derrogações
encontrava-se a criação de programas de
adaptação das frotas que visam incentivar
reduções substanciais de capacidade nos
segmentos de frota que consomem mais
combustíveis. Essas derrogações terão uma
duração de dois anos e serão alvo de avaliação e acompanhamento contínuos.
Os incentivos à redução da capacidade
necessitam, indiscutivelmente, de ser reforçados. Existem actualmente dois tipos de
incentivos principais a nível comunitário:
«uma cenoura e um chicote». O chicote
corresponde ao incentivo negativo proporcionado pelos programas de limitação do
esforço associados aos planos de gestão
a longo prazo. A cenoura corresponde ao
financiamento disponibilizado para a redução de capacidade de pesca ao abrigo
do FEP. No entanto, compete aos EstadosMembros estabelecer as suas prioridades
para o financiamento do FEP e assegurar
que as limitações do esforço de pesca estão
a ser aplicadas e respeitadas correctamente.
Importa salientar que, em alguns EstadosMembros, a consolidação eficaz da frota foi
conseguida através da criação de direitos
de propriedade nas possibilidades de
pesca, sem necessidade de recurso a dinheiros públicos. Esses direitos de propriedade,
se forem atribuídos adequadamente,
podem constituir uma ferramenta eficaz
para conciliar os interesses do sector com
os da conservação a longo prazo, pese
embora a sua controvérsia, uma vez que
poderão configurar a privatização de um
recurso público. Actualmente, cada um dos
Estados-Membros detém a prerrogativa
de decisão sobre a utilização dessas ferramentas. A Comissão promoveu, durante
o ano de 2007, um debate público sobre os
argumentos a favor e contra este tipo de
abordagem, o qual deverá prosseguir no
âmbito das consultas que antecedem a próxima reforma da PCP.
Independentemente da forma como for
conseguida, qualquer redução significativa
da dimensão da frota comunitária exigirá
decisões firmes e preventivas por parte dos
Estados-Membros da UE. Não basta criar
legislação para tornar o sector das pescas
comunitário mais sustentável: é necessária
uma verdadeira mudança cultural na forma
como encaramos a pesca comunitária.
(*) O FEP permite o apoio à renovação dos motores,
embora com a obrigação de reduzir a potência do novo
motor em relação ao anterior; além disso, as medidas
de reestruturação de emergência para fazer face à crise
dos combustíveis no sector incluíam uma derrogação
com vista a permitir o «abate parcial» no âmbito dos
programas de adaptação das frotas.
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Uma frota para o futuro