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OPINIÃO
IMIGRAÇÃO NO MEDITERRÂNEO
A fronteira mediterrânica e a Europa dos
consensos (im)possíveis
Patrícia Fragoso Martins
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7/5/2015, 9:36
Não surpreende que havendo acordo no diagnóstico, a
terapêutica seja difícil. Estão em causa 28 percepções distintas
quanto a matérias fundamentais relativas à segurança interna e
externa da UE.
Tópicos
IMIGRAÇÃO IMIGRAÇÃO NO MEDITERRÂNEO UNIÃO EUROPEIA
É impossível ficar alheio ao drama do Mediterrâneo. Ele chega-nos diariamente
em imagens, relatos e números. Todos eles impressionantes. Ecos de histórias
difíceis, inimagináveis, de quem foge da morte, arriscando a vida, em busca de
um futuro melhor. Em algum momento já todos pensámos no que faríamos se
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colectivos da ausência de uma resposta melhor. Afinal nós, os europeus,
estamos comprometidos com o respeito pela dignidade, a vida, a integridade e a
segurança de todas as pessoas. Não só dos que são daqui, e aqui estão, mas
também dos que nos chegam de lá. E ninguém duvidará que este é, antes de
mais, um problema de protecção de direitos humanos. O Mediterrâneo coloca
hoje, na verdade, um desafio verdadeiramente existencial à auto-compreensão
dos direitos fundamentais na Europa. E o discurso oficial não o ignora, muito
embora as medidas concretamente adoptadas fiquem claramente aquém do que
a esta luz se poderia esperar.
E afinal, porquê? Por que razão não encontrou ainda a Europa mecanismos que
permitam resolver o problema das migrações na sua “última fronteira”? Parece
consensual que esta é uma questão europeia, que merece e reclama assim uma
solução europeia. O espaço Schengen e o mercado único remeteram a questão
para o plano da União. O mar Mediterrâneo é fronteira externa da União, e por
isso fronteira de todos (ou quase todos) os Estados-membros. Neste sentido,
nunca o mare nostrum foi tão nosso como agora.
Mas existindo consenso quanto ao diagnóstico, por que falha o consenso na
terapêutica?
Importa perceber que as medidas adoptadas pela União para responder à
tragédia do Mediterrâneo assumem uma dupla dimensão: uma dimensão
interna, uma vez que se prendem com as políticas europeias de imigração e
asilo; e uma dimensão externa, na medida em que envolvem decisões de
política externa e segurança comum, inclusivamente com implicações no
domínio militar e da defesa. Ora, nestes domínios o consenso europeu não é,
tradicionalmente, fácil, nem evidente. Introduzidas com o Tratado de
Maastricht, as políticas da justiça e assuntos internos e a política externa e de
segurança comum encontravam-se, nos anos noventa, plenamente sujeitas a
uma lógica intergovernamental, de cooperação internacional, em que os
Estados acordavam actuar por acordo unânime entre todos. A razão para isso é
simples: trata-se de matérias próximas do núcleo da soberania nacional,
relativamente às quais os Estados não estavam dispostos a perder o seu direito
de veto. Certo que hoje já não é inteiramente assim.
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Na sequência do Tratado de Amesterdão, as matérias da imigração e asilo foram
plenamente “integradas” – sujeitas ao método da integração ‑ e desenrolam-se
hoje num quadro decisório baseado na maioria qualificada dos Estados, com
envolvimento da Comissão e do Parlamentos europeus. Ainda assim, é
significativo que três dos Estados-membros mais antigos se mantenham
afastados destas políticas e das medidas adoptadas neste âmbito: o Reino
Unido, a Irlanda e a Dinamarca. Em matéria de imigração e asilo, a Europa –
como noutros domínios – também se faz de geometrias variáveis e ritmos
diferenciados. Mais significativas, porém, são as dificuldades e limitações de
implementação da política externa e de segurança comum da União. Aqui,
mesmo depois de Lisboa, continua a prevalecer a lógica da unanimidade entre
os Estados, do acordo, possível ou impossível, entre os vinte e oito,
designadamente para a adopção de medidas com implicações militares ou de
defesa.
Neste quadro decisório, não surpreende que não obstante o acordo quanto ao
diagnóstico da situação no Mediterrâneo, a terapêutica seja difícil de fixar.
Estão em causa vinte e oito diferentes percepções quanto a matérias
fundamentais que se prendem com a segurança interna e externa da União, com
relações com países terceiros, com os controlos de fronteiras e a política de
migrações que devem vigorar na Europa.
A esta pluralidade de visões associa-se a inevitável desigualdade entre Estadosmembros que o Mediterrâneo implica. Desigualdade que começa por ser
meramente geográfica ‑ à entrada ‑ e que penaliza os países do sul, mas que
acaba numa desigualdade no acolhimento – na permanência ‑, já que os
pedidos de asilo sobrecarregam sobretudo os países do norte. Nem sempre o
diálogo entre as duas frentes será evidente, e também aqui falha a tão
reclamada solidariedade europeia. Solidariedade entre portas e fora de portas,
entenda-se. Aquém e além-mar.
Talvez por isso não seja surpreendente que as medidas recentemente aprovadas
pelo Conselho Europeu soem a pouco. O reforço dos meios das missões de
patrulha e resgate, detenção e julgamento, e o aprofundamento do diálogo com
os países de origem, é de facto pouco relativamente ao que a Europa pode fazer.
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Mas este é, porventura, o consenso possível. Porque o outro, o consenso da
assistência humanitária a países terceiros, da abertura das fronteiras, das
quotas de asilo, da recepção e acolhimento temporários e/ou definitivos de
quem nos chega em busca do sonho europeu, esse parece (por ora) impossível.
Professora Auxiliar da Faculdade de Direito da Universidade Católica
Portuguesa
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