A Visualização dos Ângulos da Prática por meio da Autoscopia
Autoria: Maria Salete Batista Freitag
RESUMO
O estudo trata de uma investigação de natureza qualitativa, com uma abordagem
reflexiva. Objetiva colaborar para que seis consultores internos da Petrobras UN-RNCE
possam perceber os diversos ângulos de suas práticas, entre eles, a resolução de problemas
que ocorre simultaneamente com a conversão do conhecimento. Adota como metodologia a
autoscopia, por ser um dispositivo de investigação que possibilita a reflexão sobre a prática,
mediante o contato com a imagem e com som videogravados, nas ações cotidianas. A
motivação durante o processo de investigação e as constatações explicitadas nas sessões
reflexivas são indicativas de que a aplicação da metodologia mostrou-se eficaz.
1 INTRODUÇÃO
Este estudo evidencia uma experiência metodológica de natureza qualitativa, bem
como privilegia uma abordagem reflexiva em torno de práticas cotidianas desenvolvidas por
profissionais no contexto do trabalho. Parte ainda do pressuposto de que, no conjunto de
ações desenvolvidas por esses profissionais, está incluída, entre elas, a criação do
conhecimento. Contudo, presume-se que não há uma clareza por parte desses profissionais
quanto à sua contribuição para esse fim, mesmo sendo um elemento de significativo valor na
Sociedade do Conhecimento. No intuito de constatar evidências quanto a esse pressuposto,
esta investigação escolheu como campo de estudo a Petrobras – Unidade de Negócios Rio
Grande do Norte e Ceará (UN-RNCE), tendo como interlocutores os consultores internos
lotados nessa unidade. A escolha desses profissionais deveu-se a complexidade de suas
funções, compreendendo um nível de especialidade diferenciada nas atividades que
desenvolvem.
A finalidade do trabalho de pesquisa foi colaborar na criação de condições para
que esses consultores pudessem refletir acerca das experiências de criação de conhecimento,
presentes em suas práticas. A investigação foi motivada pelo interesse dos próprios
consultores por essa experiência de reflexão, que emergiu durante uma pesquisa mais ampla,
na qual se buscava compreender e explicar os sentidos atribuídos por eles às práticas
desenvolvidas conjuntamente com outros profissionais, em torno da resolução conjunta de
problemas.
Dada a abordagem reflexiva inerente ao estudo, optou-se pela autoscopia por
tratar-se de um dispositivo de investigação cujo processo, envolvendo sessões videogravadas
e reflexivas, permite desenvolver faculdades de auto-observação, autoanálise, diagnosticando
comportamentos que favorecem uma maior compreensão dos sentidos das práticas de
trabalho, contribuindo ainda para reflexão e ajustes nas ações cotidianas, conforme Linard
(1980). Esse tipo de investigação possibilita também a observação e análise de
comportamentos de uma forma mais tranquila, precisa e objetiva (SADALLA; LAROCCA,
2004).
Embora fosse evidente a importância dos resultados do estudo, o interesse no
processo de intervenção reflexiva mereceu destaque durante a experiência devido às reflexões
apresentadas pelos consultores sobre suas práticas. Essas reflexões atribuiram novos
significados à experiência escolhida, às pessoas com as quais se relacionavam e ao contexto
no qual a experiência estava inserida. Todos esses elementos tiveram significativa
importância na investigação qualitativa, conforme Bogdan e Biklen (1994), por serem
considerados como a fonte da qual emergem as informações.
1
Buscar uma abordagem diferenciada de investigação de natureza qualitativa, no
contexto dos estudos em administração, caracteriza a relevância deste estudo. Sendo assim,
essa experiência poderá vir a despertar o interesse para outras pesquisas qualitativas na área
de administração, motivado, entre outros fatores, pelos princípios e procedimentos reflexivos.
Além da introdução, a estruturação do trabalho é apresentada nos itens seguintes,
partindo do referencial teórico e seguido do contexto da pesquisa e dos elementos indicativos
dos interlocutores (os consultores internos entrevistados). Em seguida, apresenta o trajeto da
pesquisa tendo como sequência a experiência reflexiva dos consultores acerca das suas
práticas na criação de conhecimento. Por fim, são pontuadas as considerações finais, com
destaque para o potencial de reflexão e de formação que esse procedimento de pesquisa
propõe.
2 A AUTOSCOPIA COMO UM DISPOSITIVO REFLEXIVO DE INVESTIGAÇÃO
Na busca por experiências de investigação apoiadas por essa metodologia,
encontram-se, entre elas, os estudos de pesquisadores europeus como Bourron, Chaduc e
Chauvin (1998), Linard (1980), Bourron e Denneville (1995) e Fernandes (2004). A sua
aplicação ocorre com mais frequência nas áreas de educação, psicologia cognitiva,
consultoria, informática e na gestão empresarial. Na última, com o objetivo de avaliar o
desempenho profissional. No Brasil, Tosta (2006) ressalta as pesquisas desenvolvidas com
essa metodologia por pesquisadores no campo da educação, como Sadalla (1998), Meira
(1994), Tassoni (2000) e Larocca (2002).
O processo de autoscopia envolve uma fase de videogravação do indivíduo em
sua prática cotidiana feita pelo pesquisador. Em seguida, vem a fase reflexiva de
visionamento, que é realizada pela pessoa filmada em ação e na qual o pesquisador tem um
papel importante como mediador do processo. Por intermédio da videogravação, busca-se
apreender as ações do ator (ou atores), o cenário e a trama que compõem a situação
(SADALLA; LAROCCA, 2004). Nesse sentido, as sessões reflexivas ocorrem a posteriori
das ações, com o objetivo de suscitar e apreender o processo reflexivo do ator (ou atores),
mediante suas verbalizações diante das imagens e sons do vídeo. Essas falas gravadas formam
um conjunto de informações a serem analisadas pelo pesquisador na tessitura do seu trabalho.
Sadalla e Larocca (2004) constatam em seus estudos o potencial formativoreflexivo desse instrumento, destacando a sua aplicação tanto em situações de pesquisa como
de aprendizagem e formação de profissionais de diferentes áreas de conhecimento. Para as
pesquisadoras, o registro de vídeo de microssituações permite observar e analisar
comportamentos de uma forma mais tranquila, precisa e objetiva do que se fizessem essa
observação em situações cotidianas, podendo ser utilizado na prática de investigação
(SADALLA; LAROCCA, 2004).
Os aspectos dinâmicos da videogravação na autoscopia são enaltecidos por
Rosado (1990) por ser uma técnica que possibilita a construção de uma representação da
realidade, destacando nela elementos como: espaço, tempo, objeto e pessoas em ação e em
interação. A autora (1993) ressalta a posição ativa do sujeito diante de videogravações sobre
si, destacando o seu cariz ativo ao atribuir sentidos a situação apresentada dentro de um
contexto. Trata-se de uma experiência que incorpora elementos de cunho psicológico,
subjacentes a recepção televisual. Assim, essa experiência ativa permite ao sujeito
“ressignificar os elementos apresentados, interpretando conteúdos e estabelecendo arranjos
particulares, procedendo a articulações e atribuindo certos valores aos elementos, conforme
sua bagagem pessoal de experiências e conhecimentos anteriores” (ROSADO, p.31, 1993).
O diálogo com os pesquisados mencionados mostrou pistas metodológicas,
tornando possível o desenvolvimento conjunto (pesquisador e interlocutores) de mecanismos
2
para auxiliar no desvelamento de um universo antes não visto sob outra perspectiva de suas
práticas.
3 O CONTEXTO DA PESQUISA:a consultoria interna na Petrobras UN-RNCE
A consultoria interna na Petrobras – Petróleo Brasileiro SA – foi instituída em
2002 com a criação da carreira em Y. Esse tipo de carreira possibilita profissionais, com alto
desempenho, a terem a opção pela progressão técnica ou gerencial, favorecendo também a
criação de alternativas para retenção do conhecimento, ao mesmo tempo em que a Companhia
busca atrair e reter, internamente, os talentos. Desse modo, os profissionais passam a ter
possibilidades de ascensão ao serem enquadrados na carreira como consultor senior, de
negócios ou técnico, de acordo com os critérios estabelecidos.
Essa carreira é composta por três níveis, conforme detalhamento a seguir, e tem
como objetivo, apor intermédio dos consultores que se destacam em sua atuação e nela
enquadrados, criar soluções diferenciadas para a Companhia (PETROBRAS, 2006).
• Consultor técnico: profissional que atua nos processos-chave de Exploração e
Produção (E&P), Abastecimento, Gás Natural, Energia ou Petroquímica, criando soluções
diferenciadas para a Petrobras nessas áreas;
• Consultor de negócios: profissional que atua nos demais processos-chave da
Companhia, que possua conhecimentos corporativos e sistêmicos, geralmente ligados à
gestão, criando soluções diferenciadas para a Petrobras nessas áreas;
• Consultor senior: profissional cuja abrangência de atuação se dê pelo menos no
âmbito de segmento, que se destaque no exercício de atividades críticas para as estratégias e
que detenha conhecimentos que a Companhia precise preservar para assegurar a continuidade
dos negócios.
Esses especialistas atuam em uma posição middle-up-down (NONAKA;
TAKEUCHI, 1997), desenvolvendo ações conjuntas com outros profissionais junto às
situações problemáticas do cotidiano. Suas práticas estão voltadas para o diagnóstico de
problemas e o estudo de alternativas de soluções, apresentando contribuições simultâneas à
resolução de problemas, à formação, à aprendizagem no contexto do trabalho e à criação do
conhecimento, além do assessoramento no processo de tomada de decisões.
As ações desses consultores com esses vários direcionamentos são possibilitadas
naturalmente pelo acúmulo de experiências adquiridas no percurso profissional, mediante
interações sociais nos diferentes contextos específicos nos quais atuam cotidianamente, tal
como podemos entrever no quadro abaixo.
QUADRO 1 – Participantes do processo de autoscopia
TEMPO
NOME FICTÍCIO
TEMPO NA
FORMAÇÃO
FORMAÇÃO
NA FUNÇÃO
PARA O ENSINO
AT/AG
FP
Sessões videogravadas e reflexivas
5
AT
PE/FP
Sessões videogravadas e reflexivas
4
AT
PE/FP
Sessões videogravadas e reflexivas
4
AT
PE/FP
Sessões videogravadas e reflexivas
NA CIA.
CONSULTOR
FUNÇÃO
(ANOS)
26
de Negócios
(ANOS)
1
Charles Albert
21
de Negócios
Jim Lee
22
Técnico
Gauss
24
Técnico
Caio
PARTICIPAÇÕES NO
PROCESSO DA AUTOSCOPIA
Pitágoras
20
Técnico
4
AT
PE/FP
Sessões videogravadas e reflexivas
Vivo
27
Técnico
3
AT
FP
Sessões videogravadas e reflexivas
AT – atividade técnica; AG – atividade gerencial; PE – prática de ensino; FP formação na prática.
4 O TRAJETO DA INVESTIGAÇÃO
No momento que antecedeu a aplicação da autoscopia, buscava-se, por meio de
uma investigação mais ampla, compreender e explicar os sentidos atribuídos pelos consultores
3
da Petrobras (UN-RNCE) às suas práticas desenvolvidas com outros profissionais na
resolução conjunta de problemas. Assim, naquele momento, a compreensão e explicação de
sentidos tiveram como ponto de partida os seguintes eixos temáticos: 1) História e práticas de
formação e de aprendizagem: a formação inicial, a formação no âmbito da Petrobras, chegar a
ser um consultor/formador, os momentos marcantes como consultor/formador, os motivos de
ser um consultor/formador; 2) Percepção e delineamento: do trabalho como consultor, da
atividade de aprendizagem e como consultor implicada na sua função de consultor, das
experiências na criação do conhecimento organizacional da Petrobras, das atividades para as
quais tem mais motivação; 3) Relações no trabalho: entre as pessoas na vida cotidiana da
Companhia, entre os parceiros no processo de aprendizagem e de geração do conhecimento,
entre o papel desempenhado e a hierarquia superior, entre os conteúdos técnicos da atividade
que exerce, entre os conteúdos de formação.
No processo de interpretação compreensiva das falas, tendo como suporte
metodológico a entrevista compreensiva (KAUFMANN, 1996; SILVA, 2002, 2006), buscouse desvelar os sentidos dos discursos e, naquele momento da pesquisa, alcançou-se o objetivo
com o desvelamento de alguns núcleos de sentidos:
1. As práticas de formação e de aprendizagem;
2. A retenção do conhecimento;
3. A consultoria na resolução de problemas e na conversão do conhecimento;
4. A especificidade da prática da consultoria interna.
Durante a investigação, houve a oportunidade de apresentar aos interlocutores
esses núcleos de sentidos, revelados pela interpretação compreensiva de suas falas.
Particularmente, no que tange ao núcleo “a consultoria na resolução de problemas e na
conversão do conhecimento”, chamou a atenção dos consultores os sentidos da dupla lógica
presente em suas práticas cotidianas: resolver problemas e converter conhecimento. Em razão
disso, foi solicitado por eles que, durante a investigação, fossem criadas as condições para que
pudessem refletir e compreender essa dupla lógica.
Dentre os dispositivos metodológicos estudados na época, optou-se pela
autoscopia, por possibilitar o contato com a própria prática por meio dos recursos da imagem
e do som, o que viabiliza a auto-observação e autocrítica em torno das suas ações, em uma
perspectiva de aperfeiçoamento. Participaram dessa experiência os consultores que,
motivados pela possibilidade de conhecer outros ângulos de suas ações, voluntariamente, se
candidataram, apresentando como objeto de reflexão de sentidos uma prática nomeada por
cada um, inserida em seus cotidianos e associada ao tema escolhido conjuntamente: resolver
problemas e converter conhecimento.
Para definição das etapas da autoscopia, encontrou-se em Bourron, Chaduc e
Chauvin (1998) a divisão do processo em cinco fases: preparação, desenvolvimento,
visionamento, análise e síntese.
4.1 FASES DO PROCESSO DE AUTOSCOPIA
Dada a aproximação com os consultores, naquele momento, optou-se por planejar
as fases do processo da pesquisa com uma frequente participação deles. Sendo assim, foram
discutidos e acertados os eventos estruturantes da autoscopia. Com cada um deles foram
programados os encontros para: a discussão sobre a prática que deveria ser videogravada, o
planejamento da videogravação, as sessões de videogravação e as sessões reflexivas. No final
deste texto constam partes dos apêndices que foram gerados durante a pesquisa, nos quais é
possível constatar os elementos de organização do estudo em questão.
4
4.1.1 Fase de preparação
Os autores recomendaram que na fase de preparação fosse definida a escolha do
tema a ser abordado; observadas as características da população-alvo do estudo e elaborado
um plano que contemplasse estratégias, objetivos e conteúdos e adotados e, ainda, os meios
materiais necessários (FERNANDES, 2004; BOURRON, CHADUC, CHAUVIN 1998).
Com base nesses critérios, fez-se uma reunião com os consultores interessados.
Explicou-se então como seria o processo de autoscopia e como essa metodologia poderia
colaborar para atender as expectivas deles quanto à visualização da conversão do
conhecimento presente em suas práticas. Naquele momento, solicitou-se que cada um
escolhesse a atividade que seria videogravada, bem como quantas pessoas iriam participar.
Orientou-se ainda que a atividade deveria refletir o núcleo de sentidos relacionado à
conversão do conhecimento na resolução de problemas.
Para facilitar a compreensão quanto à conversão do conhecimento, um texto foi
elaborado com base no modelo de conversão de Nonaka e Takeuchi (1997), que
compreendem quatro modos de conversão: socialização, externalização, combinação e
integração (SECI), conforme síntese do roteiro (Apêndice A), no qual constam também as
questões norteadoras das sessões reflexivas. Tal roteiro foi entregue para os participantes no
momento em que foi agendado um encontro para discussão e estudo sobre os elementos
utilizados.
4.1.2 Fase de desenvolvimento – as sessões videogravadas
Para a etapa de desenvolvimento das sessões videogravadas, primeiramente, tevese a confirmação sobre o tipo de atividade escolhida por cada um dos consultores que seria
videogravada. Recomendou-se que a prática fosse integrante do cotidiano em ações de
consultoria e sugeriu-se, mais uma vez, um aprofundamento na leitura do texto do Apêndice
A, antes da videogravação.
Solicitou-se, também, que a empresa contratada para fazer a filmagem chegasse
com antecedência ao local, para instalação dos equipamentos antes da entrada das pessoas na
sala, orientando sobre a cobertura que deveria ser feita durante a filmagem. Antes de iniciar as
falas e a videogravação da prática, explicou-se o motivo da presença da pesquisadora e da
equipe de gravação e pediu-se permissão para fazer a filmagem, informando como essas
imagens seriam utilizadas posteriormente. Em todas as sessões, houve um bom acolhimento e,
apenas em uma delas, notou-se que os participantes que estavam junto com o consultor não
ficaram muito à vontade.
As sessões videogravadas duraram em média uma hora e meia. Sempre se teve o
cuidado de parar em um momento em que não prejudicasse a qualidade das informações que
teriam de ser trabalhadas na sessão reflexiva, como também não trazer nenhuma dificuldade
de continuidade para as pessoas presentes na atividade videogravada. O Apêndice B apresenta
um conjunto de informações sobre esse momento, incluindo a atividade que foi videogravada,
local e modo de conversão.
4.1.3 Fase de visionamento, análise e síntese
As fases de visionamento, análise e síntese foram realizadas durante a sessão
reflexiva, de acordo com o detalhamento no Apêndice C. Antecedeu a essa fase a edição das
videogravações que foi realizada pela pesquisadora e a empresa contratada para os serviços de
filmagem. Entregou-se a cada um dos consultores uma cópia com as imagens em DVD, com
antecedência, para que eles pudessem organizar a sessão reflexiva e entrar previamente no
processo reflexivo em si, escolhendo cenas que gostariam de comentar. Essa sessão foi feita
individualmente, para que cada um se sentisse o mais à vontade possível no encontro com as
suas imagens.
5
Durante as sessões de reflexão a pesquisadora adotou uma posição de mediadora,
retomando o contato reflexivo dos consultores. Assim, com base em Contreras (2002), foi
orientado que, para esse exercício, voltassem a ler o texto Apêndice A, para poderem
aprofundar as referências relacionadas à experiência reflexiva, tendo como alusão as questões
mencionadas anteriormente, incluídas nesse apêndice. Alguns consultores chegaram à sessão
reflexiva com anotações prontas sobre a autoanálise realizada durante o visionamento anterior
à sessão reflexiva. Outros fizeram as anotações no decorrer da sessão. Em ambas as situações,
buscaram feedbacks sobre a prática videogravada.
Com a intenção de aprofundar a reflexão sobre os sentidos atribuídos à dupla
lógica da função, durante essas sessões, primeiro assistiu-se ao vídeo e, nesse momento, eles
faziam anotações complementando as que já tinham. Depois, partiu-se para um diálogo
reflexivo guiado pelas questões constantes no Apêndice A. As falas desse momento foram
gravadas para que fosse possível, a partir delas, aprofundar a análise juntamente com as
imagens. Desse momento de visionamento reflexivo resultaram alguns extratos com os
sentidos e os modos de conversão do conhecimento presentes nas práticas videogravadas.
4.2 AS SESSÕES REFLEXIVAS E OS RESULTADOS DO PROCESSO DE
AUTOSCOPIA
Nessa fase do processo de autoscopia, podem-se constatar os modos de conversão
do conhecimento presentes nas práticas dos consultores, denotando a eficácia de utilização
desse procedimento no atendimento das expectativas dos consultores, no sentido de poder
compreender os diversos ângulos de suas práticas, conforme alguns extratos das sessões
reflexivas apresentados na sequência do texto.
4.2.1 A sessão reflexiva e a socialização do conhecimento
EXTRATO DA SESSÃO COM O SENTIDO DA SOCIALIZAÇÃO
O consultor Charles Albert
O consultor Charles Albert tinha como objetivo na prática videogravada escolhida proporcionar a socialização
do conhecimento entre um profissional com bastante experiência na análise de projetos e um iniciante nessa
atividade. Para isso, escolheu como prática reflexiva a análise de projetos e busca de informações e
conhecimento. Durante a prática, apoiou-se na utilização de fluxogramas e plantas de projetos e fez
inicialmente um nivelamento conceitual de todo o processo de análise de projetos.
Na sessão reflexiva, retomou o contato com o roteiro para reflexão Apêndice A, distribuído anteriormente,
passando a fazer os comentários conforme a sequência apresentada no texto.
Falando sobre o que fez na prática, ele comenta: “percebi que consegui ajudar o profissional mais experiente a
identificar e explicar para o menos experiente as falhas do projeto”.
Sobre os modos de conversão do conhecimento o consultor afirma: “essa experiência proporcionou a
socialização e a externalização do conhecimento entre o profissional com bastante experiência, orientando
como seguir o fluxo para solução do problema junto ao iniciante”.
O consultor, fazendo uma observação sobre essa prática, declarou: “estudar conjuntamente a solução do
problema leva naturalmente a socialização do conhecimento [...] é uma atividade que se desenvolve sempre
em equipe através de várias disciplinas diferentes”.
Refletindo sobre o significado do que fez nessa prática, Charles Albert faz o seguinte relato: “meu
conhecimento contribui para a formação de um espírito de equipe entre os participantes”.
Sobre as causas de sua atuação nessa prática o consultor ressalta algumas experiências: “a formação como
instrutor interno”; “Ter feito cursos em andragogia”; “As participações em eventos nacionais e
internacionais.”; “Gostar de trabalhar em equipe”.
Refletindo sobre como poderia fazer melhor essa prática, ele fez alguns comentários: “Eu teria feito um
6
EXTRATO DA SESSÃO COM O SENTIDO DA SOCIALIZAÇÃO
O consultor Charles Albert
check-list. Trabalharia em célula fazendo uma integração depois. Estimularia mais a participação do menos
experiente, Mudaria meu comportamento em relação ao profissional iniciante, procurando angariar mais a
participação dele.”
Fazendo um comentário espontâneo no final da sessão, esse consultor ressalta: “Achei muito interessante o
modelo de conversão do conhecimento que estudamos. Estou discutindo esses quatro modos nas minhas
práticas com a equipe”.
As reflexões do consultor Charles Albert presentes no extrato deixam evidências
de que ele conseguiu ampliar o campo de percepção sobre a sua prática ensejando
oportunidades de mudanças de postura perante o trabalho. Conforme um dos seus discursos,
“mudaria meu comportamento em relação ao profissional iniciante, procurando angariar mais
a participação dele”. Tal reflexão evidencia o reconhecimento da necessidade de rever a tática
por parte desse consultor como facilitador da conversão do conhecimento. Em contato com a
imagem, ele percebe-se adotando uma postura como facilitador da formação, no sentido de
viabilizar o nivelamento conceitual, socializando o conhecimento. Os sentidos do discurso do
consultor em sua reflexão demonstra também que ele se percebe como mobilizador dos
conhecimentos do profissional mais experiente, o que se constitui como o elemento mais
importante na socialização do conhecimento durante essa ação.
Essas reflexões sobre a experiência no processo de autoscopia apresenta os
sentidos da epistemologia da prática (SCHÖN, 2000), orientadas a partir de um entendimento
acerca da dupla lógica: resolver problemas e converter conhecimento. Com isso, facilitaria a
explicitação parcial do conhecimento tácito pelas práticas de cada um em várias situações,
sendo esse o propósito maior da socialização do conhecimento.
4.2.2 A sessão reflexiva e a externalização do conhecimento
EXTRATO DA SESSÃO COM O SENTIDO DA EXTERNALIZAÇÃO
Consultor Jim Lee
O consultor Jim Lee tinha como objetivo em sua prática promover um encontro de profissionais com tempo
de experiência diferente e com atuação em atividades relacionadas à análise preventiva de acidentes. Para
isso, escolheu como prática reflexiva a análise de prevenção de riscos (RAZOP).
Nesse sentido, adotou alguns critérios para a escolha dos participantes e organizou a sala onde foi realizada a
prática com recursos audiovisuais, computador e várias plantas que ficaram afixadas nas paredes da sala.
Enquanto conduzia o grupo para elaboração de hipóteses sobre possíveis situações de riscos, motivava as
discussões sobre as ações preventivas a elas associadas. As hipóteses e os consensos gerados sobre as ações de
prevenção iam sendo registrados pelo consultor em planilhas previamente construídas para essa finalidade.
Ao refletir sobre o que fez nessa prática, esse consultor ressalta, primeiramente: “resolvi participar dessa
prática reflexiva para fazer uma ‘reformatação’ pessoal. Tornar minha prática mais produtiva”. Comenta:
“conduzi uma atividade para verificar se o projeto está seguro para entrar em operação”. “Selecionei pessoas
de acordo com determinado perfil para compor uma equipe multidisciplinar”.
Sobre o modo de conversão nessa prática ele considera que aconteceu a externalização a partir das analogias
que cada um vai fazendo das situações. Percebem-se ângulos não vistos anteriormente.
Refletindo sobre o significado do que fez nessa prática, o consultor Jim Lee revela: “A atividade de análise de
risco junto com a análise de prospectos exploratórios são as mais nobres, pelo menos na minha área de
trabalho de processamento, porque possibilita uma troca de conhecimento […] Se não houver externalização
do conhecimento a gente não resolve o problema”.
Relatando sobre as causas de sua atuação nessa prática, afirma: “A minha experiência é na área de processo”.
“Processo está muito ligado à segurança e segurança a processo”. “É uma atividade que gera conhecimento
para mim e segurança para a empresa”.
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EXTRATO DA SESSÃO COM O SENTIDO DA EXTERNALIZAÇÃO
Consultor Jim Lee
O consultor destaca sua facilidade de trabalhar em equipe como fator facilitador dessa atividade. “Gosto de
ouvir e aceitar questionamento; ter mais pessoas trocando conhecimento”.
Refletindo sobre de que outra forma faria essa atividade, aponta: “Puxar mais os participantes menos
experientes”. “Colocar mais as pessoas para refletirem”. “Anotar as ideias que vêm durante o processo e caso
não tenha sido a abordada, puxar no final”. “Ouvir mais”. “Estimular a via divergente oposta ao caminho que
se queria implementar”. “Estimular mais as falas”. “Pediria às pessoas para se apresentarem no início”.
“Procuraria conhecer as expectativas dos participantes”.
Fazendo um comentário no final da sessão, ressalta: “recomendaria que essa atividade fosse feita com todos
os consultores”.
O consultor declarou mediante sua reflexão após atividade a percepção que teve
na prática sobre o poder da reflexão na ressignificação de visões e de posições, o que
pressupõe que as pessoas ficam mais flexíveis diante das situações vivenciadas. Evidenciou
também que, pela vivência refletida, percebe como as analogias praticadas durante a atividade
influenciaram na externalização do conhecimento.
Acompanhando a reflexão desse consultor e analisando os sentidos atribuídos às
possibilidades de conversão do conhecimento na prática escolhida, observa-se que ele percebe
nas imagens videogravadas o amplo potencial para a externalização entre os profissionais
envolvidos em várias partes do processo de trabalho, denotando a externalização de situações
associadas a cada uma dessas partes que são interdependentes.
A externalização é caracterizada como um campo fértil para a geração do
“conhecimento-na-ação” (SCHÖN, 2000), que vem de várias direções nas práticas cotidianas
do trabalho. Alinhado a esse entendimento, o consultor Jim Lee, durante a entrevista, falando
sobre o seu trabalho, declara: “o desempenho através de solução de problemas provoca
dúvidas e, consequentemente, as pessoas descobrem novos conhecimentos”.
Ao explicitar a sua interpretação durante a experiência reflexiva diante da sua
própria imagem em ação, o consultor deixa evidente como a autoscopia o ajudou na
compreensão dos sentido da externalização do conhecimento, ao revelar que “se não houver
externalização do conhecimento a gente não resolve o problema”. Esse tipo de discurso é
revelador da tomada de consciência sobre a dúpla lógica da prática da consultoria; resolver
problemas e converter conhecimento. O discurso também apresenta o sentido de percepção
quanto à oportunidade para a construção do conhecimento a partir do pensamento sobre a sua
prática.
O consultor demonstra a sua motivação sobre a experiência reflexiva vivenciada
na autoscopia ao declarar o seu entusiasmo: “recomendaria que essa atividade fosse feita com
todos os consultores.” Infere-se que a experiência de autoscopia vivenciada pelo consultor
atendeu a sua expectativa no sentido de poder visualizar outras dimensões de sua prática, além
de resolver problemas.
4.2.3 A sessão reflexiva e a combinação do conhecimento
EXTRATO DA SESSÃO COM O SENTIDO DA COMBINAÇÃO
Consultor Gauss
O consultor Gauss tinha como objetivo na prática escolhida dar uma formação para os colegas do campo sobre
como apresentar trabalhos em eventos técnicos. Por isso, escolheu a atividade: orientação para organização de
apresentações em encontros técnicos.
Durante a sessão de videogravação, organizou o ambiente, deixando as cadeiras em formato de U para facilitar o
contato entre os participantes. Buscou também disponibilizar os recursos audiovisuais para as apresentações.
Na sessão reflexiva, retomou o contato com o roteiro para reflexão distribuído anteriormente, passando a fazer os
8
EXTRATO DA SESSÃO COM O SENTIDO DA COMBINAÇÃO
Consultor Gauss
comentários conforme a sequência do texto.
Falando sobre o que fez na prática, ele comenta: “Instrui os profissionais na preparação das apresentações de
encontros técnicos. Ajudei a se organizarem para transformar o conhecimento de suas práticas no conhecimento
explicito”.
Sobre o modo de conversão durante a prática, fez a observação de que ocorreu a combinação entre os
participantes quando compartilhavam as experiências quanto à organização das apresentações de cada um.
Destaca que houve a externalização da parte dele expondo para os colegas a sua experiência como palestrante.
Comentando sobre o significado dessa prática para ele, relata: “Senti que despertei o interesse em participar de
eventos técnicos para combinação do conhecimento no âmbito da Companhia”.
“A falta de envolvimento deles nesses eventos era um problema para mim”.
“Foi uma iniciativa que deu resultado”.
Refletindo sobre as causas de atuação nessa prática, o consultor reporta-se: “a base do conhecimento como
palestrante e as vivências sobre a estrutura da organização, a didática sobre apresentações”. Observa as
dificuldades no sentido de ajudá-los a enfrentar o medo do público, reconhecendo e realçando as facilidades em
função do potencial de conhecimento desses profissionais nas suas práticas de campo.
Explicando sobre as mudanças que faria nessa prática para torná-la melhor, relata: “Teria feito o planejamento da
apresentação e apresentado antes para controlar melhor o tempo”. “Teria mais foco”. “Daria mais dicas”. “Teria
trabalhado mais a coragem deles para interagir com uma plateia. Dado mais suporte didático e ânimo emocional”.
O consultor Gauss, vendo-se nas imagens, faz alguns comentários ressaltando
inicialmente o duplo modo de conversão presente na prática, embora, depois, enfatize que a
combinação é o modo predominante. Esse consultor demonstra a percepção que teve na
prática sobre o poder da reflexão, falando acerca dos motivos que originaram “uma relativa
omissão em outras oportunidades”, associados ao potencial que os profissionais têm e às
oportunidades para combinação com outros da Companhia por meio de eventos técnicos
internos.
O consultor percebe-se durante a visualização das imagens mediando
experiências de combinação de diferentes conhecimentos presentes na explicitação de cada
profissional participante da sessão videogravada, demonstrando, no momento, como estavam
se organizado para apresentar trabalhos em eventos técnicos. Assim faz o seu relato: “ocorreu
a combinação entre os participantes quando compartilhavam as experiências quanto à
organização das apresentações de cada um”. Vendo-se nas imagens e remetendo a sua
reflexão ao roteiro Apêndice A, o consultor percebe-se ajudando na transformação do
conhecimento da prática em conhecimento explícito.
4.2.4 A sessão reflexiva e a internalização do conhecimento
EXTRATO DA SESSÃO COM O SENTIDO DA INTERNALIZAÇÃO
Consultor Vivo
Tendo como objetivo na prática escolhida para a reflexão o conhecimento da bacia potiguar, o consultor Vivo
definiu como atividade uma visita virtual à bacia potiguar. Para isso, escolheu como ambiente a sala de
visualização projetada com recursos de imagens e som que possibilitam uma visita tridimensional.
Comentado sobre o que fez na prática, ele relata: “passei o conhecimento organizacional do que é a nossa
atividade de geodésia, geografia e geologia, numa abordagem visual”.
9
EXTRATO DA SESSÃO COM O SENTIDO DA INTERNALIZAÇÃO
Consultor Vivo
Refletindo sobre o modo de conversão predominante na prática, afirma: “Percebo essa experiência como uma
viagem do geral para o particular, para compreender os fenômenos presentes nos processos para gerar
conhecimento”. E ainda: “Há uma internalização mental devido à visualização tridimensional de informações [...]
as pessoas passam a pensar a Companhia de forma mais ampliada”. “O vocal, auditivo e visual juntos têm um
efeito direto na internalização do conhecimento”. “É possível um acompanhamento do poço em tempo real”. “As
pessoas vivem uma experiência que marca muito. Deixa o forte registro na mente das pessoas”.
Explanando sobre o significado dessa prática para ele, descreve: “Sinto que contribuo para que as pessoas passem
a pensar a Companhia de forma mais ampliada a partir de uma imagem internalizada”. “Percebo que consigo
abordar os assuntos bem informais, não criando distância com as pessoas”.
O consultor Vivo, refletindo sobre as causas de atuação nessa prática, reporta-se às suas experiências que
integram uma visão global e regionalizada da Companhia. “A facilidade para manuseio de softwers para o manejo
dos equipamentos que propiciam a visualização, transmitindo o conhecimento de uma forma mais interessante e
facilitando a internalização, devido à forte experiência com as imagens”.
Explicando sobre as mudanças que faria nessa prática para torná-la melhor, relata: “Ver as coisas tridimensionais
é um salto muito grande”. “Procuraria envolver mais pessoas de dentro e de fora da Companhia para essa
experiência de visita à bacia potiguar”.
Fazendo um comentário no final da sessão reflexiva, esse consultor observa: “Essa experiência refletida deixa
claro para mim que a autoavaliação sobre essa minha prática me ajuda a ter um senso crítico sobre o que faço”.
Nas suas reflexões diante das imagens, o consultor apresenta algumas narrativas
que deixam evidências quanto à percepção ampliada de sua prática, percebendo a sua
participação no sentido de ajudar as pessoas a pensar a Companhia de forma mais ampliada a
partir de uma imagem internalizada. A sua declaração, durante a sessão reflexiva de que se
percebe abordando os assuntos bem informais, não criando distância com as pessoas
demonstra a eficácia da autoscopia como um recurso que possibilita o contato com a forma de
agir.
Além de perceber nas imagens que a sua prática colabora para a internalização do
conhecimento, em seu depoimento: “essa experiência refletida deixa claro para mim que a
autoavaliação sobre essa minha prática me ajuda a ter um senso crítico sobre o que faço”,
denota-se a motivação do consultor para se beneficiar da autoscopia, revendo e aprimorando a
sua prática. O seu depoimento traz o sentido de que a filmagem apresenta uma amostra
representativa do que realmente acontece na prática dele.
Com o objetivo de se fazer uma síntese desse processo, para compreender o
significado da participação na autoscopia, ao final de cada sessão reflexiva, foram feitas três
perguntas a cada um deles:
1. Por que escolheu participar dessa fase?
2. Como foi ser filmado na prática escolhida?
3. Qual o aprendizado durante esse processo investigativo?
As respostas para essas questões trouxeram a clareza de que essa experiência
reflexiva significou para eles uma imersão na invisibilidade de suas práticas, fatos esses
expressos nas falas e nas fisionomias, como surpresa pelo encontro com algo que faz parte do
que fazem, mas que estavam ausentes de suas percepções, como é o caso da conversão do
conhecimento que ocorre simultaneamente à resolução de problemas.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta investigação teve como propósito apresentar uma experiência metodológica
de natureza qualitativa e com uma abordagem reflexiva. Desenvolveu-se com o objetivo de
10
colaborar com alguns consultores internos da Petrobras UN-RNCE na compreensão da
diversidade de ângulos presentes em suas práticas. Teve como motivo a solicitação deles em
um momento em que participavam de uma pesquisa mais ampla, no afã de compreender como
ocorre a conversão do conhecimento em suas práticas simultaneamente às suas ações na
resolução de problemas.
Entre as alternativas metodológicas em estudo na época, optou-se pela
autoscopia, por se tratar de um dispositivo que possibilita um contato direto com as imagens e
sons do sujeito em ação, facilitando assim o alcance da diversidade de elementos presentes
nas ações cotidianas. Para organização do estudo, buscou-se o diálogo com alguns
pesquisadores que adotam essa abordagem metodológica. O trabalho foi estruturado em fases:
preparação, desenvolvimento, visionamento, análise e síntese. Desde a primeira fase houve a
participação dos consultores, avançando na medida em que o processo de investigação ia
evoluindo. Esse tipo de envolvimento foi providencial no desenvolvimento do processo em
direção ao objetivo pretendido pelo trabalho.
Na fase de preparação, surgiu a necessidade de se criar um roteiro com elementos
conceituais e questões reflexivas (Apêndice A), que serviu de guia durante todo o processo
autoscópico. Foi o momento no qual cada consultor teve a oportunidade de escolher a
atividade que seria videogravada, sendo recomendado que nela houvesse oportunidades de
conversão do conhecimento.
Nas sessões videogravadas durante a fase de desenvolvimento, buscou-se uma
cobertura de todos os elementos presentes no contexto em que a filmagem ocorreu, no intuito
de ampliar o repertório de informações para as sessões reflexivas.
Durante as fases de visionamento, análise e síntese, os consultores demonstraram
expressiva motivação em suas participações apontando evidências de que haviam se
preparado para as sessões reflexivas, momento no qual traziam as suas anotações sobre as
reflexões já realizadas com base nos DVDs disponibilizados previamente.
Os depoimentos durante as sessões reflexivas são contundentes quanto à eficácia
da autoscopia na compreensão que eles buscavam acerca da diversidade de ângulos presentes
em suas práticas, entre os quais, a resolução de problemas ocorrendo simultaneamente com a
conversão do conhecimento.
É possível assim considerar que a autoscopia pode proporcionar aos consultores
experiências de reformatação de suas práticas, na medida em que passam a conhecer a
complexidade dos atos de ser consultor, entre eles, o potencial de conversão de conhecimento
e as possibilidades de rever comportamentos, corrigindo desvios em relação a determinados
padrões presos à racionalidade técnica.
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TOSTA, C.G. Autoscopia e desenho: a mediação em um sala de educação infantil.
Dissertação. (Mestrado em Psicologia). Universidade Federal de Uberlândia. Uberlândia MG.
2006
12
APÊNDICE A
ROTEIRO ORIENTADOR PARA A AUTOSCOPIA: SESSÕES VIDEOGRAVADAS E
REFLEXIVAS
(Elaborado pela a autora com base em Nonaka e Takeuchi (1997)
1) O tema escolhido para autoscopia na reunião de apresentação da primeira etapa da pesquisa:
resolver problemas e converter conhecimento.
Sinopse: A autoscopia nesta pesquisa tem como objetivo investigar, mediante sessões reflexivas, os
dois lados da prática do consultor, os quais se complementam: resolver problemas e converter
conhecimento, tendo como objeto central de pesquisa os modos de conversão do conhecimento.
2) Os quatro modos de conversão do conhecimento tácito em explícito conforme Nonaka e
Takeuchi (1997)
O conhecimento tácito – Inclui elementos cognitivos e técnicos. Os cognitivos são
formados por “modelos mentais”, mediante os quais as pessoas criam modelos de mundo, adotando
estratégias mentais de manipulação e analogias. Os modelos mentais são representados por esquemas,
paradigmas, perspectivas, crenças e pontos de vista, contribuindo para que os indivíduos desenvolvam
as suas percepções perante a realidade. O lado técnico comporta o elemento técnico do conhecimento,
incluindo o Know-How, as técnicas e as habilidades. O conhecimento da experiência é caracterizado
como tácito, físico e subjetivo.
O conhecimento explícito – É de natureza objetiva e orientado para uma teoria
independente do contexto. É o conhecimento codificado, transmissível em linguagem formal e
sistêmica. É representado pelo conhecimento da racionalidade. É declarativo.
Os modos de conversão do conhecimento na empresa, segundo Nonaka & Takeuchi
(1997), são realizados de forma espiralada e apresentam quatro formatos, conforme descrevemos a
seguir:
A socialização como um processo no qual parte do conhecimento tácito de uma pessoa é
convertido no conhecimento tácito de outra, permitindo a socialização através da observação, imitação
ou prática, tendo como segredo principal as experiências sólidas de conhecimento que são
compartilhadas, criando novas perspectivas de conversão.
A externalização é um processo pelo qual uma parte do conhecimento tácito de uma
pessoa se converte em algum tipo de conhecimento explícito. Geralmente, esse tipo de conversão se dá
mediante a articulação do conhecimento tácito em conceitos explícitos. O conhecimento se torna
explícito em forma de metáforas, analogias, conceitos, hipóteses ou modelos. É feito também o uso da
linguagem no intuito de externalizar a maior fração possível do conhecimento tácito. É provocado o
diálogo e as reflexões coletivas em torno das mudanças na prática de trabalho.
A combinação envolve a integração de conjuntos diferentes de conhecimento explícito.
Corresponde à criação de ambientes nos quais as pessoas possam trocar e combinar conhecimentos
através de vários canais como intranet, internet, reuniões, fóruns, telefones, documentos etc.
A conversão do tipo internalização ocorre quando há incorporação do conhecimento
explícito no conhecimento tácito. É intimamente ligado ao “aprender fazendo”. Observamos que o
conceito de internalização está associado ao de autonomia de quem internaliza.
3) Roteiro para participação nos procedimentos reflexivos (elaborado tendo como referência
Contreras (2002)).
3.1 Tenha como referência a atividade no campo que você realizou e que foi feita a videogravação na
qual você resolveu problemas e experimentou, de forma muito clara, um ou alguns modos de
conversão do conhecimento, conforme descrito acima.
3.2 Reflita sobre as questões abaixo e descreva de forma resumida as respostas para cada uma delas:
13
• O que fiz? – O que você fez nessa atividade? Qual o problema que você contribui para
resolução? Qual ou quais modos de conversão do conhecimento decorreram dessa
atividade?
• Qual o significado do que fiz? – Qual o significado dessa atividade para você, seja na
resolução de problemas, seja na geração de conhecimentos? Explique os dois lados de sua
atuação – resolver problemas e converter conhecimento.
• Quais as causas da minha atuação? – Que tipo de experiências anteriores facilitaram a
sua atuação perante a atividade escolhida, tanto na resolução do problema como na
geração do conhecimento? Quais as dificuldades e facilidades comparadas às situações
anteriores de sua prática?
• Como poderia fazer as coisas de forma diferente? – O que percebe como estratégica e
pedagogicamente mais apropriado para essa atividade? O que você mudaria na sua
atuação profissional?
3.3 A sessão reflexiva será realizada tendo como referências as imagens gravadas, sendo refletidas por
você a partir das questões selecionadas.
3.4 A sessão reflexiva será feita individualmente e as falas serão gravadas para posterior análise e
integração aos resultados da primeira etapa da pesquisa.
14
APÊNDICE B
As sessões videogravadas
CONSULTOR Pitágoras ATIVIDADE ESCOLHIDA Curso sobre bombeio mecânico. Jim Lee Análise de risco –
HAZOP. Gauss Orientação para a organização de palestras para um encontro técnico. Vivo Visita virtual à Bacia Potiguar de petróleo. Caio Reunião de avaliação dos projetos de pesquisa com a UFRN. Charles Albert MODOS DE CONVERSÃO LOCAL Externalização/ internalização. Ativo de Mossoró – sala do setor de treinamento
. Externalização/ internalização. Sede UN‐
RNCE – Natal – sala do setor de treinamento
. Externalização/ socialização. Sede UN‐
RNCE – Natal – sala do setor de treinamento
. Combinação/ex
ternalização. Sede UN‐
RNCE – sala de visualização. Externalização. UFRN – Laboratório de Geologia e Geofísica de Petróleo. Treinamento CONTEXTO NP
* RECURSOS DIDÁTICOS ESTRATÉGIAS DIDÁTICAS TF** 5 Data show; planilhas em Exel. Integração do grupo; aplicação de exercícios para internalização e conceitualização; distribuição prévia de apostilas; junção de participantes mais e menos experientes. 1h 25 min 3 Mapas colados na parede; data show; lápis marcadores; planilhas de Excel. Uso de dinâmicas; registro dos pontos de consenso em planilhas; questionamentos; distribuição prévia de textos; estabelecimento de hipóteses; apresentação de conceitos; junção de participantes mais e menos experientes. 2h 45 min 4 Data show Uso de metáforas, modelos; regras; apresentação; estímulo à autoconfiança dos participantes. 1h 38min Imagens em 3D Exploração dos recursos de visualização. Associação de conhecimentos de diversas áreas:geografia, geofísica, geologia, política, poesia, para que a atenção não fique presa apenas às imagens. 50 min Sala de treinamento com a distribuição das cadeiras e dos computadores no modelo convencional. Distribuição das cadeiras de modo convencional, numa posição que possibilitava a visão dos recursos visuais. Organização em formato U, possibilitando um ambiente informal. Sala de visualização estruturada com iluminação, cores, som, climatização, tela especial, óculos para facilitar a visualização em 3D. Nessa sala, é possível fazer o acompanhamen
to dos poços em tempo real. Ambiente acadêmico formal; auditório dentro do prédio do laboratório. * 18 Data show Plantas de projetos; fotos ultrasografa
‐das; lápis marcadores. Postura dialógica. Uso de informações mostrando resultados favoráveis aos dois lados.Petrobras e UFRN; abertura para feed‐back; abordagem mista: técnica, social e política. Atividade do cotidiano: análise de projeto; uso de mapas para troca de conhecimento; ênfase nos aspectos de peso da atividade para os resultados da Empresa. 1h 02 min 1h 20m *NP: Número de pessoas **TF: Tempo de filmagem 15
APÊNDICE C
As sessões reflexivas
CONSULTOR Jim Lee Gauss Vivo Caio Charles Albert LOCAL Sala de reunião RH. Sala de reunião RH. Sala de reunião RH. Sala 4 – setor de treinamento. Sala 4‐ setor de treinamento. TEMPO ATIVIDADES PRÉVIAS INÍCIO DA SESSÃO 3h 30min Entrega do DVD; leitura do texto – sessão reflexiva. Solicitou que fosse revisto o texto sobre a sessão reflexiva.Pediu que víssemos o filme antes de dialogarmos. 3h Leitura do texto (A) antes da sessão. Assistiu ao filme em casa com a família poucas horas antes. Mostrou uma lista de pontos observados no filme com seus comentários; pediu para que víssemos algumas cenas para que pudéssemos dialogar. 2h 30mim Leitura do texto (Apêndice A). Solicitou que fosse revisto o texto sobre a sessão reflexiva(Apêndice A); pediu que víssemos o filme antes de dialogarmos. 2h 40min Fez a leitura do texto (Apêndice A) antes da sessão e o trouxe com várias anotações. Assistiu ao filme em casa no dia anterior. Apresentou várias anotações feitas no texto, demonstrando ter refletido sobre as suas questões constantes (Apêndice A); pediu para que víssemos algumas cenas para que pudéssemos dialogar. 1h 50min Explicou por que tinha se apoiada nas plantas e nos fluxogramas de projetos com recurso para externalizar o conhecimento Fez algunus comentários sobre o DVD que tinha visto antes da sesão.. Fez a apresentação dos particpantes e explicou os critérios de escolha dos participantes DURANTE Vimos o filme e ele pediu para dar pausa várias vezes. Enquanto isso, fazia as suas anotações. Terminado o filme, começamos a trabalhar as questões de acordo com o roteiro do texto sobre a sessão reflexiva (Apêndice A), sendo gravadas as respostas reflexivas a cada uma delas. Vimos às cenas conforme foi pedido. Ele fez alguns comentários, se reportando às anotações que havia feito. E aí, anunciou que podíamos trabalhar em cima das questões reflexivas (Apêndice A). Procedemos, então, dessa forma, fazendo gravação das respostas. Vimos o filme até 40 minutos e, enquanto isso, ele fazia algumas anotações. Pediu para interromper quando tinhamos visto 40 minutos, anunciando que queria trabalhar as imagens vistas. Fez algumas observações com base nos comentários e, a partir disso, começamos a trabalhar em cima das questões reflexivas. Enquanto víamos o filme, ele fez alguns exercícios de autoanálise direcionados às questões de postura e comportamentos. Reporta‐se com muita freqüência às anotações que havia feito. Mostrou bastante autoconfiança em relação à sua autopercepção. FINAL Terminamos a sessão com três perguntas, com o objetivo de fazer uma síntese da autoscopia, gravando as respostas para análise posterior quanto aos resultados reflexivos e formativos decorrentes da participação dele nesse processo. 1. Por que escolheu participar desse processo? 2. Como foi ser filmado na prática escolhida? 3. Qual o aprendizado nesse processo? Antes de começar a seçãao reflexiva fez alguns comentários sobre a experiencia em ser filmado numa prática. Enquanto observavamos as imagens cometou sobre que mudaria alguns procedimentos na sua prática quanto ao maior envolvimento dos participantes. 16
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A Visualização dos Ângulos da Prática por meio da